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Como citar este e-book: Tereso JP, Honrado JP, Pinto AT, Rego FC (Eds.). 2011. Florestas do Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão. InBio - Rede de Investigação em Biodiversidade e Biologia Evolutiva. Porto. ISBN: 978-989-97418-1-2. 436 pp. Design Gráfico: Sofia Mota Composição:Sofia Mota, Cláudia Lima ÍNDICE | FLORESTAS DO NORTE DE PORTUGAL HISTÓRIA, ECOLOGIA E DESAFIOS DE GESTÃO INTRODUÇÃO | CONTEXTO, ÂMBITO E ESTRUTURA DA OBRA 5 João Pedro Tereso, João Pradinho Honrado, Ana Teresa Pinto, Francisco Castro Rego SECÇÃO I – HISTÓRIA (JOÃO PEDRO TERESO) I.1 | DINÂMICA NATURAL E TRANSFORMAÇÃO ANTRÓPICA DAS FLORESTAS DO NOROESTE IBÉRICO 14 Pablo Ramil Rego, Luis Gómez-Orellana Rodríguez, Castor Muñoz Sobrino, João Pedro Tereso I.2 | A EXPLORAÇÃO DE RECURSOS ALIMENTARES SILVESTRES E SEU ENQUADRAMENTO NAS DINÂMICAS ECONÓMICAS E SOCIAIS DAS COMUNIDADES AGRÍCOLAS DESDE A PRÉ-HISTÓRIA À ÉPOCA ROMANA 55 João Pedro Tereso, Pablo Ramil Rego, Rubim Almeida da Silva I.3 | A FLORESTA E O MATO. A EXPLORAÇÃO DOS RECURSOS LENHOSOS PELAS SOCIEDADES DA IDADE DO BRONZE NO NORTE DE PORTUGAL 84 María Martín Seijo, Isabel Figueiral, Ana Bettencourt, António H. Bacelar Gonçalves, M. I. Caetano Alves I.4 | A FLORESTA E A RESTITUIÇÃO DA FERTILIDADE DO SOLO NOS SISTEMAS DE AGRICULTURA ORGÂNICOS TRADICIONAIS DO NE DE PORTUGAL 99 Carlos Aguiar, João C. Azevedo SECÇÃO II – ECOLOGIA (JOÃO PRADINHO HONRADO) II.1 | EC OL O GI A, DIVERSIDA DE E DINÂMICAS RECENT ES DOS ECOSSISTEMAS FLORESTAIS NA S PAISA GEN S DO NORT E DE PORTUGAL 118 João Pradinho Honrado, Joaquim Alonso, Ângela Lomba, João Gonçalves, Ana Teresa Pinto, Sónia Carvalho Ribeiro, Carlos Guerra, Rubim Almeida da Silva, Henrique Nepomuceno Alves II.2 | AS FLORESTAS E A CONSERVAÇÃO DA NATUREZA E DA BIODIVERSIDADE NO NORTE DE PORTUGAL Paulo Alves, Cristiana Vieira, Helena Hespanhol, João Alexandre Cabral, Hélia Vale-Gonçalves, Paulo Barros, Paulo Travassos, Diogo Carvalho, Cármen Silva, Carla Gomes, Rita Bastos, Regina Santos, Mário Santos, José Manuel Grosso-Silva, Francisco Barreto Caldas 169 ÍNDICE | FLORESTAS DO NORTE DE PORTUGAL HISTÓRIA, ECOLOGIA E DESAFIOS DE GESTÃO II.3 | CONDIÇÃO E TENDÊNCIAS RECENTES DOS SERVIÇOS DOS ECOSSISTEMAS FLORESTAIS NO NORTE DE PORTUGAL 205 Sónia Carvalho Ribeiro, João C. Azevedo, Carlos Guerra, Vânia Proença, Claudia Carvalho Santos, Isabel Pôças, Teresa Pinto Correia, João Pradinho Honrado II.4 | FOGO, RESILIÊNCIA E DINÂMICA EM ESPAÇOS FLORESTAIS DO NORTE DE PORTUGAL 248 João Torres, João Gonçalves, Ana Teresa Pinto, Vânia Proença, João Pradinho Honrado SECÇÃO III – DESAFIOS DE GESTÃO (ANA TERESA PINTO, FRANCISCO CASTRO REGO) III.1 | GESTÃO FLORESTAL NO NORTE DE PORTUGAL: PERSPE- TIVAS E DESAFIOS FUTUROS 283 João Bento, Pedro Ferreira, Marco Magalhães III.2 | RUMO A UMA GESTÃO FLORESTAL SUSTENTÁVEL EM ESPAÇOS DE MONTANHA: O CASO DA LOMBADA 337 Ana Teresa Pinto, Graça Barreira, João Paulo Castro, Maria do Loreto Monteiro, Francisco Castro Rego III.3 | O DESAFIO ATUAL E FUTURO DA GESTÃO DAS ESPÉCIES EXÓTICAS INVASORAS NOS ESPAÇOS FLORESTAIS DO NORTE DE PORTUGAL 386 Joana Vicente, Rui Fernandes, Ângela Lomba, Ana Teresa Pinto, Joaquim Alonso, Paulo Alves, José Alberto Gonçalves, Hélia Marchante, Elizabete Marchante, João Pradinho Honrado III.4 | DESAFIOS E MODELOS PARA A MONITORIZAÇÃO DAS FLORESTAS DO NORTE DE PORTUGAL Francisco Castro Rego, João Pradinho Honrado 419 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Introdução CONTEXTO, ÂMBITO E ESTRUTURA DA OBRA João Pedro Tereso1, João Pradinho Honrado1, Ana Teresa Pinto1, Francisco Castro Rego2 Tereso JP, Honrado JP, Pinto AT, Rego FC (2011). Contexto, âmbito e estrutura da obra. In Tereso JP, Honrado JP, Pinto AT, Rego FC (Eds.) Florestas do Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão. InBio - Rede de Investigação em Biodiversidade e Biologia Evolutiva. Porto. ISBN: 978-989-97418-1-2. Pp 5-13. 1. O e-book no contexto do Ano Internacional das Florestas As florestas são repositórios de valores naturais e culturais de elevada importância para a sociedade. Pelo seu papel na conservação da biodiversidade, no desenvolvimento económico e na construção identitária das sociedades que delas usufruíram e usufruem, as florestas constituíram-se como ecossistemas de especial relevo nas dinâmicas sociais e ambientais ao longo dos tempos. As florestas são ecossistemas complexos, com estrutura e funcionamento muito diversos e dependentes de inúmeros fatores. Neste contexto, o seu estudo contribuirá de forma decisiva para a sua preservação e valorização, no quadro alargado da gestão sustentável dos recursos naturais e da partilha equilibrada dos benefícios gerados pelos ecossistemas. Tendo a Assembleia-Geral das Nações Unidas declarado 2011 como Ano Internacional das Florestas, subordinado ao lema “Florestas para todos”, o consórcio InBio (Rede de Investigação em Biodiversidade e Biologia Evolutiva) reconheceu a relevância e pertinência da efeméride e assumiu com naturalidade o seu desejo de participar nas comemorações. Este e-book surge precisamente no âmbito dessa associação do InBio à celebração do Ano Internacional das Florestas. De facto, esta iniciativa relaciona-se de forma harmoniosa com o percurso científico e de participação cívica das instituições que compõem o InBio, não só na forma de inúmeros trabalhos de índole científica e académica, mas também considerando as frequentes ações de divulgação e sensibilização para o público e ainda o estabelecimento de planos estratégicos visando a preservação e o melhor conhecimento da biodiversidade e dos sistemas ecológicos. Os textos compilados no presente e-book refletem uma parte da diversidade de abordagens seguidas na investigação ecológica e na sua aplicação à gestão e conservação das florestas nacionais. O lema “Florestas para todos”, pleno de atualidade e pertinência, espelha a necessidade de refletir acerca do papel do Homem na evolução dos ecossistemas florestais, na sua preservação, gestão e valorização. Ao mesmo tempo, este lema assinala a complexidade do estudo das florestas e a necessidade de garantir uma visão plural, diacrónica e multidisciplinar. Esta obra pretende ir ao encontro desta necessidade, juntando contribuições de especialistas de distintas disciplinas científicas, tais como a Ecologia, a Engenharia Florestal e a Arqueologia. Partindo de diferentes perspetivas, estes especialistas têm desenvolvido investigação fundamental e aplicada sobre o tema deste ano internacional e, em particular, sobre as florestas nacionais e regionais. Tais esforços de investigação encontram-se espelhados nesta obra, daí resultando a convicção de que o resultado é uma visão renovada e atualizada do que é a 1 InBio / CIBIO-Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos, Universidade do Porto 2 InBio / CEABN-Centro de Ecologia Aplicada Baeta Neves, Universidade Técnica de Lisboa 5 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Introdução Floresta hoje, como evoluiu até aos nossos dias, quais são as principais ameaças que sobre ela incidem e quais são os principais desafios para a sua gestão futura. 2. Âmbito geográfico – o Norte de Portugal Localização e condições ambientais O Norte de Portugal Continental constitui um território de orografia acidentada, com cerca de 20 000 km2 (correspondentes a cerca de 25% do território nacional). Em termos práticos, corresponde à unidade territorial NUTS-II com o mesmo nome e à área de jurisdição da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte. Ao longo do presente livro, esta é a definição operacional mais comum do território em estudo, ainda que para determinadas análises, em função da disponibilidade de dados, se tenham adotado limites ligeiramente diferentes. Trata-se de um território de grande diversidade climática, devido à sua posição geográfica e ao seu relevo acidentado e diversificado. O Noroeste é em geral um território de influência temperada Atlântica, com clima chuvoso e fresco, ainda que exibindo um verão moderadamente quente e seco, em particular nas áreas menos elevadas. Pelo contrário, o Nordeste é um território de clima Mediterrânico continental, progressivamente mais seco à medida que descemos em altitude e latitude, das serranias do Montesinho ao vale encaixado do Douro Superior. Litologicamente, predominam claramente as rochas ácidas, de origem ígnea (principalmente granitos) ou metamórfica (xistos, quartzitos, etc.). Destaca-se a presença de afloramentos pontuais de rochas básicas e ultrabásicas no Nordeste transmontano, pela distinção que motivam na flora, na vegetação e na paisagem. Figura 1 A região Norte de Portugal Continental – localização geográfica e limites adotados no presente livro. 6 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Introdução Do cruzamento destes vários padrões e gradientes ambientais resultou um espaço de grande heterogeneidade biofísica, com uma história de ocupação humana também heterogénea, originando uma considerável diversidade de paisagens num território com extensão relativamente modesta. Estas paisagens albergam, de forma diversa, uma notável variedade de ecossistemas florestais, dominados por múltiplas espécies e com distintos modelos de gestão. É sobre esta diversidade, a sua evolução, o seu presente e o seu futuro, que se debruçam os vários capítulos do presente livro. A ocupação humana e as florestas ao longo do tempo As primeiras evidências claras de pressão antrópica sobre os ecossistemas florestais do Norte de Portugal datam de há cerca de 7000 anos e devem-se às primeiras sociedades produtoras do Neolítico. Ainda assim, a região já havia sido habitada por comunidades de caçadores-recoletores, que certamente encontraram nas florestas diversos recursos (vegetais e animais) essenciais à sua sobrevivência. Foi na transição para o Calcolítico (3200/3000 – c. 2200 a.C.) e, em especial, na Idade do Bronze (c. 2200 – 600/500 a.C.), prolongando-se durante a Idade do Ferro (600/500 a.C. – transição da Era), que se registou um significativo aumento na pressão sobre as florestas e um consequente aumento dos fenómenos erosivos. Estas fases de forte desflorestação relacionam-se com visíveis alterações nos sistemas organizativos das sociedades, correspondendo a uma paulatina sedentarização das comunidades humanas, a um aumento demográfico e a um desenvolvimento das práticas agro-pastoris. Este processo foi continuado e até fomentado durante a Época Romana (transição da Era – início do séc. V d.C.), descontinuado com o final do Império e novamente aumentado na Idade Média (em especial desde a fundação da nacionalidade). Desde a Idade Média, mas em especial a partir da Época Moderna (séc. XV), e até aos nossos dias, assiste-se a um aumento dos povoamentos florestais, marcando um paradigma distinto das fases anteriores. Com a evolução dos modelos sociais e económicos, inerente ao devir das comunidades humanas, as estratégias de gestão das florestas e exploração dos seus recursos alteraram-se. De facto, o sentido foi o de uma crescente intensificação da pressão sobre as florestas, da sua fragmentação e posterior reconstrução com novos modelos e novas espécies. A floresta e o setor florestal O início do século XX ficou marcado pela arborização das serras e dunas e pela criação do regime florestal total ou parcial, com o claro objetivo de, por um lado, contrariar os acentuados processos erosivos e a degradação dos recursos florestais, e de, por outro lado, responder às necessidades cada vez maiores do desenvolvimento industrial no que respeita aos produtos florestais. Na região Norte, que alberga cerca de 59% das áreas baldias do país (na sua maioria sujeitas a regime florestal parcial), teve particular expressão o Plano de Povoamento Florestal iniciado em 1938 e que resultou na arborização massiva dos baldios, localizados essencialmente em zonas de montanha, com recurso maioritário a espécies resinosas, tirando partido das suas características rústicas e pioneiras num contexto edafo-climático exigente. Será de destacar 7 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Introdução ainda a criação do Fundo de Fomento Florestal, em 1964, que visava a arborização de terrenos privados; o Programa de Fomento Suberícola em 1956; o Projecto Florestal Português/ Banco Mundial em 1981 (que marca a plantação de eucalipto em larga escala e em ritmo mais intenso), os diversos programas com apoio da Comunidade Europeia à arborização, rearborização e reconversão de terras agrícolas ou matos em floresta, que a partir de 1986 foram sendo implementados no país, e o Fundo Florestal Permanente, criado em 2004. O esforço e o investimento no aumento da área florestal do país, a par do crescente abandono rural e consequente regeneração das florestas nativas, condicionaram a floresta que temos hoje. Na parte Norte do país predomina a propriedade particular de pequena dimensão, repartida por muitos blocos e associada a uma apreciável superfície comunitária nas regiões de montanha. De facto, aproximadamente 38% dos prédios rústicos de Portugal continental estão situados na região Norte do país, cerca de 95% dos quais têm área inferior a um hectare. Esta compartimentação da titularidade da propriedade florestal traduz-se num acréscimo de dificuldades no que respeita à aplicação de uma gestão florestal sutentável, com especial significado na prevenção e combate dos incêndios florestais. Procurando fazer face a estas dificuldades, entre os novos intervenientes no setor florestal destacam-se, pela importância que têm hoje, as organizações associativas, nomeadamente as associações e cooperativas de produtores florestais. O associativismo florestal assume atualmente um papel de grande relevância, pela possibilidade de uma gestão coletiva de parcelas florestais pertencentes a diferentes proprietários com efeitos significativos no sucesso da gestão florestal, assim como no próprio aumento da área florestal do país, uma vez que as associações de produtores têm atuado como o principal veículo de aplicação no território nacional dos apoios europeus concedidos à floresta. Segundo o último inventário florestal nacional, as principais espécies dos espaços florestais do Norte do país são, sem surpresa, o pinheiro-bravo, que corresponde a 45% da floresta da região, e o eucalipto, com 28%. Os carvalhos marcam também uma presença indelével, ocupando cerca de 17% dos espaços florestais da região, favorecidos pelo abandono agrícola e pastoril que a região tem vindo a sofrer nas últimas décadas e normalmente associados aos espaços de conservação da natureza. 3. Estrutura e conteúdos do e-book Secção I – História da floresta no Norte de Portugal A primeira Secção versa a história da floresta, numa perspetiva diacrónica ampla que, ainda assim, foca ao pormenor os aspetos mais cruciais. Retrata-se, de acordo com dados paleoambientais e históricos, a complexa evolução dos ecossistemas florestais, demonstrando como foi condicionada, numa primeira fase, por dinâmicas ambientais globais e regionais, e posteriormente pelo devir das comunidades humanas, em função de dinâmicas sociais e políticas. Aborda-se, de igual modo, a forma como, ao longo do tempo, as comunidades humanas usufruíram dos recursos alimentares e lenhosos fornecidos pelas florestas, bem como o impacto do desenvolvimento das práticas produtivas na constituição e dimensão das áreas florestais. 8 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Introdução O primeiro capítulo, de P. Ramil Rego e colaboradores, apresenta uma perspetiva genérica e diacronicamente muito ampla da evolução das florestas. Esta caracterização inicia-se com a formação dos primeiros ecossistemas florestais em Eras geológicas longínquas, na medida em que a evolução das florestas e a evolução do planeta (e.g. grandes ciclos climáticos, momentos de extinção em massa e deriva continental) são indissociáveis. Dá-se particular ênfase ao Quaternário e ao último ciclo glaciar-interglaciar, em especial às evidências do papel da alternância entre fases de clima frio e fases temperadas na moldagem das florestas do início do atual interglaciar, o Holocénico. Neste aspeto, tem particular relevância a deteção de extinções regionais de flora, assim como a presença de áreas de refúgio de flora temperada. Por fim, demonstra-se o papel das comunidades humanas nas épocas mais recentes, primeiramente numa lógica de subsistência e desenvolvimento regional aliado a atividades produtivas (e.g. pastorícia, agricultura e exploração mineira), e depois num paradigma de industrialização e exploração massiva de recursos lenhosos, conduzindo a uma expansão de formações florestais de caráter alóctone. O segundo e terceiro capítulos focam a exploração antrópica de recursos providenciados pelos ecossistemas florestais. O estudo de J. Tereso e colaboradores centra-se na recoleção de frutos silvestres e nas atividades cinegéticas das comunidades humanas entre o Neolítico (c. 5200 a.C.) e o final da Época Romana (século V d.C.), isto é, em fases de desenvolvimento e consolidação das estratégias produtivas – agricultura e pastorícia. Ainda que, ao longo do Figura 2 Diagrama polínico da Lagoa de Marinho, na Serra do Gerês, com dados referentes à evolução da paisagem desde o final do Plistocénico até aos dias de hoje (ver Secção I, capítulo 1). 9 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Introdução tempo, os recursos silvestres tenham perdido relevância nas estratégias de subsistência, mantiveram mesmo assim um papel importante enquanto complemento alimentar, numa estratégia de otimização de recursos. No que respeita aos recursos lenhosos, focados no terceiro capítulo, estes tiveram um papel determinante nas atividades quotidianas das comunidades pré-industriais, servindo como combustível e material de construção, entre outros fins. M. Martin Seijo e colaboradores apresentam dados antracológicos inéditos de duas jazidas arqueológicas da Idade do Bronze inicial/médio. Compreender as estratégias de recolha e uso de recursos lenhosos das comunidades humanas do início da Idade do Bronze e obter dados que ajudem a caracterizar os ecossistemas florestais desse período torna-se particularmente relevante, tendo em conta que foi durante a Idade do Bronze, em especial no Bronze final, que se iniciou uma fase de pressão sem precedentes sobre os ecossistemas florestais. A primeira secção culmina com um inovador estudo que, focando uma realidade do início do século XX, aborda o papel das atividades produtoras, nomeadamente a criação de gado e a agricultura na evolução das florestas durante o último terço do Holocénico. O estudo de C. Aguiar e J.C. Azevedo acerca do sistema de agricultura orgânica da Terra Fria Transmontana demonstra que a necessidade de renovar a fertilidade dos solos agrícolas, associada a uma população crescente e necessitada de mais recursos alimentares, se torna incompatível com a existência de áreas florestais. O resultado final é um sistema agrícola insustentável e uma paisagem amplamente desflorestada. No seu conjunto, os capítulos desta secção permitem uma boa compreensão do que foi a evolução das florestas e de qual foi o papel dos diversos fatores ambientais e das comunidades humanas nesse devir. Secção II – Diversidade atual e ecologia das florestas regionais A Secção II debruça-se sobre a realidade atual das florestas na região, descrevendo a sua diversidade e representação atual no território, destacando os aspetos mais significativos e identificando os principais processos e promotores de alteração destes ecossistemas. Esta Secção assinala também a ponte entre o passado e o futuro das florestas regionais, ao interpretá-las como resultado de um processo evolutivo influenciado por múltiplos fatores (naturais e antrópicos) e ao descrevê-las como sistemas dinâmicos cujo futuro estará certamente ligado às decisões individuais e coletivas de gestão dos recursos naturais. No primeiro capítulo, J. Honrado e colaboradores apresentam uma síntese da realidade atual dos ecossistemas florestais na região, descrevendo a sua diversidade e os fatores que a determinam. É proposto um esquema simples de classificação que considera gradientes climáticos, edáficos e de naturalidade/gestão antrópica. Os autores apresentam também uma introdução às principais funções das florestas regionais, aos principais produtos gerados e aos mais relevantes serviços ecossistémicos por elas prestados. São também brevemente discutidos os riscos naturais e outros fatores mais relevantes para a condição e dinâmicas das florestas e dos espaços florestais. No segundo capítulo da Secção, P. Alves e colaboradores apresentam uma descrição detalhada da biodiversidade das florestas regionais. São apresentados, para cada tipo de ecos- 10 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Introdução sistema florestal natural e antropogénico, os valores mais significativos da flora vascular, da flora briológica, da fauna de vertebrados e da fauna de invertebrados. São também referidos os tipos de habitats naturais e seminaturais com estatuto de proteção filiados a cada tipo de floresta. Finalmente são apresentadas algumas conclusões acerca do valor natural dos diversos tipos de florestas presentes na região. O terceiro capítulo, elaborado por S. Carvalho Ribeiro e colaboradores, apresenta uma avaliação sumária da condição atual e das tendências recentes dos serviços de ecossistema prestados pelas florestas da região. Os autores apresentam inicialmente um enquadramento conceptual de suporte à avaliação dos serviços de ecossistema. Segue-se uma descrição dos principais serviços de produção (excluídos os principais produtos lenhosos), de regulação, de suporte e culturais. São finalmente discutidos os usos e as preferências sociais das florestas bem como alguns cenários futuros para a provisão de serviços ecossistémicos pelas florestas regionais. Finalmente, no quarto capítulo da Secção, J. Torres e colaboradores discutem a relação atual e recente entre o fogo, a paisagem e as dinâmicas dos espaços florestais na região. É brevemente apresentada e analisada a afetação atual das florestas pelos incêndios no contexto nacional, sendo seguidamente detalhada a realidade da região Norte no que se refere aos padrões espácio-temporais de fogo e aos seus determinantes. É apresentado um estudo de caso relativo à resiliência de florestas naturais e antropogénicas sujeitas a incêndios, e são finalmente discutidas algumas implicações para o planeamento e a gestão dos espaços florestais na região. Figura 3 Diversidade de ecossistemas florestais no Norte de Portugal: espécie(s) arbórea(s) com maior área ocupada por concelho (ver Secção II, capítulo 1). 11 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Introdução Secção III – Desafios de gestão e o futuro das florestas regionais As características próprias dos espaços florestais e a crescente preocupação com os aspetos ambientais e de conservação da biodiversidade a eles associados, bem como a sua vocação para a multifuncionalidade, obrigam à existência de uma gestão planeada garantindo a sua conservação e exploração sustentável. A Secção III aborda os desafios relacionados com a gestão e o ordenamento florestal da região e com a gestão de espécies lenhosas invasoras nos espaços florestais, bem como a importância da monitorização das florestas e a sua resposta a setores aparentemente tão diversos como a indústria e a conservação da natureza. No primeiro capítulo desta Secção, J. Bento e colaboradores apresentam os princípios e orientações estabelecidos na Estratégia Nacional para as Florestas (ENF) e nos Planos Regionais de Ordenamento Florestal (PROF) da Região Norte, e respetivas consequências ao nível da organização e distribuição da floresta, tecendo considerações acerca da viabilidade e relevância das principais espécies florestais e modelos de silvicultura para a consolidação e desenvolvimento das florestas na região. Procede-se ainda à revisão das normas gerais a aplicar na gestão das áreas florestais e caracterizam-se os modelos de silvicultura na sua relação com as funções gerais de (i) produção, (ii) proteção, (iii) conservação, (iv) silvo-pastorícia, caça e pesca, e (v) recreio e enquadramento da paisagem, estabelecendo prioridades para a escolha dos modelos ajustados a cada sub-região homogénea. O segundo capítulo, de A.T. Pinto e colaboradores, visa a apresentação de propostas ao nível da intervenção silvícola e de defesa da floresta contra incêndios, no âmbito dos Planos Figura 4 Zonagem e localização das funções prioritárias de gestão florestal da região Norte (ver Secção III, capítulo 1). 12 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Introdução de Utilização dos Baldios integrados na Zona de Caça Nacional da Lombada, no concelho de Bragança. O facto de a quase totalidade desta área (cerca de 90%) estar inserida no Parque Natural de Montesinho, na Zona de Proteção Especial (ZPE) e no Sítio de Importância Comunitária (SIC) Montesinho-Nogueira, e simultaneamente corresponder a regime florestal parcial (Perímetro Florestal de Deilão) e regime cinegético especial (Zona de Caça Nacional), confere-lhe uma série de especificidades que a tornam um interessante caso de estudo. De facto, a proficuidade de normativos de ordenamento do território e de planeamento florestal que aqui se sobrepõem coloca desafios acrescidos a uma gestão florestal que se quer cada vez mais sustentável em articulação com as políticas regionais de conservação da natureza. O terceiro capítulo, de J. Vicente e colaboradores, aborda a temática das plantas lenhosas invasoras e o seu potencial conflito com as áreas florestais da região que estão sob tutela do Estado. Reconhecida como uma das principais causas atuais do declínio da biodiversidade, a invasão biológica e as consequentes alterações nos ecossistemas podem constituir sérias ameaças à provisão de serviços pelos ecossistemas. No Norte do país, três espécies do género Acacia – a mimosa (Acacia delbata), a austrália (Acacia melanoxylon) e a acácia-de-espigas (Acacia longifolia) – apresentam comportamento invasor expresso na colonização agressiva de espaços florestais sujeitos a perturbações. Neste contexto, os autores avaliam a distribuição potencial destas três espécies na região, na atualidade e no futuro (com base em cenários de mudança climática e de uso do solo). O conflito espacial entre estas espécies invasoras e os perímetros florestais geridos em regime florestal parcial pela Autoridade Florestal Nacional na região é também avaliado. O quarto e último capítulo desta Secção e do e-book, de F.C. Rego e J. Honrado, reflete sobre a importância da monitorização como uma ferramenta essencial no apoio à gestão das florestas e às políticas florestais nas diversas escalas e nos diversos níveis de decisão e ação. Este capítulo encontra-se dividido em duas grandes partes. Na primeira parte, os autores descrevem a evolução dos Inventários Florestais Nacionais, instrumentos centrais na avaliação e monitorização das florestas portuguesas. São sumariamente descritos o âmbito, os objetivos, as metodologias e as ferramentas dos diversos Inventários, e a sua evolução entre 1963-1966 e 2005-2006. Na segunda parte do capítulo apresentam-se os pressupostos e os objetivos da monitorização ecológica dos ecossistemas florestais e da sua biodiversidade no quadro das políticas e estratégias de conservação da natureza. São ainda apresentados exemplos de investigação ecológica aplicada no contexto regional, e são finalmente discutidas as perspetivas de integração dos diversos instrumentos de avaliação e monitorização das florestas regionais e nacionais. 13 SECÇÃO 01 CAPÍTULO 01 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 1 2 DINÂMICA NATURAL E TRANSFORMAÇÃO ANTRÓPICA DAS FLORESTAS DO NOROESTE IBÉRICO Pablo Ramil Rego1, Luis Gómez-Orellana Rodríguez1, Castor Muñoz Sobrino2, João Pedro Tereso3 Ramil Rego P, Gómez-Orellana L, Muñoz Sobrino C, Tereso JP (2011). Dinâmica natural e transformação antrópica das florestas do noroeste ibérico. In Tereso JP, Honrado JP, Pinto AT, Rego FC (Eds.) Florestas do Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão. InBio - Rede de Investigação em Biodiversidade e Biologia Evolutiva. Porto. ISBN: 978-989-97418-1-2. Pp 14-54. Los que ayer fueron bosques y selvas/ de agreste espesura, / donde envueltas en dulce misterio / al rayar el día / flotaban las brumas, /y brotaba la fuente serena / entre flores y musgos oculta, / hoy son áridas lomas que ostentan / deformes y negras / sus hondas cisuras. Rosalia de Castro de Murgía (1837-1885) Resumo: As florestas são o resultado histórico da interação entre a evolução das espécies e das biocenoses, com as dinâmicas climáticas e ambientais globais e regionais. Neste processo o Homem exerceu, inicialmente, um papel semelhante ao dos restantes necrófagos-predadores, convertendo-se depois num fator determinante na sucessão, extinção e manutenção das florestas nativas, assim como na substituição destas por formações artificiais de escassa biodiversidade. No presente trabalho apresenta-se uma síntese desta evolução complexa, analisando os efeitos dos grandes processos climáticos na configuração da paisagem florestal no Terciário e Quaternário no noroeste ibérico, assim como as posteriores interações e perturbações causadas pelas distintas fases culturais humanas, até atingirmos a configuração paisagística atual. NATURAL DYNAMICS AND ANTHROPOGENIC TRANSFORMATION OF THE FORESTS IN NW IBERIA Abstract: Forests are the historical result of the interaction between the evolution of species and biocoenosis, with the climate and environmental global and regional dynamics. In this process, humans had, at first, a role similar to that of other scavengers and predators, only to become, later on, the determinant factor in the succession, extinction and maintenance of native forests, as well as in the replacement of these by artificial formations with little biodiversity. In this work we present a synthesis of this complex evolution, analyzing the effects of major climate processes in shaping the forest landscape in the Tertiary and Quaternary in the northwest Iberian Peninsula, as well as subsequent interactions and disturbances caused by human distinct cultural phases, until we reached the current configuration of landscape. 1 2 3 GI-1934 TB Laboratorio de Botánica & Biogeografía, IBADER, Universidade de Santiago, E-27002 Lugo, Spain Depto. de Bioloxía Vexetal e Ciencias do Solo, F. de Ciencias, Universidade de Vigo, Campus de Marcosende s/n, E-36200 Vigo, Spain InBio / CIBIO-Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos, Universidade do Porto 15 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 1 2 1. Os estudos paleecológicos A configuração paisagística que temos na atualidade é o resultado de um complexo conjunto de acontecimentos que decorreram ao longo de um amplo espaço temporal. No longo devir da história vegetal, os fatores orogénicos e climáticos, ligados a fenómenos de deriva continental, alterações atmosféricas, alterações na órbita terrestre, entre outros, tiveram um papel primordial na estrutura e distribuição das florestas do noroeste ibérico. Apesar disto, nos últimos 500,000 anos emergiu um novo fator-chave para a compreensão da atual paisagem vegetal: a chegada de uma nova espécie, o Homem. A sua marca sobre os ecossistemas foi lentamente crescendo até aumentar exponencialmente, a partir do último terço do Holocénico, de forma a converter-se no elemento mais perturbador e transformador dos ecossistemas. Até à expansão e hegemonia do Homem, a configuração espácio-temporal dos ecossistemas terrestres dependia diretamente da dinâmica climática global, modulada por variações na configuração das massas continentais (altitude, latitude), sucedendo-se amplos períodos de estabilidade e períodos, geralmente mais curtos, de grandes mudanças provocadas por processos orogénicos e de deriva, assim como pelo impacto de asteroides. A interpretação destes processos foi originalmente sustentada pelas teorias do gradualismo (Hutton 1778), catastrofismo (Cuvier 1812), atualismo (Lyell 1830) e evolucionismo (Lamarck 1809, Darwin 1859). Algumas destas propostas foram formuladas sob princípios antagónicos mas, ao longo do tempo, foram complementadas, constituindo os fundamentos das teorias integrais da tectónica de placas ou da deriva continental, para fortalecer o papel de fatores externos (alterações orbitais, impacto de asteroides, etc.). Independentemente da teoria, o papel atribuído ao Homem, como motor ou catalisador de mudança era ínfimo. O interesse desta dialética está no ponto de viragem que representam os primeiros trabalhos e estudos de caráter científico sobre restos de organismos que se realizam na Península Ibérica desde o século XVIII. Além das notas acerca da descoberta de ossos de grande dimensão ou troncos carbonizados, o século XVIII deixou-nos escritos nos quais se debatem as mudanças na distribuição dos seres vivos e a sua vinculação com processos de alteração na configuração da Terra. Entre estes escritos devemos salientar aqueles que foram efetuados pelo galego Benito Jerónimo Feijoo y Montenegro [16761764] que, influenciado por trabalhos franceses dessa época, se refere à problemática dos fosseis nas suas duas obras, Teatro Crítico Universal (1726-1740) e as Cartas Eruditas y Curiosas (1742-1760) nas quais refuta as ideias clássicas sobre a existência de gigantes ou sobre a sua vinculação ao dilúvio universal. A José Torrubia [1698-1761] se deve o primeiro tratado de paleontologia espanhol, publicado em 1754 com o título Aparato para la Historia Natural Española. Torrubia considera imprescindível para o trabalho dos naturalistas a observação direta dos objetos naturais e a descrição do maior número possível de amostras de forma a servir de apoio aos seus estudos (Perejón 2001). O século XIX foi marcado por um contínuo, ainda que posteriormente não mantido, incremento nos estudos paleontológicos, tanto de vestígios animais como de vegetais. Aumenta o número de investigadores dedicados a estes temas e com eles aumentam os achados, as co- 16 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 1 2 leções e os trabalhos científicos. Apesar de a mudança ser inerente à formulação das teorias geológicas, o conceito de mudança sucessional só será introduzida no debate científico no início do século XX, através do botânico F. E. Clements [1874-1945]. Este postulava a existência de um processo de alteração de comunidades, de caráter unidirecional e determinista, que determinava a convergência de todas as comunidades presentes numa mesma região climática, em direção a uma etapa de equilíbrio (clímax), cujas características seriam controladas exclusivamente pelo clima da região (Clements 1916). Coincidindo com a publicação da teoria sucessional de Clements, o naturalista sueco Ernst Jakob Lennart von Post [1884-1951] publica em 1916 a primeira análise quantitativa de pólen (Manten 1967). Considerado um dos fundadores da palinologia, juntamente com O. Gunnar Erdtman, Knut Fægri e Johannes Iversen, constituirá as bases da moderna paleobotânica – paleopalinologia ao longo da primeira metade do século XX. Em sintonia com este processo, na década de 1940 publica-se a primeira análise polínica da Península Ibérica, efetuada por M. Montenegro de Andrade (1944 a, b) e orientada para o estudo da distribuição do género Pinus durante o Terciário (Figura 1). Um ano mais tarde, a partir do laboratório de botânica da Universidade de Santiago de Compostela, publica-se a primeira análise polínica do Quaternário espanhol (Bellot e Vieitez 1945). De novo, o pinheiro marca o objeto deste trabalho, ainda que neste caso se orientasse para avaliar o caráter autóctone das populações de pinheiro atuais num momento em que o governo autárquico apostava nesta espécie para iniciar uma cruzada florestal no território espanhol, que traria graves consequências ambientais e sociais (cf. López Andion 1985, Rico Boquete 1995, 1999, 2000). Figura 1 Madeira fossil de Gimnospérmica (aprox. 