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Os sete melhores restaurantes para comer caracóis na Grande Lisboa

Encontrar o melhor prato de caracóis foi um dos maiores desafios do crítico gastronómico Ricardo Dias Felner. Conheça os templos dos gastrópodes na Grande Lisboa e saiba porque não deve comê-los, se for sensível aos caldos de galinha ou legumes.

  • Editor
  • Ricardo Dias Felner
28 junho 2023
  • Editor
  • Ricardo Dias Felner
Taça de caracóis com colher de pau na mesa

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O ritual chega quando os dias ficam mais compridos. A partir de fins de maio, por toda a cidade de Lisboa, por toda a região do Centro e Sul de Portugal (acima de Coimbra rareiam), cafés, tascas e restaurantes emanam um perfume a orégãos que denuncia o petisco. Aquilo a que me propus foi saber o que distingue uns caracóis dos outros – e encontrar o oásis do caracol da Grande Lisboa.

Toda a gente durante a pesquisa parecia ter opiniões definitivas e conhecer o campeão. Acontecera o mesmo com os frangos da Guia e com as tripas à moda do Porto. A novidade era que, agora, todas as opiniões pareciam bater certo com a realidade. Em todos os bairros, há um café ou um restaurante competente no petisco. Para sair do imbróglio, cruzei fontes orais e provas in loco com listas de revistas e sites especializados em gastronomia. Nalguns casos, os nomes repetem-se há anos, apontando-se os consagrados, sem que percebamos pontos fortes e diferenças. Estamos perante uma receita curta, com poucas variações, quer nos ingredientes, quer na técnica. A maioria das casas sai pouco da fórmula tradicional: o caracol à portuguesa é uma tachada de gastrópodes cozidos, aromatizados num caldo com alho e orégãos. E pouco mais. 

Corninhos ao sol… de Marrocos

O elemento principal do prato é o caracol. Os grandes especialistas, como Vasco Rodrigues, à frente do mítico Júlio dos Caracóis há mais de 30 anos, garante que, antigamente, os melhores vinham do Algarve e de Santarém – opinião corroborada por colegas de ofício. Mas hoje a produção nacional não chega para as encomendas e é preciso recorrer à do Norte de África. O caracol marroquino, de calibre pequeno, domina os tachos e os tascos portugueses. Ao contrário do que muita gente pensa – e ao contrário das caracoletas –, não é produzido em viveiro, mas apanhado em modo selvagem.

Vítor Apolo, dono do Apolo 78, casa afamada em Loures, diz que os marroquinos os apanham com aspiradores e que a abundância é tal que não faria sentido produzi-los em ambiente controlado. “Quando lá fui, parei para abastecer o carro numa estação e a única superfície que não tinha caracóis era a mangueira do combustível.”

A vida do caracol marroquino em liberdade pode ser uma coisa boa ou má. Se andar em hortas ou noutra vegetação limpa de poluentes, resíduos e plantas tóxicas, terá mais sabor e dará saúde – até porque tem grande quantidade de proteína, além de ser rico em vitaminas A, B, B12 e E. O problema é que estes bichos não são seletivos, funcionando como esponjas de tudo, incluindo de pesticidas, herbicidas e outro tipo de agroquímicos e poluentes ambientais. Há estudos que comprovam a presença de metais pesados na carne do caracol...

Além de a origem dos caracóis que se comem no País ser a mesma, o fornecedor repete-se. Há um grande importador que abastece a maioria dos restaurantes e supermercados. Só que o controlo do mercado é tal que isso leva a que o caracol seja muito parecido, de tasca para tasca. E não teria de ser assim. Vítor Apolo afirma que, além de mudar consoante a variedade, o caracol "sabe ao sítio onde anda". E dá o exemplo do dos pomares de laranja, porventura o melhor. "Notam-se lá no fundo essas notas cítricas." No seu caso, gosta de misturar no prato um caracol de calibre maior, a que chama de mitra.

Orégãos e alhos não são todos iguais

Os outros dois ingredientes decisivos dos caracóis à portuguesa são os orégãos e os alhos. Aqui, as diferenças podem ser cruciais. Foi muito notória a qualidade dos orégãos na Tabuense e no Apolo 78, por exemplo. No último caso, as ervas são secas na própria casa. De resto, uma das razões pelas quais os caracóis no Algarve têm outro encanto tem que ver com isto: os orégãos algarvios são incomparáveis. Nesta região, é tradicional condimentar-se apenas com sal e o pau dos orégãos, e só o pau, por se entender que as folhas transmitem amargor.

Da mesma forma, o alho não é todo igual. Em certas casas, como no Júlio, é comprado pré-descascado e pré-congelado. Dá um jeitão não pelar alhos, mas a potência e o perfume perdem-se – e isso nota-se no molho. Noutros casos, como n’O Hoquista, um clássico de Benfica, sentimos bem a sua presença, e nem vem mal ao mundo se aparecer com casca e tudo, esmagado. 

Quanto aos demais ingredientes, há quem ponha louro ou não, quem ponha cebola ou não, mas o que me parece mais decisivo é a afinação do sal e do picante. Para mim – que gosto do caracol puxadinho, com a malagueta a morder, pondo-se a jeito para as imperiais fresquinhas e para o pão torrado –, a maioria dos caracoleiros encolhe-se nestes temperos. Uma das exceções, de entre o lote de casas testadas, foi o Arco de Paris, café de bairro na Avenida de Paris. Aqui, vi malagueta a sério e senti um toque de pimenta, algo raro nas outras casas, demasiado confiantes numa suposta poção mágica cujo nome começa por "K".