150 MA), recolhida pelo Professor Montenegro de Andrade no Casal de Frade-Alvorninha, Caldas da Rainha (Portugal). Edifício da reitoria da Universidade do Porto. 17 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 1 2 A teoria sucessional de Clements dominará parte do pensamento científico durante a primeira metade do século XX. A visão holística de Clements será modificada pelas contribuições de Gleason (1927, 1939), Tansley (1946), Whittaker (1967, 1975), Margalef (1958, 1963) e Odum (1969). Desde meados da década de 1970, o monoclimax de Clements foi substituído por duas orientações: a daqueles investigadores que salientavam as causas próximas para explicar as alterações nas comunidades, particularmente relacionadas com o enfoque da ecologia de populações; e aqueles que proponham a substituição dos paradigmas de equilíbrio pelos da inexistência de equilíbrio (De Angelis e Waterhouse 1987, Luken 1990, Glenn-Lewin et al. 1992, Kandus 2000, Sghugart 2003). Na formulação e validação das novas teorias sucessionais, a paleoecologia, definida como a ecologia que estuda o passado (Birks e Birks 1980), constitui uma ferramenta essencial para a validação de modelos e da eficiência das suas previsões (cf. Birks e Birks 1980, Huntley 1996, 2001, Rull 1990, Johnstone e Chapin 2003, Gilson 2004). Apesar dos avanços científicos, o clímax, como proposta de uma sucessão única, dirigida e autogénica, afirmar-se-á em algumas escolas botânicas, nas quais o passado e a dinâmica pretérita dos ecossistemas são relegados para um aspeto puramente formal ou introdutório. Deste modo, estabelecem-se séries de vegetação reducionistas que são incongruentes com a dinâmica recente, histórica, dos ecossistemas florestais e menos ainda servem para analisar as mudanças sofridas por estes em períodos temporalmente mais amplos. (cf. Ramil-Rego et al. 2005). O uso incorreto dos conceitos sucessionais não se restringiu à esfera da discussão científica. Estes foram amplamente utilizados como justificação para estratégias de gestão de ecossistemas naturais e seminaturais, frequentemente com consequências nefastas. Assim, em muitos casos, justificou-se a plantação de espécies exóticas sobre urzais e zonas húmidas, como uma estratégia destinada a estabelecer um paraclímax, que atuasse como facilitador de uma posterior fase de clímax. Para justificar este tipo de propostas, alude-se, sem provas científicas, à degeneração genética das populações de espécies autóctones ou à degradação das massas nativas residuais. Em outros casos, planeiam-se atuações de gestão sobre determinadas formações permanentes (urzais de cumeada e matagais orófilos) com o intuito de propiciar o desenvolvimento de biocenoses nemorais, em locais onde limitações de caráter climático e edáfico condicionam mais a sua presença que a presumível competição que podem representar as formações arbustivas. A inadequada compreensão dos processos sucessionais conjuga-se, em muitas ocasiões, com significativas inexatidões no momento de estabelecer o caráter autóctone de uma determinada espécie e a sua capacidade de se expandir territorialmente e provocar efeitos competitivos sobre as biocenoses pré-existentes. Incongruências desta natureza decorrem, por exemplo, nas menções à presença e distribuição do género Pinus e ao papel dos pinhais na vegetação, e à cronologia e fases de expansão e retração de elementos como Fagus, Castanea, Tilia, Juglans, Quercus ilex. 18 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 1 2 2. A grande colonização vegetal dos continentes Os primeiros vestígios de fosseis correspondem a cianobactérias que deixaram a sua marca em sedimentos Pré-câmbricos de há cerca de 3.460 milhões de anos (3.460 Ma). As primeiras plantas de vida terrestre surgem na Era Paleozoica, durante o período Ordovícico, há cerca de 450 Ma (Wellman et al. 2003). Destas primeiras plantas, de apenas 5cm de altura, surgem e evoluem desde o Silúrico-Devónico (443-359 Ma) os distintos grupos de “fetos” (Lycopodiophyta, Trimerophyta, Sphenophyta, Pteridophyta). Posteriormente, entre o Devónico Superior e o Carbonífero Inicial, aparecem as “Progimnospérmicas” (Psilophyton, Archaeopteris, Aneurophyton) e as primeiras plantas que formam sementes, os chamados “fetos com sementes” ou Pteridospermas (Archaeosperma, Lyginopteris, Genomosperma, Eurstoma, Stamnostoma). Os vínculos evolutivos entre estes dois grandes grupos, assim como com os posteriores que derivam do aparecimento das Gimnospérmicas (Bennettitales, Cycadophyta, Gingkophyta, Conipherophyta, Gnetophyta) e Angiospérmicas, continua sem estar totalmente esclarecido (Krassilov 1997, Stewart e Rothwell 1993). No Devónico Superior (360-380 Ma) apareceram as primeiras florestas no planeta. Os vestígios mais antigos recolheram-se na jazida de Gilboa (Nova Iorque, EUA). Nesta jazida, os primeiros fósseis foram recolhidos no ano de 1870. Tratava-se de restos de troncos em posição primária, assim como de folhas e raízes (Goldring 1927). A falta de conexão anatómica entre os restos determinou que as folhas, típicas de grandes fetos, tenham sido identificadas como de um feto gigante, Wattieza (Pseudosporochnales) enquanto os troncos, semelhantes aos das palmeiras atuais, de cerca de 8m de altura e 1m de largura, foram identificados como de outra espécie, Eospermatopteris (Divisão Pteridophyta, Classe Cladoxylopsida). Cem anos mais tarde, recolheram-se novos exemplares, agora de plantas inteiras, comprovando a conexão anatómica entre o que antes se julgava serem restos de duas espécies diferentes (Stein et al. 2007). No final do Devónico aparecem florestas de Progimnospérmicas dominados por Archaeopteris, que foram documentados em distintas partes do planeta (Scheckler 1986, Meyer-Berthaud et al. 1999) tendo chegado a alcançar os 20m de altura. As florestas do Devónico desenvolveram-se em de condições climáticas tropicais/subtropicais/ termotemperadas e com uma elevada concentração de CO2 na atmosfera, ocupando pequenas depressões das áreas litorais e sublitorais, onde se acumulava água procedente das frequentes precipitações e se mantinha uma elevada humidade edáfica e ambiental. Nos bosques pantanosos, as árvores cresciam muito próximas entre si, separadas por poucos metros. A cobertura de copas não seria total, deixando penetrar a luz solar até aos estratos inferiores. Entre as grandes árvores, cresciam fungos, musgos, fetos e os precursores das primeiras Gimnospérmicas. No sub-bosque acumulavam-se restos de folhas e ramos, que davam sustento e abrigo a uma rica fauna edáfica, composta por centopeias, diplópodes e outros invertebrados parecidos com as aranhas, muitos dos quais só restam vestígios no registo fóssil. Os paleoecólogos sugerem que a extensão das primeiras florestas devónicas implicaram um aumento significativo na absorção de CO2, o qual ficaria retido nas folhas e ramos que se acumulam que, ao não serem totalmente decompostos, devido à sua composi- 19 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 1 2 ção química e às condições ambientais, se integrariam nos depósitos edáficos, constituindo os horizontes superficiais destes. A redução global da taxa de CO2 atmosférico, gerada em grande medida pela atividade vulcânica e por outros processos geológicos, determinaria uma diminuição da temperatura, até condições parecidas às atuais (Berner 1979). No Carbonífero (359-299 Ma), as massas continentais convergiram para formar os supercontinentes Euroamérica (Norte América e W-C Europa), Angra (NE Ásia, E. Europa) e Gondwana (África, Austrália, Índia e Antártida) e finalmente juntaram-se os supercontinentes para formar a Pangeia, que inicia a sua fragmentação até 215 Ma (Pós-Pangeia). O clima do planeta manterá na primeira metade do Carbonífero o seu caráter tropical/ subtropical ou até termotemperado. Na segunda metade do Carbonífero e devido ao deslocamento de Gondwana, produz-se um arrefecimento prolongado deste supercontinente, que culmina num largo período de ciclos glaciares, que afetaram fundamentalmente o continente Gondwana, mas que tiveram igualmente repercussões nas áreas polares, assim como no resto do planeta. Os movimentos orogénicos e as glaciações provocaram alterações importantes no nível do mar ao longo do Carbonífero. Estas tiveram repercussões sobre a configuração das zonas costeiras, afetando a dinâmica dos sistemas de praia/dunas, falésias e estuários, e ainda, associados a estes, amplas zonas húmidas que, neste período, aparecem colonizadas por espécies de porte arbóreo. À medida que nos afastamos das áreas litorais e se reduz a disponibilidade de água, os bosques pantanosos tornam-se menos frequentes, até desaparecer. Dando lugar a amplas superfícies de paisagens abertas, nas quais somente se desenvolvem alguns tipos de musgos e líquenes. As florestas do Carbonífero adquirem um aspeto gigantesco; as espécies de maior porte superam os 30-40m. Entre as espécies dominantes encontram-se os licopódios de porte arbóreo, alcançando os 30-40m de altura (Lepidodendron, Sigillaria) e equisetos gigantes (Calamites), com portes de 30m e 60m de largura, fetos gigantes (Angiospteris, Alienopteris), pertencentes às Cyatheales, ordem que engloba os grandes fetos que ainda assim persistem no nosso planeta (Cyathea, Dicksonia, Culcita), progimnospermicas (Archaeopteris) e fetos com sementes (Pecopteris, Neuropteris, Neuropteris, Sphenopteris, Lyginopteris). No final do período regista-se o aparecimento das primeiras Gimnospérmicas (Cordaites). A taxa de CO2 atmosférico que havia começado a descer no final do Devónico, contínua a sua redução, alcançando até há 300Ma o seu valor mínimo, com níveis semelhantes aos da atualidade (Berner 1997), enquanto se registam os valores máximos de taxa de oxigénio. O último período da Era Paleozoica corresponde ao Pérmico. Desde um ponto de vista climático representa uma etapa de transição, com fortes variações que desencadearam a retração e quase desaparecimento dos bosques pantanosos e das biocenoses com uma grande dependência de elevados aportes de água ou de uma elevada humidade atmosférica. Os ambientes áridos e as paisagens desarborizadas vão progressivamente ganhando mais superfície. Os Lycopodiophyta e os Sphenophyta arbóreos reduziram drasticamente a sua presença e desapareceram no final do Pérmico, enquanto aparecem e se expandem novos grupos de fetos com semente (Glossopteridales, Dicroidium) e gru- 20 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 1 2 pos de Gimnospérmicas como as Cordaites ou Walchia, assim como os precursores dos ginkgos e cycas. No final do Pérmico regista-se uma extinção em massa (Extinção P-T, Pérmico-Triásico), que supõe o desaparecimento de 90% das espécies marinhas e 70% dos vertebrados, sendo utilizada para assinalar o final da Era Paleozoica e o início da Era Mesozoica (25165,5Ma), também conhecida como a “Era dos dinossauros”. No início do Mesozoico (225-200 Ma) dá-se a fragmentação da Pangeia, a partir da qual as massas continentais se distribuíram gradualmente até à sua disposição atual. Estas alterações tiveram importantes consequências na distribuição e evolução das espécies, afetando tanto a sua migração, o seu isolamento geográfico, como a sua capacidade de adaptação face às grandes mudanças climáticas. Nas florestas do Mesozoico existia um predomínio das Gimnospérmicas; as cycas, ginkgos, coníferas e gnetófitas são agora dominantes, colonizando uma grande variedade de biótopos, desde áreas húmidas a meios secos e pedregosos, enquanto os fetos com sementes vão ficando restringidos às áreas mais húmidas. No princípio do Cretácico (145 Ma), numa paisagem vegetal dominada pelas florestas de Gimnospérmicas, surgem as primeiras Angiospérmicas, as plantas com flores e frutos, que se diversificam muito rapidamente. Estudos recentes (Smith et al. 2010, Wang 2010) parecem, no entanto, indicar que o seu aparecimento é mais antigo, em pleno período Jurássico. Após o seu surgimento, as Angiospérmicas irão sofrer uma importante diversificação e uma rápida expansão territorial, chegando a suplantar as Gimnospérmicas na maioria dos ecossistemas a partir de 7565 Ma, situação que se mantém até à atualidade. Esta grande evolução das plantas durante o Mesozoico foi acompanhada por um processo semelhante no mundo animal. Na transição entre o Triásico Médio e Superior (230 Ma) surgiram os dinossauros, cuja fase de apogeu ocorreu no Jurássico, tendo se extinguido em massa há cerca de 66 Ma. A maioria das espécies era herbívora e os mais antigos podiam caminhar com quatro patas ou apoiando-se sobre as patas traseiras (Prosauropodes). Algumas destas criaturas, como os braquiosauros, foram os maiores animais terrestres que já viveram no planeta, medindo cerca de 23m de comprimento e 12m de altura e pesando 78 toneladas. A partir do estudo do conteúdo estomacal dos saurópodes e da sua dentição, sabemos hoje que a dieta destes enormes animais consistia fundamentalmente em galhos e folhas de ginkgos e cycas. Provavelmente as manadas de braquiosauros deslocavam-se entre os bosques subtropicais de coníferas, consumindo as partes mais tenras das árvores. Quando no Cretácico inferior se produz a expansão das coníferas e das Angiospérmicas, altera-se a composição e estrutura das massas arbóreas. Os saurópodes deram lugar a outro grupo de dinossauros herbívoros, os ornitópodes, que graças às suas mandíbulas podiam alimentar-se de tecidos vegetais mais duros (galhos, casca, etc.) já que as grandes folhas das Cycadopsida que os saurópodes consumiam eram mais escassas. No final do Mesozoico, um grupo de répteis logrou controlar a temperatura do seu corpo, evoluindo posteriormente para formar os denominados terapsídeos, que teriam uma importante expansão a partir do Pérmico Superior. Os elementos deste grupo são hoje considerados os antecessores dos atuais mamíferos. 21 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 1 2 O final da Era Mesozoica e início do Cenozóico foi marcado de novo por um episódio de extinção em massa, o evento K/T (Cretácico-Terciário), ocorrido há cerca de 65,5 Ma. Este episódio foi vinculado desde finais da década de 1970 ao impacto de um grande asteroide sobre a superfície terrestre (Alvarez et al. 1979, Alvarez 1983), relacionando-se este evento com o desaparecimento de mais de 50% dos géneros de organismos, incluindo a totalidade dos dinossauros. A teoria do impacto único foi criticada por muitos autores, tanto pela coincidência cronológica entre ambos os eventos como pelo facto de não ter afetado todos os grupos de animais. Daqui derivam diversas hipóteses explicativas, tais como: a formulação de teorias de múltiplo impacto; a consideração de outros fatores, tais como o vulcanismo, como desencadeantes deste processo de extinção (cf. Keller e MacLeod 1996, Archibald et al. 2010, Courtillot e Fluteau 2010); ou até, inclusivamente, a defesa da teoria do impacte único (Schulte et al. 2010). Em termos gerais, as floras carboníferas da Península Ibérica são semelhantes às que se conhecem para o Norte da Europa, o que se explica pelo facto de refletirem as mesmas condições climáticas: pertencem à mesma franja paleoequatorial. As floras Carboníferas ibéricas contêm escassas plantas que viveram fora de áreas pantanosas, ou seja, em locais com solos bem drenados. Esta situação alterou-se com o aumento global de temperatura no Pérmico, registando-se, à semelhança do continente americano, espécies características de solos bem drenados, geralmente fetos com sementes e coníferas (Wagner 2005). Depois do Mesozoico inicia-se a Era Cenozóica (desde 65,5 Ma até à atualidade), a “Era dos animais novos”, também designada de “Era dos mamíferos”, em contraste com a precedente, dominada pelos grandes répteis. Durante o Cenozóico continuam as modificações nas massas continentais, iniciadas no Mesozoico, que determinam a configuração atual dos continentes. Estas mudanças, em conjunto com as variações climáticas, terão repercussões notáveis na evolução das estirpes biológicas e na configuração da paisagem. Figura 2 Periodização do Cenozóico. 22 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 1 2 Tradicionalmente o Cenozóico dividia-se em dois períodos, o Terciário, englobando o Paleogénico e o Neogénico, e o Quaternário, subdividido entre Plistocénico e Holocénico. Desde o ano de 2009, a Comissão Internacional de Estratigrafia recomenda a divisão do Cenozóico em três períodos, o Paleogénico (Paleoceno, Eoceno, Oligoceno), Neogénico (Miocénico, Pliocénico) e o Quaternário, este último dividido em Plistocénico e Holocénico (Figura 2). O Paleogénico, com uma duração de 43 Ma (65,5 – 23,03 Ma) representa uma fase de transição entre as condições quentes do Mesozoico e as frias que se irão impor em finais do Cenozóico. No início do Paleogénico o nível do mar situava-se muito acima do nível atual. A temperatura aumenta até alcançar, há 55 Ma, o máximo térmico do Cenozóico (Paleocene-Eocene Thermal Maximum); para depois diminuir, mas mantendo-se elevada até há 50 Ma. Coincidindo com o máximo térmico, regista-se uma importante extinção de fauna marinha e continental, a partir do que o registo geológico evidencia a presença de novos grupos de mamíferos, que passam a dominar o reino animal. Pelo contrário, a flora do Paleogénico foi marcada pelo domínio das Angiospérmicas na maioria dos ecossistemas terrestres, iniciado no final do Cretácico (Figura 3). A adaptabilidade das Angiospérmicas é mais adequada para a colonização tanto dos meios húmidos e pantanosos, como das regiões de menor disponibilidade de água, onde os bosques tropicais/subtropicais e temperados dão lugar a bosques abertos (estepes arborizadas), matagais e finalmente formações herbáceas. As Gimnospérmicas só conseguem resistir a esta invasão nas áreas florestais que marcam o limite altitudinal ou latitudinal das florestas de maior altitude. Estas limitações foram interpretadas (Willis e McElwain 2002), como resultado da dificuldade em adaptar-se a regiões condicionadas por uma escassa disponibilidade de luz e humidade. Figura 3 Distribuição dos principais tipos de florestas no início do período Eocénico (modificado a partir de Tallis 1991). 23 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 1 2 As florestas de Angiospérmicas do Paleogénico caracterizavam-se, nas áreas tropicais-subtropicais, pelo desenvolvimento de selvas húmidas ou florestas tropicais, nas quais dominavam, entre outras, as Magnoliaceae (Magnolia, Michelia, Liriodendron), Lauraceae (Laurus, Cinammomum, Persea, Lindera), Moraceae (Ficus), Gesneriaceae (Raminda, Haberlea), Palmaceae (Nypa, Elais). Nas áreas temperadas do planeta desenvolveram-se florestas de Angiospérmicas de folha larga e caduca (planocaducifólias), entre as quais se destacam: Fagaceae (Quercus, Fagus, Castanea); Corylaceae (Corylus, Carpinus, Ostrya) e Juglandaceae (Juglans, Engelhardia); Ulmaceae (Ulmus, Celtis, Zelkova). Uma terceira cintura de vegetação cobria as áreas setentrionais, com climas mais frios, nas quais cresciam bosques mistos de caducifolias e um grande número de coníferas (aciculifólias). Entre estas últimas encontravam-se sobretudo Taxodiaceae, Taxaceae (Taxus, Cephalotaxus), Pinaceae (Pinus, Abies, Picea), Cupressaceae, entre outros. Ao conjunto desta flora tropical que se desenvolvia nas áreas mais setentrionais do planeta atribui-se a designação de flora Arto-terciária (Arctos = Urso; Ursa Maior). O Neogénico (23,03 Ma) divide-se em Miocénico e Pliocénico. Entre ambas as épocas produz-se, a nível global, um progressivo arrefecimento do clima, que se agudiza desde a segunda metade do Miocénico (13 Ma) e que culminará no Quaternário com o aparecimento das glaciações. As áreas de floresta transformam-se e reduzem-se. Pelo contrário, aumentam as superfícies ocupadas por formações de espécies herbáceas e/ ou arbustivas (Figura 4). Nas grandes áreas continentais estabelecem-se formações semelhantes às savanas ou pradarias atuais, que serão o sustento de um complexo ecossiste- Figura 4 Representação esquemática dos principais biomas presentes no planeta durante o Terciário (Períodos Miocénico e Eocénico, respetivamente), em relação à atualidade, em função da temperatura e precipitação (modificado a partir de Tallis 1991). 24 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 1 2 ma no qual convivem manadas de grandes e gigantescos herbívoros (pastadores e ramoneadores), controlados por distintos grupos de carnívoros. As mudanças climáticas ocorridas no Neogénico reduzem consideravelmente a formação de depósitos de lenhite sendo cada vez menos frequentes as espécies tropicais e subtropicais, enquanto aumentam progressivamente os elementos arto-terciários e esclerófilos (Figura 5). Neste momento formaram-se as jazidas de lenhite existentes na Galiza - As Pontes, Meirama, Xinzo, entre outras (Medus 1965, Nonn 1966) - e em Portugal (Tabla 1)- Baixo Tejo, Mondego e Alvalade (Diniz 1984, 2003, Pais 1981, 2010, Teixeira 1942a,b, Teixeira e Pais 1976). Figura 5 Distribuição geral dos principais biomas em meados do período Miocénico (modificado a partir de Tallis 1991). As Gimnospérmicas surgem representadas por taxa próprios de meios pantanosos (Taxodium) assim como elementos característicos de regiões secas (Abies, Cathaya., Cedrus, Cryptomeria, Cupressus, Metasequoia, Pinus, Picea, Podocarpus, Sequoia, Torreya). Os taxa tropicais, escassos nos depósitos galegos, encontram-se amplamente representados nos depósitos portugueses: Ailanthus, Bombax, Gronophyllum, Lauraceae, Magnolia, Nyssa, Palmae, Sapotaceae, Sapindus, Spirematospermum, Tamaricoxylon, Toddalia. Muitos destes taxa tropicais encontram-se atualmente confinados: Paleotropicais (Ailanthus, Bombax, Nyssa, Tamaricoxylon), Australianos (Gronophyllum);ou com uma ampla distribuição tropical (Lauraceae, Magnolia, Plamae, Sapotaceae, Sapindus). O grupo melhor representado corresponde aos elementos típicos da flora arto-terciária: Acer, Alnus, Araliaceae, Arbutus, Carpinus, Carya, Castanea, Carpinus, Celtis, Chamaeropos, Cistus, Comptonia, Corylus, Diospyros, Engelhardia, Ephedra, Erica, Hylodesmum, Liquidambar, Juglans, Morus, Myrica, Myrtus, Olea, Phillyrea, Platanus, Platycaria, Populus, Quercus, Rhus, Salix, Smilax, Tilia, Ulmus, Viburnum, Zelkova, entre outros. 25 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 1 2 As espécies aquáticas, ainda que bem representadas (Alnus, Clethraceae – Cyrillaceae, Glyptostrobus, Myrica, Myriophyllum, Nelumbo, Nuphar, Potamogeton, Populus, Salix, Sphagnum, Sparganium, Stratiotes, Taxodium, Typha, Trapa), são menos numerosas que aquelas características de zonas secas. 3. Mudanças climáticas e ambientais das florestas durante o Quaternário O final do período Terciário corresponde ao final da época da polaridade normal de Gauss, há aproximadamente 2,43 Ma (Figura 2). Este limite, estabelecido com base em estudos de paleomagnetismo, mostra-se coerente com os resultados de Shackleton et al. (1984) que situam as primeiras deposições importantes de materiais glaciares nos sedimentos do Atlântico Norte em torno a 2,4 Ma, o que representaria a primeira glaciação quaternária e o limite Pliocénico-Plistocénico mais aceite (Watts 1988, Mörner 1993). Os primeiros dados paleobotânicos atribuídos a este período na Europa ocidental reduzem-se aos estudos realizados em sedimentos depositados no delta do Rhine-Maas (Zagwijn 1960, 1985, Van der Hammen et al. 1971). O conjunto da flora Terciária reconhecida nestes registos durante o Interglaciar Reuverian (Reid e Reid 1915, Zagwijn 1960, 1974, 1985, Van der Hammen et al. 1971) é muito similar à observada em algumas bacias sedimentares do noroeste ibérico (Medus 1965) e caracteriza-se pela elevada presença de elementos tanto pertencentes ao elenco paleotropical como ao arto-terciário (Sequoia, Taxodium, Nyssa, Sciadopitys, Liquidambar, Aesculus, Pterocarya, Carya, Tsuga, Magnolia). As mudanças climáticas que caracterizam este período causaram uma progressiva redução na área de distribuição de muitos taxa, conduzindo finalmente ao seu confinamento nos territórios mais meridionais da Europa, ao seu desaparecimento do continente europeu ou inclusive à sua extinção (Figuras 6 e 7a e b). Ao longo do Quaternário (2,588-0 Ma), o clima do planeta experiencia uma irregularidade periódica, estabelecendo-se, em áreas afastadas da zona tropical, uma sucessão de períodos frios (Glaciares) intercalados por fases mais térmica (Interglaciares), enquanto nas zonas tropicais a sucessão se estabeleceria entre períodos de grande pluviosidade seguidos de outros mais secos. A partir da década de 1980, os estudos isotópicos de foraminíferos bentónicos ou a análise de bolhas de ar contidas nos gelos da Gronelândia permitiram conhecer com alguma exatidão as principais oscilações climáticas que afetaram o Atlântico Norte durante o Plistocénico (Figura 8). As variações isotópicas registadas nas sondagens marinhas permitem reconstruir as alterações nas condições marinhas e, indiretamente, permitem reconhecer a quantidade de água doce retida em forma de gelo nos pólos e nos glaciares (Shackleton e Opdyke 1973). Os estudos dos testemunhos retidos no gelo são particularmente importantes na obtenção de registos paleoclimáticos. Assim, as observações das variações isotópicas de oxigénio indicam oscilações de temperatura, enquanto as alterações na concentração de gás metano contêm informação relativa à humidade ambiental (Figura 9). Finalmente, é possível estabelecer uma relação entre as variações relativas entre os isótopos de oxigénio e as flutuações do nível marinho. 26 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 1 2 Figura 6 Presença de taxa arbóreos nos períodos interglaciares do Pliocénico final, Plistocénico e Holocénico (modificado a partir de Van der Hammen et al. 1971). 27 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 1 2 Figura 7a Registo dos principais taxa no noroeste Ibérico desde o Terciário até à atualidade (elaborado a partir de: Medus 1965, Nonn 1966, Van Mourik 1986, Ramil-Rego 1992, 1993, Maldonado 1994, Muñoz Sobrino et al. 1996, 2005, Ramil-Rego et al. 1996b, d, 1998b, Muñoz Sobrino 2001). 28 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 1 2 Figura 7b Registo dos principais taxa no noroeste Ibérico desde o Terciário até à atualidade (elaborado a partir de: Medus 1965, Nonn 1966, Van Mourik 1986, Ramil-Rego 1992, 1993, Maldonado 1994, Muñoz Sobrino et al. 1996b, Ramil-Rego et al. 1996a, b, 1998, Muñoz Sobrino 2001). 29 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 1 2 Figura 8 Curva isotópica de oxigénio derivada da sondagem oceânica V 28238 (Shackleton & Opdyke, 1973) para o período compreendido entre a atualidade e a inversão de Matuyama-Gauss. Mostra-se ainda a denominação dos estádios isotópicos (OIS) e uma escala cronológica para os últimos 700.000 anos (modificado a partir de Tallis 1991). 30 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 1 2 Figura 9 Concentrações de CH4 (linha descontínua) e δ18O (linha contínua) registados no core GRIP (The Greenland Summit Ice Cores, 1997) durante o final do Plistocénico e o Holocénico inicial. Azul: períodos frios. Amarelo: períodos mais quentes. Trama diagonal: períodos mais secos. Dados procedentes do National Snow and Ice Data Center, University of Colorado at Boulder, e the WDC-A for Paleoclimatology, National Geophysical Data Center, Boulder, Colorado. UW (Upper Würm ou Último máximo glaciar), D-1 (Dryas –I ou Oldest Dryas); D-2 (Dryas-II ou Older Dryas); D-3 (Dryas-III ou Younger Dryas); 11.2 (11.2 event); 8.2 (8.2 event). Atualmente considera-se que a evolução climática do Quaternário foi marcada por uma série de oscilações relacionadas com as variações no balanço energético do planeta. Desde o início deste fenómeno cíclico, há 2,4 Ma, relacionado com a inversão Gauss-Matuyama (Shackelton et al. 1984, Watts 1988), estas perturbações sucederam-se com alguma regularidade, obedecendo a padrões temporais bastante precisos (Imbrie e Imbrie 1979). Desta forma, ao longo deste período, encadearam-se uma série de fases glaciares marcadas por fortes descidas de temperatura global e pela acumulação de extensas massas de gelo sobre o oceano e grande parte do norte da Eurasia e América do Norte. As glaciações tinham uma duração de cerca de 100.000 anos e foram-se alternando com períodos muito mais curtos (10.000 anos) denominados de Interglaciares, nos quais ocorria uma melhoria climática que provocava a retirada das massas de gelo até aos pólos (Shackleton e Opdyke 1973). As mudanças da órbita da Terra foram o principal motor destas oscilações climáticas, determinando a quantidade de insolação que o planeta recebe e como esta se distribui ao longo da sua superfície. Assim, durante os longos períodos glaciares a quantidade de radiação que os pólos recebiam era mínima, incrementando-se levemente durante as fases interglaciares. Estas alterações modificaram os padrões de distribuição da energia, as correntes oceânicas e os sistemas atmosféricos, conferindo um caráter global às alterações climáticas. Finalmente, os mecanismos de distribuição da energia, assim como fatores de caráter regional (orografia, latitude, entre outros) contribuem diversificando as consequências destas mudanças globais, amplificando-as ou minimizando-as à escala regional. 31 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 1 2 As reconstruções globais mostram uma progressiva implementação dos biomas não arbóreos, beneficiados por amplos períodos glaciares durante os quais predominavam condições ambientais de intenso frio e aridez. Deste modo, o domínio exercido pelas florestas durante as eras precedentes é interrompido durante o Quaternário, período no qual as formações não arbóreas alcançam uma hegemonia paisagística. Durante as fases glaciares verifica-se um predomínio das paisagens de estepes e tundras, não se descartando a presença, em áreas meridionais do continente, de formações arbóreas de reduzida extensão ou de caráter disperso, instaladas entre a vegetação herbácea e arbustiva dominante. Durante estes longos períodos, as áreas de refúgio dos bosques tiveram um papel fundamental atuando como reservas a partir das quais as massas arbóreas colonizaram o território durante as curtas fases interglaciares. Apesar da existência de refúgios, a sucessão de ciclos glaciares conduziu a que no decurso do Plistocénico se registassem periódicas extinções regionais de flora ou, pelo contrário, a irrupção de novos taxa em resposta às modificações da área de distribuição da flora em função das modificações climáticas (Figuras 6 e 7a e b). Estas migrações foram mais frequentes nas latitudes médias que constituíram a área de contato entre a flora arto-terciária e as florestas planocaducifólias. As mudanças climáticas também modificaram a extensão e composição dos diferentes pisos de vegetação, já que a distribuição altitudinal da flora é um reflexo das suas preferências latitudinais, condicionadas pelo clima. Este paralelismo complexificou sobremaneira a distribuição natural da vegetação, já que a perda de condições próprias para o desenvolvimento de um taxon num território não impediu que algumas populações pudessem acantonar-se em áreas de refúgio. O resultado final de toda esta complexa interação entre clima, vegetação e condicionantes locais foi o reconhecimento atual de territórios biogeográficos cujos limites são geralmente difusos e difíceis de precisar com exatidão. 4. Plistocénico Superior, último ciclo glaciar As simulações obtidas para os períodos-chave do último ciclo glaciar-interglaciar indicam que a reorganização rápida da circulação oceânica deve ter exercido um controlo importante sobre as modificações no clima que afetaram o noroeste peninsular. A conexão entre as mudanças na circulação geral do Atlântico Norte e as tendências da vegetação é evidente em muitos territórios adjacentes (Birks & Koç 2002, Ramil-Rego et al. 2005, Muñoz Sobrino et al. 2005). No caso da Península Ibérica, parece que a sua história paleoecológica foi mais complexa devido à sua posição meridional, por estar rodeada de massas de água e possuir uma extensa e complexa superfície continental cujas diferenças determinam a existência de importantes variações ao nível regional e subregional. Neste sentido, o noroeste ibérico constitui, do ponto de vista biogeográfico, um território amplo e de grande complexidade no qual se estabelece atualmente o limite entre as ecoregiões Atlântica e Mediterrânica, esta última representada por territórios continentais com condições climáticas e biocenoses muito diferentes das existentes nos territórios costeiros mediterrânicos (cf. Rodríguez-Guitián e Ramil-Rego 2007, 2008). A constatação de que o noroeste ibérico se comporta como um território amplo e heterogéneo introduz uma componente espacial de grande importância para a sua interpretação pa- 32 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 1 2 leoambiental e obriga a considerar outras referências para auxiliar à compreensão das diferentes dinâmicas regionais identificadas no conjunto do território. Os registos isotópicos parecem ser uma boa opção já que compilam as principais variações climáticas que afetaram o Atlântico norte durante milhares de anos e tais oscilações parecem coincidir com as principais alterações que afetaram o quadrante noroeste da Península Ibérica pelo menos durante o último ciclo Glaciar-Interglaciar (Van der Knaap e Van Leeuwen 1997, Muñoz Sobrino 2001, Ramil-Rego et al. 2005, Gómez-Orellana et al. 2007a). A periodização paleoclimática do último ciclo Glaciar-Interglaciar do Plistocénico (Figura 10) inicia-se após o término do Interglaciar Eemiano e o começo de uma fase de transição (Prewürm) constituída pelos estádios isotópicos 5d a 5a, caraterizada por uma sucessão de fases frias e quentes que termina com o início do período glaciar, o Würm. Esta última glaciação estruturou-se em duas grandes fases frias, marcadas pelo avance dos glaciares e dos gelos no oceano (OIS 4 e OIS 2), que mantêm caraterísticas diferenciadas em relação às condições climáticas registadas, diferenciação que teve uma repercussão desigual tanto na capacidade modeladora do território como na configuração das formações vegetais que se desenvolveram, sobretudo em áreas de baixa e média altitude e latitude (Gómez-Orellana et al. 2002). As fases frias ou estadiais do Würm encontram-se separadas por um complexo período no qual se produz um aumento de temperatura e, por conseguinte, a retração parcial dos gelos (OIS 3). Após a última fase estadial (OIS 2), regista-se uma fase de transição até ao atual Interglaciar (Holocénico), que se designa de Tardiglaciar. Finalmente, a dinâmica climática durante o Holocénico no sodoeste da Europa pode relacionar-se com os principais estádios, mais comummente aceites: uma fase anatérmica, um período de ótimo climático e uma fase catatérmica de agravamento do clima. Figura 10 Reconstrução das variações de temperatura superficial (SST) no Atlântico Norte durante o último ciclo glaciar (azul) e curva de tendencia expressa como as medidas móveis de cinco dados (vermelho). Dados de Bard 2003. 33 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 1 2 4.1. Dinâmica das florestas durante o último ciclo Glaciar-Interglaciar O início do Interglaciar Eemiano (OIS 5e – 125-115ka BP) marca a transição entre o Plistocénico médio e superior e o início do último ciclo Glaciar-Interglaciar do Plistocénico. A sua finalização corresponde à última fase glaciar Quaternária (Würm ou Weichselian). As análises isotópicas definiram para o Würm uma série de fases paleoclimáticas de caráter global que constituem um estratotipo global ou de magnitude pelo menos hemisférica (Figura 11). Estes modelos dividem o último máximo glaciar numa fase de transição ou Prewürm, seguida de dois grandes avanços dos glaciares (Estadiais Inicial e Final) intercalados por uma fase de retirada parcial dos gelos (OIS 3: Interestadial Würmiense). Figura 11 Quadro sintético das periodizações do Plistocénico final e Holocénico estabelecidas para o noroeste e sudoeste da Europa. A informação paleobotânica no noroeste ibérico para a última glaciação localiza-se em formações fossilizadas localizadas na atual linha de costa, constituindo o depósito de Area Longa (Figuras 12a e b), na costa de Lugo, a principal referência (Gómez-Orellana et al. 2007a). Tal como no conjunto das glaciações quaternárias e em consonância com os dados disponíveis para o continente europeu, a fisionomia das formações não arbóreas marca o mosaico vegetal no noroeste ibérico. Os níveis correspondentes ao Prewürm em Area Longa (Figura 13) indicam uma paisagem dominada por bosques caducifólios nos quais se incluiriam espécies mesófilas (carvalhos, 34 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 1 2 aveleira, faia, ulmeiro, freixo) e termófilas (tília, carpino, castanheiro). À medida que o clima se foi deteriorando, produziu-se uma redução do bosque mesotermófilo, que gradualmente é substituído por um notável desenvolvimento dos vidoais. Figura 12a Vista do nivel prewürmiano do depósito de Area Longa (Fazouro, Lugo). Figura 12b Detalhe dos macrorrestos de Erica arborea/australis no nivel prewürmiano do depósito de Area Longa. 35 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 1 2 A transição para o primeiro avanço glaciar (OIS 4) representa um marcado agravamento climático no noroeste ibérico, com um efeito direto sobre os ecossistemas do território. Os dados refletem a substituição das florestas por urzais, formações que manterão a sua hegemonia ao longo de milhares de anos, durante os quais as únicas modificações paisagísticas registadas afetam a fisionomia dos urzais: em algumas fases estas formações apresentavam uma estrutura mais aberta, dando mais espaço a espécies herbáceas. Figura 13 Proposta de correlação entre os principais níveis polínicos de Area Longa (Gómez Orellana et al. 2007a), o registo isotópico (Dansgaard et al. 1993) e outras sequências polínicas europeias. H-n Heinreich event n; D-O n, Dansgaard-Oeschger cycle n. 36 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 1 2 O período 60-32 ka BP (Interestadial Würmiano, OIS 3) concentra uma ampla sucessão de rápidas oscilações da temperatura no Atlântico Norte, cuja incidência se vê refletida na paisagem do noroeste ibérico. Assim, o registo paleoecológico de Area Longa mostra uma sucessão de fases de recuperação das florestas caducifólias entre momentos de predomínio do urzal (Figura 13). Estas fases de moderado desenvolvimento da floresta registam-se igualmente em outras sequencias do noroeste ibérico, definindo uma importante modificação paisagística determinada pela presença de amplas zonas de bosque de carvalhos, vidoeiros e faias, estes últimos localizados em posições muito mais a ocidente que o seu limite atual. Após esta fase climática regista-se um novo avanço dos gelos que se estende até 16.000 BP (Figura 11). Este novo agravamento do clima determina importantes mudanças na paisagem do noroeste ibérico. São mais abundantes os dados paleobotânicos disponíveis ao longo do litoral do território e mostram uma dilatada fase de domínio de fácies abertas de urzais denotando uma maior aridez em relação ao primeiro avanço glaciar do Würm. Por outro lado, nas regiões mais interiores e nas áreas mais meridionais do território regista-se um predomínio de prados de caráter húmido (Gómez-Orellana 2002). Ao longo do período glaciar destaca-se a escassa incidência dos pinhais no conjunto dos territórios próximos da costa no noroeste ibérico, formações que, não obstante, apresentam uma maior relevância nas partes mais meridionais do território, como mostra a persistência do pinhal fóssil de Maceda, perto de Espinho, na costa portuguesa (Granja e Carvalho 1995). Por outro lado, o absoluto domínio temporal dos urzais constitui um marco diferencial face a outros territórios europeus nos quais estas formações apresentam uma escassa incidência na paisagem. A posição meridional e o caráter oceânico do noroeste da península determinariam, num ambiente global de aridez, a presença das condições de humidade ambiental necessárias para o desenvolvimento destas formações, pelo menos nos territórios de baixa altitude mais próximos do oceano. 4.2. Áreas de refúgio para os taxa arbóreos Apesar do amplo domínio paisagístico dos urzais durante a última glaciação no noroeste ibérico, as sequências polínicas refletem uma contínua e diversa presença de elementos arbóreos no território. Aliás, a rápida expansão das florestas durante as curtas fases de melhoria climática, assim como o estudo da dinâmica pósglaciar dos diferentes taxa permitiu definir a presença, no território, de áreas de refúgio para praticamente a totalidade da flora arbórea atual (Ramil-Rego et al. 2000, Gómez-Orellana 2002, Gómez-Orellana et al. 2008, Muñoz Sobrino et al. 2009). A existência destes refúgios teve um importante papel na atual distribuição da flora arbórea do noroeste da Península Ibérica e dos territórios adjacentes, ainda que o seu significado ao nível continental tenha sido menor, por comparação com as penínsulas balcânica e itálica. Os dados paleobotânicos refletem o facto de, nesta região, a humidade não ser um fator limitante para o desenvolvimento arbóreo, permitindo o seu crescimento a baixas altitudes. A existência de ambientes microclimáticos constituiriam um abrigo face à descida térmica e terão propiciado a sobrevivência de pequenas populações de árvores de espécies mesófilas e termófilas nas fases de maior rigor do último período glaciar (Figura 14). 37 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 1 2 Figura 14 Territórios avaliados como possíveis áreas de refúgio, segundo Huntley e Birks (1983): 1- W Grã-bretanha; 2- Golfo de Biscaya; 3- W França; 4- NW Ibérico; 5- SE Península Ibérica; 6- Córsega e Sardenha; 7- Itália; 8- S Grécia; 9- SE França; 10- Alpes; 11- E Alpes e Cárpatos; 12- Balcãs; 13- Polónia; 14- Mar Negro e Sul de Rússia; 15- S e Rússia Central; 16- N e Rússia Central; 17- N Rússia. NOTA: na coluna 4 mostram-se os taxa registados durante o último período glaciar nos territórios litorais do noroeste ibérico. Dados de Huntley e Birks, 1983 e Birks e Line, 1991. 38 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 1 2 4.3. O degelo A fusão dos gelos continentais não ocorreu como um processo de aquecimento contínuo; as reconstruções elaboradas a partir de registos oceânicos, glaciares ou com base na análise de sedimentos de turfeiras ou lagoas coincidem ao estabelecer entre o final do Würm e o atual interglaciar (OIS 1) um período de melhoria climática denominado de Tardiglaciar (Figuras 9 e 10). Os estratotipos estabelecidos para o sudoeste da Europa diferenciam, durante o mesmo, duas fases frias (Dryas) separados por uma fase temperada denominada Interestádio Tardiglaciar (Pons e Reille 1988, Ramil-Rego 1992, Ramil-Rego et al. 1996b, Muñoz Sobrino 2001, Muñoz Sobrino et al. 2003, 2004). Durante este período dá-se o início da sedimentação num Figura 15 Mapas do noroeste ibérico indicando as principais mudanças ocorridas na distribuição da vegetação ao longo da última transição glaciar/interglaciar. Modificado a partir de Muñoz Sobrino et al. 2004. 39 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 1 2 grupo importante de depósitos limnéticos das montanhas do noroeste ibérico, ao mesmo tempo que profundas alterações ambientais determinam a selagem e fossilização das sequências costeiras que registaram a dinâmica da paisagem até ao momento. Os registos polínicos disponíveis indicam que, no final do último máximo glaciar, as condições a Este das principais cadeias montanhosas do noroeste ibérico foram especialmente áridas e, por isso, pouco favoráveis à proliferação de ecossistemas florestais. Ainda assim, as sequências indicam que a colonização arbórea da quase totalidade das unidades biogeográficas do noroeste ibérico foi relativamente rápida (Muñoz Sobrino et al. 2004, 2005). Nas montanhas do noroeste ibérico, a melhoria iniciada após a finalização do Würm propiciou que os pisos de vegetação começassem a ganhar altitude, ganhando espaços abertos à medida que retrocediam os ambientes glaciares e periglaciares, confinados agora a zonas de maior altitude. As sequências indicam que, na quase totalidade das unidades Figura 16 Comparação das variações de uma seleção de curvas polínicas (percentagens) registadas ao longo do final do Plistocénico e no Holocénico inicial em diferentes locais do Noroeste Ibérico. Azul: períodos frios. Amarelo: períodos mais quentes. Trama: períodos mais secos. Modificado a partir de Muñoz Sobrino et al. 2004. 40 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 1 2 biogeográficas do noroeste ibérico, a colonização arbórea foi relativamente rápida (Muñoz Sobrino et al. 2004, 2005), de modo que as formações arbóreas regionais deveriam ter persistido ao período glaciar nas zonas baixas das vertentes oceânicas (Ramil-Rego et al. 1998). Os vidoais e pinhais são as formações que mostram um maior desenvolvimento nas áreas de montanha durante a fase inicial do degelo (Figuras 15 e 16). Com o início do Interestadial Tardiglaciar, o degelo estendeu-se paulatinamente à quase totalidade do território, talvez com a exceção dos maciços sublitorais da Cantábria (Muñoz Sobrino et al. 2007). Os espectros polínicos indicam uma combinação de vidoais, carvalhais e prados de gramíneas (Figura 15). A melhoria climática geral reativaria a subida do limite arbóreo na maior parte dos territórios montanhosos do noroeste ibérico, o que reforçaria, paralelamente, a penetração das formações florestais nos territórios interiores. Um facto a salientar é o intenso desenvolvimento dos carvalhais registado na sequência de Lagoa de Marinho (Figuras 16 e 17), visto que em nenhuma outra sequência do noroeste ibérico se verifica um domínio equiparável do bosque caducifólio durante este período (Ramil-Rego et al. 1996a, Muñoz Sobrino et al. 1997). As novas condições existentes durante o Dryas Recente provocaram uma descida generalizada do limite arbóreo em toda a região. Nos locais mais oceânicos registaram-se importantes aumentos na representação polínica das gramíneas, enquanto nos territórios interiores Figura 17 Diagrama polínico sintético da Lagoa de Marinho. As curvas cinzentas mostram os resultados multiplicados por 10. (T1: Oldest Dryas; T2: Late-glacial Interstadial; T-3: Late-glacial Interstadial; He: fase holocénica de expansão das florestas; Hd: fase de domínio arbóreo do Holocénico; Ha: período holocénico de incremento da influência antrópica. 41 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 1 2 existem evidências de novos aumentos de taxa mais xéricos. A incidência destas mudanças de temperatura foi mais intensa nas zonas altas próximas do mar mas, por outro lado, a seca foi mais evidente nos territórios mais continentais. Paralelamente, também se verificaram alterações importantes na distribuição das florestas (Figura 15). No final do Interestadial Tardiglaciar verificavam-se percentagens de Quercus relativamente elevadas (>35%) em alguns locais interiores com condições favoráveis. No entanto, a nova situação climática levou a que se remetessem para ambientes mais oceânicos, pelo que no Dryas Recente os bosques caducifólios foram substituídos em alguns territórios por pinhais, menos sensíveis ao frio e às secas, ou inclusive deram lugar a formações abertas, dominadas por gramíneas, matagais e urzais (Muñoz Sobrino et al. 2004). 5. A configuração das florestas no Holocénico O atual Interglaciar, o Holocénico, iniciou-se há aproximadamente 10.000 anos. Em termos climáticos definiram-se três fases: uma fase inicial ou anatérmica (10-7 ka BP) que marca um progressivo aquecimento; de seguida, uma fase temperada, Ótimo Climático (7-2,5 ka BP), momento em que se alcança a temperatura mais elevada no sudoeste da Europa, assim como umas condições ambientais especialmente húmidas nos territórios de caráter oceânico; por último, a fase catatérmica (2.5-0 ka BP), que se pode definir como uma sucessão de períodos frios e quentes que deram lugar às condições climáticas atuais (Ramil-Rego 1993, Ramil-Rego et al. 2008). 5.1. A expansão da floresta e o ocaso das sociedades de caçadores Até 12000-11800 cal BP, a maior parte dos registos polínicos do noroeste ibérico mostra uma recuperação dos bosques caducifólios, com incrementos de pólen arbóreo total que oscilam entre 30% e 65% (Figuras 15 e 16). No entanto, nesses mesmos locais podemos apreciar uma descida mais ou menos acentuada das percentagens de Quercus durante o intervalo 11400-11200 cal BP, que coincide com incrementos de outras formações mais tolerantes ao frio (pinhais, vidoais, e formações herbáceas de Gramineae e Asteraceae) e a recuperação de vegetação crioxérica (formações com Artemisia) em localidades mais próximas da Meseta Setentrional. Esta dinâmica generalizada sugere que o evento frio GH-11.2 descrito nas sequências de gelo da Gronelândia (Walker et al. 1999) deve ter tido uma incidência mais ou menos acusada nos territórios no noroeste ibérico, cujo efeito mais relevante seguramente consistiu na desaceleração da propagação dos bosques caducifólios. As sequências polínicas obtidas no noroeste ibérico, em coerência com as do resto do sudoeste europeu, mostram a sucessão de diversas formações arbóreas, seguindo um gradiente de termicidade que, na maioria das localidades, ficou restringido aos primeiros mil e quinhentos anos, coincidindo com a etapa inicial do incremento térmico. Após este episódio, a colonização arbórea do noroeste ibérico foi retomada, até estar estabelecida na totalidade do território no intervalo 9800-8800 cal BP. Com a melhoria climática, os bosques caducifólios (especialmente carvalhais, mas também bosques mistos, aveleirais, vidoais) completaram a sua expansão, relegando as formações de coníferas para pequenos núcleos montanhosos das zonas oriental e meridional do território (Muñoz Sobrino et al. 42 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 1 2 1997). Neste momento, a vegetação arbórea climácica alcança a sua máxima distribuição nos distintos territórios, permanecendo desflorestadas unicamente parte das áreas costeiras, assim como as linhas de cumeada dos principais maciços montanhosos e outros ambientes nos quais as condições particulares do clima e/ou substrato favorecem a substituição das formações climácicas por comunidades azonais, nas quais predominam juntamente com ecossistemas limnéticos, os matagais e distintos tipos de urzais. As condições mesoclimáticas específicas das montanhas sublitorais da Cantábria ocidental (que foram especialmente propícias ao desenvolvimento de turfeiras e comunidades arbustivas) limitaram a subida do limite arbóreo aos 700-600m. De este modo, os urzais foram um componente natural da paisagem destes territórios, pelo menos ao longo do Würm (Gómez-Orellana 2002) e do Holocénico (Ramil Rego et al. 1998), o que lhes confere um especial valor paisagístico e ecológico (Izco e Ramil 2001). Uma última flutuação climática, equivalente ao Gh-8.2 registado no gelo da Gronelândia, marca o final do Holocénico Inicial no noroeste ibérico. Só nos locais mais sensíveis são verificadas alterações relevantes nos espectros polínicos, com um significativo incremento dos taxa criófilos (Gramineae, Erica, Pinus, Betula). As sequências mais próximas da costa e em particular aquelas das montanhas sublitorais da Cantábria Ocidental refletem de forma especialmente nítida os efeitos deste breve episódio frio (8400-7800 cal BP). Este evento afetou de forma significativa o padrão de ocupação das populações de caçadores-recoletores. Na fase prévia ao agravamento climático registam-se nos territórios montanhosos da serra do Xistral (Ramil Rego 1992) um importante número de campos de caça e abrigos com ocupações temporárias que se distribuem entre os 650m e os 800m de altitude. À medida que se evidenciam os efeitos deste evento, os abrigos situados a maior altitude são abandonados, enquanto nas áreas mais próximas das zonas de ocupação se verifica uma importante desflorestação. Durante o momento de maior rigor climático detetam-se as últimas ocupações na serra, não sendo aí encontradas evidências de presença humana até à chegada dos primeiros grupos neolíticos. Depois deste evento, as percentagens de pólen arbóreo estabilizam-se na quase totalidade das sequências do noroeste ibérico em torno dos seus valores máximos do Holocénico, o que se pode interpretar como uma evidência de que a expansão arbórea estava quase terminada (Figura 16). Nas montanhas Galaico-Asturianas, inicialmente regista-se a expansão dos carvalhais de folha caduca. Depois desta fase, dá-se a expansão de Corylus, que marca o começo do domínio regional dos elementos arbóreos caducifólios. O caráter oceânico das fases de expansão arbórea estabelecidas nas montanhas Galaico-Asturianas, que determina uma singularidade subregional, perde-se no resto das áreas montanhosas, onde as percentagens de Corylus se manterão muito reduzidas, enquanto que Betula adquire um papel cada vez mais preponderante. A sucessão vegetal estabelecida no início do Holocénico conduzirá à retração definitiva das percentagens de Pinus, evidenciando que os pinhais serão reduzidos em todos os setores montanhosos a um papel meramente vestigial. A maior continentalidade das zonas de montanha interiores é também refletida pelos registos de Quercus ilex tp. que indicam a presença de formações de azinhal semelhantes às que 43 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 1 2 hoje existem em determinados enclaves dos territórios orocantábricos. É também interessante destacar a presença em algumas destas sequências de outros elementos arbóreos, como Ulmus, Frangula, Sambucus, Populus, Fraxinus, Olea, Ilex, que testemunham uma importante diversidade arbórea nestas montanhas desde o início do Holocénico. Nas montanhas Galaico-Minhotas (Peneda, Xurés-Gerêz, Larouco), a sequência obtida em Lagoa do Marinho (Ramil-Rego et al. 1993), mostra uma fase de expansão de Betula mantendo-se sem variações as percentagens de Pinus. O máximo de Betula marca o início da expansão de Quercus spp. (Q. robur tp., Q. ilex tp.), iniciando-se assim o período de hegemonia dos elementos arbóreos. A dinâmica estabelecida em Lagoa do Marinho pode igualmente observar-se no setor mais ocidental das montanhas Galaico-Durienses, onde o registo de Arroyo das Lamas (Maldonado 1994) evidencia, ao longo do Holocénico inicial, uma regressão das percentagens de Pinus e um breve incremento das percentagens de Betula; eventos coetâneos com o início da expansão de Quercus, que passará a dominar definitivamente o diagrama. 5.2. A última fase de hegemonia das florestas naturais Este trata-se, sem dúvida, do período mais propício ao desenvolvimento das florestas no noroeste da Península Ibérica durante o atual Interglaciar (Allen et al. 1996, Ramil Rego et al.1998, Muñoz Sobrino et al.1997, 2001, 2004). Depois de 8300 cal BP os registos polínicos procedentes das montanhas cantábricas ocidentais indicam uma rápida recuperação dos bosques caducifólios, essencialmente carvalhais, aveleirais e, em menor medida, vidoais. Em todo o caso, as sequências recolhidas em depósitos ombrotróficos da área cantábrica, especialmente sensíveis às modificações ocorridas nas condições do Atlântico Norte, sugerem que ao longo deste amplo período deverão ter ocorrido duas fases de expansão arbórea bem diferenciadas, a primeira entre 8000-7500 cal BP e a segunda a partir de 5000 cal BP. Esta última fase foi marcada por uma maior termicidade que se reflete na difusão ou expansão de elementos de caráter termófilo como Arbutus, Ulmus, Hummulus e Celtis, ainda que em nenhum caso adquiram suficiente importância de forma a dominar face aos elementos mesófilos (Quercus, Corylus, Alnus, Fagus). A impossibilidade de diferenciar ao microscópio ótico os distintos taxa incluídos no tipo polínico Quercus robur (Q. robur, Q. pyrenaica, Q. petraea), ou inclusive a dificuldade em distinguir entre estes e os perenifólios, Q. ilex tp. (Q. ilex ilex, Q. ilex subsp. ballota) e Q. suber, constitui uma séria limitação para a análise da dinâmica da vegetação arbórea do Norte peninsular e em especial do seu extremo noroeste. A esta dificuldade há que somar a amplitude ecológica destes taxa, cujos níveis de tolerância e de máximo se sobrepõem frequentemente. Coincidindo com o início da fase de hegemonia de Quercus existe uma grande diversidade de condições ecológicas e de comunidades arbóreas cuja perceção é muitas vezes ofuscada pelos taxa polínicos dominantes (Figura 18). As modificações que se produzem no coberto vegetal ao longo do Ótimo Climático refletem uma maior termicidade em todas as regiões, mantendo-se na área litoral-sublitoral, assim como em pequenas elevações próximas da costa, um nível semelhante de pluviosidade, enquanto nos vales e montanhas mais continentais o incremento de temperatura conduziu 44 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 1 2 Figura 18 Principais domínios arbóreos do noroeste da Península Ibérica durante o Holocénico médio (7000-2500 BP aproximadamente). Modificado a partir de Muñoz Sobrino 2001. a um maior grau de termicidade do clima. Em resposta às distintas condições ecológicas que se estabelecem no território, dentro das massas dominadas por quercíneas, regista-se a difusão, ou pequenos episódios de expansão, de um numeroso e variável contingente de elementos arbóreos, arbustivos e inclusive lianoides, cuja composição e cronologia varia entre locais, em função das suas características biogeográficas e da distância a que se situam das zonas que serviram de refúgio para esta flora mesófila ao longo das fases frias pré-holocénicas. Na área litoral-sublitoral, o reduzido número de diagramas não permite, por agora, uma interpretação detalhada da vegetação. Os escassos registos mostram o predomínio das formações arbóreas caducifólias, nas quais Quercus e, em menor medida, Alnus, Betula, Corylus, Ulmus, Fraxinus, constituem-se como elementos maioritários. Juntamente com estas formações, relacionáveis com os carvalhais atlânticos e com formações ripícolas e pantanosas, existem outras formações como os sobreirais, medronhais ou, inclusive, pinhais, cujo conhecimento é muito limitado. Nos territórios montanhosos do extremo setentrional, a elevada humidade ambiental propiciará o predomínio de Quercus robur tp. e Corylus formando distintas comunidades arbóreas, entre as quais predominariam os carvalhais, aveleirais e bosques mistos, sendo estes últimos os que apresentavam um maior número de espécies: Ilex, Ulmus, Tilia, Fagus, Fraxinus, Carpinus, Sambucus, Taxus, Castanea, entre outras. Menor importância tiveram as formações de coníferas (Pinus sylvestris e Pinus pinaster) e outras de caráter mais termófilo e/ou xérico - bosquetes de carvalho-negral, medronhais, louriçais, zambujais - cujo registo é muito problemático. 45 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 1 2 Nas serras mais ocidentais da cordilheira cantábrica a vegetação dominante consistiria de carvalhais caducifólios (Quercus petraea, Q. pyrenaica, Q. robur e seus híbridos), em massas puras ou misturadas com outros elementos (Fraxinus, Acer, Ulmus, Tilia, Salix, Fagus) entre os quais se intercalariam pequenas manchas de faia. Acima dos carvalhais, em zonas sombreadas, situar-se-ia um piso de vidoal, enquanto que os pinhais formariam o piso superior da área arborizada nas vertentes com maior exposição solar. Pequenas áreas de azinhal, relacionadas com a vegetação de caráter mediterrânico, estabeleceram-se preferencialmente nos sopés das vertentes sudeste (Ramil-Rego et al. 1998). A heterogeneidade climática e ecológica das montanhas continentais é ainda mais patente nas montanhas Galaico-Minhotas e Galaico-Durienses. Nestes ambientes, a vegetação de cumeada seria formada por um mosaico de matagais (Erica, Calluna, Vaccinium, Juniperus) e bosques mistos de vidoeiros com pinheiros (Betula, Pinus sylvestris) e, a menor altitude localizar-se-iam os bosques mesófilos de quercíneas. Estes seriam dominados por carvalhos, incluindo-se também como espécies dominantes Corylus, Alnus, Ulmus, Fagus, Fraxinus, Ilex, Castanea. Junto a estas florestas reconhece-se ainda a presença de um número considerável de elementos termófilos (Arbutus, Olea, Quercus ilex tp.) para os quais se pode supor uma maior afinidade com áreas mais meridionais (Ramil Rego et al. 1996c, Muñoz Sobrino et al. 2005). Na maior parte das sequências, Ulmus e Castanea aparecem representados durante a primeira parte do Interglaciar, mas com os dados atuais parece que a sua presença no noroeste peninsular é anterior ao início do Holocénico (Nonn 1966, Mary et al. 1977, Ramil-Rego 1993, Gómez-Orellana 2002, Gómez-Orellana et al. 2007) e que em geral, pelo menos nas montanhas mais meridionais deste setor, tenderiam a difundir-se durante os períodos mais quentes e húmidos. Castanea mostra uma presença irregular, já que se regista durante o interestadial Tardiglaciar nos diagramas da Turbera de Suárbol (Muñoz Sobrino et al. 1997), Laguna de Lucenza (Muñoz Sobrino et al. 1997) e Lagoa de Marinho (Ramil-Rego et al. 1993), desaparecendo durante o Dryas Recente e inicio do Interglaciar e voltando a identificar-se pontualmente em meados do Holocénico, tanto nas três sequências já mencionadas como na de Arroyo de las Lamas (Maldonado 1994). Na sequência de Tremoal do Chan do Lamoso regista-se antes de 7.785 BP (Ramil-Rego 1992). Outros dados interessantes dizem respeito ao aparecimento, durante este período, de Olea, Fraxinus e Arbutus nas serras de Peneda-Gerês (Ramil-Rego et al. 1993); Fraxinus, Acer e Carpinus na Serra do Courel (Muñoz Sobrino et al. 1995); e a presença de Juglans, Tilia, Fraxinus, Sambucus, Frangula, Taxus e Arbutus, antes de 5.475 BP nas montanhas GalaicoAsturianas (Ramil-Rego 1992, Muñoz Sobrino et al. 2005). A amplitude ecológica das quercíneas e o seu domínio nos espectros polínicos atribuídos a este período dificultam a reconstrução ao detalhe das condições climáticas desta fase, sobretudo quando as oscilações das percentagens arbóreas coincidem com o aparecimento dos primeiros sintomas da difusão dos modelos agropastoris (cf. Ramil-Rego 1992, 1993, Muñoz Sobrino et al. 2005). Estes eram dominados pelo cultivo de diferentes cereais de 46 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 1 2 origem mediterrânica e, em menor medida, leguminosas, assim como pela criação de gado, em especial ovinos, caprinos e bovinos (Tereso et al. neste volume). Nas áreas montanhosas de maior altitude evidenciam-se, no entanto, neste período de domínio das percentagens de Quercus, diversas fases de expansão de Betula e/ou Pinus, que não parecem corresponder à colonização por estas formações dos ecossistemas azonais. Assim, na Serra de Queixa, a expansão de Betula iniciou-se em 5.620±100 BP, muito similar ao observado nos Montes do Cebreiro, e com anterioridade a 5.230±50 BP na Laguna de la Roya. Também o incremento das percentagens de Pinus nos diagramas da denominada “Laguna de las Sanguijuelas” (datado a partir de 6.670±145 BP ), no Lago de Sanabria e, em menor medida, nas sequências da Lagoa de Marinho, poderia interpretar-se como o equivalente deste processo nos setores orientais de ambiente mais continental. Tendo em conta a elevada altitude da maioria das sequências, situadas em muitos casos acima do limite altitudinal do bosque, a expansão dos taxa criófilos (Pinus, Betula) poderia dever-se a mudanças nas formações arbóreas altimontanas, que alcançariam neste momento o seu máximo nível altitudinal, aparecendo agora sobrerrepresentados nos diagramas devido à sua proximidade face aos depósitos analisados. Precisamente por isto, esta expansão não se regista nas áreas de montanha de menor altitude, como é o caso das montanhas Galaico-Asturianas (Ramil-Rego 1992, Muñoz Sobrino et al. 2005). 5.3. Declínio das florestas e ruralização do território Existe uma clara dificuldade metodológica em estabelecer uma periodização global para o último terço do Holocénico, ou pelo menos uma aplicável às grandes biorregiões do continente europeu. Esta dificuldade deve-se, em grande medida, ao facto de, nas áreas mais meridionais do continente, como é o caso do noroeste ibérico, este período coincidir com um incremento progressivo da ação humana sobre os ecossistemas. Assim, a partir de 3500 BP, as perturbações antrópicas adquirem uma grande intensidade, com exceção das áreas de montanha de maior altitude. A desflorestação, os incêndios e as transformações de habitats naturais em espaços agrícolas, num processo de territorialização que conduziu a uma mais efetiva exploração do espaço pelas comunidades, modificaram dramaticamente a paisagem antes da invasão romana, afetando desde áreas litorais até áreas de montanha de baixa altitude. A reduzida população que habita os castros antes da romanização, em comparação com a atual, deixará no entanto, uma importante pegada ecológica, levando a que a superfície ocupada pelas florestas se reduza em muitas áreas para valores similares ou inclusive inferiores aos registados durante o período estadial do Würm. O esforço desflorestador e transformador que caracteriza o designado “período castrejo” (Bronze final e Idade do Ferro), manter-se-á durante a invasão romana. Posteriormente, as crises políticas e as invasões verificadas na Alta Idade Média reduzirão a pressão humana sobre a paisagem, que, no entanto, será novamente incrementada e tornar-se-á preponderante a partir da Baixa Idade Média. A paisagem vegetal durante o Antigo Regime encontrava-se fortemente perturbada. A floresta natural reduz-se sendo relegado para áreas de montanha e áreas onde as limitações topográficas ou edáficas dificultavam o estabelecimento da agricultura ou da criação de gado. Em torno 47 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 1 2 das cidades e vilas mantêm-se pequenas áreas arborizadas, com castanheiros, carvalhos ou pinheiros. A expansão dos cultivos americanos (Zea, Phaseolus, Solanum) implicou uma importante mudança na configuração dos agroecossistemas, abandonando-se ou reduzindo-se as áreas de algumas culturas que haviam sido amplamente cultivadas para a alimentação humana e do gado (Secale cereale, Avena spp., Hordeum spp., Panicum miliaceum, Vicia spp.), enquanto se incrementa a superfície agrícola à custa das áreas ocupadas por formações arbustivas ou arbóreas. 5.4. O Antropocénico A partir do inicio da Revolução Industrial, o planeta sofreu importantes mudanças induzidas ou derivadas de perturbações antrópicas (alterações climáticas globais, aumento da desertificação, aumento da contaminação de águas, solos e atmosfera, perda de naturalidade e superfície das biocenoses naturais, extinção regional ou global de espécies, etc.), que ficaram documentados nos registos sedimentológicos e biológicos. As consequências destas mudanças ao nível da biodiversidade, são equiparáveis àquelas verificadas aquando dos processos de extinção maciça registados em fases anteriores da História da Terra. A magnitude e repercussões destas mudanças levaram Paul Crutzen (Crutzen e Stoermer 2000, Zalasiewicz et al. 2008) a diferenciar na história do planeta um último episódio, o Antropocénico, que se iniciaria aquando da Revolução Industrial e se estenderia até à atualidade. Na maior parte da Europa as primeiras etapas da Revolução Industrial apenas geraram alterações na economia rural, mantendo-se, ao longo do século XIX, os sistemas e estruturas herdados do Antigo Regime, que são incapazes de melhorar a qualidade de vida das populações constituídas maioritariamente por camponeses. O auge das cidades e a crescente industrialização gerarão um progressivo êxodo dos camponeses, incrementando grandemente a separação entre mundo rural e urbano. No inicio do século XX, uma vez eliminadas as estruturas agrárias do Antigo Regime, o agrossistema minifundista aparece consolidado. No que respeita aos cultivos agrícolas mantém-se a diferença entre as áreas litorais-sublitorais e as interiores. Nas primeiras o milho, batatas, cereais do velho mundo e os nabos serão as espécies dominantes, enquanto que nas áreas interiores, a inexistência de variedades de milho adaptadas às condições destes territórios determina a supremacia dos restantes cereais, das batatas e dos nabos. A partir de 1945, os agrossistemas capitalizam-se e intensificam-se. A mecanização irrompe nos trabalhos agrícolas substituindo a força animal, incorporam-se de forma massiva agroquímicos e as variedades e raças tradicionais, forjadas ao longo da história, são substituídas por híbridos artificiais de origem recente, que se difundem em grandes extensões. O agrossistema tradicional muda, desta forma, rapidamente até converter-se num agrossistema industrial que incrementará a sua produção à custa da qualidade e do incremento da sua pegada ecológica, afastando-se completamente da sustentabilidade. As reformas empreendidas são incapazes de remediar os problemas do meio rural, provocando, nas décadas de 1950 e 1960 um importante êxodo para as cidades e para os países europeus mais industrializados. A emigração e a redução da natalidade que ocorreu ao longo do século XX, levou a uma drástica redução da população rural. 48 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 1 2 As alterações no meio rural produzidas desde finais do século XIX conduzem à incorporação de um novo modelo de exploração florestal que, em muitos casos, se impõe coercivamente, e se orienta para a obtenção de grandes quantidades de madeira, destinadas a satisfazer as necessidades industriais do momento. Esta politica leva ao fomento do cultivo de pinheiro-bravo (Pinus pinaster), em detrimento do cultivo de castanheiro (Castanea sativa) e de outras folhosas, para satisfazer as exigências da construção civil e da mineração (pontões), e para a obtenção de celulose destinada à indústria química e indústria de armamento. A gestão funesta destas plantações realizadas à margem, ou mesmo contrárias, dos interesses dos sistemas de exploração territorial mantidas pelos agricultores, saldou-se numa onda de incêndios que dizimaram grande parte dos repovoamentos. A falta de visão da administração ou a necessidade de satisfazer determinados interesses empresariais não locais, levaram a repetir de forma cíclica esta mesma política ao longo do século XX, com as mesmas consequências funestas e com custos económicos muito difíceis de justificar num território geo-politico com escassos recursos económicos. No decurso deste período de repovoamento, produziram-se modificações no que respeita à seleção das espécies utilizadas, empregando-se inicialmente espécies dos géneros Acacia, Robinia, juntamente com os pinheiros europeus (P. pinaster, P. sylvestris), para posteriormente impulsionar-se os repovoamentos com eucaliptos (Eucalyptus globulus, Eucalyptus nitens), que progressivamente irão suplantar em superfície ocupada as coníferas (Pinus pinaster, Pinus sylvestris, Pinus radiata, Pseudotsuga menziesii). Na atualidade, a superfície arbórea do noroeste ibérico está dominada por formações de espécies exóticas, em cultivo intensivo. Um meio de escassa diversidade e caracterizado pelos seus fortes desequilíbrios ecológicos. As florestas nativas mostram uma escassa representação em todo o território, desaparecendo ou cingindo-se a formações residuais, fortemente perturbadas. A retração e desaparecimento das formações arbóreas são semelhantes aos sofridos pelas formações arbustivas naturais (urzais húmidos, urzais secos, urzais subalpinos, etc.). A perda destes ecossistemas supõe perder uma parte viva e insubstituível da história ambiental do continente europeu. São ecossistemas que guardam uma grande biodiversidade, tanto ao nível da sua flora, como da fauna, com numerosas espécies raras, endémicas e subendémicas, assim como de elementos catalogados como ameaçados ao nível europeu, nacional, regional. O Ano Internacional das Florestas deveria servir para refletir sobre o papel e o estado em que se encontram as florestas nativas nas distintas regiões do planeta e especialmente no extremo noroeste ibérico, procurando consciencializar a sociedade de modo a favorecer a mudança nos modelos de gestão vigentes, baseados na exploração irracional destes recursos e sua substituição por formações alóctones de reduzida biodiversidade. É também o momento de exigir outro modelo de relação entre o Homem e as florestas, que proteja estas e as comunidades rurais da espoliação e da irracionalidade. 