Caldo semi-industrial

E chegamos ao caldo de galinha. Tenho dúvidas se provei alguns caracóis que não o tivessem levado. A maioria das casas assumiram usar o famoso condimento industrial, depois de questionadas. As que não o fizeram também não o negaram, justificando o silêncio com o segredo culinário. 

Acontece que usar caldo Knorr nos caracóis parece já não ser segredo, nem um vexame. A grande maioria das receitas na internet usam-no. É como se o célebre processado, à base de intensificadores de sabor – do glutamato monossódico ao sal, passando por açúcar, frango em pó e curcuma –, fosse já um ingrediente clássico da receita.

Vítor Apolo diz que já tentou tirá-lo, substituindo-o por um caldo feito na casa, à base de carne, mas os clientes recusaram a inovação. De resto, o autor de outros dos caracóis mais saborosos e cuidados que experimentei, no Quiosque da Casa, no Jardim da Granja, em Benfica, afinou pelo mesmo. "Ponho pouco, mas sinto que tem de levar. Tem de ter um bocadinho." 

Será? E quando não havia caldo Knorr? No Algarve, é comum serem preparados em casa, sem mais nada a não ser sal, pau de orégãos e, eventualmente, malagueta e uma casca de limão. E a receita incluída em Cozinha Tradicional Portuguesa, de Maria de Lourdes Modesto, oriunda da Estremadura, sendo um pouco mais complexa (leva louro, cebola, pimenta, malagueta, alho e azeite), também não recorre ao famoso cubinho.

Dos romanos aos borgonheses

Temos vestígios do consumo humano de caracóis há milhares de anos, mas terão sido os romanos os primeiros a cozinhá-los com esmero e a dar-lhes palco. Em nenhuma outra região, todavia, atingem hoje o valor gastronómico – e não só – dos caracóis da Borgonha, em França. Nunca esquecerei a entrada singela de escargots, num restaurante de Beaune, 45 quilómetros a sul de Dijon. O caracol da Borgonha é o Helix pomatia, também conhecido por caracol da vinha (e que vinhas), com um calibre entre a caracoleta e o nosso caracol pequeno. O método de cozinhar é bem diferente. Os caracóis são depurados, retirados da casca e cozinhados à parte, em vinho branco, para voltarem a ser inseridos na carapaça com manteiga e ervas aromáticas. Por regra, são servidos num prato especial – chamado caquelon – com um garfinho de dois dentes apenas.

Lavagem e confeção

Por cá, o método de preparação é bem diferente do francês. Uma das etapas críticas é a lavagem. A maioria dos sítios lava os caracóis à mão, até deixarem de largar uma goma viscosa. No Apolo 78, o processo começa dois dias antes de os bichos irem para a panela. Mas, no Júlio dos Caracóis, a casa de Marvila que, no máximo da sua capacidade, pode servir 500 pessoas, há já uma máquina que ajuda na tarefa.

Muitos restaurantes garantem que nada ainda substitui a limpeza manual. "A máquina dá cabo da casca, ficam furados. E não nos deixa perceber quais estão mortos e vivos", disse-me o responsável pelo Quiosque da Casa, que serve caracóis apenas aos fins de semana ou por encomenda (916 933 010).

Essa atenção durante a limpeza permite, por outro lado, descartar os mortos. Também por isso, os caracóis do Quiosque da Casa, como os da Tabuense e os do Apolo 78, vinham todos com os corninhos de fora, um aspeto que ajuda muito o consumidor, na altura de os sorver.

Ter ou não os corninhos ao sol está associado a permanecerem vivaços, mas também ao método de cozedura. O lume deve começar no mínimo, para que os caracóis se mantenham vivos e não se recolham nas carapaças. Para o mesmo efeito, o sal deve vir só no fim, mesmo antes de se imergir o ramo de orégãos.

Quanto aos orégãos, não devem ficar a cozer durante muito tempo. Há quem use um raminho para mexer os caracóis, e não mais do que isso. E há quem os feche numa rede e os deixe submersos durante uns minutos. Certo é que o molho deve vir límpido e quente, e muito – algo que nem sempre acontece.

Quando foram feitos?

O tempo que demora entre a confeção e o consumo importa. No Apolo 78, comi um prato que, segundo Vítor Apolo, tinha sido cozido há cerca de uma hora e meia e outro, há meia hora. Eram bem diferentes. No segundo, o caracol estava mais rijinho e o caldo, mais límpido – e foi o da minha eleição. Mas, no Arco de Paris, a tachada tinha sido feita pela cozinheira do turno da manhã e reaquecida ao final da tarde, e estava bem boa. O que os caracóis perdiam em textura – mais moles – ganhavam em apuro do molho.

Sucede que um molho no ponto de pouco serve, se não chegar às conchas e for só uma camada fina na base de um prato raso. Os caracóis devem estar afundados, coisa difícil, se forem servidos em pirâmide.

Por fim, a beleza de comer caracóis, que é mais do que o que está no prato. É reunir amigos, é ter empregados espirituosos capazes de pôr pão torrado e imperiais na mesa antes mesmo de pensarmos nisso. É ter as mãos sujas e outros petiscos ao lado, do tremoço ao preguinho no pão. Nisto, o Júlio dos Caracóis é uma experiência imbatível e obrigatória, um templo democrático e gigante, com filas à porta, onde tanto pode bater umas bolas com Jorge Andrade, o antigo jogador de futebol, como encontrar gente das artes e do espetáculo, ou vendedores da Feira do Relógio. O caracol une. É aproveitar, num café perto de si. Até agosto.

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