49 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 1 2 Referências · Allen J.R.M., Huntley B., Watts W.A. (1996). The vegetation and climate of the northwest Iberia over the last 14.000 yr. Journal of Quaternary Science 11: 125–147. · Alvarez L.W. (1983). Experimental evidence that an asteroid impact led to the extinction of many species 65 million years ago. Proceedings of the National Academy of Sciences 80 (2): 627-642. · Álvarez W., Álvarez L.W., Asaro F., Michel H.V. (1979). Anomalous iridium levels at the Cretaceous/ Tertiary boundary at Gubbio, Italy: Negative results of tests for a supernova origin. In Christensen, W.K., Birkelund, T. Cretaceous/Tertiary Boundary Events Symposium.2. University of Copenhagen: 69. · Andrade M. M. (1944a). 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Boletin da Sociedade Geológica de Portugal XII (I-II): 1-227. 54 SECÇÃO 01 CAPÍTULO 02 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 2 A EXPLORAÇÃO DE RECURSOS ALIMENTARES SILVESTRES E SEU ENQUADRAMENTO NAS DINÂMICAS ECONÓMICAS E SO C I AI S D A S C O M U N I D A DES A G RÍCOLA S DESDE A PRÉ-HISTÓRIA À ÉPOCA ROMANA João Pedro Tereso1, Pablo Ramil Rego2, Rubim Almeida da Silva3 Tereso JP, Ramil Rego P, Almeida da Silva R (2011). A exploração de recursos alimentares silvestres e seu enquadramento nas dinâmicas económicas e sociais das comunidades agrícolas desde a pré-história à época romana. In Tereso JP, Honrado JP, Pinto AT, Rego FC (Eds.) Florestas do Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão. InBio - Rede de Investigação em Biodiversidade e Biologia Evolutiva. Porto. ISBN: 978-989-97418-1-2. Pp 55-83. Resumo: A exploração de recursos silvestres por parte das primeiras comunidades agrícolas tem sido um tema pouco explorado na investigação arqueológica e paleoetnobiológica, frequentemente diluindo-se na caracterização das práticas produtivas. Embora existam poucos dados disponíveis para o Norte de Portugal, é evidente que os recursos silvestres constituíram um importante complemento para a alimentação das primeiras comunidades agrícolas. De facto, as plantas e animais silvestres constituíram a alimentação das populações paleolíticas e mantiveram-se como recursos alimentares importantes durante o Neolítico e períodos posteriores, tal como verificado em outras regiões do Sul da Europa. Os dados disponíveis sugerem uma diminuição do peso dos recursos silvestres nas estratégias de subsistência desde o Neolítico até à Época Romana. Esta evolução aconteceu em paralelo com o desenvolvimento das atividades produtivas das comunidades humanas – agricultura e pastorícia – com notórias consequências ao nível da paisagem. Não obstante, os dados carpológicos sugerem que um recurso silvestre – as bolotas – ganhou preponderância em épocas proto-históricas, ainda que as jazidas arqueológicas desta fase tenham sido aquelas onde se identificou menor diversidade de frutos e animais silvestres. Parece correto assumir que a diminuição da relevância da exploração de recursos silvestres deverá ser entendida no contexto das fortes e complexas alterações sociais processadas nas comunidades que habitaram a região. THE EXPLOITATION OF WILD FOOD RESOURCES IN THE CONTEXT OF THE ECONOMICAL AND SOCIAL DYNAMICS OF THE AGRICULTURAL COMMUNITIES FROM PRE-HISTORY TO ROMAN TIMES Abstract: The exploitation of wild resources by the first agricultural communities has been a relatively unexplored subject in archaeological and palaeoethnobiological research. Its study is often restricted to short notes in the characterization of production practices. Although there is few data available concerning northern Portugal, it is clear that wild resources were 1 InBio / CIBIO-Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos, Universidade do Porto. jptereso@gmail.com. 2 Laboratorio de Botánica & Bioxeografía. Instituto de Biodiversidade Agraria e Desenvolvemento Rural (IBADER). Universidade de Santiago de Compostela. 3 InBio / CIBIO-Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos, Universidade do Porto. 56 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 2 important food complements for the first agricultural communities. In fact, wild plants and animals constituted the diet of Paleolithic communities but remained important food resources during the Neolithic and later periods, as observed in other regions of southern Europe. The available data suggest a decrease in the importance of wild resources in the subsistence strategies from the Neolithic to the Roman Period. This occurred in parallel with the development of productive activities of human communities - agriculture and pastoralism - with noticeable consequences at the landscape level. Nevertheless, data from archaeological seeds and fruits suggest that a wild resource acorns – got more preponderance in proto-historic times despite the fact that archaeological sites from this period provided less diversity of wild fruits and animals. It seems correct to assume that the diminishing relevance of the exploitation of wild resources must be interpreted in the context of complex social changes concerning the communities that inhabited the region. 57 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 2 1. Introdução O estudo das estratégias de subsistência das comunidades humanas desde o Neolítico temse focado essencialmente no desenvolvimento de práticas produtivas, remetendo para a marginalidade a compreensão das estratégias de exploração de recursos silvestres. Analisando mais em detalhe esta questão, é percetível que a discussão em torno das etapas iniciais do Neolítico se tem focado essencialmente no ritmo de absorção de influências exógenas que conduziram à adoção de modos de subsistência baseados na produção de alimentos, processo este identificado como fator crucial e definidor da neolitização (ver revisão critica desta questão e dos diversos modelos interpretativos em Monteiro Rodrigues 2008). Remete-se, assim, para segundo plano a compreensão das estratégias de recoleção e caça, comprometendo o verdadeiro entendimento do modo de vida das comunidades em prol da discussão de um processo mais amplo, ainda que de inegável interesse científico. No que respeita aos períodos pós-neolíticos e anteriores à presença romana, o enfoque tem sido frequentemente colocado numa dicotomia entre exploração de recursos silvestres e atividades produtivas, para a qual contribuiu de forma decisiva a regular descoberta de bolotas carbonizadas em jazidas arqueológicas (vide discussão em Ramil Rego e Fernández Rodríguez 1999, Pereira Sieso e García Gómez 2002). O modo como o debate acerca desta eventual dicotomia se processou na arqueologia peninsular parece demonstrar que na investigação arqueológica e histórica a temática respeitante ao aproveitamento de recursos silvestres por parte de comunidades agrícolas não está dissociado de pré-conceitos culturais que identificam estádios civilizacionais com as práticas produtivas das comunidades humanas. Neste sentido, não é estranho que a exploração de recursos silvestres em época romana seja quase ignorada no que respeita à recoleção de plantas e entendida num prisma completamente diferente do dos períodos anteriores no que respeita à caça (vide infra). De qualquer modo, para os diferentes períodos cronológicos é usualmente assumido que a adoção de práticas produtivas não pressupõe um total abandono das práticas de recoleção e caça (Ramil Rego 1993b, Fernández Rodríguez 2000). Neste contexto, o presente estudo pretende caracterizar os principais recursos silvestres – plantas e animais – explorados pelas comunidades humanas entre o Neolítico e a Época Romana e dos quais restaram evidências em jazidas arqueológicas ao mesmo tempo que pretende realizar uma leitura diacrónica. Esta abordagem distingue-se dos estudos disponíveis para a realidade arqueológica do Norte de Portugal. De facto, no que respeita aos estudos de Arqueobotânica, existem compilações genéricas de dados de jazidas arqueológicas (e.g. Dopazo Martínez et al. 1996, Oliveira 2000) mas as abordagens efetuadas aos vestígios carpológicos silvestres são limitadas e pouco integradas. No que respeita aos estudos zooarqueológicos, a única síntese recente foi centrada na realidade do Norte de Espanha, apresentando-se como um estudo completo e aprofundado (Fernández Rodríguez 2000). Ainda assim, as menções à realidade portuguesa são esporádicas. A bibliografia portuguesa centra-se quase sempre em jazidas específicas, ainda que devidamente enquadradas no seu contexto regional (e.g. Cardoso 2005, Costa 2008). 58 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 2 2. A origem dos dados e metodologia de estudo Foi efetuada uma revisão dos dados arqueobotânicos e zooarqueológicos publicados, referentes a jazidas arqueológicas do Norte de Portugal, procedendo-se à sua compilação (ver Figura 1). Esta realizou-se em concordância com a interpretação arqueológica e cronológica original e em consonância com os parâmetros definidos neste estudo (vide infra). Desta forma, todos os registos sem qualquer informação referente à sua inserção cronológica foram excluídos. Foram incluídos dados inéditos de trabalhos atualmente a ser realizados pelos autores, nomeadamente, referentes aos resultados de estudos carpológicos da Citânia de Briteiros e Monte Mozinho. Figura 1 Localização dos sítios arqueológicos portugueses mencionados no texto Como foi já referido, os dados carpológicos e zooarqueológicos são na sua maioria provenientes de estudos da especialidade centrados em sítios arqueológicos específicos, ainda que existam algumas compilações de dados. Este cenário facilita a sistematização de dados mas, ao mesmo tempo, faz ressaltar a ausência e a necessidade de uma interpretação regional. Por outro lado, a interpretação dos vestígios botânicos e faunísticos está fortemente condicionada pela estratégia de recolha adotada durante os trabalhos arqueológicos. A ausência de recolhas sistemáticas com recursos a técnicas adequadas – e.g. flutuação de sedimentos e crivagem a água em crivos de malha fina – poderá, em alguns casos, ter conduzido a uma sobrerepresentação dos elementos de maiores dimensões. 59 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 2 Outro aspeto que condiciona à partida este estudo prende-se com o problema de selecionar entre as espécies silvestres presentes nos conjuntos arqueobotânicos e zooarqueológicos aquelas que seriam utilizadas para fins alimentares. No que diz respeito aos vestígios faunísticos, devido à sua escassez, é possível apresentar integralmente os dados e colocar hipóteses interpretativas em relação à adscrição das espécies a um uso concreto. No entanto, o mesmo não acontece em relação aos vestígios arqueobotânicos. Os estudos que decorrem com recurso a técnicas adequadas de recolha de material vegetal carbonizado podem fornecer vastas listas de espécies silvestres, tornando impraticável a sua exposição e interpretação num texto desta natureza. No que diz respeito às plantas silvestres, a presença de vestígios em jazidas arqueológicas não implica a sua recolha intencional e o facto de surgirem carbonizados sugere o seu uso como combustível, a única utilização passível de comprovação. As considerações de J. Tereso (2007) acerca do eventual consumo de beldroega (Portulaca oleracea) e de algumas Polygonaceae no povoado romano da Terronha de Pinhovelo (Macedo de Cavaleiros) espelha a dificuldade em distinguir elementos recolhidos para fins alimentares e elementos constituintes da vegetação ruderal local que acabaram por ser incorporados nos sedimentos arqueológicos na sequência de uma utilização enquanto combustível. A presença de sementes destas espécies atesta o seu transporte para o povoado mas não o seu consumo. Estes casos são relevantes também pelo facto de as folhas e raízes destas plantas serem usualmente usadas para fins culinários hoje em dia, não as suas sementes. Deste modo, qualquer critério de escolha das espécies a incorporar neste estudo, i.e., a considerar que foram recolhidas para fins alimentares, corre o risco de estar iminentemente conectado com pré-conceitos de investigação em parte condicionados por uma visão atualista das práticas de recoleção. Como tal, assume-se aqui uma abordagem às práticas de recoleção de frutos e sementes, excluindo-se os vestígios carpológicos de plantas cuja utilização alimentar mais provável não seria o consumo dos seus frutos ou sementes. Ainda assim, deveremos ter sempre em conta as reservas acima colocadas. Acrescente-se ainda que a diacronia aqui em estudo coloca novos problemas a esta abordagem visto que algumas espécies autóctones foram domesticadas ao longo do espectro temporal em análise, assumindo, por isso, o caráter de silvestre nos períodos iniciais e de domesticado em fases posteriores. A videira, entre as plantas, e o cavalo, entre os animais, são bons exemplos. Esta duplicidade deverá ser tida em conta. As interpretações dos dados da região Norte de Portugal, convencionalmente definida como a NUTS II Norte, serão aqui enquadradas num contexto geográfico mais amplo, o Noroeste Peninsular, que inclui também o Noroeste de Espanha, i.e., a Galiza. Este enquadramento é crucial para a compreensão da realidade arqueológica e paleoeconómica do Norte de Portugal, na sua integração em dinâmicas suprarregionais, permitindo também colmatar lacunas de informação referentes a determinados contextos cronológicos. 60 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 2 É neste contexto regional amplo que deverão ser entendidas as menções às escassas fontes clássicas que focam as populações do Noroeste ou mesmo do Norte peninsular, justificando a pertinência de proceder à sua análise no que diz respeito ao tema deste estudo. 3. Enquadramento cronológico Cobrindo um intervalo temporal muito amplo, este estudo aborda diferentes períodos cronológicos definidos na bibliografia arqueológica. Ainda assim, a multiplicidade de abordagens existentes na bibliografia da especialidade traduz-se numa grande quantidade de modelos interpretativos da realidade material detetada em intervenções arqueológicas e, por consequência, em alguma variedade dos modelos cronológicos. Esta variedade não será abordada exaustivamente neste estudo. Para definir os parâmetros cronológicos e culturais referentes à Pré-História recente e ProtoHistória seguimos as propostas de A. M. S. Bettencourt (1999, 2005 e 2009), S. MonteiroRodrigues (2008), M. Sanches (1997) e M. Sanches et al. (2007). No que respeita à época romana, alguma indefinição cronológica referente ao seu início deve-se à dificuldade em avaliar o caráter, efetivo ou não, da presença romana na região após a campanha militar de D. Iunius Brutus, em 138-137 a.C. e até à incursão de C. Iulius Caesar em 61-60 a.C. ou mesmo às guerras cantábricas de 29-19 a.C. (para diferentes posições, ver Alarcão 1992, Fabião 1992, Morais 2004 e Peña Santos 2005). Neste texto iremos considerar a segunda metade do século I a.C. e a transição para o século I d.C. como ponto de charneira, no qual se tornaram mais visíveis nos povoados os sinais da presença romana na região. Deste modo, definiram-se os seguintes períodos cronológicos/etapas culturais: - Neolítico (c. 5200-3200/3000 cal BC)4 - Calcolítico (3200/3000-2200 cal BC) - Idade do Bronze inicial e média (c. 2200-1200 cal BC) - Idade do Bronze final (c.1200-600/500 cal BC) - Idade do Ferro (600/500 cal BC – séc. I a.C.) - Época Romana (séc. I a.C. – início do séc. V d.C.) 4. O contexto social, paleoeconómico e paleoecológico 4.1 As primeiras comunidades agrícolas: do Neolítico à Idade do Bronze Desde o início do Neolítico até ao Bronze inicial/médio as comunidades humanas que habitavam o Norte de Portugal atravessaram processos de mudança muito significativos, evoluindo de comunidades tendencialmente nómadas ou seminómadas para comunidades tendencialmente sedentárias com organizações sociais complexas (Jorge 2000, Bettencourt 2009). Do ponto de vista paleoeconómico, as alterações foram igualmente significativas, partindo-se de uma economia baseada principalmente na pastorícia, caça e recoleção durante o Neo- 1 Cal BC refere-se a datas de radiocarbono calibradas para anos do nosso calendário atual (BC = Before Christ). Referências a a.C. (antes de Cristo) e d.C. (depois de Cristo) correspondem a datas obtidas por outros meios (estratigrafia e tipologia de materiais, fontes históricas). 61 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 2 lítico, para uma economia produtiva diversificada e bem organizada, direcionada para uma exploração efetiva do território em época proto-histórica (Bettencourt 2009). No Noroeste peninsular, as primeiras evidências polínicas de agricultura datam do início da segunda metade do V milénio cal BC (Ramil Rego et al. 2009). No que respeita às evidências arqueológicas, os únicos dados que recuam no tempo a introdução da agricultura são provenientes do nível IV-1 do Buraco da Pala (Sanches 1997), mas a fiabilidade destes tem sido posta em causa, com base nos problemas estratigráficos que a jazida apresenta (Monteiro Rodrigues 2008). De resto, somente em duas jazidas arqueológicas neolíticas foram encontrados vestígios carpológicos de cultivos, são elas Bolada (Celorico de Basto) (Sampaio e Carvalho 2002) e os níveis IV e III do Buraco da Pala (Mirandela) (Ramil Rego e Aira Rodríguez 1993). A caracterização do Neolítico do ponto de vista paleoeconómico é, assim, uma tarefa difícil. As escassas evidências demonstram que as primeiras comunidades agrícolas cultivavam diversos cereais, tais como a cevada de grão nu (Hordeum vulgare var. nudum), cevada de grão vestido (Hordeum vulgare subsp. vulgare) e o trigo de grão nu (Ramil Rego e Aira Rodríguez 1993). Este último inclui grãos de dois tipos morfológicos, Triticum aesticum/durum e Triticum “globiforme”, tipos morfológicos que englobam diversas espécies cuja distinção através da morfologia dos grãos é impossível (Buxó 1997, Jacomet 2006). Por outro lado, pelo menos duas leguminosas seriam cultivadas, as favas (Vicia faba) e as ervilhas (Pisum sativum) (Ramil Rego e Aira Rodríguez 1993, Sampaio e Carvalho 2003). Os dados palinológicos sugerem também que já durante o Neolítico se inicia uma fase de desflorestação moderada, associada ao incremento das práticas agrícolas e pastoris (Ramil Rego et al. 2009). Ainda assim, é evidente o caráter intermitente destes fenómenos de desflorestação, atestando os modelos interpretativos vigentes para este período que caracterizam estas comunidades como populações de tendência seminómada, com práticas produtivas incipientes que privilegiam a criação de gado (Jorge 2000, Sanches 2000, Sampaio e Carvalho 2006). Mesmo a este nível os dados são escassos (vide infra). As atividades pastoris estão atestadas, mas são escassas, limitando-se a alguns fragmentos de ossos de ovinos ou caprinos (Monteiro-Rodrigues 2008). Ao longo dos III e II milénios cal BC os episódios de desflorestação e consequente redução do coberto arbóreo tornaram-se mais marcantes (Ramil Rego 1993, Muñoz Sobrino et al. 2005). A maior desflorestação verifica-se em baixas altitudes, perto dos vales e nas zonas costeiras e parece resultar diretamente de ação antrópica (Muñoz Sobrino et al. 2005, Ramil Rego et al. 2009). Como tal, é sugerido que essa pressão se deveu a uma crescente importância das atividades produtivas, agrícolas e pastoris (Fábregas et al. 2003). No que respeita aos cultivos, verifica-se uma preponderância da cevada de grão vestido, cevada de grão nu e trigos de grão nu. As ervilhas e as favas permanecem as leguminosas com maior expressão no registo arqueobotânico. O linho (Linum sp) terá sido introduzido no Calcolítico e o milho-miúdo (Panicum miliaceum) no Bronze médio (Bettencourt et al. 2007). Já o registo faunístico aponta para um predomínio dos bovinos (Bos taurus ou Bos sp.) e ovicaprinos (Ovis/Capra), seguidos do porco (Sus domesticus) (vide infra). 62 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 2 4.2. Inicio e desenvolvimento do mundo castrejo: Bronze final e Idade do Ferro No final da Idade do Bronze são patentes diversas mudanças ao nível da estruturação das sociedades e da sua interação com o meio que as envolvia. Ainda que existisse desde o Neolítico uma tendência de perda do coberto arbóreo, fases de desflorestação e de recuperação sucederam-se de forma intermitente (Muñoz Sobrino et al. 2005, Ramil Rego et al. 2009). As sequências palinológicas da Serra da Estrela assim como de outros contextos no noroeste peninsular demonstram que a partir de c. 1300/1200 cal BC inicia-se uma fase de forte desflorestação que viria a prolongar-se sem qualquer significativa fase de recuperação até ao século III d.C. (van der Knaap and van Leeuwen 1995, Muñoz Sobrino et al. 1997, Ramil et al. 1998). Esta mudança coincide com profundas alterações nos sistemas de povoamento locais, traduzindo-se numa diversificação do povoamento (Bettencourt 1999, 2009). Diversos povoados fundados no Bronze final mantêm-se habitados na Idade do Ferro, mas muitos outros são pela primeira vez construídos. Ainda assim, tanto nas novas fundações como nos espaços de continuidade dá-se início a um novo modelo de organização do habitat, a par da petrificação das estruturas. É a partir desta fase que as fortificações – os castros – se assumem como o principal modelo de povoação e de marco territorial na região (Martins 1996, Parcero e Cobas 2004). A partir do século II a.C. denota-se uma maior concentração de população em povoados maiores, agora com uma estrutura proto-urbana (Martins 1996, Peña Santos 2005). Ao mesmo tempo, este período assume-se como uma fase de intensificação e complexificação das práticas produtivas. A afirmação do milho-miúdo (Panicum miliaceum) como cultivo relevante testemunha a existência de duas colheitas por ano, o que pressupõe uma alteração na relação das comunidades com o seu território podendo implicar logo à partida uma maior sedentarização (González-Ruibal 2003). A crescente produtividade poderá estar testemunhada pela abundância, em particular em jazidas do Bronze final, de fossas usualmente, embora não inequivocamente, interpretadas enquanto espaços de armazenagem (Bettencourt 1999, 2009). Do ponto de vista das práticas agrícolas, o principal contraste verificado na Idade do Ferro, face a épocas anteriores, verifica-se no surgimento e afirmação da aveia (Avena sp.) e do trigo espelta (Triticum aestivum subsp. spelta) ao mesmo tempo que se denota uma maior preponderância do Triticum turgidum subsp. dicoccum. Esta crescente importância dos trigos vestidos, aliás verificada desde os últimos séculos do Bronze final (surgem já em As Laias e Penalba), poderá estar relacionada com uma maior necessidade de explorar áreas marginais, o que se compreende numa ótica de territorialização e plena sedentarização de comunidades (Tereso et al. em prep.). Esta perspetiva entra em claro contraste com a ideia durante muito tempo generalizada de que as comunidades destes períodos se caracterizavam pelo seu caráter iminentemente pastoril, ideia esta que teve como base interpretações de textos clássicos (veja-se revisão de Queiroga 1992). Sem negar a importância da criação de gado, é hoje evidente que as práticas agrícolas teriam também um peso muito importante na subsistência destas comunidades (Bettencourt 1999, 2009). O desenvolvimento de zonas de cultivo está bem patente em di- 63 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 2 versas sequências polínicas onde, junto com espécies cultivadas se observa um importante incremento de taxa sinantrópicos de ambientes ruderais que adquirem considerável importância em áreas de baixa e média altitude, próximas das áreas habitadas pelas comunidades humanas. Por outro lado, estes taxa mantêm-se pouco expressivos em zonas de montanha, onde a incidência de cultivos é menor. As evidências da pastorícia e criação de gado encontram-se em jazidas do Bronze final e Idade do Ferro, numa linha de continuidade face às fases anteriores. 4.3. A Época Romana Antes das primeiras incursões romanas no Norte de Portugal na segunda metade do século II a.C. eram já evidentes os contactos das comunidades indígenas com populações mediterrâneas, primeiramente com comerciantes púnicos e depois com elementos romanos. Esses contactos estão testemunhados pela presença de artefactos arqueológicos exógenos (González-Ruibal 2004). De qualquer forma, a campanha de D. Iunius Brutus em 138-137 a.C. marca uma mudança no relacionamento destas comunidades com as populações estrangeiras, evidenciando uma relação de força que pendia a favor dos romanos. Como reação de defesa após esta incursão ou já num contexto de efetivo controlo por parte do invasor (para diferentes perspetivas ver Alarcão 1992, Fabião 1992, Morais 2004 e Peña Santos 2005), a verdade é que a partir do final do século II a.C. parece ter havido uma alteração no sistema de povoamento local, marcando uma tendência de concentração em povoados de maiores dimensões, possivelmente consolidando algumas unidades sociopolíticas (Martins 1996, Peña Santos 2005). Durante os três séculos seguintes, o modelo de povoamento foi-se alterando paulatinamente, subsistindo o povoado de altura – o castro – como elemento de cariz indígena. Ainda assim, muitos castros começaram a ser abandonados no século I a.C e, de forma sistemática, no século seguinte. Alguns permaneceram ocupados até ao final do Império e mesmo durante a Idade Média (Alarcão 1992). A partir do século I d.C e, principalmente, do século II, o modelo indígena coexistiu com formas de povoamento tipicamente romanas, tais como as villae, quintas e cidades, embora se mantivesse, com poucas exceções, o caráter rural da paisagem. Neste contexto, não é surpreendente que os dados polínicos sugiram uma acentuada pressão sobre os já frágeis ecossistemas florestais (Muñoz Sobrino et al. 2005, Ramil Rego et al. 2009). Ainda assim, a apreciação do impacte da romanização sobre as práticas produtivas é difícil de efetuar dada a escassez de estudos arqueobotânicos e zooarqueológicos e a sua focagem essencialmente em locais de tipologia indígena, i.e., os castros. Os dados existentes apontam para o cultivo de cereais e leguminosas numa continuidade face aos períodos anteriores, isto é, os trigos vestidos (Triticum turgidum subsp. dicoccum e Triticum aestivum subsp. spelta), os trigos nus (Triticum aestivum/durum) assim como o milho miúdo, a cevada, a aveia, as ervilhas e favas. O centeio (Secale cereale) parece ter sido introduzido neste período mas a sua expressão na agricultura local deverá ter sido reduzida tendo em conta que foi 64 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 2 detetado unicamente em Monte Mozinho (Penafiel) (Tereso et al. 2010) e Cruito (Oliveira 2000). No que respeita à criação de gado, permanece a preponderância de bovinos e ovicaprinos (Costa 2009). No início do século V, diversos povos germânicos foram chamados para a Península Ibérica de forma a participar em guerras internas entre pretendentes ao trono imperial. Após este conflito, em 411, o imperador Flavius Honorius Augustus estabeleceu um pacto com alguns destes, os Suevos e Vândalos Asdingos, dando-lhes a Callaecia (Norte de Portugal e Galiza). Neste momento, a área aqui em estudo deixou de fazer parte do Império Romano (Fabião 1992). Posteriormente formar-se-ia o reino Suévico. 5. A recoleção de frutos silvestres num contexto agrícola 5.1. As evidências carpológicas O primeiro aspeto que ressalta de uma abordagem às evidências de recoleção de frutos silvestres entre o Neolítico e a Época Romana é a escassez de dados e a monotonia dos mesmos. Este cenário poderá estar condicionado por problemas de amostragem, dada a escassez de recolhas sistemáticas de sedimentos, com vista à realização de estudos de Arqueobotânica. Esta lacuna pode originar uma sobrerepresentação dos elementos de maior dimensão, tais como as bolotas, facilmente visíveis durante os trabalhos de escavação. Ao mesmo tempo, é natural que exista um enviesamento provocado por uma preservação diferencial que privilegia aqueles elementos que em algum momento do seu processamento contactam com fogo, potenciando a sua carbonização acidental e, logo, a sua preservação até aos nossos dias. Trata-se de um fator difícil de avaliar pois deriva de questões iminentemente culturais, que condicionam o tipo de processamento ao qual se submete os alimentos. Um enviesamento adicional pode ser originado por uma preservação diferencial derivada das características de cada fruto ou semente. Qualquer tipo de processamento afastado dos espaços de combustão é pouco potenciador da conservação dos elementos vegetais consumidos, não obstante outros resíduos destes – e.g. sementes – poderem preservar-se ao incorporarem as estruturas de combustão. Por outro lado, estruturas vegetais menos resistentes terão mais dificuldade em preservar-se aquando da carbonização, podendo também assim criar algum tipo de enviesamento. Após as considerações iniciais, não é surpreendente que os frutos de Quercus spp. - as bolotas - sejam os mais comuns em todos os períodos cronológicos. Embora surjam por vezes cúpulas, os vestígios mais frequentes são os cotilédones carbonizados. As abundantes evidências do consumo humano deste fruto conduziram a frequentes considerações no âmbito da bibliografia da especialidade. Dada a preponderância das bolotas no registo carpológico, estas serão alvo de considerações mais aprofundadas adiante (vide infra). Os vestígios de castanhas (Castanea sativa) são raros nos sítios arqueológicos portugueses. Ainda assim os dados polínicos demonstram o caráter autóctone do género Castanea na 65 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 2 Península Ibérica, onde surge desde o Terciário. No Plistocénico a sua presença foi detetada em distintas áreas do território galego, sendo um elemento comum na maioria dos diagramas polínicos do noroeste ibérico em todo o Holocénico. Terá sido um elemento constituinte dos bosques caducifólios, onde a sua presença foi sempre reduzida. De acordo com os dados polínico a expansão de Castanea ter-se-á verificado a partir da Idade Média, em função do seu cultivo para aproveitamento de frutos e madeira. Dados antracológicos atestam a presença de castanheiros e a recolha de madeira para uso como combustível por parte das comunidades humanas proto-históricas e romanas (Figueiral 1990) mas os vestígios carpológicos resumem-se aos exemplares recolhidos no povoado romano de Monte Mozinho (Penafiel) (Soeiro 1998). Ainda assim, o paradeiro deste material vegetal é atualmente desconhecido, nunca antes tendo sido observado por investigadores da área da Arqueobotânica e nunca tendo sido efetuado qualquer estudo biométrico de modo a atestar a sua origem silvestre ou cultivada. É, assim, difícil enquadrar este eventual vestígio carpológico de castanha que, neste momento, representa um achado isolado e regionalmente descontextualizado. Como tal, a sua datação radiométrica seria também essencial. Em todo o noroeste de Espanha só numa jazida de cronologia romana foram recolhidas castanhas, desta feita em abundância. Trata-se das salinas do Areal (Vigo) (Martin e Teira 2010), onde foram recolhidas inúmeras castanhas conservadas por saturação em água. Estas também não foram datadas por radiocarbono. No entanto, o facto de se tratar de um contexto muito particular – provável antiga área portuária – é impossível veicular a sua presença a atividades de recoleção ou cultivo. Sendo possível que estejamos perante evidências de atividades comerciais, é impercetível se as castanhas resultaram de movimentos de entrada ou saída de bens alimentares na região. Com base nos dados dos trabalhos realizados nesta jazida tem sido defendido que Vigo teria tido um papel importante como centro de redistribuição de bens importados para toda a região (Morais 2004). A castanha é um fruto que pode ser consumido de diversas formas, cozido, assado ou simplesmente seco (Carvalho 2005) podendo, no entanto, ser farinado e utilizado na preparação de pão ou papas (Vaughan e Geissler 1998). Está bem documentado o seu uso para fabrico de pão em épocas de carestia de cereal, nomeadamente a 2ª Guerra Mundial e a Guerra Civil de Espanha (Carvalho 2005). Contém grande quantidade de amido, assim como gorduras e proteínas em pequenas quantidades (Vaughan e Geissler 1998) As avelãs (Corylus avellana) surgem unicamente em Sola (Braga) em níveis da Idade do Bronze (Aira Rodríguez e Ramil Rego 1995). Estes frutos são ainda hoje consumidos crus, ainda que possam ser confecionados de diversas formas (Vaughan e Geissler 1998, Salgueiro 2005). Trata-se de um fruto muito rico em gorduras, proteínas e hidratos de carbono, em especial açucares (Vaughan e Geissler 1998). Os pinhões de Pinus pinea (pinheiro manso), surgem unicamente no Castro de Palheiros (Murça) em níveis do século I d.C.. São sementes muito ricas em gorduras não saturadas e proteínas. Podem ser consumidos crus ou ser cozinhados de diversas formas (Vaughan e Geissler 1998, Salgueiro 2005). 66 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 2 O medronho, fruto do medronheiro (Arbutus unedo) surge em diversas jazidas desde o Neolítico à Época Romana, salientando-se os achados calcolíticos e romanos de Crasto de Palheiros (Murça) (Figueiral 2008) e da Idade do Bronze de Castelo Velho (Vila Nova de Foz Coa) (Figueiral e Jorge 2008). Plínio (HN 15.28) sugere que este fruto não era apreciado, ainda assim é utilizado atualmente para o fabrico de doces e bebidas alcoólicas, para além de ser consumido cru (Vaughan e Geissler 1998, Salgueiro 2005). Trata-se de um fruto composto maioritariamente por hidratos de carbono, em especial sacarose, embora apresente proteínas em quantidade significativa (Oliveira 2010). A azeitona (Olea europaea) surge unicamente em duas jazidas pré-históricas, nomeadamente Bolada (Celorico de Basto) (Sampaio e Carvalho 2002) e Crasto de Palheiros (Figueiral 2008) e uma de época romana, Ermidas (Vila Nova de Famalicão) (Queiroga 1992). No caso dos exemplares de cronologia mais antiga estamos certamente perante a recoleção de frutos silvestres de zambujeiro, uma espécie autóctone na região. A sua recoleção justifica-se por ser um fruto com muitos lipídos, rico em minerais (sódio), ainda que pobre em proteínas (Vaughan e Geissler 1998). O seu cultivo não deve ser anterior ao período romano e mesmo nesta fase é difícil avaliar o seu real impacte, sendo evidente que as evidências palinológicas não sugerem um incremento significativo da presença desta espécie no Noroeste peninsular antes da época medieval (ver discussão em Tereso 2008). É, assim, impossível saber se os exemplares de Ermidas resultam de cultivo ou de recoleção. Diversas espécies da subfamília Rosaceae/Pomoidea são encontradas como componentes dos bosques do noroeste ibérico (Pyrus cordata, Malus sylvestris, Sorbus aucuparia, Sorbus aria, Crataegus monogyna, etc.). Temos, no entanto, poucos dados acerca da sua recoleção e também do seu eventual cultivo nos períodos aqui estudados. As peras bravas (Pyrus spp.) surgem no registo arqueológico na jazida da Idade do Bronze inicial/médio de Sola e nos níveis do Bronze final de Bouça do Frade (Baião) (Pinto da Silva 1988), Lavra (Marco de Canaveses) (Pinto da Silva 1988) e Santinha (Amares) (Dopazo Martínez et al. 1996, Oliveira 2000). Trata-se de um fruto açucarado consumido em cru ou processado sob a forma de compotas ou mesmo bebidas alcoólicas (Vaughan e Geissler 1998, Oliveira 2000). As sorvas (Sorbus aucuparia) foram encontradas em contextos proto-históricos de Santinha (Dopazo Martínez et al. 1996, Oliveira 2000) e possivelmente de Vasconcelos (Braga) (Oliveira 2000) e S. João de Rei (Póvoa de Lanhoso) (Dopazo Martínez et al. 1996, Oliveira 2000). Trata-se de um fruto rico em vitaminas, minerais (em especial potássio) e açucares (Raspé et al. 2000). É usado para o fabrico de bebidas alcoólicas, ainda que possa ser consumido cru (Raspé et al. 2000). O género Vitis está documentado na Península Ibérica desde o Terciário, sendo uma trepadeira própria de contextos fluviais. No noroeste ibérico não há evidências arqueológicas de videiras anteriores ao Holocénico. 67 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 2 Tabela 1 Carpologia: frutos silvestres recolhidos em jazidas arqueológicas do Norte de Portugal. Legenda: (+) 1-10, (++) 11-100, (*) quantidade indeterminada. Neolítico Bolada Buraco da Pala Calcolítico Prazo Arbutus unedo Corylus avellana Bitarados Buraco da Pala Bronze Inicial/médio Covelinhos Castro de Palheiros Castelo Velho ++ ++ * Sola * + Olea europaea + + Pyrus communis ++ Quercus sp. (cúpula) Quercus sp. (cotilédones) + * ++ * + ++ Rubus sp. * Vitis vinifera Bibliografia + 13 12, 14 8 2 12, 14 2 5 Bronze final Bouça do Frade Castelo de Matos Lavra ++ Quercus sp. (cúpula) + + Vasconcelos ++ Sorbus aucuparia Briteiros Castro de Palheiros Crastoeiro S. João de Rei * * + + Vitis vinifera *? * 13 12, 14 Monte Mozinho Arbutus unedo Castro de Palheiros 8 2 12, 14 Cruito Ermidas Penices * * + Olea europae + Pinus pinea *? + Época Romana Castanea sativa 2 * + Bibliografia 1, 9 + Pyrus sp. Quercus sp. (cotilédones) 6 Idade do ferro Santinha Arbutus unedo Pyrus cordata Vale Ferreiro 2 * 6 1, 9 2 1 Aira Rodriguez and Ramil Rego 1995 2 Bettencourt et al. 2007 3 Dinis 1993-94 4 Dopazo Martinez et al.1996 5 Figueiral 2008 6 Figueiral e Jorge 2008 7 Jorge 1986 8 Monteiro-Rodrigues 2008 Prunus sp. + 9 Oliveira 2000 Quercus sp. (cúpula) + 10 Pinto da Silva 1988 11 Queiroga 1992 12 Ramil Rego e Aira Rodriguez 1993 13 Sampaio e Carvalho 2002 14 * Sanches 1997 15 Soeiro 1998 11 16 Tereso, inédito Quercus sp. (cotilédones) * * Rubus sp + ++ Vitis vinifera + * Bibliografia 16 5 10 11 * 68 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 2 As evidências carpológicas (grainhas de uva) mais antigas em Portugal datam do Calcolítico – Buraco da Pala (Mirandela) (Ramil Rego e Aira Rodríguez 1993). Surgem também num nível do Bronze final de Castelo de Matos (Baião) datado do início do I Milénio a.C. (Queiroga 1992); em níveis da Idade do Ferro de Briteiros (Guimarães) (Tereso, dados inéditos) e Crastoeiro (Mondim de Basto) (Dinis 1993-94) e nos níveis romanos de Monte Mozinho (Tereso, dados inéditos), Cruito (Baião) (Pinto da Silva 1988) e Penices (Vila Nova de Famalicão) (Queiroga 1992). Sendo a videira uma espécie autóctone em Portugal, a presença de frutos em locais de fruição humana desde a Pré-história sugere a sua recoleção para fins alimentares. A presença em níveis da Idade do Ferro e Romanos deve ser lida com mais cautelas. O cultivo da vinha está atestado para as zonas meridionais ibéricas desde pelo menos o século VII a.C. (Buxó e Piqué 2008), não sendo provável, no entanto, que o cultivo no Norte de Portugal anteceda o período romano (Queiroga 1992, Sousa et al. 2006). A distinção entre grainhas de videiras silvestres e cultivadas é difícil tendo em conta a sobreposição de características anatómicas das duas espécies. Ainda assim, diversos índices morfológicos foram propostos de forma a proceder à sua distinção (Stummer 1911 apud Renfrew 1973, Mangafa e Kotkasis 1996). No caso dos conjuntos do Norte de Portugal algumas aproximações foram efetuadas neste sentido. Estas aproximações conduziram à identificação da espécie silvestre nos níveis romanos de Penices (Buxó em Figueiral 1990, Oliveira 2000). No entanto, à semelhança de outros autores (Oliveira 2000) consideramos que estas abordagens só são válidas quando aplicadas a conjuntos consideráveis de sementes, não sendo esse o caso de qualquer dos conjuntos carpológicos de Vitis do Norte de Portugal. No povoado romano do Cruito (Baião) foi recolhido um fragmento de caroço de um fruto do género Prunus (Pinto da Silva 1988b, Pinto da Silva, relatório inédito). A interpretação deste vestígio é difícil e a sua identificação ao nível do género não permite efetuar quaisquer considerações, visto este género incluir espécies silvestres e espécies submetidas a cultivo, com seleção de variedades e alterações significativas ao nível da dimensão dos frutos. Em época difícil de precisar, nunca antes da época romana, mas possivelmente em fase posterior, outras espécies deste género foram introduzidas na região (Prunus domestica e Prunus persica). As sementes de amoras (Rubus spp.) surgem em diversas jazidas de distintas cronologias: do Calcolítico (Bitarados – Bettencourt et al. 2007), Idade do Bronze (Vale Ferreiro - Bettencourt et al. 2007) e período Romano (Ermidas – Queiroga 1992). Embora tentada por alguns investigadores, a identificação de sementes ao nível da espécie é difícil e pouco fiável, tendo em conta a sua grande variabilidade morfológica (Oliveira 2000). Optamos, assim, por limitar a sua identificação ao nível do género. A presença de sementes deste género em jazidas arqueológicas, ainda que seja comum, pode resultar de ações humanas propositadas mas não se pode descartar a hipótese de dispersão natural coetânea da ocupação das jazidas ou posterior a esta. De um modo geral, estes frutos não são muito ricos em proteínas ou gorduras mas salienta-se a presença muito significativa de açúcares e fibras (Vaughan e Geissler 1998). Os valores variam consoante a espécie. 69 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 2 O que resulta evidente da descrição dos vestígios carpológicos silvestres encontrados em jazidas arqueologias é o seu potencial enquanto complemento alimentar na dieta das comunidades. Por outro lado, a leitura da tabela 1, demonstra que em jazidas do Bronze final e da Idade do Ferro (i.e. as fases de desenvolvimento da denominada cultura castreja) foi detetada uma escassa diversidade de frutos, embora o panorama geral de insuficiência de dados não permita valorizar esta pequena diferença ou identificar qualquer tendência temporal evidente. Ainda assim, trata-se de um dado interessante tendo em conta que nesta fase um recurso silvestre – a bolota – ganhou algum peso nas estratégias alimentares, a julgar pela sua grande visibilidade arqueológica. 5.2. A omnipresença da bolota A bolota é o fruto seco indeiscente das espécies do género Quercus (carvalhos, carrascos, sobreiros e azinheiras) sendo, por isso, um recurso muito abundante em Portugal continental, tanto mais quanto o papel das espécies deste género na configuração da paisagem vegetal deste território. Trata-se de um fruto pobre em proteínas e gorduras, mas rico em hidratos de carbono, embora existam variações consideráveis entre diferentes espécies (Mason 1992). Dentro de uma mesma espécie poderá haver diferenças de composição consoante o grau de maturação do fruto. Embora tenha havido já tentativas de identificação de bolotas arqueológicas ao nível da espécie (e.g. Aira Rodríguez et al. 1990), a variabilidade de dimensão das bolotas em cada espécie e mesmo num mesmo indivíduo é considerável, dependendo da sua posição na árvore, da idade da árvore ou de fatores ambientais, podendo variar de ano para ano (Mason 1992). Como tal, não é possível conseguir uma fiável distinção entre diferentes espécies com base na dimensão ou morfologia da bolota. De resto, os cotilédones de bolotas e raramente cúpulas, surgem em jazidas do Norte de Portugal, atestando a sua manipulação desde o Neolítico (Buraco da Pala) até ao Período Romano atestando que este fruto foi recolhido e fez parte das estratégias de subsistência durante um amplo espectro temporal e em diversos contextos culturais e tecnológicos. De qualquer forma, a abundante presença de jazidas cujos únicos vestígios carpológicos são as bolotas – frutos de consideráveis dimensões – pode resultar de deficientes ou inexistentes estratégias de recolha sistemática de amostras e subsequente processamento com recurso a técnicas de recuperação de macrorrestos vegetais. Mas esta hipótese é difícil de avaliar. A tabela 1, na qual se apresentam os vestígios carpológicos desde o Bronze final à Época Romana, incluem unicamente jazidas com outras espécies silvestres. Na verdade, a listagem de sítios arqueológicos com bolotas – normalmente castros onde as bolotas foram os únicos macrorrestos vegetais identificados – é demasiado vasta para ser apresentada em tabela (vejase lista em Silva 1986). Frequentemente não existem dados cronológicos suficientes para enquadrar os referidos achados, embora pela sua presença nas jazidas em questão a cronologia da maior parte destas bolotas deverá compreender-se entre o Bronze final e a Época Romana. 70 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 2 Figura 2 Bolota carbonizada recolhida na Citânia de Briteiros (esquerda); bolota atual (direita) (fotos de Rubim Almeida da Silva). Na sequência da recolha frequente de bolotas em jazidas arqueológicas e das menções feitas por autores clássicos (vide infra), o papel da recoleção e consumo das bolotas na economia e subsistência das comunidades pré-romanas do noroeste peninsular tem sido valorizado de diferentes formas por distintos autores (ver resumo em Ramil Rego e Fernández Rodríguez 1999 e Pereira Sieso e Garcia Gómez 2002). Em parte, essa valorização depende da forma como são interpretadas as seguintes passagens das obras de Plínio e, em especial, de Estrabão: “As bolotas actualmente constituem a riqueza de muitas raças, mesmo em tempos de paz. Além disso quando há escassez de cereais elas são secas e moídas em farinha que é amassada para fazer pão. Além disto, hoje em dia nas províncias hispânicas as bolotas são usadas como sobremesa. As bolotas têm um sabor mais doce quando tostadas em cinzas.” (Plínio, História Natural, XVI, 6). “Os habitantes das montanhas vivem dois terços do ano de bolotas, que secam e trituram e depois moem para fazer pão, que conservam durante muito tempo. Eles também bebem cerveja, mas têm pouco vinho e todo o vinho que têm gastam em banquetes familiares e em vez de azeite usam manteiga.” (Estrabão, Geografia, III 3, 7). A preponderância que tem sido dada à citação de Estrabão deve-se ao facto de reportar à região setentrional ibérica. De resto, tem sido referido o papel propagandista da obra de Estrabão que salientava o caráter civilizador dos romanos face aos povos conquistados (Fabião 1992, Tereso 2007), hipótese desvalorizada por Pereira Sieso e Garcia Gómez (2002). De qualquer forma, os dados de Arqueobotânica disponíveis para a região demonstram que as comunidades indígenas apresentavam uma agricultura bem desenvolvida, que explorava diversas espécies de cereais adequados a diferentes tipos de solos, assim como leguminosas (Dopazo Martínez et al. 1996). Neste contexto, as bolotas deverão ter tido um papel complementar mas regular e importante nas estratégias de subsistência das comunidades préromanas do Norte de Portugal. É possível que a importância deste alimento se devesse não 71 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 2 só à sua grande abundância na região mas também ao facto de as bolotas amadurecerem no outono ou início do inverno, salientando a sua complementaridade face aos cereais também neste aspeto. Ainda assim, deve-se apontar a existência de contextos de armazenagem de cronologia proto-histórica com bolotas, tais como os de Penalba (Aira Rodríguez et al. 1990) e de cronologia incerta entre a Idade do Ferro e a Época Romana, tais como os de São Vicente de Chã (Santos Júnior e Isidoro 1963) e As Laias (trabalho inédito). Em época romana o consumo de bolotas manteve-se, surgindo evidências em jazidas desta cronologia - veja-se os dados da Terronha de Pinhovelo (Macedo de Cavaleiros) (Tereso 2007). Independentemente da forma como eram consumidas, seria sempre necessário eliminar os taninos das bolotas, de modo a tornar o seu paladar mais agradável. Os taninos podem ser eliminados por lixiviação, torrefação, cozedura ou por mistura com argila ou cinza (Mason 1992, Pereira Sieso e Garcia Gómez 2002, Mason e Nesbitt 2009). O facto de surgirem abundantes cotilédones carbonizados em jazidas arqueológicas sugere que as práticas de torrefação sugeridas por Plínio eram atividade frequente. Após a torrefação era mais fácil descascar as bolotas, ficando estas preparadas para consumo sem mais processamento. A torrefação poderia também ser prática comum antes da farinação. No registo arqueológico de época pré-romana existem evidências diretas da farinação de bolota. Estas evidências têm sido fornecidas por estudos de fitólitos5 encontrados em moinhos manuais (Pereira Sieso e Garcia Gómez 2002). A farinha de bolota poderia ser utilizada na confeção de sopas e papas ou no fabrico de pão como atestam estudos etnográficos (Mason 1992, Mason e Nesbitt 2009). Na verdade, a julgar pelas fontes clássicas, o consumo de pão de bolota seria frequente entre as comunidades humanas. Várias propostas existem acerca de como o pão de bolota poderia ser fabricado, baseadas em exemplos etnográficos (Mason 1992) ou trabalhos experimentais (Oliveira et al. 1991). O sabor e consistência do pão ou biscoito produzido dependeriam das diferentes técnicas de fabrico assim como da mistura ou não da farinha de bolota com farinha de trigo. Curiosamente, Ibn al-Awam, agrónomo muçulmano que viveu no sul de Espanha, descreveu práticas dessa região que passavam pela cozedura de bolotas que, depois de secas, eram descascadas e transformadas em farinha para produzir pão (Mason 1992). O mesmo autor assinala ainda outra forma de processar bolotas que passava pela sua deposição em solo húmido e cobertura com sedimento humedecido com água. Uma vez por dia, durante oito dias, a área era humedecida, após o que as bolotas eram recolhidas e lavadas para remover o sedimento, podendo depois ser consumidas cruas. De resto, o consumo de pão de bolota está documentado para épocas mais recentes, em especial em períodos de carestia de cereais (Carvalho 2006). Em suma, o registo arqueológico aliado aos textos clássicos tem demonstrado que o consumo de bolotas por parte das comunidades humanas é uma constante desde a Pré-história 5 Fitólitos são células vegetais mineralizadas que se formam nas plantas pela precipitação da sílica dissolvida na água absorvida do solo (Zurro 2006). 72 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 2 até à Época Romana. O processamento e consumo deste fruto terão seguido diferentes formas, incluindo o fabrico de pão. Contudo, contrariamente ao que sugere Estrabão, é pouco provável que o consumo desse pão tivesse maior preponderância que o consumo cerealífero na altura a que o autor grego remonta. Na verdade, a bolota deverá ter sido um alimento regular mas complementar da dieta dos povos pré-romanos do Norte de Portugal, numa estratégia de otimização dos recursos disponíveis e prevenção face à possibilidade de perda de colheitas. 6. Evidências zooarqueológicas de caça O predomínio de sedimentos ácidos e não hidromorfos nos contextos arqueológicos do Norte de Portugal determina a escassez de dados zooarqueológicos para o Norte de Portugal. Por outro lado, o caráter fragmentário dos vestígios osteológicos dificulta grandemente a distinção de espécies com fortes semelhanças anatómicas, tais como os géneros Ovis e Capra (isto é, os ovinos e caprinos) e a espécie silvestre e doméstica do género Sus (porco doméstico e javali). Devido a estes factos, a construção de um modelo interpretativo que verse sobre a importância das atividades de caça nos sistemas de subsistência das primeiras comunidades agrícolas desta região só é possível com um enquadramento genérico dos dados aqui disponíveis com os dados recolhidos em outras regiões limítrofes, em especial o noroeste de Espanha. Ainda assim, mesmo nesta região, alguns períodos cronológicos permanecem amplamente desconhecidos. No que se refere ao Neolítico, os únicos dados zooarqueológicos disponíveis provêm de jazidas localizadas na região de Vila Nova de Foz Côa, nomeadamente Prazo e Quebradas. Em Quebradas foi encontrado unicamente um fragmento de dente de Ovis/Capra (Carvalho 1999), enquanto no Prazo diversos, embora muito fragmentados, vestígios osteológicos apontam para a possível existência de animais domésticos - Ovis aries (ovelha) ou Capra hircus (cabra) (Monteiro-Rodrigues 2008). Os únicos vestígios zooarqueológicos de atividades de caça foram recolhidos no Prazo e resumem-se a um dente, possivelmente de javali (Sus cf. scrofa), dentes de veado (Cervus elaphus) e diversos ossos de coelho (Oryctolagus cuniculus) (Monteiro-Rodrigues 2008). Junta-se a estes vestígios de um fragmento de haste de veado ou corço (Capreolus capreolus), ainda que não seja possível determinar se foi obtido por atividades cinegéticas. Trata-se, assim, difícil compreender a relevância das atividades de caça na subsistência das comunidades neolíticas desta região, embora diversos investigadores considerem que essas atividades tiveram um papel crucial pelo menos até ao final desta fase (Sanches 2003, Monteiro-Rodrigues 2008). Para o Calcolítico existem dados mais significativos, ainda que não sejam muito abundantes, provenientes de seis jazidas: Pastoria e Vinha da Soutilha (Chaves) (Jorge 1986), Crasto de Palheiros (Murça), Castelo Velho e Castanheiro do Vento (Vila Nova de Foz Coa) (Ver Cardoso 73 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 2 2005 e Costa 2008) e Bitarados (Esposende) (Cardoso e Bettencourt 2008), aos quais se juntam Pala la Vella (Rubiá, Ourense) e Tres Ventanas (Villadecanes, León) no noroeste de Espanha (Fernández Rodríguez 2000). Em todos estes sítios as espécies domésticas são mais abundantes do que os vestígios de caça. Os bovinos (Bos taurus ou Bos sp.) e ovicaprinos (Ovis sp./Capra sp.) dominam em quase todas as jazidas. Sus sp. (porco/javali) surge também em quase todos os sítios arqueológicos mencionados e, quando a espécie é conhecida, corresponde usualmente à espécie doméstica. Apesar do domínio das espécies domésticas, os vestígios de caça surgem em todas as jazidas arqueológicas mencionadas. Existe um claro domínio do veado. Por outro lado, recolheram-se vestígios osteológicos de coelho (Pastoria, Vinha da Soutilha, Castelo Velho, Castanheiro do Vento – Jorge 1986, Costa 2008) e possivelmente de abetarda (cf. Otis tarda) e cavalo (Equus caballus) em Castanheiro do Vento (Costa 2008). Em Palla la Vella e Tres Ventanas o conjunto de restos faunísticos é amplo e a lista de espécies resultante de atividades de caça é mais vasta (Fernández Rodríguez 2000). Em níveis da transição entre o Neolítico final e o início do Calcolítico de Palla la Vella foram recuperados restos de cavalo, veado, gato-bravo (Felis sylvestris), tourão (Mustela putorius) e coelho. Uma grande quantidade de espécies de micro e macromamíferos, aves e répteis foi recolhida, no entanto, não deverá estar associada a atividades humanas (Fernández Rodríguez 2000), pelo que serão excluídas desta análise. Em níveis talvez da mesma cronologia, de Tres Ventanas, a lista de animais silvestres inclui veado, corço, javali (Sus scrofa) e coelho, assim como raposa (Vulpes vulpes) e marta (Martes sp.) (Fernández Rodríguez 2000). É percetível pela lista de espécies recolhidas nestas jazidas que a alimentação não seria o único objetivo das atividades de caça. É presumível que espécies como o gato-bravo, o tourão, a raposa e a marta seriam caçadas de modo a aproveitar as suas peles (Fernández Rodríguez 2000). De qualquer modo, em nenhum dos casos se afasta a hipótese de perturbações posteriores à ocupação humana, nomeadamente originadas por ação de animais, serem responsáveis pela presença destas espécies nas cavidades em questão. Na Idade do Bronze Inicial/Médio continua o predomínio da criação de gado à base de bovinos, porco, ovinos e caprinos (vide Castelo Velho - Costa 2008). Em continuidade com a realidade do período anterior, a caça está representada pela presença de coelho (Castelo Velho, Fumo – Valente 2004, Costa 2008) e raposa (Castelo Velho) (Costa 2008). A presença de ossos de Sus sp., sem permitir a distinção entre a espécie doméstica e a espécie selvagem, não permite avaliar a eventual caça de javali, apesar de este ser certamente um recurso disponível na região. Os dados do nível 1 do abrigo de Pala la Vella, desta cronologia, permite acrescentar a captura de marta e lebre (Lepus capensis) (Fernández Rodríguez 2000). 74 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 2 Figura 3 Cavaleiro da Idade do Ferro. Rocha 1 do Vale da Vermelhosa. Desenho de CNART/PAVC. O período de formação e desenvolvimento do que se logrou designar de “cultura” castreja – o Bronze final e a Idade do Ferro – foi, desde cedo na história da investigação arqueológica ibérica, alvo de considerações de diversos autores no que se refere às estratégias económicas das comunidades humanas. Com base nos textos de autores clássicos colocou-se particular ênfase na pastorícia (veja-se revisão de Queiroga 1992). No entanto, sem negar a importância da criação de gado, é hoje evidente que as práticas agrícolas teriam também um peso muito importante na subsistência destas comunidades (Bettencourt 1999, 2009). As evidências da pastorícia e criação de gado encontram-se em jazidas do Bronze final e Idade do Ferro, numa linha de continuidade face às fases anteriores. Vejam-se os vestígios faunísticos de S. Julião (Vila Verde), Coto da Pena (Caminha) e Barbudo (Vila Verde) (síntese em Bettencourt 1999). As atividades de pesca, assim como a recoleção de moluscos, estão amplamente representadas nos espólios zooarqueológicos de jazidas da costa galega, de cronologias proto-históricas e romanas. Neste texto estes vestígios não serão abordados, pela sua desconexão evidente com o tema desta secção – a evolução da floresta no Norte de Portugal e a sua conexão com as atividades humanas. No que respeita aos vestígios de caça, resumem-se a vestígios de veado (um coprólito de veado recolhido em níveis do Bronze final de Bouça do Frade e restos osteológicos em níveis da Idade do Ferro de Coto da Pena) (Bettencourt 1999). Assinala-se a presença de vestígios osteológicos de cavalo (níveis da Idade do Ferro de Barbudo e Coto da Pena) (Bettencourt 1999). A cronologia da domesticação desta espécie no ocidente peninsular não é totalmente conhecida, porém, assume-se que durante a Idade do Ferro essa domesticação já teria tido lugar, facto atestado pela presença de gravuras com representações de cavaleiros montados, provavelmente desta cronologia, no vale do rio Côa (Luis 2008) (Figura 3). Deste modo, ainda que pudessem existir populações selvagens na região, os vestígios osteológicos de cavalos de épocas proto-históricas e romanas não serão entendidos como evidências de práticas de caça. 75 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 2 De um modo genérico, existe uma escassez de restos osteológicos resultantes de atividades de caça em jazidas destes períodos, em todo o noroeste peninsular (Fernández Rodríguez 2000). Nesta região, fora de Portugal, as evidências de caça são escassas, resumindo-se a um resto de javali e um de gato-bravo em A Lanzada e restos de raposa no Castro de Cantodorxo (a especificidade dos ossos recolhidos sugere que o principal objetivo foi a recolha da pele). Todos estes vestígios foram recolhidos em níveis da Idade do Ferro. De acordo com Fernandez Rodriguez (2000) noutras regiões centro e Norte espanholas denota-se um decréscimo dos vestígios de caça durante a proto-história, indiciando que este cenário resulta não de um enviesamento tafonómico mas sim de uma alteração do comportamento das comunidades proto-históricas do noroeste peninsular, deixando de haver uma prática de caça estável. Tabela 2 Fauna silvestre recolhida em jazidas arqueológicas do Noroeste peninsular. Neolítico Calcolítico Id.do Bronze inicial/médio Idade do Bronze final Idade do Ferro Romano Mamíferos Canis lupus Lobo Cervus elaphus Veado Copreolus copreolus Corço * Equus caballus Cavalo x x Felis sylvestris Gato-bravo * * Grus grus Grou comum Lepus capensis Lebre Lutra lutra Lontra Martes sp. Marta * Mustela putorius Tourão * Oryctolagus cuniculus Coelho Sus scrofa Javali Sus sp. Porco/Javali Ursus arctos Urso-pardo Vulpes vulpes Raposa * x x x x x * * * * * * x x x? * x * x x * * x * * x * Aves Alectoris rufa Perdis vermelha * Anas platyrhynchos Pato real * cf. Otis tarda Abetarda Perdix perdix Perdis cinzenta x * Legenda: (x) presente no Norte de Portugal e Noroeste de Espanha; (*) ausente das jazidas portuguesas mas presente no Noroeste de Espanha. 76 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 2 Para a época romana os dados do Norte de Portugal continuam a ser muito escassos, contrastando com os abundantes estudos realizados no Norte de Espanha, sintetizados por Fernández Rodríguez (2000). No que respeita às evidências de fauna doméstica, este autor documenta uma continuidade face às estratégias indígenas, não existindo uma melhoria significativa das raças domésticas, nos vestígios recolhidos nos estabelecimentos romanizados de tipologia indígena (os castros). As atividades de caça permanecem quase esporádicas. Surgem em A Peneda do Viso, Punta do Castro, A Devesa e Santomé, um reduzido número de restos osteológicos de javali e veado e no Castro de Vigo foi recolhida lebre (Fernández Rodríguez 2000). Em Portugal, no Morro da Sé (Porto) existem evidências de veado (Bettencourt 1999). Nos povoados de fundação e/ou tipologia romana do noroeste peninsular - Villae e cidades - o gado bovino assume uma clara preponderância face aos ovinos/caprinos e suínos (Fernández Rodríguez 2000). No entanto, o cenário na região de Freixo de Numão (Foz Côa) é diferente. Nas villae romanas de Prazo, Rumansil I e Zimbro II, Ovis sp./Capra sp. dominam o conjunto osteológico. Os bovinos só assumem maior preponderância nos níveis do século IV do Prazo, onde foi também recolhido um osso de galo (Gallus gallus) (Costa 2009).De resto, nestas jazidas portuguesas, as evidências de caça são reduzidas: veado no Prazo e Zimbro, coelho nas três villae, Mustelidae (mustelídeos) em Rumansil (Costa 2009). Este panorama contrasta claramente com a realidade arqueológica do Norte de Espanha, onde o número de espécies se multiplica. Veado, corço e coelho são as espécies silvestres que surgem no maior número de sítios de tipologia romana, no entanto outros animais surgem, testemunhando uma grande variedade: javali, lebre, lontra (Lutra lutra), raposa (Vulpes vulpes), lobo (Canis lupus), gato-bravo, urso (Ursus arctos) e diversas aves, tais como pato-real (Anas platyrhynchos), grou comum (Grus grus), perdiz vermelha (Alectoris rufa) e perdiz-cinzenta (Perdix perdix) (Fernández Rodríguez 2000). A proveniência destes achados faunísticos - villae (A Igrexiña, Toralla e A Pobra de Valdeorras) e cidades (Brigantium, Asturica augusta e Lucus Augusti) - leva Fernández Rodríguez (2000) a enquadrar as atividades de caça deste período em práticas de lazer, mais do que de garante de subsistência, normalmente associadas a estratos sociais mais elevados. Isso não invalida que houvesse um aproveitamento da carne para consumo humano - as aves são um caso paradigmático - e de peles para diversos fins. O caso do lobo é particular pois a sua caça poderia enquadrar-se num contexto de proteção de rebanhos. Os dados zooarqueológicos, embora escassos, parecem testemunhar uma diminuição do papel da caça na subsistência das comunidades humanas que habitaram o noroeste peninsular. Neste processo, o Bronze final/Idade do Ferro e fase castreja romana parecem assumirse como fases determinantes. Nestes períodos existe, em especial no Noroeste de Espanha, um número significativo de jazidas com vestígios faunísticos mas os elementos provenientes de atividades de caça são muito escassos (Fernández Rodríguez 2000). Este facto não será dissociado das alterações sociais e económicas que se terão verificado neste momento, traduzidas numa maior afirmação das práticas produtivas, com amplos reflexos nas dinâmicas ambientais regionais (Ramil Rego et al. 2009, Bettencourt 2009). 77 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 2 A afirmação das práticas agrícolas e de criação de gado face às práticas de exploração dos recursos cinegéticos deve ser enquadrada num processo temporalmente amplo e com implicações e explicações profundas em fatores sociais e culturais locais (Bettencourt 1999, 2009). Por outro lado, as alterações no coberto florestal resultantes desta mudança de paradigma e testemunhadas pela forte redução da curva de pólen arbóreo na maioria das sequências polínicas do noroeste peninsular (Ramil Rego et al. 2009) terão conduzido a uma redução significativa da área de habitat preferencial de muitas das espécies selvagens presentes nos conjuntos zooarqueológicos desde o Neolítico. Ainda assim, parece lícito afirmar que a perda de relevância da caça nos sistemas de subsistência se deveu essencialmente a mudanças profundas nas sociedades humanas, mais do que a constrangimentos ambientais, já que em época romana, como vimos, as atividades de caça voltam a ganhar visibilidade no registo zooarqueológico do Norte peninsular, agora num contexto cultural bastante distinto. 7. Conclusões No que respeita a estudos de carpologia e zooarqueologia no Norte de Portugal, os vestígios de exploração de recursos silvestres são escassos. Este cenário exige cautelas na obtenção de conclusões e sugere, com otimismo, o seu caráter provisório. No âmbito da ocupação neolítica, tal como foi sucintamente descrita, seria de esperar que a exploração de recursos vegetais silvestres, muitos dos quais associados às florestas que ainda dominavam a paisagem regional, tivesse um papel importante para a subsistência das comunidades humanas. Infelizmente os dados existentes são escassos pois temos unicamente três sítios arqueológicos neolíticos com material arqueobotânico e dois com vestígios faunísticos. Estes vestígios biológicos são sempre ocasionais, mesmo nestas jazidas. Para as realidades posteriores existem mais dados, ainda que estes não sejam abundantes. Ainda assim, os dados arqueobotânicos e zooarqueológicos do Norte de Portugal, enquadrados numa leitura regional mais vasta, parecem concordar numa tendência genérica de diminuição do peso dos recursos silvestres nas estratégias de subsistência desde a Pré-História até ao Período Romano, embora com as devidas reservas que a realidade romana suscita (vide supra). Paralelamente, verifica-se um desenvolvimento da agricultura e criação de gado. Ainda assim, é difícil fazer uma leitura direta inequívoca dos dados disponíveis. É possível que se tenha verificado uma diminuição da variedade de recursos vegetais silvestres, embora os dados disponíveis sejam demasiado escassos para confirmar esta ideia. Assumir que a exploração dos recursos silvestres está principalmente associada às fases iniciais de desenvolvimento das práticas produtivas poderá ser erróneo. Na verdade, diversos tipos de estruturas vegetais consumidas não deixam vestígios perduráveis (Ertuğ 2009). A exploração de recursos silvestres não cessou em pleno Período Romano. Aliás, a verificar-se a hipótese colocada por Fernández Rodríguez (2000) acerca das atividades de caça, parte dessa exploração evoluiu para um nível cultural distinto. À luz dos enquadramentos teóricos mais recentes e de investigações interdisciplinares com um forte teor etnográfico, os recursos silvestres têm sido valorizados como um complemento 78 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 2 importante na alimentação das comunidades produtoras assumindo por vezes uma preponderância face às espécies cultivadas (Mason e Nesbitt 2009). A recoleção e caça são práticas plenas de racionalidade que espelham principalmente o conhecimento dos recursos existentes e a propensão para a sua otimização de forma a diversificar a dieta alimentar. Naturalmente que, com frequência, enquadravam-se em estratégias para fazer frente a períodos de carestia na sequência de anos de más colheitas ou de desarticulação das redes comerciais em virtude de episódios de instabilidade política. Mas mesmo neste contexto, dificilmente o consumo de recursos silvestres poderá ser entendido de forma depreciativa. Em última análise, a caça e recoleção espelham a disponibilidade de recursos silvestres no meio envolvente, obviamente sofrendo alterações ao longo dos tempos. Em suma, as estratégias de exploração dos recursos silvestres, tal como as práticas produtivas, evoluíram em articulação com as dinâmicas ambientais, sociais, culturais e mesmo políticas que marcaram as comunidades humanas do Norte de Portugal. Só no âmbito das complexas relações entre estes fatores devem ser entendidas as alterações na dieta alimentar e nos hábitos quotidianos das sociedades humanas. Ainda assim, diversas questões ficam por resolver, devendo tutelar futuras aproximações à temática da exploração dos recursos silvestres, salientando-se: (1) de que modo a retração das áreas de floresta, inerente ao desenvolvimento das atividades produtivas e evidente desde a Idade do Bronze (Ramil Rego et al. 2009) poderá ter influenciado a presença (existência e abundância) de algumas espécies; (2) que fatores culturais e ambientais condicionaram a exploração de recursos silvestres; (3) até que ponto o atual registo paleobiológico está enviesado por práticas de investigação desadequadas e que consequências advêm para a interpretação dos dados. Só a continuação da investigação arqueológica, aliada à recolha sistemática de amostras sedimentares com vista à realização de estudos de Arqueobotânica, poderá esclarecer estas questões. 79 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 2 8. Referências · Aira M. J., Ramil-Rego P. (1995). 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EXEMPLOS DA EXPLORAÇÃO DOS RECURSOS LENHOSOS PELAS COMUNIDADES DA IDADE DO BRONZE INICIAL E MÉDIO DO NOROESTE DE PORTUGAL María Martín Seijo1, Isabel Figueiral2, Ana M. S. Bettencourt3, António A. H. B. Gonçalves4, M. I. Caetano Alves5. Seijo MM, Figueiral I, Bettencourt AMS, Gonçalves AAHB, Alves MIC (2011). A floresta e o mato. Exemplos da exploração dos recursos lenhosos pelas comunidades da Idade do Bronze inicial e médio do noroeste de Portugal. In Tereso JP, Honrado JP, Pinto AT, Rego FC (Eds.) Florestas do Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão. InBio - Rede de Investigação em Biodiversidade e Biologia Evolutiva. Porto. ISBN: 978989-97418-1-2. Pp 84-98. Resumo: A análise antracológica e dendrológica dos povoados de Monte Calvo e Lavra, situados no Noroeste de Portugal, e com ocupações do Bronze Inicial e Médio (primeira metade do II milénio AC), permitiram obter informações acerca do coberto vegetal e suas características, assim como das estratégias de exploração dos recursos lenhosos. O material analisado corresponde na totalidade a restos arqueobotânicos conservados por carbonização. Para a realização do estudo identificaram-se 371 fragmentos de carvão provenientes de 29 amostras. Os resultados revelaram a tendência para uma exploração diversificada da vegetação disponível nas imediações dos povoados. Referimo-nos a espécies crescendo no seio dos bosques mistos, nas margens dos ribeiros e nos terrenos cobertos pelo mato. A lenha de carvalho (Quercus de folha caduca) e de leguminosas (Fabaceae) parece ter sido o combustível mais usado. Palavras-Chave: floresta, recursos lenhosos, antracologia, Noroeste de Portugal, Idade do Bronze. FOREST AND SCRUBLAND. EXAMPLES OF WOOD USE BY EARLY AND MIDDLE BRONZE AGE COMMUNITIES IN NORTHWESTERN PORTUGAL Abstract: Charcoal and dendrological analysis of the Early and Middle Bronze Age settlements of Monte Calvo and Lavra (northwestern Portugal) has provided information on the nature of the vegetation cover and on the strategies of wood resources exploitation during this period. All the samples analyzed were archaeobotanical remains preserved by carbonization, we identified 371 charcoal fragments of 29 samples. The results reveal that all the diverse vegetation available in the vicinity of the settlements was exploited: species growing in mixed forests, along river / stream banks and in open scrubland. The wood of oak (deciduous Quercus) and leguminous plants (Fabaceae) appears to have been the most common fuel. Keywords: forest, wood resources, charcoal analysis, Northwest Portugal, Bronze Age. 1 Departamento de Historia I. Investigadora do GEPN/USC maria.martin.seijo@gmail.com. 2 INRAP (Institut National de Recherches Archéologiques Préventives) isabel.figueiral-rowe@inrap.fr 3 Departamento de História da Universidade do Minho. Campus de Gualtar, 4740 – 057 Braga, Portugal. Investigadora do CITCEM/ UM, financiado por Fundos Nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito do projeto PEst-OE/HIS/ UI4059/2011. E-mail: anabett@uaum.uminho.pt 4 Assessor Principal aposentado do Museu História Natural da Fac. de Ciências da Univ. do Porto. E-mail: antonio.huet@gmail.com 5 Departamento de Ciências da Terra da Universidade do Minho. Campus de Gualtar, 4740 – 057 Braga, Portugal. Investigadora do CCT/UM e do CGUP/UM. E-mail: icaetano@dct.uminho.pt 85 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 3 2 1. Introdução Durante a Pré-História, a floresta e o mato forneceram os recursos lenhosos necessários para as mais diversas atividades humanas. Referimo-nos, por exemplo, à madeira para a construção de estruturas e para o fabrico de objetos, à lenha para a iluminação, o aquecimento e as atividades de cozinha e metalúrgicas; à forragem para a alimentação do gado, etc. Neste âmbito, as comunidades desenvolveram uma série de estratégias destinadas a obter os materiais necessários para a sua existência, entre elas o aprovisionamento de madeira. Essas estratégias, condicionadas pela oferta ambiental de cada região, foram igualmente determinadas pelas capacidades técnicas e pelos costumes culturais de cada comunidade. Com base em análises de antracologia e de dendrologia realizadas em diferentes povoados arqueológicos o objetivo geral deste trabalho é o de contribuir para o conhecimento das estratégias de exploração dos recursos florestais e do coberto vegetal a partir das plantas consumidas durante as Idades do Bronze Inicial e Médio do Noroeste de Portugal, mais precisamente entre c. 2.300/2.200 e os finais do II milénio AC (Bettencourt 2009). Em termos mais específicos procura-se entender de que forma se terá processado a interação entre a sociedade e o coberto vegetal. Durante o Bronze Inicial e Médio as sociedades que ocuparam o Noroeste de Portugal parecem ter-se estabelecido em povoados sedentários com ocupações mais ou menos latas, dada a superfície de dispersão de muitos dos achados encontrados. As condições climáticas a partir de 3.000 AC (finais do IV milénio AC) foram mais frias, secas e ventosas, com distribuição global durante o período de Neoglaciação (cerca 3.500 - 1.500 AC). No NW Ibérico esta tendência foi corroborada por dados geoquímicos provenientes de turfeiras que sugerem terem ocorrido, no mesmo intervalo temporal, temperaturas entre 2 °C e 2,5 °C mais baixas do que as atuais (Martínez-Cortizas et al. 2009). A reconstrução das paleotemperaturas indica que a descida foi constante até c. 2.500 AC, momento a partir do qual se verifica o aumento térmico, de novo interrompido por um período mais frio na segunda metade do II milénio AC entre 1.600/1.400 a c. 1.200 AC. Durante o Bronze Final, deu-se novo aumento das temperaturas (Fábregas et al. 2003, Martínez-Cortizas et al. 2009). As precipitações aumentaram entre 2.600/2.300 AC e 2.200 AC diminuindo a partir de então até 1.400-1.300 AC (Fábregas et al. 2003, Martínez-Cortizas et al. 2009). Tendo em conta as condições climáticas das Idades do Bronze Inicial e Médio, grande parte dos povoados encontrava-se em áreas conectadas com grandes vales fluviais, com pequenos vales abrigados em áreas serranas ou com a planície litoral. A sedentarização poderá relacionar-se com o desenvolvimento das práticas agro-silvo-pastoris, nomeadamente com o incremento do cultivo de cereais e, talvez, rotatividade entre cereais e leguminosas; na exploração do mato e do bosque para as mais diversas tarefas do quotidiano e na pastorícia de ovinos, caprinos, suínos e bovinos (Bettencourt 1999, 2000, 2003, 2009, Bettencourt et al. 2003b). Durante este período as atividades humanas e a existência de incêndios (naturais e/ou antrópicos) em associação com as condições climáticas originaram modificações do coberto vegetal e episódios erosivos que tiveram lugar de forma recorrente (Fábregas et al. 2003). 86 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 3 2 2. As estações estudadas Os dados arqueobotânicos que apresentamos procedem de dois povoados: Monte Calvo e Lavra, localizados em meios físicos e ambientais distintos. Figura 1 Localização dos povoados de Lavra e de Monte Calvo no Noroeste da Península Ibérica. Monte Calvo está situado no concelho de Baião, numa colina da vertente sudeste da serra da Aboboreira, a 744 m de altitude e sobranceira a pequenos cursos de água, tributários do rio Ovil, afluente da margem direita do rio Douro. Trata-se de um local com estruturas edificadas com materiais perecíveis e escavadas no subsolo. Os buracos de poste identificados (Gonçalves 1981, Gonçalves et al. 1978) sugerem a existência de uma cabana de contorno circular no interior da qual se encontravam várias fossas abertas no solo de ocupação e no substrato rochoso (Gonçalves & Bettencourt 2010). O local foi ocupado nos finais do Bronze Inicial, inícios do Bronze Médio, entre os séculos XIX-XVII AC (Gonçalves & Bettencourt 2010). Os carvões foram recolhidos no interior de fossas, buracos de poste e de concentrações existentes na camada de ocupação/abandono e analisados por uma de nós (Martín Seijo 2010). O povoado de Lavra localiza-se no concelho de Matosinhos, numa colina de baixa altitude (entre 9 m a 15 m), situada na plataforma litoral e a cerca de 1 km da atual linha da costa. Das suas estruturas arquitetónicas apenas restavam alguns buracos de poste e diversas fossas escavadas no solo. O local foi ocupado durante o Bronze Médio, entre os séculos XVII-XV AC (Bettencourt & Fonseca 2011). Os macrorrestos daqui extraídos e estudados por uma das autoras recolheram-se do interior de fossas e da única camada de ocupação/abandono detetada (Martín Seijo 2011). 87 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 3 2 Figura 2 Estrutura em fossa e camada de ocupação/abandono à qual se associam buracos de poste, em Lavra (seg. Bettencourt e Fonseca 2011). 3. Metodologia de análise A identificação taxonómica dos carvões foi realizada a partir da observação da estrutura anatómica do lenho nos três planos anatómicos (transversal, longitudinal tangencial e longitudinal radial), mediante a utilização de um microscópio de luz refletida (x40 a x400). Esta baseou-se nos critérios anatómicos definidos nos atlas de anatomia da madeira (Schweingruber 1978, 1990, Hather 2000, Gale & Cutler 2000) e na comparação com amostras atuais de referência do “Grupo de Estudos para a Prehistoria do Noroeste Ibérico da Universidade de Santiago de Compostela”. Plano Transversal Plano Longitudinal Tangencial Plano Longitudinal Radical Figura 3 Secções anatómicas da madeira. Paralelamente à identificação taxonómica registou-se um conjunto de informações mais ligadas à dendrologia que permitiram complementar o conhecimento sobre as estratégias de aprovisionamento dos recursos lenhosos e sobre as condições de crescimento durante a vida das plantas. Este tipo de informações incluiu: o grau de curvatura dos anéis de crescimento anual; o diâmetro mínimo dos ramos/troncos consumidos (calibre da lenha recolhida); presença de tiloses e de depósitos de resina (madeira do cerne ou do alburno); a presença 88 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 3 2 de madeira de reação; a conservação do floema e/ou da casca de forma a estabelecer o momento da ‘morte’ da planta (durante o período de crescimento ou durante o intervalo dormente para estabelecer a época da recolha da lenha); presença/ausência de cicatrizes (p.e. resultantes da ocurrência de incêndios, de geadas, do ataque de insetos, etc.) ou de anéis sinuosos (relacionados com a presença de fendas, ataque de micro-organismos, condições climáticas, etc.); mudanças no ritmo de crescimento (relacionadas com as condições climáticas, as podas), etc. (Schweingruber 1996, Dufraisse 2006, Thiébault 2006, Marguerie & Hunot 2007, Schweingruber et al. 2008). Foram pesquisadas outras alterações no âmbito do estudo tafonómico dos restos. Tal é o caso das que foram produzidas durante a combustão, como as fendas radiais, anulares, aleatórias relacionadas com a presença de humidade na lenha e determinadas pelas características anatómicas das diferentes espécies. Registámos, também, a presença de vitrificação dos tecidos (para a qual múltiplas causas foram sugeridas como a temperatura, o ambiente de combustão, a humidade, etc.) e o colapso celular (frequente em madeiras húmidas e pouco densas) (Théry-Parisot 2001, Dufraisse 2006, Marguerie & Hunot 2007, Braadvaart & Poole 2008, McParland et al. 2010). Também se anotaram alterações biológicas como a presença de entomofauna, fungos e bactérias (Carrión & Badal 2004, Marguerie & Hunot 2007, Moskal del Hoyo et al. 2010). Os dados tafonómicos das amostras completaram-se com o registo das dimensões dos fragmentos com evidência de erosão. 4. Material estudado e resultados das análises O material analisado corresponde na totalidade a restos arqueobotânicos conservados por carbonização. Para a realização deste estudo identificaram-se 371 fragmentos de carvão provenientes de 29 amostras dos povoados de Monte Calvo e de Lavra. A maior parte das amostras corresponde a carvões relacionados com estruturas arqueológicas, como fossas com enchimentos detríticos e buracos de poste. De forma pontual, recolheram-se amostras dos níveis de ocupação/abandono (carvões dispersos). Em ambos os casos estas foram recuperadas mediante recolha manual e crivação a seco dos sedimentos durante as campanhas de escavação. Dada a antiguidade das escavações não foi possível determinar a malha dos crivos usados para esta tarefa (Gonçalves & Bettencourt 2010, Bettencourt & Fonseca 2011). O estudo anatómico permitiu a identificação de 13 taxa arbóreos e arbustivos, 8 em Monte Calvo e 11 na Lavra, o que representa uma diversidade elevada relativamente ao número total de fragmentos. Identificaram-se várias espécies arbóreas como o carvalho alvarinho/negral (Quercus de folha caduca), o freixo (Fraxinus sp.), o vidoeiro (Betula sp.), o amieiro (Alnus sp.), o salgueiro/choupo (Salix sp./Populus sp.) e o pinheiro tipo manso/bravo (Pinus tp. pinea/ pinaster). As espécies arbustivas reconhecidas foram as rosácias tipo pilriteiro, catapereiro, tramazeira entre outras (Rosaceae/Maloideae), a aveleira (Corylus avellana), prunoideas de fruto indeterminável (Prunus sp.), o azevinho (Ilex aquifolium) e o sanguinho (Frangula alnus). Entre as espécies de mato identificaram-se leguminosas tipo giesta/tojo/codesso (Fabaceae) e a esteva, sanganho, roselha, etc. (Cistus sp.). 89 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 3 2 Tabela 1 Taxa identificados e número respectivo de fragmentos. NOME COMUM / TAXA MONTE CALVO LAVRA SÉC. XIX-XVII AC SÉC. XVII-XV AC Nº DE FRAGMENTOS Nº DE FRAGMENTOS 212 15 65 30 Quercus de folha caduca Quercus sp. caducifólio Leguminosas tipo tojo/giesta/ codesso Fabaceae Rosácias Rosaceae/Maloideae 10 40 Aveleira Corylus avellana 3 1 Azevinho Ilex aquifolium 1 1 Salgueiro/Choupo Salix sp./Populus sp. 1 6 Amieiro Alnus sp. 4 Prunoidea de fruto indeterminável Prunus sp. 1 Freixo Fraxinus sp. 6 Pinheiro tp. manso/bravo Pinus tp. pinea/pinaster 4 Vidoeiro Betula sp. 2 Sanguinho Frangula alnus 1 Esteva, sanganho, etc. Cistus sp. 1 Indetermináveis 3 TOTAL TAXA 8 11 300 71 TOTAL FRAGMENTOS Tabela 2 Frequência absoluta dos taxa das fossas de Monte Calvo. MONTE CALVO NOME COMUM TAXA/CONTEXTO Quercus de folha caduca Quercus sp. caducifólio FOSSA 1 FOSSA 2 FOSSA 3 91 16 78 Leguminosas tipo tojo/giesta/codesso Fabaceae 35 3 26 Rosácias Rosaceae/Maloideae 3 6 Amieiro Alnus sp. 2 2 Aveleira Corylus avellana 2 1 Azevinho Ilex aquifolium 1 Prunoidea de fruto indeterminável Prunus sp. 1 Salgueiro/Choupo Salix sp./Populus sp. 1 Indetermináveis 2 TOTAL TAXA 6 2 7 136 19 115 TOTAL FRAGMENTOS 90 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 3 2 Tabela 3 Frequência absoluta dos taxa dos depósitos da camada de ocupação/abandono de Monte Calvo. MONTE CALVO NOME COMUM TAXA/CONTEXTO DEP. SI DEP. SII Quercus de folha caduca Quercus sp. caducifólio 27 1 Leguminosa tipo tojo/giesta/codesso Fabaceae 1 Rosácias Rosaceae/Maloideae 1 Indetermináveis 1 TOTAL TAXA 3 1 TOTAL FRAGMENTOS 29 1 Tabela 4 Frequência absoluta dos taxa das fossas e do buraco de poste de Lavra. LAVRA NOME COMUM TAXA/CONTEXTO FOSSA 1 Leguminosa tipo tojo/giesta/codesso Fabaceae 5 FOSSA 5 B.POSTE 1 5 1 7 Quercus de folha caduca Quercus sp. caducifólio Salgueiro/Choupo Salix/Populus Freixo Fraxinus sp. Pinheiro manso/bravo Pinus tp. pinea/pinaster 4 Rosácias Rosaceae/Maloideae 2 Vidoeiro Betula sp. 2 Aveleira Corylus avellana 1 Sanguinho Frangula alnus 1 Azevinho Ilex aquifolium Esteva, sanganho, etc. Cistus sp. 6 2 1 1 TOTAL TAXA 1 4 9 TOTAL FRAGMENTOS 5 5 29 Tabela 5 Frequência absoluta dos taxa da camada de ocupação/abandono de Lavra. LAVRA NOME COMUM TAXA/CONTEXTO DEP. Leguminosa tipo tojo/giesta/codesso Fabaceae 19 Quercus de folha caduca Quercus sp. caducifólio 7 Freixo Fraxinus sp. 4 Rosácias Rosaceae/Maloideae 2 TOTAL TAXA 4 TOTAL FRAGMENTOS 32 Em Monte Calvo e na Lavra as amostras estavam muito fragmentadas. Na primeira estação, em 11% dos fragmentos, notavam-se sinais de erosão (arestas arredondadas). Estas características em associação com os contextos de achado das amostras (em depósitos de enchimento de fossas, buracos de poste ou associados a níveis de ocupação/abandono) indicam que estes carvões se encontravam em posição secundária e estiveram submetidos 91 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 3 2 a processos de mobilização provavelmente associados a práticas de limpeza e manutenção das estruturas de combustão e das áreas de habitação. 5. Estratégias de gestão dos recursos lenhosos As amostras de Monte Calvo e de Lavra apresentavam uma elevada variabilidade taxonómica o que parece testemunhar uma exploração diversificada do coberto florestal e a recoleção da lenha e o abate da madeira em diferentes formações florestais. Referimo-nos ao bosque misto de caducifólios e/ou carvalhais, ao bosque ribeirinho e aos matos. Verificou-se, também, o consumo de madeira de pequeno e médio calibre, de espécies que tinham boas qualidades como combustíveis, duras, de combustão lenta e que produziram brasas (carvalho, tojo/ giesta/ codesso), combinadas com outras inflamáveis e de combustão mais rápida (salgueiro/ choupo, pinheiro, vidoeiro, aveleira). Em Monte Calvo (finais do Bronze Inicial, inícios do Bronze Médio) a espécie predominante era o Quercus de folha caduca, aparecendo em associação com outros elementos de bosques mistos de caducifólios, como as rosácias, o azevinho e o abrunheiro/cerejeira. Existiam, ainda, outras espécies ligadas a áreas com um elevado nível freático ou com humidade permanente, como o amieiro, a aveleira e o salgueiro/choupo. As formações arbustivas típicas da reconquista dos terrenos abandonados estavam representadas pelas leguminosas (Fabaceae), uma família que inclui espécies como o tojo ou a giesta. Durante a ocupação do povoado recolheu-se lenha de pequeno e médio calibre. Referimonos a pequenos ramos de rosácias, amieiros, aveleiras, azevinhos, abrunheiros, salgueiros/ choupos e tojos/giestas. Nalguns casos a recoleção de madeira morta pôde ser comprovada pela presença de galerias de xilófagos. Também a colheita pontual de madeira verde pôde ser indicada como provável, a partir da presença de fendas radiais e da vitrificação em fragmentos de espécies como o carvalho, o tojo/giesta/codesso e o amieiro. As alterações no ritmo de crescimento anual, verificadas em fragmentos de carvalho, poderiam evidenciar a existência de práticas de poda nesta espécie ou, então, que ela teria sido afetada por condições climáticas adversas durante certos anos. Na Lavra (Bronze Médio) predominavam os macrorrestos de leguminosas (Fabaceae) associadas às espécies do bosque misto de caducifólios, composto por árvores como o carvalhoalvarinho/negral e arbustos como as rosácias e o azevinho. Apareceram outras espécies associadas a zonas de ribeira, como o salgueiro/choupo, a aveleira, o sanguinho, o freixo e o vidoeiro. Identificaram-se, ainda, outras árvores e matos de características mediterrânicas, como o pinheiro tipo manso/bravo e a esteva. Determinou-se, igualmente, o consumo de lenha de tojo/giesta /codesso, de pequeno calibre, e de rosácias, azevinho, salgueiro/choupo, aveleira, amieiro-negro, freixo, vidoeiro e de pinheiro manso/bravo, de calibre médio. Nos fragmentos de pinheiro, a existência do tipo de madeira de compressão indica, provavelmente, o consumo de ramos. 92 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 3 2 O consumo de grandes ramos ou de troncos só se pôde reconhecer em espécies como o carvalho, o freixo e o salgueiro/choupo. Como já acontecia no outro povoado também aqui havia evidências da utilização de lenha morta de freixo e salgueiro/choupo (presença de hifas) e a ocorrência de fragmentos vitrificados apresentando fendas radiais. Os fragmentos de carvalho deste povoado apresentavam, também, alterações no ritmo de crescimento anual, talvez pelas mesmas causas que referimos anteriormente. 6. As florestas e o mato durante o Bronze Inicial e Médio Os resultados apresentados são, conjuntamente com os das estações da Sola (IIa e IIb), Lavra e Penedos Grandes I, os únicos disponíveis para caracterizar o Bronze Inicial e Médio com segurança, no Noroeste de Portugal (Bettencourt 2000, Figueiral & Bettencourt 2007, Martín Seijo 2010, 2011). O número de estações estudadas e de carvões analisados reduz obrigatoriamente o significado das considerações de ordem geral que podem ser propostas. Figura 4 Localização das estações arqueológicas do Bronze Inicial e Médio onde se efetuaram análises antracológicas. A presença constante dos carvalhos, em todas as estações, indica a existência de uma floresta mista na qual o Quercus de folha caduca ocorre em conjunto com outras espécies de caducifólios ou forma parte de carvalhais onde o carvalho é o género dominante. Atualmente o carvalho alvarinho predomina nas zonas situadas até 500 m de altitude enquanto o carvalho negral cresce predominantemente acima dos 600 m. A eles se associariam outras espécies de 93 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 3 2 afinidade mediterrânica como o sobreiro (Quercus suber) e, possivelmente, a azinheira/carrasco (Quercus ilex) que domina nas terras do interior Norte (Braun Blanquet et al. 1956). A pressão antrópica, derivada sobretudo das atividades agrícolas e ganadeiras, terá provocado o aparecimento de clareiras no seio destas formações, nas quais cresceram espécies como as rosácias, a aveleira, o sanguinho e o abrunheiro/cerejeira. No entanto, é provável que durante estes períodos se conservassem áreas importantes de floresta densa (como se comprova pela presença do azevinho). A importância das espécies florestais é reconhecida pelo menos até à ocupação romana (Figueiral 1996). A existência do pinheiro manso/bravo [muito provavelmente pinheiro bravo (Pinus pinaster)] que aparece no Noroeste de forma pontual, durante a Pré-Historia Recente, foi registada nos povoados da Sola e de Lavra (Figueiral & Bettencourt 2004). A presença desta espécie poderá estar relacionada com os processos de abertura de clareiras no bosque de folha caduca ou com o abandono de campos anteriormente dedicados ao cultivo. Tabela 6 Presença/ Ausência de taxa de florestas mistas ou carvalhais. BRONZE INICIAL NOME COMUM/TAXA Monte Sola Calvo IIa BRONZE MÉDIO Lavra Sola Penedos IIa Grandes • Quercus de folha caduca Quercus sp. caducifólio • • • • Rosácias Rosaceae/Maloideae • • • • Azevinho Ilex aquifolium • Carvalho/castanheiro Quercus/Castanea Prunoidea de fruto indeterminável Prunus sp. Pinheiro manso/bravo Pinus tp. pinea/pinaster • Vidoeiro Betula sp. • Pinheiro bravo Pinus pinaster • Ameixeira Prunus cf. domestica • Bardo/Zelha Acer sp. • Sobreiro Quercus suber • Quercus de folha persistente Quercus de folha persistente • • • • • • Os dados do conjunto das estações estudadas indicam que a floresta ribeirinha ou de áreas com um elevado nível freático pode incluir espécies como o salgueiro/choupo, o freixo, o amieiro, a aveleira, o sabugueiro e o sanguinho. As aveleiras e os salgueiros/choupos são identificados nas quatro estações. 94 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 3 2 Tabela 7 Presença/ Ausência de taxa de florestas ribeirinha. BRONZE INICIAL NOME COMUM/TAXA Monte Sola Calvo IIa BRONZE MÉDIO Lavra Sola Penedos IIa Grandes Aveleira Corylus avellana • • • • Salgueiro/Choupo Salix sp./Populus sp. • • • • Freixo Fraxinus sp. • • Sabugueiro Sambucus sp. Amieiro Alnus sp. Sanguinho Frangula alnus Amieiro/Aveleira Alnus/Corylus • • • • • As formações de mato seriam igualmente omnipresentes nas proximidades dos povoados, como se documenta pela presença recorrente e pela abundância das leguminosas (Fabaceae). As leguminosas tipo giesta/tojo (Fabaceae) são espécies arbustivas de caráter serial que se propagam rapidamente em condições de boa luminosidade e colonizam quer espaços de cultivo abandonados quer áreas desflorestadas. O desenvolvimento deste tipo de formações facilita o aparecimento de arbustos e um retorno eventual ao coberto florestal. Estas espécies tinham (e têm ainda) múltiplas aplicações: regeneração dos solos; utilização como cama e alimento para o gado; consumo como combustível; uso como material de construção ligeiro; confeção de manufaturas, etc., motivo pelo qual as sociedades agrícolas tradicionais favoreceram a sua presença, chegando mesmo a plantar tojo (Blanco 1996). Além das leguminosas arbustivas identificaram-se outras espécies como a esteva, o sargaço e as urzes que constituem, também, elementos de formações vegetais que se desenvolvem em consequência da abertura e transformação das florestas. 7. Considerações finais Durante a Idade do Bronze Inicial e Médio a existência de povoados sedentários, com ocupações mais ou menos prolongadas, e a expansão de atividades como a pastorícia e a agricultura, condicionam as estratégias de exploração dos recursos lenhosos. Nestas condições, a pressão das comunidades sobre as florestas intensifica-se, tal e como as assinaladas pelas análises pedológicas do Noroeste peninsular (Martínez-Cortizas et al. 2009, Fábregas et al. 2003), e como indiciam os dados antracológicos obtidos no Noroeste de Portugal. A presença recorrente de espécies colonizadoras dos terrenos vagos, como as leguminosas ou as cistáceas parece revelar uma intensa atividade antrópica em redor dos povoados, com consequente pressão sobre o bosque, incluindo a abertura de clareiras. A intervenção humana sobre a dinâmica da floresta poderia estar relacionada com as seguintes estratégias: limpeza do sub-bosque para favorecer a pastorícia; o corte seletivo de certos indivíduos para permitir o crescimento de outras espécies; a desflorestação para obter campos de cultivo, etc. Os resultados obtidos permitiram identificar uma exploração diversificada dos recursos lenhosos, quer da floresta quer do mato. As espécies mais recolhidas foram o carvalho e as 95 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 3 2 leguminosas, o que revela a sua abundância em termos ambientais, uma grande tradição no seu uso (Figueiral & Bettencourt 2004, 2007) e uma boa adaptabilidade deste binómio nas atividades para os quais foi usado. Este tipo de exploração diversificada dos recursos lenhosos e o aproveitamento combinado das florestas e do mato, sendo estas áreas de abastecimento de combustíveis e de matéria-prima para a construção e fabrico de utensílios, foi, assim, uma estratégia usual no Bronze Inicial e Médio, tal como já se tinha verificado para o Calcolítico e o Bronze Final (Figueiral & Bettencourt 2004, 2007). Nota: Este trabalho foi realizado no âmbito de diversos projetos, a saber: A xestión do bosque e do monte dende a Idade do Ferro a época romana no noroeste da península Ibérica: consumo de combustibles e produción de manufacturas en madeira; IDEPatri-Deseño e desenvolvemento dun modelo de datos para unha IDE arqueolóxica da Idade do Ferro en Galicia (09SEC002CT); Paisagens da Idade do Bronze no ocidente peninsular - SFRH/BSAB/ 986/10 e Geoindicators of natural and anthropogenic palaeoenvironmental evolution in the Portuguese NW, during de Holocene – 2010_CGUP/CCT/UM. 96 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 3 2 8. Referências · Bettencourt A.M.S. (1999). A Paisagem e o Homem na bacia do Cávado durante o II e o I milénios AC. 5 vols. Braga: Universidade do Minho (Dissertação de Doutoramento). · Bettencourt A.M.S. (2000a). O vale do Cávado (Norte de Portugal) dos finais do III milénio aos meados do I milénio AC: sequências cronológicoculturais. Pré-História Recente da Península Ibérica. Actas do IIIº Congresso de Arqueologia Peninsular, Setembro. Porto. ADECAP: 79-93. · Bettencourt A.M.S. (2000b). O povoado da Idade do Bronze da Sola, Braga, Norte de Portugal. Cadernos de Arqueologia. Monografias. Braga: Universidade do Minho, 68 pp. · Bettencourt A.M.S. (2003). Plant and animal husbandry in the second millennium BC in Northern Portugal. Journal of Iberian Archaeology 5: 199-202. · Bettencourt A.M.S. (2009). A Pré-História do Minho: do Neolítico à Idade do Bronze. In P. Pereira (coord.) Minho. Traços de Identidade. Braga: Conselho Cultural da Universidade do Minho: 70-113. · Bettencourt A.M.S., Alves A.M.C., Dinis A., Cruz C., Pereira D.I., Silva I.S., Alves M.I.C. (2003). A reconstituição paleoambiental do Entre Douro e Minho durante o Holocénico (III e II milénios AC): um projecto multidisciplinar. 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Middle/ Late Bronze Age plant communities and their exploitation in the Cávado Bassin (NW Portugal) as shown by charcoal analysis: the significance and cooccurrence of Quercus (deciduous)-Fabaceae. Vegetation History and Archaeobotany 13: 219-232. · Figueiral I., Bettencourt A.M.S. (2007). Estratégias de exploração do espaço no Entre Douro e Minho desde os finais do IV aos meados do I milénios AC. In S.O. Jorge, A.M.S. Bettencourt & I. Figueiral (eds.) A concepção das paisagens e dos espaços na Arqueologia da Península Ibérica. Actas do IV Congresso de Arqueologia Peninsular, Faro, Setembro de 2004. Promontoria Monográfica 8: Faro: Centro de Estudos de Património, Departamento de História, Arqueologia e Património, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade do Algarve: 177-187. 97 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 3 2 · Gale R., Cutler D. (2000). Plants in Archaeology. 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A floresta e a restituição da fertilidade do solo nos sistemas de agricultura orgânicos tradicionais do NE de Portugal no início do séc. XX. In Tereso JP, Honrado JP, Pinto AT, Rego FC (Eds.) Florestas do Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão. InBio - Rede de Investigação em Biodiversidade e Biologia Evolutiva. Porto. ISBN: 978-989-97418-1-2. Pp 99-117. Resumo: Os relatos de escassez de árvores em Trás-os-Montes remontam ao início da Idade Moderna. No final do séc. XIX, na região, chegou-se a recolher esterco de bovino para produzir calor. As causas da intensa desarborização das paisagens transmontanas, e de todo o mediterrânico, não são consensuais. Com base na bibliografia agronómica regional testaramse duas hipóteses relacionadas entre si: 1) a agricultura foi o grande motor da desarborização na Terra Fria Transmontana e, implicitamente, das montanhas mediterrânicas; 2) a floresta desapareceu porque ocultava no lenho ou no solo algo que a agricultura sempre necessitou: nutrientes. No início do artigo argumenta-se que a evolução e o desenho dos sistemas orgânicos tradicionais de agricultura foram determinados pela contínua necessidade de reconstruir os níveis de fertilidade das terras cultivadas. Os pequenos herbívoros domésticos desempenhavam um papel crucial na colheita, transporte e deposição dos nutrientes vegetais do monte para as terras de pão. Como a floresta indígena é incompatível com o pastoreio animal, o aumento da procura de alimentos redundou na conversão de floresta em pastagem. Sempre que a reposição da fertilidade da terra entrasse em rutura por falta de pasto (e de floresta para converter em pastagem), o centeio, o principal alimento regional, teria que ser estendido às terras virgens de monte. Um estudo de caso centrado na aldeia de Zedes (Carrazeda de Ansiães), no início da década de 1920, mostrou que o nutrient mining nas áreas de monte era insuficiente para fertilizar as áreas de cultivadas com centeio e que pouco espaço poderia sobrar para a floresta. O crescimento da população ocorrido a partir do final da década de 1930 causou numa expansão do cereal às terras de monte cujas consequências foram bem compreendidas pelos autores regionais. THE FOREST AND THE RENEWAL OF SOIL FERTILITY IN ORGANIC TRADITIONAL AGRICULTURAL SYSTEMS FROM NE PORTUGAL IN THE BEGINNING OF THE 20TH CENTURY Abstract: Descriptions of tree’s scarcity in Northeastern Portugal go back to the beginnings of Modern Age. In the end of the XIX century, in the region, due to the lack of wood there was even the need to recollect cow dung to make fire. The causes of the intense deforestation in Northeastern Portugal, and in the entire Mediterranean basin, are not consensual. Based in the agronomical regional bibliography two hypotheses were tested: 1) agriculture was the main driver of the deforestation of Northeastern Portugal and, implicitly, in Mediterranean mountains; 2) forest vanished because it hided in the wood and in the soil something that agriculture always needed: plant nutrients. In the beginning of the paper we argue that the evolution and the structure of the organic traditional agricultural systems were determined 1 CIMO-Centro de Investigação de Montanha. Instituto Politécnico de Bragança. cfaguiar@ipb.pt. 2 CIMO-Centro de Investigação de Montanha. Instituto Politécnico de Bragança. jazevedo@ipb.pt. 100 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 4 2 by the continuous need to return plant nutrients to cultivated soils. Small domestic herbivores had a crucial role in the gathering, transport and deposition of plant nutrients from rangelands into the lands cultivated with rye. Indigenous forest is incompatible with small livestock grazing, so any increase in food demand implied the conversion of forest to grassland. If land fertility rebuilding was interrupted by the lack of grasslands (or of forest convertible to grassland), rye had to expand to virgin rangeland soils. A study case centered in Zedes village (Carrazeda de Ansiães, Portugal) in the beginnings of the 1920 decade showed that nutrient mining in rangelands was insufficient to fertilize the cultivated rye, the main traditional food, and that few space could be spared to the forest. Population growth resumed in the end of the 1930 caused an expansion of rye at expense of rangelands which consequences were well understood by contemporary regional authors. 101 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 4 2 1. Introdução Em 1875, rumou a Bragança para exercer a função de agrónomo distrital A.X. Pereira Coutinho, o autor da mais importante Flora de Portugal do séc. XX, a terceira por ordem cronológica. Esta experiência de juventude – Coutinho acabara de concluir o curso de agricultura do Instituto Geral de Agricultura – além de ter condicionado a sua decisão de enveredar pela investigação botânica (Henriques 1922), permitiu-lhe explorar uma nova realidade agrícola, muito distinta dos sistemas de agricultura da Região Saloia de onde procedia: «eram inteiramente novas para mim estas terras […] tudo quanto via despertava mais a attenção» (Coutinho 1877). Pereira Coutinho deparou-se com uma agricultura pobre e dirigida à autosuficiência, praticada num território acidentado e geograficamente isolado. «Não faltam só as grandes artérias de circulação [a estrada em macadame chegaria no ano de 1875 a Bragança; Alves 1985] […] também faltam os caminhos interiores, os que podiam relacionar entre si as povoações, e n’este caso cada uma tem que viver independente das demais» (Coutinho 1877). Nas primeiras observações publicadas sobre a agricultura transmontana, escreve o agrónomo (Coutinho 1877): «No entanto a desarborização é quasi completa no districto [de Bragança]; o arvoredo fórma aqui a excepção, nunca a regra geral. É esta falta que dá principalmente o tom de aridez, que revestem quasi todas as suas paísagens; por esses descampados enormes, que se estendem leguas e leguas rodeando povoações dispersas, collocadas em meio das suas pequenas faxas de cultura, encontra-se apenas de quando em quando algum mato rasteiro, algum carvalho [Quercus pyrenaica], ou um pequeno grupo de castanheiros, e o resto apparece cortado de despinhadeiros, d’onde a terra se despegou, deixando só a descoberto a rocha subjacente.» Os relatos sobre a escassez de árvores em Trás-os-Montes remontam pelo menos ao séc. XVI, quando, em 1549, o Dr. João de Barros refere que «Estendese esta comarca de Traslosmontes des Galiza athe o Douro e he muito montuosa e monte e terras ásperas» (Barros 1919). A falta de lenhas condicionava já as decisões políticas locais no séc. XVII: «Acordaram que todos o moradores desta cidade seiam obrigados a pôr tres pés de árvores no campo do concelho [...] pena dous mil reis pera acusador e câmara» (Livro de Acordãos da Câmara Municipal de Bragança, ano de 1619, postura sétima; com. pessoal Belarmino Afonso 1998). Dois séculos depois o botânico saxão, Conde de Hoffmannsegg era peremtório: «na cadeia de montanhas mais árida do Reino [Serra de Montesinho, a norte de Bragança]; não se vê uma única árvore ou mesmo um único arbusto: os urzais cobrem-na na totalidade»; «todos os lados das montanhas [a norte da Cova de Mirandela] são cultivados até ao cume» (Link 1805). José António de Sá, um membro correspondente da Real Academia das Ciências de Lisboa, refere a existência em Moncorvo, na última década do séc. XVIII, de extensas áreas de baldios e maninhos (terrenos incultos) desarborizados. Este autor antecipa-se aos agrónomos e silvicultores da segunda metade do séc. XIX quando defende, com veemência, a plantação de árvores de modo de garantir o abastecimento de lenhas e a proteção contra erosão (Monteiro 1997). A paisagem desoladora das montanhas transmontanas persistia na primeira metade do séc. XX: «O panorama silvícola da região [Terra Fria bragançana] desenrola-se num quadro triste e desolante: a desarborização é intensa e, dum modo geral, quase não existe povoamento ou maciço de árvores de alguma importância» (Teixeira 1948). Os pedidos insistentes para a rearborização do território transmontano foram finalmente atendidos na 102 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 4 2 primeira metade no séc. XX com o Plano de Povoamento Florestal (1938-1968), secundado pelo Projecto Florestal Português/Banco Mundial (1981-1986) e pelo Programa de Acção Florestal (1986-1995) (ver Capítulo 2 da Secção três). Mais recentemente o abandono agrícola inverteu um processo milenar, quase ininterrupto, de desarborização antrópica no Norte de Portugal (ver Capítulo 1 da Secção 1). O acentuado declínio dos bosques transmontanos explica a substituição das lenhas das essências nativas por combustíveis menos calóricos ou de extração mais exigente em trabalho no final do séc. XIX. Coutinho (1882) refere que os carvoeiros, uma classe desfavorecida de pequenos proprietários ou gente sem terra, faziam carvão das toiças das urzes, principalmente da urze-branca (Erica arborea). Esta prática prolongou-se até à década de 1970 em muitas aldeias de montanha com áreas abundantes de urzais mesofilos de Erica australis. Noutras áreas do território transmontano o abastecimento de combustível era ainda mais difícil do que na Terra Fria. Joaquim de Mariz (1889) refere que na região de Rio Frio, no concelho de Bragança, os estevais eram um «fraco e quasi exclusivo combustível que possuem aqueles povos». Coutinho (1882) assinala, com alguma surpresa, a utilização de esterco bovino como combustível em Sendim (Miranda do Douro) e em algumas aldeias do concelho de Moncorvo, tal era a penúria de árvores e arbustos. Sendo o conhecimento da importância dos estrumes da regeneração da fertilidade da terra parte do saber agrícola tradicional de Trás-os-Montes, o uso de esterco seco na produção de calor é um sinal da intensa escassez energética vivida no final do séc. XIX, início do séc. XX. O uso de estercos para aquele fim traduz uma rutura nos sistemas de reposição da fertilidade da terra e um sério entrave à sustentabilidade dos sistemas tradicionais de agricultura (Dumont & Rosier 1969). Pereira Coutinho, já na condição de docente universitário (Garcia 1987), abre a dissertação por si apresentada ao Conselho Escolar do Instituto Geral de Agricultura para provimento da cadeira de Silvicultura e Economia Florestal (Coutinho 1882), com uma conhecida citação de F.-R. Chateaubriand, «As Florestas Precedem os Homens e os desertos sucedem-se a eles». Esta frase lapidar, tantas vezes pronunciada em publicações de história da floresta, espelha a forte impressão que a paisagem e o coberto vegetal transmontanos lhe haviam causado, mas também uma aguda perceção das relações causa efeito entre o uso humano do território e o coberto vegetal. De facto, a regressão dramática do coberto florestal expressa, por exemplo, nos diagramas polínicos provenientes do NW ibérico, evidente a partir do Holocénico Médio (Ramil-Rego & Aira 1993, Ramil-Rego et al. 1996), é correlacionada pela maioria dos autores com a atividade humana, concretamente com produção de metais, a construção naval, a pastorícia (sendo a criação animal um objetivo per se), o consumo de lenha e, finalmente, a necessidade de espaço para a agricultura (Aguiar & Pinto 2007, Pinto et al. 2010, Rego 2001). A importância relativa dos promotores de alteração do coberto florestal, porém, raramente é clarificada. Este artigo principia com uma reflexão em torno das relações entre a floresta indígena, i.e. os bosques, a agricultura e a fertilidade da terra nos sistemas orgânicos tradicionais de agricultura. Segue-se uma descrição do sistema característico da Terra Fria, no início do séc. XX, sustentada nas publicações de agrónomos coetâneos. No ponto subsequente procura-se corroborar duas hipóteses intimamente ligadas. Em primeiro 103 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 4 2 lugar, que a floresta desapareceu porque ocultava no lenho ou no solo algo que a agricultura sempre necessitou: nutrientes. Por essa via argumenta-se que a agricultura foi o grande motor da desarborização na Terra Fria Transmontana e, implicitamente, das montanhas mediterrânicas. Para testar a hipótese de que a mineração de nutrientes (nutrient mining na bibliografia anglo-saxónica), governada pela agricultura, foi determinante na regressão dos bosques desenvolve-se um estudo de caso de agronomia histórica – a história agrária e a história rural são disciplinas mais vastas (van Bath 1966) – centrado na aldeia de Zedes (concelho de Carrazeda de Ansiães), por volta de 1920. Esta aldeia, nesta janela concreta de tempo, foi tomada como representativa do metabolismo social e das características agroecológicas e tecnológicas do sistema de agricultura das sociedades orgânicas tradicionais (sensu Wrigley 2004) da Terra Fria1 transmontana, i.e. do sistema de agricultura pré-industrial da montanha transmontana, imediatamente antes da generalização do uso das descobertas e invenções realizadas pela ciência agronómica do séc. XIX e da brusca expansão das culturas cerealíferas às terras marginais, de monte, verificada no final da década de 1920. Zedes detém ainda as vantagens de ser uma freguesia sem anexas, de pertencer a um concelho geograficamente isolado, de possuir um termo planáltico concentrado na Terra Fria, com uma estrutura aureolar do uso da terra quase perfeita, e de na década de 20 do séc. XX ter sido publicada uma descrição do seu sistema tradicional orgânico de agricultura (Frias 1925). 2. Floresta, agricultura e fertilidade da terra Os ancestrais e os parentes selvagens mais próximos das principais culturas herbáceas têm por habitat orlas de bosques (e.g. leguminosas para grão) ou comunidades herbáceas subseriais, eutrófilas e heliófilas (e.g. cereais). A domesticação pouco influenciou a capacidade de sobrevivência e o sucesso reprodutivo das plantas cultivadas sob stress hídrico ou nutricional (Denison et al. 2003). Aliás, regra geral, a seleção de genótipos ou de espécies mais produtivas acarreta um incremento das necessidades de fertilização, e um aumento da sensibilidade a estresses ambientais e à competição por infestantes (Denison et al. 2003). Por conseguinte, quando comparada com os ecossistemas naturais dominantes nas paisagens pristinas, a generalidade dos agroecossistemas demanda quantidades massivas de nutrientes e uma perturbação cíclica do habitat através da mobilização mais ou menos intensa do solo. Por outro lado, à escala do sistema de agricultura, por mais perfeita que seja a ciclagem de nutrientes no seu interior, múltiplos processos (e.g. exportação dos produtos da terra, erosão, lixiviação, desnitrificação) concorrem para uma contínua decadência dos stocks de nutrientes (Varennes 2003). A agricultura está subordinada à lei da conservação das massas, como originalmente reconheceu von Liebig (1841): «deve ser continuamente relembrado como um princípio geral do cultivo das terras aráveis, o que é retirado do solo a ele deve ser devolvido na exata medida». Não surpreende, por isso, que a evolução e o desenho dos sistemas de agricultura orgânicos tradicionais tenham sido determinados pela contínua necessidade de reconstruir os níveis 1 A Terra Fria nordestina engloba grande parte dos concelhos de Bragança, Miranda, Mogadouro, Vimioso e Vinhais, o norte do concelho de Macedo de Cavaleiros e as terras altas do concelho de Carrazeda de Ansiães. Grosso modo, a temperatura média anual da Terra Fria é inferior a 12˚C e a altitude superior a 700 m (Agroconsultores & COBA, 1991). 104 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 4 2 de fertilidade da terra (Mazoyer & Roudart 2006). E as dificuldades em repor os nutrientes exportados para fora do volume de solo explorado pelas raízes das plantas cultivadas cedo se manifestaram nos sistemas de agricultura ensaiados na Bacia Mediterrânica durante o Neolítico (Aguilera et al. 2008). A história da agronomia acaba por ser uma narrativa dos ensaios, sucessos e desastres, das técnicas de contenção da depleção e de reposição dos stocks de nutrientes vegetais do solo. O uso de herbívoros domésticos na extração, transporte e deposição de nutrientes foi uma das soluções mais eficientes e duradouras na gestão da fertilidade da terra. Estabrook (1998) demonstrou experimentalmente que a transferência de fertilidade das pastagens pobres e pousios em direção às áreas cultivadas era uma das principais funções desempenhadas pelos ovinos nos sistemas tradicionais de agricultura da Terra Fria. Gusmão (1964) havia reconhecido a mesma função no Barroso. Os memorialistas da agricultura do início do século XX falam, inclusivamente, de uma vocação «copropoiética» do gado ovino (Lourenço 1932). O bosque2 é incompatível com o uso pastoril e agrícola do território. Por quatro causas maiores. Em primeiro lugar a flora herbácea dos bosques é menos produtiva do que a vegetação pratense subserial (Perewolotzky & Seligman 1998). É também menos palatável. Por exemplo, as plantas herbáceas dominantes nos bosques de Q. pyrenaica da Terra Fria são rejeitadas pelos gados, como é o caso do Brachypodium rupestre (Poaceae) e das geraniáceas anuais (Aguiar et al. in litt.). As plantas agrícolas e as melhores plantas pratenses dos prados de Molinio-Arrhenatheretea (vegetação dominante nos lameiros de regadio) e de Agrostion castellanae (vegetação dominante dos lameiros de secadal e nas áreas de monte) são estritamente heliófilas - a sombra conduz à sua substituição por espécies indesejáveis. Depois, é difícil, quando não impossível, conduzir rebanhos em ambiente florestal: os gados tresmalham-se com facilidade e os predadores espreitam. 3. O sistema de agricultura orgânico da Terra Fria nordestina no início do séc. XX A área de ocupação do sistema de agricultura da Terra Fria coincide com o domínio climácico dos bosques climatófilos de montanha (supramediterrânicos) de Q. pyrenaica (Aguiar et al. 2010). Salvas as devidas exceções, as montanhas portuguesas são constituídas por fragmentos de uma peneplanície primitiva erguida no Pleistocénico, dissecada por rios encaixados em vales mais ou menos profundos (Ribeiro 1987). Esta condição fisiográfica promoveu a diferenciação de dois espaços de distinto uso agrário. O ‘monte’, o mais exterior destes espaços, é constituído pelas cabeceiras das linhas de água, por superfícies convexas e pelos afloramentos rochosos. A maior parte do monte é baldio, e seus solos são os mais delgados, lixiviados, erodidos, distantes e acidentados do termos. Este é o habitat de alguma carvalheira (Q. pyrenaica) ou sardão (Q. rotundifolia) e dos mosaicos de matos pirófilos com pastagens pobres dominadas por gramíneas herbáceas vivazes (e.g. Agrostis sp.pl. e Arrhenatherum elatius subsp. bulbosum), próprias de solos ácidos, oligotróficos pobres em fósforo (Aguiar et al. in litt). Nos sistemas de agricultura pré-industriais o monte estava 2 O bosque tem uma estrutura complexa, multiestrato, com um sub-bosque dominado por espécies funcionalmente dependentes de um coberto arbóreo de espécies autóctones (Capelo & Onofre 2001). Em Portugal, o conceito atual de área florestal (vd. DGRF 2005) condiciona as estatísticas e o conceito comum de floresta, alargando-os a todo o tipo de formações florestais dominadas ou não por espécies autóctones, com um grau de cobertura do estrato arbóreo variável, por vezes fracamente esparso. 105 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 4 2 submetido a um regime de pastoreio extensivo: «[…] toda a imensidão de incultos que dá uma erva grosseira e pouco abundante. Aí, tem o gado miúdo o seu pascigo permanente […]» (Teixeira 1948); «[…] os cumes das serras, as partes mais pobres, onde a rocha aflora, lá onde o terreno pedregoso e a pobre vegetação rasteira são os domínios da cabra e dos pobres.» (Barroso 1923). As plantas lenhosas aí existentes eram cortadas ou arrancadas para lenha ou, eventualmente, sujeitas a fogos de pequena extensão e severidade. O segundo espaço, formado pelos vales, coluviões de meia encosta e depressões planálticas, fruto da sua posição fisiográfica, acumulava a água, nutrientes e sedimentos finos exportados pelo monte. Neste espaço coexistiam três tipos de uso agrícola. Na proximidade das casas situava-se a horta e outros usos intensivos da terra. A terra de cereal, regionalmente designada por terra de faceira, de campo ou de pão, ficava um pouco mais distante, sendo aqui e ali interrompida por algum souto. Os prados higrófilos meso-eutróficos – os lameiros – intercetavam múltiplos tipos de uso da terra. O rácio terra arável/monte variou ao longo da história, de forma particularmente acentuada no séc. XX, como se demonstrará. O sistema de agricultura da Terra Fria nordestina do início do séc. XX enquadra-se no que Mazoyer & Roudart (2006) designam por agricultura do pousio, tração animal e arado. As inovações tecnológicas agrícolas desenvolvidas no Neolítico final-início da Idade do Cobre – e.g. arado e tração animal (Gonçalves 2003) – marcam os primórdios da sua génese. Tirando a entrada de algumas plantas cultivadas (e.g. batata e algumas hortícolas) e a substituição de outras (e.g. trigos vestidos pelo centeio), as características básicas deste sistema de agricultura estavam estabelecidas no primeiros anos da era cristã na região Mediterrânica (Grigg 1974). Repetiam-se os três espaços fundamentais dos sistemas clássicos de agricultura mediterrânica (Vassberg 1984): o saltus (monte + lameiros), o ager (faceira) e a já muito escassa silva (floresta). A área do hortus (horta) era exígua face à dimensão dos termos, embora fosse indispensável na produção de alimentos e na ciclagem de nutrientes. A moderação climática aportada pela altitude limitava o cultivo da vinha e da oliveira aos terrenos mais soalheiros. Em contrapartida ganhavam importância o castanheiro e os lameiros, e com este últimos os bovinos. O sistema centrava-se na cultura dos cereais, embora a maior parte do espaço estivesse sujeito a uso pastoril. Os solos mobilizavam-se com arado, e alisavam-se com grades de madeira. A instrumentação agrícola era reduzida e simples, sem adições à descrita para a agricultura romana (vd. Marcone 1997). A reposição da fertilidade da terra era ainda mais simples e ineficiente do que a descrita pelos agrónomos latinos clássicos (vd. Mayer 1948). No início do séc. XX cultivava-se na Terra Fria nordestina o centeio de inverno e, com menos expressão, o centeninho [centeio tremez ou de primavera] (Barroso 1923, Lourenço 1932). O trigo de inverno e o trigo serôdio [ou tremez] tinham também pouco relevo: «O consumo de trigo em toda a região é muito pequeno; pode dizer-se que só em dias de festa ele aparece na mesa dos lavradores pelo que se pode chamar ‘o pão das festas’» (Lourenço 1932). O centeio e o trigo tremezes extinguiram-se, em Trás-os-Montes na segunda metade do século XX. O centeio de inverno ocupava dois tipos de terras. As ‘terras de monte’, como se depreende do termo, localizadas para lá das faceiras, no monte, estavam entregues a longos pousios revestidos a matos (Barroso 1923, Lourenço 1932). O pousio prolongava-se por 6,8-10 anos (Barroso 1923), com uma média de 8 anos (Mogo 1932). 106 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 4 2 As terras de monte destinadas ao centeio eram roçadas manualmente no ano anterior à sementeira; chegado o verão procedia-se à queima dos resíduos; a sementeira era feita no solo cru e as sementes enterradas com arado ou à enxada (Lourenço 1932). Por vezes o mato era arrancado a arado. Nas ‘roçadas’ ou ‘cavadas’, assim se designava este método de cultivo, a fertilização da terra cingia-se às cinzas (Barroso 1923, Frias 1925) e aos nutrientes disponibilizados pela oxidação da matéria orgânica do solo acumulada durante o pousio ou, nas terras virgens, herdada da pastagem pobre. No período em análise, em que a expansão do cereal monte adentro se estava a iniciar, a produção média do centeio nas terras marginais rondava as (4)-5 sementes (Barroso 1923, Lourenço 1932). As terras de faceira estavam, geralmente, entregues a uma rotação bienal (Mogo 1932). Para o efeito as povoações «… tem o termo ou ares, que lhes corresponde, dividido em apenas duas folhas, que se estendem em sentidos postos, quasi sempre divididos pela aldeia e que cultivam alternadamente» (Barroso 1923, vd. Taborda 1932). Embora os agrónomos e geógrafos regionais insistam na dominância da rotação bienal centeio-pousio, o cereal podia rodar com batata e milharada e estão descritas rotações trienais, envolvendo dois anos de cereal (centeio-centeio ou centeio-trigo serôdio) com um ano de pousio alqueivado ou batata (Frias 1925)3. Havia também terras de qualidade intermédia entre as faceiras e a terra de monte, submetidas durante 6 anos a centeio-pousio, sucedido por um descanso de 3-5 anos (Mogo 1932). A preparação da terra seguia as regras da agricultura clássica grega (vd. Isager & Skydsgaard 1995) e romana (vd. Marcone 1997): duas a três mobilizações, a primeira, a decrua, no final do inverno, a vima na primavera, complementadas, se necessário, por uma lavoura de preparação da sementeira. No início do séc. XX praticava-se, em grande escala, a estrumação de rabo-de-ovelha ou acancelada nos cereais, descrita por Barroso (1923) do seguinte modo: 150 cabeças pernoitavam 1/3 do dia no bardo; demoravam a cobrir 1 ha de centeio 25-30 dias nas épocas de maior disponibilidade alimentar e 30-40 dias nas restantes. Frias (1925) dá um valor médio de 150 cabeças em 40 dias. Os estrumes dos ovinos e caprinos podiam ser recolhidos diretamente das corriças para o mesmo. Só se empregava estrume de bovino de curral no centeio quando sobrava das outras culturas: a «maior parte do estrume [de bovino era] consumido na cultura hortícola [incluindo nabal]» (Lourenço 1932). O mesmo autor refere que se estrumava o centeio com 18 carros bois de estrume de curral por hectare, i.e. ca. 10,8 t estrume/ha, correspondendo o carro a cerca de 600 kg de estrume (40 arrobas, vd. Coutinho 1877). Este valor é consistente com os 10.800 a 12.000 kg /ha de Mogo (1932) e com as doses atualmente utilizadas. Na região do Barroso as estrumações atingiam um valor um pouco superior (1215 t/ha; Oliveira 1937). A densidade de sementeira do centeio variava de 90 a 140 l/ha, com uma média de 110 l/ha (Mogo 1932). A produtividade rondava as 5-6 sementes nas terras com pousio ano sim, ano não (Barroso 1923, Frias 1925); atingia as 8 nas boas terras com precedência de batata estrumada (Frias 1925). Lourenço (1932) propõe uma produção média de 6-7 sementes. Após a ceifa o pousio era percorrido pelo gado miúdo. As leguminosas arvenses tinham um uso limitado, e maioritariamente para grão (Mogo 1932, Frias 1925). Cultivava-se a parda (Vicia articulata), uma cultura em sério risco de extinção em Portugal, o tremoço-branco (Lupinus albus) e a lentilha (Lens cullinaris). Por 3 As terras com uma intensidade de uso entre a faceira e a horta são conhecidas, na região, por ‘terras de campo’ (Portela 1988). A sua dimensão e importância não é clara nos autores estudados. 107 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 4 2 vezes fenava-se a lentilha, extreme ou misturada com cevada (Lourenço 1932). A prática sideração do tremoço restringia-se à vinha e ao olival, duas culturas características da Terra Quente. Embora os agrónomos da altura defendessem acerrimamente a introdução de leguminosas para enterrar nas rotações com cereais (e.g. Rebelo da Silva 1924), e o conhecimento desta técnica ascendesse à Roma clássica (Marcone 1997) e tenha sido recuperada pelos agrónomos da Idade Moderna (Herrera 2006), não são claras a razões do seu não uso em Trás-os-Montes no dealbar do séc. XX.. A batata entrou na região no início do séc. XIX (Alves 1985). O seu cultivo é uma das chaves para explicar o aumento da população europeia no séc. XIX (Reader 2009). Esta solanácea desempenhava um importante papel na alimentação humana na Terra Fria, sem, de modo algum, atingir a importância do centeio. Cultivava-se em terras de razoável fertilidade, sempre estrumadas, em rotação com cereais ou após a arroteia dos lameiros (Frias 1925). Lourenço (1932) refere estrumações de 35 carros de estrume hectare, i.e. estrumações de ca. de 30 t/ ha, para produzir em regadio 16t/ha. A batata também saía da horta, à semelhança da couve, do feijão, da abóbora e de muitas outras culturas para abastecimento da casa ou da pocilga. O nabo era semeado nas hortas, em terrenos suscetíveis de serem regados depois do arranque das batatas e menos sobre restolhos de cereal. Havia terras exclusivamente dedicadas a esta cultura, as terras de nabal. Estrumava-se intensamente o nabal, no Barroso com 40 a 50 mil t/ha (Oliveira 1937), onde alcançava produções de 40 t/ha. Os lameiros eram explorados para pasto e feno. O fecho ao pastoreio ocorria do final de março até aos meados de abril, sendo os fenos realizados no final de junho (depois do São Pedro), início de julho. Os lameiros de secadal produziam 1800-3600 kg feno/ha; os lameiros de regadio 4800-6000 kg feno/ha (Barroso 1923). Para se restabelecer um lameiro após arroteia recolhia-se a flora do feno, i.e., «o resíduo que fica no fundo dos palheiros ou arrecadações de feno» (Pegado 1905). Um lameiro bem cuidado, além da fenação anual, envolvia o arranque manual de infestantes, a limpeza das agueiras e o arranjo de muros e represas de água. Ciclicamente extraiam-se lenhas das árvores podadas em cabeça de salgueiro que rodeavam os lameiros. Ripavam-se as folhas do freixo (Fraxinus angustifolia) e do negrilho (Ulmus minor) que naturalmente marginam os lameiros no verão, para alimentar porcos e crias. «[…] o terreno mais fértil fica para lameiro – mais fértil pela fundura, pela abundância de agoa, e variedade de composição» (Coutinho 1877); «esta grande superfície de prados, ocupando uma grande maioria dos melhores terrenos obsta o apparecimento da cultura intensiva» (Pegado 1905); «Os lameiros encontram-se por toda a parte, ora nas encostas, ora nas planícies e em todo o local onde a terra é regada e mais húmida» (Teixeira 1948); «o lavrador desta região tem abusado do lameiro, sacrificando-lhe as outras culturas» (Lourenço 1932). Tão grande extensão e importância dos lameiros justifica-se pela procura externa de bovinos, relevante no período em estudo (Lima Santos 1992), e pelo simples facto de que «sem prados não póde haver gados e sem gados não póde haver carne, o trabalho e os estrumes que eles fornecem» (Pegado 1905). O gado bovino tinha por vocação principal a produção de trabalho. Os seus estrumes acumulavam-se nas cortes para posterior uso. Os bovinos excedentários eram a principal fonte do rendimento das famílias camponesas (Lourenço 1932) porque, como referia Coutinho (1877), «[…] é esta das poucas indústrias, que póde ir buscar mercado externo […], porque caminha por si mesma.» Explorados num regime de semiestabulação os bovinos pastavam 108 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 4 2 nos lameiros e se necessário no monte. O «feno dos lameiros, junto com as palhas do cereais, [era] a principal base da alimentação do gado grosso no districto» (Coutinho 1877). Complementavam o feno, o pasto, as ferrãs, folhas de freixo e olmo, e as palhas, muitas vezes acompanhadas do nabo. Os caprinos e ovinos sobreviviam em regime de manadio, pastoreando monte e restolhos, descendo aos lameiros na época da criação (Frias 1925). Além de estrumes produziam carne; da lã de ovelha manufaturava-se o burel. Somavam-se às três espécies zootécnicas citadas as aves de capoeira, o porco e os gados asininos, muar e, pontualmente, o cavalar. Criados na proximidade da casa, o porco e as galinhas reciclavam os restos das refeições e os resíduos da horta. Nas primeiras décadas do século XX estava já em desuso o pastoreio (vezeiras) de suínos (Lourenço 1932). O cavalo era um símbolo do agricultor abastado. Os muares e os asininos tinham mais expressão na Terra Quente e nas zonas frias do Planalto de Miranda. A reposição da fertilidade da terra na agricultura pré-industrial da Terra Fria transmontana baseava-se na integração do pousio com a aplicação de estrumes animais de origem local. As terras «[…] recebem apenas os adubos obtidos na localidade, […], isto é, não se traz para o terreno elemento nenhum que de lá não saísse» (Coutinho 1877). Os agrónomos queixamse da forma descuidada como eram geridos os estrumes. Ainda assim, para maximizar o seu aproveitamento, revestiam-se os caminhos com palhas e matos para que se empapassem com os excrementos animais, e desviavam-se as águas das veredas mais percorridas pelos gados, em direção às hortas e lameiros (Barroso 1923). Nalgumas regiões semeavam-se giestas para posterior incorporação nos estrumes (Estabrook 1998). No período histórico em causa, o uso de fertilizantes não orgânicos era recente e incipiente. A importação de fertilizantes em Portugal inaugurou-se com o nitrato do Chile, em 1882 (Rebelo da Silva 1924). 50 anos depois a utilização de fertilizantes químicos no nordeste Trás-os-Montes resumia-se à aplicação de superfosfato a 12%. Em 1931 foram consumidas na região 2.000 t de superfosfato (Lourenço 1932). Se aplicados a uma dose de 300 kg por hectare (Lourenço 1932) apenas 2% da superfície agrícola regional seria fertilizada com adubos químicos. A aplicação do fósforo restringia-se às terras de monte4; as terras mais produtivas continuavam a ser fertilizadas em exclusivo com estrumes. O pão, de centeio na Terra Fria Transmontana, era o principal alimento dos trabalhadores rurais. «… é o centeio que imprime carácter à cultura frumentária transmontana e constitui a base da alimentação» (Teixeira 1948). Em 1920 calculava-se que o consumo médio por habitante no distrito de Bragança rondava os 177 kg/ano e que a produção média anual (ca. 24.000 t) não chegava para cobrir a necessidades (25.630 t) (Mogo 1932). Sem dados numéricos temos que nos fiar nas palavras de Águedo de Oliveira (1949): «A maior parte da produção [de centeio] ficava retida nas explorações agrícolas, não entrava no mercado; mesmo nos anos abundantes raramente enviam os excedentes para o mercado, os excedentes são consumidos em pagamentos em género ou no consumo da casa e dos animais». 4 «… cultivar centeio nas terras das faceiras que, no dizer deles, sem estrume e ainda que adubadas com abono (assim se chama a superfosfato em muitos sítios da Terra Fria), já não querem dar pão», diz Barroso (1923). Esta nota e o facto das terras de monte responderem com exuberância ao fósforo – «[pode] calcular-se um aumento de cerca de 50% com o seu emprego» (Lourenço 1932) –, são uma evidência indireta da concentração deste nutriente vegetal nas faceiras em detrimento das terras de monte, causada por milénios de nutrient mining mediado pelos herbívoros domésticos. 109 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 4 2 4. Agricultura orgânica tradicional do centeio na freguesia de Zedes (Carrazeda de Ansiães) no início do séc. XX Como se referiu na introdução, o estudo de caso, adiante explicitado, centra-se na Freguesia de Zedes (Carrazeda de Ansiães) (vd. figuras 1 e 2), por volta de 1920, e tem por objetivo principal averiguar se a área de monte necessária para alimentar os gados era incompatível com o uso florestal. Figura 1 Localização de Zedes no Norte de Portugal”. Figura 2 Zedes, Carrazeda de Ansiães (imagem GoogleEarth, 2011). N.b. monte a envolver as terras aráveis, lameiros e plantações; povoação no centro do termo. 110 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 4 2 Os cálculos discriminados nos Quadros 1 a 4 envolvem numerosas simplificações, entretanto justificadas no ponto anterior. As mais importantes são: • As trocas das aldeias da Terra Fria com o exterior eram reduzidas; • A reposição da fertilidade da terra fazia-se, exclusivamente, com recurso à fertilização orgânica; • A alimentação humana baseava-se no consumo do centeio e a sua procura, à escala do povoado, era inelástica; • A maior parte do centeio tinha origem em terras de pão estrumadas a rabo de ovelha; • As faceiras eram, na sua grande maioria, cultivadas sob uma rotação centeio-pousio; • O gado miúdo alimentava-se no monte; • O estrume de curral era incorporado na horta e em outras áreas de agricultura intensiva; os excedentes eram encaminhados para a faceira; • O gado bovino sustentava-se com a biomassa produzida no lameiro e nas áreas de agricultura intensiva (terras de campo+terra de nabal+horta); • Os coeficientes agronómicos utilizados resumem, adequadamente, as principais características do sistema de agricultura em estudo. Dadas as incertezas que invadem o estudo dos ciclos de nutrientes nas sociedades pré-industriais (González de Molina et al. 2010), particularmente no que respeita à avaliação do conteúdo em nutrientes dos fertilizantes orgânicos (Smil 2004), construiu-se um modelo muito simples do sistema de agricultura de Zedes por volta de 1920, baseado em dados de população, usos da terra e respetivas áreas, produção de biomassa forrageira, consumo de estrumes e agronomia do centeio. A informação foi recolhida na bibliografia agronómica regional, sobretudo nos Relatórios de Final do Curso de Engenheiro Agrónomo do Instituto Superior de Agronomia, publicados nas três primeiras décadas séc. XX. As necessidades em centeio da aldeia de Zedes, em 1920, foram determinadas com base no censo da população de 1920 e nos consumos médios propostos por Mogo (1932) (Quadro 1). No Quadro 2 procedeu-se ao cálculo da área de faceira necessária para obter a massa de centeio estabelecida no Quadro 1. Os 221 indivíduos que habitavam Zedes, em 1920, consumiriam 39.117 kg de centeio por ano, produzidos em 206 hectares de terras de pão (metade em produção e a outra metade em pousio; ca. 1 ha/habitante). Quadro 1 Consumos e necessidade de centeio. Consumo de centeio 177 kg/habitante Mogo (1932) Número de habitantes em 1920 221 indivíduos INE (censo de 1920, dados desagregados Necessidades em grão 39.117 kg ao nível da freguesia) 111 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 4 2 Quadro 2 Agronomia do centeio nas terras de faceira. Densidade da semente de centeio 76,7 kg/hl Mogo (1932) Densidade de sementeira 110 l/ha, i.e. 84 kg/ha Mogo (1932) Produtividade nas terras de faceira 6 sementes, i.e. 506 kg/ha Média de Lourenço (1932), Barroso (1923) Reserva de semente para a sementeira do ano seguinte 1 semente Perdas 0,5 sementes Produtividade disponível 4,5 sementes, i.e. 380 kg/ha Anos pousio/anos cultivo 1 Área necessária (rotação C-P) 206 ha e Frias (1925) Jaime Pires (comunicação pessoal, 2011) Nota: calculado através da divisão das necessidades em grão pela produtividade disponível. Tendo em consideração as características técnicas da fertilização de rabo de ovelha e os índices técnicos enunciados no Quadro 3, para fertilizar 103 ha (os restantes 103 há estavam em pousio) eram necessários cerca de 673 ha de monte. Quadro 3 Fertilização orgânica das terras de faceira a rabo de ovelha. Produção de estrumes por ovelha (em fresco) 2,05 kg/dia Mogo (1932) Estrumação média 150 cabeças*40 dias/ha, i.e. 6.000 Frias (1925) cabeças*dia/ha Nº de ovelhas necessárias para estrumar 103 ha de faceira 1694 (16,5 ovelhas/ha) Produtividade dos restolhos de cereal 700 kg MS/ha.ano Jaime Pires (com. pessoal) Produtividade média nos pastos de monte 1050 kg MS/ha.ano Consumo MS/dia.ovelha 1,26 kg MS/dia Área de monte necessária para estrumar 1 ha de faceira 3,3 ha Área de monte necessária para estrumar 103 ha de faceira 673 ha Pires et al. (2005) Calculado a partir dos consumos de uma ovelha seca de 50 kg (Jarrige, 1989); peso vivo médio das ovelhas churras 50 kg (J. Condado, com. pessoal, 2011); admite-se que os maiores consumos das ovelhas aleitantes compensam os baixos consumos dos animais jovens Nota: cálculos efetuados após o desconto da biomassa produzida nos restolhos. O termo de Zedes tem 1007 ha. Com base na fotointerpretação de fotografia aérea de 2011, confirmada no campo, determinou-se a área de ocupação de três tipos de terras: ‘monte’, ‘lameiro+faceira’ e ‘área de agricultura intensiva+social’ (Quadro 4). A categoria ‘lameiro+faceira’, além dos lameiros e das áreas cultivadas atuais, incluiu os coluviões espessos de meia e fundo de encosta colonizados com giestais exuberantes. Admitiu-se que estas terras podem ser cultivadas numa rotação cereal-pousio ou enlameiradas. A área de agricultura intensiva+social inclui estradas, caminhos, casas, e os solos mais ricos em nutrientes, parte deles ainda cultivados com terras de campo, hortas, nabal e lameiras5. Com base na tipologia atual das casas considerou-se que por volta de 1920 a área social não 5 Lameiros eutróficos intensamente estrumados sujeitos a vários cortes por ano. 112 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 4 2 ultrapassaria os 5 ha. A presença abundante de flora nitrófila6 serviu para delimitar, de forma grosseira, as terras de uso intensivo (25 ha; 0,11 ha/habitante). Cada vaca produz, aproximadamente, 9.000 kg/ano de estrume de curral7 (Coutinho 1887), logo seriam necessárias 83 vacas para fertilizar os 25 ha de agricultura intensiva (Quadro 4), caso estes fossem anualmente estrumados com 30 t de estrume de curral , o valor proposto para a batata por Lourenço (1932). Os eventuais erros cometidos na avaliação da área de ‘agricultura intensiva+social’ pouco interferem nas contabilidades adiante apresentadas porque está em causa uma área relativamente pequena. González de Molina et al. (2010) propõem a utilização de dados da cartografia solos para inferir usos pretéritos. No nosso entender, a informação contida no Quadro 4 é mais fidedigna porque evita o uso de cartas de solos com escalas muito pequena, e o estabelecimento de relações biunívocas tipos de solo-uso que envolvem decisões particularmente arbitrárias. Quadro 4 Área de ocupação aproximada dos principais tipos de terras em Zedes (Carrazeda de Ansiães) em 1920. Área do termo 1007 ha Área social 5 ha Área de agricultura intensiva 25 ha Área de agricultura intensiva+social/Área do termo 0,03 Área de lameiro+faceira 324 ha Área de lameiro+ faceira/Área do termo 0,32 Área de monte 653 ha Área de monte/Área total 0,65 Zedes tinha solos com qualidade suficiente (324 ha de ‘área de lameiro+faceira’) para suprir a procura local de centeio num ano médio, por volta de 1920, com base na rotação cerealpousio (206 ha de faceira; Quadros 3 e 4). No entanto, a área de monte não produzia forragem suficiente para alimentar o gado miúdo necessário para fertilizar, a rabo de ovelha, 103 ha de centeio (havia um deficit de pelo menos 20 ha). Por outro lado, a biomassa forrageira do monte, e a importância das estrumações a rabo de ovelha foram sobreavaliadas, porque os afloramentos rochosos nus, colonizados por plantas sem interesse alimentar animal, ocupam mais de 1/4 do monte da aldeia. Subtraindo aos 324 ha de ‘lameiro+faceira’ 206 hectares de cereal-pousio, sobram 118 ha para lameiro, uma área relativamente pequena face à importância atribuída a este tipo de uso da terra pelos autores consultados. Ainda assim, 118 ha de lameiro alimentam 118 vacas adultas8, um efetivo por si só suficiente para fertilizar as terras de uso intensivo (ca. 83 vacas). O sustento dos bovinos era, como se referiu no ponto 2, complementado com outros alimentos, o que permitiria alargar os efetivos, vender animais excedentes e estrumar a faceira. Embora o estrume de curral fosse 6 Concretamente de Solano nigri-Polygonetalia convolvuli. 7 Este valor poderá estar subvalorizado porque nas hortas fazem-se duas culturas por ano – e.g. solanáceas e feijão de verão e crucíferas de inverno – sendo, frequentemente, ambas estrumadas. 8 Com base nas produções de feno referidas por Barroso (1923) calculou-se que os lameiros sustentavam, em média, 1,0 vacas adultas. Os pressupostos foram os seguintes: 50% dos lameiros eram de regadio e outros tanto de secadal; o feno tradicional continha 20 % de humidade (Jaime Pires, com. pessoal); 40% da produção de matéria seca era consumida sob a forma de pasto (Jaime Pires, com. pessoal); uma vaca mirandesa média, na época de 600 kg (Taborda 1932), consome 12 kg matéria seca/dia (2 kg MS/100 kg de peso vivo) (Fernando Sousa, com. pessoal, 2011). 113 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 4 2 prioritariamente consumido nas hortas, tinha um papel significativo na fertilização das terras de pão dada a exiguidade do monte. A informação trabalhada não permitiu prosseguir a análise porque não foi possível calcular a produção de biomassa forrageira nas áreas de uso intensivo, nem houve acesso a informação sobre gados desagregada ao nível da freguesia. Ficou, por isso, por clarificar se no período em estudo se havia, ou não, escassez de fertilizantes orgânicos; por outras palavras, se o sistema de agricultura estudado estava em rutura, e se a presença de floresta era de todo incompatível com o sustento das gentes. De qualquer modo, o papel reservado à estrumação a rabo de ovelha não se coaduna com um coberto florestal, ou arbustivo, significativo. 5. Conclusões As plantas cultivadas de maior interesse frumentário consomem grandes quantidades de nutrientes. Uma vez que a sua ciclagem no interior dos sistemas de agricultura é imperfeita, a reconstrução da fertilidade da terra determina, no essencial, o funcionamento dos sistemas de agricultura orgânicos. Embora nas sociedades pré-industriais o aumento da população estimule a inovação tecnológica na agricultura (Boserup 1965), a história da agronomia mostra que o leque de soluções técnicas possíveis para melhorar e otimizar a restituição da fertilidade da terra é limitado. Por conseguinte, o crescimento da população acaba por se traduzir numa pressão da agricultura sobre outros tipos de uso da terra. Os herbívoros domésticos desempenhavam um papel crucial na colheita, transporte e deposição dos nutrientes vegetais no sistema de agricultura do pousio, tração animal e arado, característico da Terra Fria transmontana, no início do séc. XX. Como a floresta indígena é incompatível com o pastoreio de gado miúdo, o aumento da população e da procura de alimentos implicou, inevitavelmente, a conversão de floresta em pastagem. Na Zedes do início do séc. XX, cada hectare de centeio fertilizado a rabo de ovelha exigia, pelo menos, uma área de monte de ca. 3,3 ha (mais 0,5 ha de pousio). Assim sendo, é legítimo afirmar que a necessidade de aumentar a área de pasto para satisfazer a procura de estrumes, teve um efeito mais devastador na floresta do que o alargamento da área cultivada com cereais. Sempre que a reposição da fertilidade da terra entrasse em rutura por falta de pasto, o cereal teria que ser estendido às terras virgens de monte. Um sistema de nutrient mining lento, por via animal, seria, então, substituído por outro mais rápido e menos sustentável, com o cereal a ir ao encontro dos seus alimentos minerais, armazenados na matéria orgânica do solo. Este processo é inevitável quando a população cresce e a floresta se extingue. O mecanismo agora descrito certamente pode ser generalizado a outros territórios, além da Terra Fria transmontana. Os dados recolhidos mostram que por volta de 1920, na Freguesia de Zedes, a área de monte não chegava, por si só, para gerar os estrumes pedidos pela cultura do centeio. Portanto, a área de lameiro era essencial para garantir uma eficaz restituição da fertilidade nas terras de pão e o espaço florestal, a existir, seria exíguo. Embora a falta de detalhe da informação disponível tenha prejudicado a análise, é seguro afirmar que o sistema de agricultura idealizado para Zedes, em 1920, não podia acomodar o acréscimo de 52,5% da população residente, ocorrida entre os censos de 1920 e 1940 sem a aniquilação do espaço florestal e a entrada do cereal no monte à custa da pastagem. 114 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 4 2 No início do séc. XX, a comunidade agronómica nacional estava ciente da crónica falta de estrumes, i.e. a deficiente fertilização das terras, de que padecia a agricultura portuguesa: «A fraca produção dos 2 milhões de hectares de pastagens, prados, pousios e ferragiaes não permite alimentar a quantidade de gado para a nossa agricultura poder prosperar amplamente …emquanto a bois, os animaes mais úteis á agricultura, somos muito pobres, não chegando a ter 8 animaes bovinos por kilometro quadrado, o que explica a situação económica em que nos encontramos, com uma carência crescente e assustadora de substancias alimentícias. … A quantidade de estrumes que produzimos é deficiente; calcula-se em 12 milhões de toneladas, havendo, portanto, um deficit de 9 milhões de toneladas, isto admitindo que a superfície cultivada com as sementeiras arvenses, é de 2 milhões de hectares.» (Rebelo da Silva 1924). De acordo com Águedo de Oliveira (1949), a expansão do cereal para o monte na Terra Fria transmontana iniciou-se [ou foi retomada] em 1905. Este processo só ganha visibilidade no final da década de 1920, como Lourenço (1932) parece transparecer: «[…] têm sido desfeitos até alguns montes onde os nascidos nunca tinham visto semear centeio». De facto, nas duas primeiras décadas do séc. XX ocorre uma breve interrupção da forte dinâmica demográfica que sucedeu os 40 anos de invasões e guerras civis do primeiro terço do séc. XIX (Valério 2001). Simultaneamente, verifica-se uma estabilização da área cultivada, da terra cultivada por trabalhador agrícola e do produto agrícola (Lains 2004). Um novo folgo demográfico, o forte retrocesso da emigração após a crise de 1929/30 (Valério 2001), o aumento da procura interna de produtos agrícola (Lains 2004) e o atraso da adoção de fertilizantes químicos forçaram a escalada, monte acima, do centeio. Águedo de Oliveira (1949) descreve o sucedido nas décadas de 1930 e 1940: «… a idade do oiro passou de pressa! As terras vagas acabaram de vez. […] Semeia-se tudo quanto é possível. Mais não se semeia porque não há onde. […] Em 1933 já não sobra nada. […] As adubações já não dão portanto como davam e os números de sementes da idade de oiro reduzem-se agora para metade. As terras parecem cansadas». «A sucessão ininterrupta das culturas nos mesmos solos, só possível no momento da ocupação da terra virgem, desapareceu completamente, e hoje os pousios mais ou menos longos estão muito generalizados» (Teixeira 1948). O alargamento do cereal ao monte teve custos: «As trovoadas, as chuvas prolongadas vão, para mais, arrastando a terra bolida, desnudando os ossos, a rocha viva descarnada ao sol ou a terra rasgada e regueirada a toda a altura» (Águedo de Oliveira 1949). Simultaneamente, as mobilizações oxidaram a matéria orgânica do solo e os stocks de nutrientes do monte colapsaram. E com o alargamento do cereal extinguiram-se as poucas réstias de bosques sobreviventes a milhares de anos de agressão antrópica à floresta: «Nos sítios chamados […] há restos de belíssimas matas de carvalhos e sardões entremeado de pascigueiros, que o povo ignaro vai destruindo a ferro e fogo, sem ver que o cereal produzido no arroteamento brevemente estancará, arrastando rápida e absoluta esterilidade» (Alves 1985). A história da floresta é indissociável da história da agricultura. 115 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 1 Capítulo 4 2 6. Referências · Agroconsultores & COBA (1991) Carta dos Solos, Carta do Uso Actual da Terra e Carta da Aptidão da Terra do Nordeste de Portugal. UTAD, PDRITM. Vila-Real. · Águedo de Oliveira A. (1949) Estudo sobre o centeio. Centro de Estudos Económicos. Instituto Nacional de Estística. · Aguiar C. & Pinto B. (2007) Paleo-história e história antiga das florestas de Portugal Continental − Até à Idade Média. 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InBio - Rede de Investigação em Biodiversidade e Biologia Evolutiva. Porto. ISBN: 978-98997418-1-2. Pp 118-168. Resumo: As florestas assumem hoje uma grande importância na conservação da biodiversidade e na regulação dos processos ecológicos à escala da paisagem. As florestas constituem, aliás, um importante suporte de diversas economias e da preservação das condições ambientais e ecológicas que estão na base do bem-estar humano, assumindo por isso um papel central no desenvolvimento e na competitividade dos territórios. Neste contexto, o presente capítulo apresenta uma síntese introdutória sobre a ecologia, a diversidade, a condição atual e as dinâmicas recentes da floresta nas paisagens da região Norte de Portugal. Uma análise das dinâmicas da floresta nas paisagens regionais ao longo das últimas duas décadas antecipa uma breve reflexão final, em jeito de conclusão prospetiva, sobre as dinâmicas em curso e as perspetivas futuras dos espaços florestais no contexto regional. ECOLOGY, DIVERSITY AND RECENT DYNAMICS OF FOREST ECOSYSTEMS IN THE LANDSCAPES OF NORTHERN PORTUGAL Abstract: Forests currently play a major role in the conservation of biological diversity and in the regulation of ecological processes in the landscape context. Moreover, forests provide crucial support to many economies and to the preservation of the environmental and ecological conditions which sustain human well-being, playing a central role in regional development and competitiveness. In this context, this chapter provides an introductory synthesis on the ecology, diversity, condition and recent dynamics of forests in the landscapes of Northern Portugal. An analysis of forest dynamics in the regional landscapes across the last two decades anticipates a short prospective discussion of the ongoing dynamics and of the future perspectives of forest areas in the regional context. 1 InBio / CIBIO-Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos, Universidade do Porto. 2 Departamento de Biologia, Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. 3 Escola Superior Agrária de Ponte de Lima, Instituto Politécnico de Viana do Castelo. 4 Instituto Ciências Agrárias e Ambientais Mediterrânicas (ICAAM), Universidade de Évora. 5 Águas e Parque Biológico Municipal de Gaia EEM. 119 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 1 2 1. Ecologia florestal: da parcela à paisagem 1.1 Ecologia dos ecossistemas florestais As florestas constituem ecossistemas muito particulares, em que as condições ambientais locais criadas pelas árvores propiciam a ocorrência de uma biodiversidade particular e de um funcionamento distintivo dos processos ecológicos (Figura 1). De facto, nos ambientes terrestres as florestas constituem os ecossistemas de maior biomassa e de maior complexidade estrutural, o que se reflete na generalidade dos processos ecológicos e no recrutamento de espécies de plantas, animais, fungos, líquenes e microrganismos. Assim, por comparação com outros ecossistemas terrestres, estruturalmente mais simples e com menor biomassa, as florestas possuem em geral: (i) condições microclimáticas particulares, ao nível de temperatura, precipitação, humidade do ar, ventos e insolação, incluindo o respetivo ritmo anual (sazonalidade); (ii) condições edáficas peculiares, ao nível da estrutura do solo, da sua textura, do seu teor em matéria orgânica, da sua humidade, da sua microbiologia, etc.; e (iii) menores variações sazonais das condições ambientais, sejam elas climáticas ou edáficas. As biocenoses florestais encontram-se tipicamente entre as que incluem um maior número de espécies, pertencentes a uma grande diversidade de grupos taxonómicos, em que se incluem as plantas (criptogâmicas e vasculares), os animais (invertebrados e vertebrados), os fungos, os líquenes e diversos grupos de microrganismos. Estes seres vivos distribuem-se pelas várias camadas estruturais da floresta, desde a canópia das árvores até às camadas profundas do solo, constituindo em cada uma delas biocenoses particulares mas interdependentes. Nos ecossistemas florestais estão particularmente bem representados numerosos síndromes adaptativos e grupos funcionais de organismos, bem como os diversos estádios de redes tróficas complexas e uma grande diversidade de outras interações bióticas. Diversidade funcional e interações bióticas constituem importantes elementos da diversidade biológica dos ecossistemas florestais, e são produto direto da complexidade estrutural e da elevada diversidade taxonómica características destes ecossistemas. Sem surpresa, as florestas assumem assim uma grande importância na conservação da biodiversidade e na regulação dos processos ecológicos à escala da paisagem. As florestas são entendidas, na atualidade, como um importante suporte da preservação das condições ambientais e ecológicas que estão na base da sobrevivência e do bem-estar humano, assumindo por isso um papel central no desenvolvimento e na competitividade dos territórios (MA 2003). Neste contexto, o presente capítulo pretende apresentar uma síntese introdutória sobre a ecologia, a diversidade, a condição atual e as dinâmicas recentes da floresta nas paisagens da região Norte de Portugal. Uma breve discussão sobre as dinâmicas da floresta nas paisagens regionais ao longo das últimas duas décadas (1990-2010) dá sequência às descrições iniciadas na secção anterior do livro (ver I.4). Em jeito de conclusão prospetiva, uma breve reflexão final sobre as dinâmicas em curso e as perspetivas futuras estabelece uma ligação com os capítulos da terceira secção. 120 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 1 2 Figura 1 Os ecossistemas florestais distinguem-se pela sua fisionomia e pela sua estrutura, responsáveis por um conjunto de condições ambientais e atributos ecológicos que lhes são específicos. 1.2 As florestas na paisagem: processos, serviços e riscos A ocorrência de áreas florestais, quer de forma natural, quer quando instaladas pelo Homem, depende e interage com o meio natural, desde os biomas ao habitat local, influenciando os fluxos de massa e de energia. As atividades florestais contribuem, através dos modelos de uso e exploração, para a evolução e funcionamento dos sistemas sócio-ecológicos (Burkhard et al. 2011), criando economias muito dependentes dos bens e serviços produzidos. 121 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 1 2 1.2.1 Ecossistemas florestais: dos processos aos bens e serviços Os biogeossistemas apresentam uma interação crescente com as atividades e processos de origem antrópica, devido ao aumento da necessidade, da atividade e da capacidade humanas. As práticas de instalação e de produção florestal, ao nível da composição, estrutura e funcionamento das comunidades, habitat e ecossistemas florestais, visam geralmente a adaptação às condições edáficas, climáticas e da biodiversidade locais, no contexto dos propósitos da exploração e de conservação dos recursos presentes. Assim, o conhecimento detalhado das pressões, relações e respostas dos ecossistemas e dos sistemas de produção florestais deverá enquadrar o planeamento e a gestão sustentável das atividades e espaços florestais. A produção de biomassa (produção primária) resultante da fotossíntese resulta na síntese de novos compostos e na formação de novos tecidos pela divisão celular. Ao longo do tempo, esta produção primária resulta na acumulação da biomassa vegetal, promovendo a instalação e a evolução do número e da diversidade de organismos consumidores diretos (herbívoros) e indiretos (predadores) (Klenner et al. 2009, Bacmeister e Stephens 2011). A sucessão ecológica, outro processo de extrema importância na dinâmica dos espaços florestais, origina e promove a evolução de sistemas de constituição e complexidade crescente adaptados aos padrões espaciais das condições naturais, mas também à natureza e evolução das atividades humanas. As florestas, como ecossistemas estruturados pelas plantas vasculares, resultam de um processo prolongado no sentido da evolução para um ecossistema de elevada biodiversidade potencial (Bengtsson et al. 2000). A produção florestal, enquanto atividade económica, considera principalmente a geração de produtos lenhosos e um número limitado de produtos não lenhosos, como a cortiça, a partir de espécies com porte arbóreo. No conjunto, estas atividades integram-se com outros processos naturais e humanos no âmbito dos espaços de uso ou aptidão florestal. Ao longo da História ocorreu uma apropriação humana do espaço e dos recursos implícitos aos espaços florestais naturais. Nestas ultimas décadas, verificou-se uma aceleração das perdas de extensão, densidade e conectividade de áreas florestais nas regiões (sub)tropicais e nos países em vias de desenvolvimento. Nos países ocidentais, em particular nos países europeus, ocorreu uma inversão desta tendência secular durante a última metade do século XX (FAO 2009), devido às alterações demográficas e socioeconómicas profundas no espaço rural e às políticas de florestação. A desflorestação associa-se à pressão de exploração dos inúmeros recursos e das funções naturais presentes (madeira, água, energia, recursos minerais, etc.) e resulta na transferência para atividades e usos urbanos, agrícolas e, em menor extensão, industriais. Estes processos de apropriação e exploração individual ou coletiva, privada ou pública dos espaços e dos recursos relacionam-se, em sentido inverso, ao forte acréscimo de programas de conservação em áreas florestais de elevado valor ambiental (EC 2011). A elevada produtividade primária, a biodiversidade e o carácter marcante na paisagem dos maciços arbóreos, o fornecimento de abrigo e a qualidade ambiental dos ecossistemas florestais originaram fortes valores simbólicos e espirituais implícitos a estes espaços em diversas culturas e civilizações. Na sociedade atual estes valores mantêm-se e traduzem-se em comportamentos como seja a procura crescente das áreas florestais para as atividades 122 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 1 2 recreativas e de lazer. Alguns espaços florestais são reconhecidos como áreas críticas para a identidade cultural tradicional de comunidades locais. i.e., áreas de importância cultural, ecológica, económica ou religiosa, identificadas em conjunto com estas comunidades. A importância ecológica, social e cultural das florestas suportou a emergência de conceitos de grande valor heurístico e operacional (e.g. “High Conservation Value Forest” ou HCVF; Jennings et al. 2003). A importância e a afetividade reconhecida às áreas florestais remetem para desafios centrais, ligados às oportunidades e à própria viabilidade do planeamento e gestão florestais no desenvolvimento territorial, incluindo projetos de turismo sustentável nestes espaços. Ao longo do tempo aconteceu um ajustamento e uma evolução dos conceitos, desde a “floresta” até ao “espaço florestal”, desde uma dimensão temática de produção primária lenhosa até espaços de uso ou aptidão florestal no sentido de sistemas territoriais. Estes espaços de natureza e uso multifuncional fornecem uma grande diversidade de produtos e serviços gerados naturalmente e/ou produzidos pelo Homem de forma complementar ou alternativa de acordo com o regime/modelo de gestão ou exploração florestal adotado (Figura 2). Os conceitos de “uso múltiplo” e de “gestão florestal sustentável” preconizam que os povoamentos podem ser instalados e conduzidos de tal forma a que se promova a diversidade de bens e serviços produzidos nessa área. A valorização exclusiva dos produtos florestais lenhosos e de paisagens dominadas por povoamentos monoespecíficos cultivados determina: (i) uma simplificação de constituição, estrutura, funcionamento e utilidade do meio, e consequentemente, a perda de diversidade, estabilidade e resiliência dos ecossistemas; (ii) a diminuição da quantidade da mão-de-obra necessária por área de produção, favorecendo o êxodo rural local e, neste sentido, limitando os processos de desenvolvimento rural; e (iii) condiciona a diversidade, a regularidade e o retorno do investimento em fases precoces dos longos ciclos de produção da grande maioria das espécies e regimes de exploração florestal. Atualmente, a diversidade de espécies, de modelos de produção e de exploração florestal suportam diferentes fileiras de produtos lenhosos e outros produtos e bens do espaço florestal suscetíveis de exploração comercial e com forte interesse económico direto (lenha, cortiça, resinas, cogumelos silvestres, etc.), assim como asseguram e reconhecem diferentes e importantes benefícios gerados pelo ecossistema, ao nível das funções de suporte, dos serviços de regulação e dos serviços culturais (Pereira et al. 2009). Por outro lado, a complexidade e a diversidade biológica próprias dos espaços florestais enquadram os investimentos (inter)nacionais e regionais na definição de políticas e na estruturação de redes de proteção e conservação da natureza. Em simultâneo, os incentivos à arborização, ao planeamento e à gestão florestal são favorecidos por um quadro financeiro, organizativo, legal e político favorável e relativamente estável. Esta necessidade normativa e de financiamento resulta da continuidade exigida pela extensão dos ciclos florestais e pelo ajustamento à continuidade temporal dos processos naturais. 123 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 1 2 a) b) c) Figura 2 O papel e o tipo de espaços florestais: (a) paisagem agro-florestal serrana; (b) floresta nativa de carvalhos nas serras do Baixo Tâmega; (c) povoamento de pinheiro-bravo em dunas costeiras. 1.2.2. As florestas nos sistemas sócio-ecológicos atuais A perceção de um planeta com recursos finitos e de uma natureza vulnerável à agressão pelo excesso de exploração e pela degradação dos recursos e funções naturais, contribuiu para encarar os ecossistemas não apenas como fornecedores de alimentos e matérias-primas industriais, mas também como fontes de serviços de suporte à vida na Terra (Bengtsson et al. 2000). A omnipresença dos produtos florestais no nosso quotidiano, do papel aos objetos em madeira e cortiça, símbolos de estética e qualidade, ou ainda outros na alimentação, na perfumaria, na drogaria ou farmácia, mostram a importância das funções económicas da floresta. Neste quadro inclui-se a importância e a valorização humana crescente da qualidade da água, do solo, do ar, da biodiversidade e da paisagem (MA 2003). Dos espaços e atividades florestais, além dos produtos com atual valorização comercial, importa destacar outros serviços do ecossistema que incluem a manutenção da qualidade da água e dos sistemas fluviais, a preservação dos solos e da biodiversidade, o sequestro do carbono e a mitigação 124 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 1 2 dos efeitos das emissões de gases com efeito de estufa (Pereira et al. 2009; ver capítulo II.3 do presente livro). Os espaços e as atividades florestais originam produtos florestais lenhosos, produtos florestais não lenhosos e serviços de ecossistema suscetíveis de modelos de exploração, valoração, valorização e comercialização em mercados, como seja o caso de mercado e economia do carbono. Em termos dos produtos florestais, em Portugal desenvolvem-se quatro importantes fileiras florestais: (i) indústria da madeira; (ii) indústria da pasta de papel e cartão; (iii) indústria da cortiça; e (iv) biomassa para energia. Estas fileiras apresentam uma importância social e económica relevante, integrando estas atividades com os mercados (inter)nacionais e contribuindo para o desenvolvimento e a competitividade territorial (Estratégia Nacional para as Florestas 2006). Os produtos florestais não lenhosos são bens de subsistência para o consumo humano ou industrial e serviços derivados de recursos e biomassa florestais renováveis, que possibilitam o aumento dos rendimentos dos produtores e do emprego nas zonas rurais. Neste quadro incluem-se os produtos provenientes de plantas para alimentação, bebidas, forragem, combustível e medicamentos, de animais terrestres, aves e peixes, para obter alimentos, peles e plumas, e seus derivados como o mel, a laca, a seda e os serviços relacionados com as terras para fins de conservação e recreio (FAO 2009) (Quadro 1). Da falta de atenção e de estatísticas oficiais resulta que os produtos florestais não lenhosos sejam subavaliados na quantidade explorada, no valor real ou mesmo no valor transacionado no mercado (FAO 2009). A geração de emprego em florestas onde se exploram os produtos florestais não lenhosos é consideravelmente maior do que no processo da simples exploração madeireira. No entanto, apesar da insuficiente informação de base, a importância atribuída aos produtos florestais não lenhosos e aos serviços prestados pelas florestas está aparentemente a aumentar relativamente aos principais produtos florestais lenhosos. O valor deste grupo de produtos na Europa representa entre 10% e 25% do total das produções florestais. Estes produtos podem ser divididos em duas grandes categorias, os que derivam diretamente da ação de organismos produtores (vegetais) e os que derivam da ação de organismos consumidores (animais) (Quadro 1). Os mercados associados aos serviços de ecossistema providos pela floresta e a valorização dos bens de uso indireto estão em franco crescimento, fomentado por políticas nacionais e regionais, por tratados e acordos internacionais, com destaque para a proteção dos solos e da conservação de recursos hídricos, a proteção da paisagem e biodiversidade, o recreio e o sequestro de carbono (Baritz et al. 2010) na sua relação com o combate e adaptação às alterações climáticas (Schoene e Bernier 2012). Alguns setores da sociedade estão a criar novas oportunidades para os proprietários desses recursos florestais (Jennings et al. 2003). A quantificação dos serviços de ecossistema promove o reconhecimento da importância da exploração e conservação do espaço florestal e dos rendimentos complementares incentivando fundos de financiamento e investimento públicos e privados orientados e interessados na gestão sustentável destas áreas (Patterson e Coellho 2009). Os mais importantes serviços de ecossistema potencialmente associados aos espaços florestais (ver capítulo II.3 e secção III.1 do presente livro) relacionam-se com a: (i) proteção climática e atmosférica (efeito sobre a qualidade e velocidade do ar, temperatura, sequestro de carbono); (ii) proteção 125 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 1 2 hidrológica (efeito no escoamento, cheias e inundações, filtragem da água, efeito barreira e cripto-precipitações); (iii) proteção do solo (erosão hídrica e formação do solo); (iv) proteção paisagística (diversidade e qualidade cénica da paisagem); e (v) proteção da biodiversidade e do património genético (habitat para a fauna, habitat para a flora e habitat para seres vivos ainda desconhecidos). Quadro 1 Diversidade de produtos de origem vegetal e animal produzidos em ecossistemas florestais, para além dos principais produtos florestais lenhosos. Produtos de origem vegetal Produtos alimentares Plantas silvestres, cultivadas e ervas comestíveis, fungos, etc. e as suas raízes, tubérculos, bolbos, caules, folhas, rebentos, flores, frutos, sementes, comestíveis para obter cereais, hortaliças, gorduras e óleos comestíveis, especiarias e aromatizantes, sucedâneos de sal, edulcorantes, sucedâneos do coalho, produtos para amaciar a carne, bebidas, tonificantes e infusões, produtos para mitigar a sede. Forragem Alimentos para o gado e os animais silvestres, inclusive aves, peixes e insetos tais como abelhas, lagartas da seda, insetos da laca. Produtos farmacêuticos Drogas, anestésicos, bálsamos, unguentos, loções, entre outros produtos. tanto para uso humano como veterinário. Toxinas Para a caça, arbustos venenosos, alucinogénios, inseticidas, fungicidas, etc. Algumas destas toxinas podem ter potencial farmacêutico, especialmente como anestésicos. Produtos aromáticos Óleos essenciais para as indústrias de cosméticos e de perfumaria (mercado internacional muito especializado e vulnerável), unguentos, incensos. Produtos bioquímicos Gorduras e óleos não comestíveis, ceras, gomas e látex, tintos, tanino, produtos bioquímicos para as indústrias do plástico e dos revestimentos, de pinturas e de vernizes. Fibras Telas, esteiras, cordoaria, cestaria, escovas, enchimento para almofadas, cortiça. Madeira para artesanato. Madeiras Madeira para artesanato. Produtos ornamentais Plantas com atrativo estético para plantações de horticultura e lazer, flores cortadas e secas. Produtos de origem animal Mamíferos Carne, couros e peles, lã, pêlo, cornos, ossos, produtos farmacêuticos. Aves Carne, ovos, plumas, ninhos, guano. Peixes Alimentos, óleo de peixe, proteínas para rações. Répteis Alimentos, peles, toxinas, produtos farmacêuticos. Invertebrados Invertebrados comestíveis, secreções de plantas, (maná, mel, cera, propóleos, seda, laca). Fonte: FAO (1997) Assim, as áreas e as atividades florestais apresentam importância: (i) económica, pois, além da sua relevância nas economias familiares dos proprietários e produtores locais, a indústria gera no seu conjunto aproximadamente 3% do Valor Acrescentado Bruto (VAB) da economia e representa cerca de 10% das exportações nacionais (Estratégia Nacional para as Florestas 126 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 1 2 2006), valor muito inferior ao potencial considerando o aumento possível da área florestal, dos ganhos de quantidade e qualidade associados às boas práticas de gestão florestal e à elevada produtividade potencial florestal à escala regional (Mendes 2005); (ii) social, ao garantir mais de 113 000 empregos diretos, ao implicar através da responsabilidade social e ambiental todos os agentes do setor, muito em particular os proprietários ou produtores florestais mas também toda a sociedade enquanto usufrutuária dos bens públicos e dos serviços de ecossistema (ex. atividades cinegéticas e desportos de natureza); e (iii) ambiental, pela importância das florestas na geração de ciclos positivos da salvaguarda de recursos e valores presentes e de promoção da biodiversidade e serviços, em particular em espaços deficitários como é o caso das florestas urbanas (Cecil 2003). Em síntese, as florestas contribuem para a satisfação das necessidades sociais das populações e em matérias-primas para as indústrias, e para a geração de recursos e funções de carácter ambiental: proteção de recursos de solo e da água, manutenção de condições de vida para animais e plantas selvagens, regularização do clima e da qualidade do ar, embelezamento da paisagem e suporte ao lazer das populações. O valor dos espaços florestais associa-se ao(s) tipo(s) de uso a que são sujeitos e às funcionalidades que lhes são atribuídas. Uma das possíveis classificações das funcionalidades, considerada no desenvolvimento dos Planos Regionais de Ordenamento Florestal (PROF) divide os espaços florestais em: (i) floresta de produção; (ii) floresta de conservação dos habitats e das espécies de fauna e flora; (iii) floresta para recreio; (iv) floresta de proteção do solo e dos recursos hídricos; e (v) floresta para caça, pesca e silvopastorícia. No quadro da sustentabilidade, o desenvolvimento da perceção, dos conceitos e das práticas de quantificação e valorização dos produtos florestais não lenhosos e dos serviços de ecossistema apresentarão impactes sobre os modelos de planeamento territorial, de uso e gestão florestal. A expressão da dimensão social, económica e ambiental na exploração e gestão de áreas florestais poderá ter um papel determinante na fixação das populações, na estruturação de comunidades locais e no desenvolvimento rural (FAO 1997). Neste contexto, as próximas secções do presente capítulo abordarão, de forma sumária, estas várias dimensões da floresta e dos espaços florestais, sobre uma matriz constituída pela diversidade florestal da região Norte de Portugal. Tais dimensões serão exploradas em detalhe nos restantes capítulos da presente secção e nos vários capítulos da secção III do livro. 2. Diversidade de ecossistemas florestais no Norte de Portugal 2.1 Uma visão geral da diversidade florestal regional De uma forma genérica, os espaços florestais do Norte do país incluem essencialmente três tipos de ocupação vegetal do solo: (i) áreas de solos esqueléticos e afloramentos rochosos, desprovidas de um revestimento vegetal contínuo; (ii) áreas de vegetação arbustiva mais ou menos contínua e com porte diverso, incluindo matos e matagais dominados por uma considerável diversidade de espécies; e (iii) áreas arborizadas, com continuidade e densidade variadas e caracterizadas pela (co-)dominância de diversas espécies nativas ou exóticas. Esta secção debruça-se sobre a ecologia e a diversidade deste último conjunto de espaços (ou seja, das “florestas”) no contexto regional (Figura 3). 127 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 1 2 a) b) Figura 3 Aspetos da diversidade de espaços florestais do Norte de Portugal: (a) paisagem densamente arborizada e com elevada diversidade de povoamentos florestais; (b) mosaico de espaços florestais arborizados e não arborizados, com povoamentos de resinosas e matos rasteiros. Considerando a pequena superfície ocupada pelo Norte (pouco mais de 20 000 km2), a diversidade florestal regional é, de facto, notável (Figura 3). Nesta região podem ser observadas florestas com composição, estrutura e funcionamento muito distintos, sendo também diversa a sua presença nos mosaicos de paisagem. Conforme se descreve detalhadamente ao longo da presente secção do capítulo, essa diversidade fica a dever-se a múltiplos fatores, desde o clima e as condições edáficas até à espécie dominante e às opções de gestão. Exercendo a sua influência às escalas regional ou local, e em diversas escalas temporais, estes fatores contribuem para o reconhecimento de cerca de uma dezena de tipos florestais, entre carvalhais, sobreirais, bidoais, azinhais, zimbrais, amiais, freixiais, castinçais, pinhais, eucaliptais e diversos tipos de florestas mistas. As variações regionais ou locais destes tipos florestais permitem distinguir mais de duas dezenas de tipos específicos de florestas no Norte do país, cada um com a sua importância particular para a conservação da biodiversidade, para a regulação de processos 128 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 1 2 ecológicos, para a provisão de serviços ecossistémicos e para a promoção da identidade e da competitividade do território. 2.2 As três dimensões da diversidade florestal regional A diversidade de ecossistemas florestais do Norte de Portugal pode ser entendida como o resultado da variação ao longo de três dimensões/gradientes principais (Figura 4): naturalidade/gestão, condições edáficas locais (humidade e fertilidade), e clima (regimes de temperatura e de precipitação) (Aguiar 2001, Honrado 2003). As variações ao longo destes gradientes permite, não apenas suportar uma tipologia operacional e cientificamente fundamentada, mas também construir uma chave simples de classificação dos ecossistemas florestais regionais, que a seguir se descreve. Figura 4 Esquema ilustrativo das três dimensões que suportam/descrevem a diversidade florestal do Norte de Portugal: benignidade climática (posição nas abcissas), humidade edáfica (posição nas ordenadas) e naturalidade (cores das caixas), e enquadramento dos tipos de florestas mais representativos da diversidade florestal da região. I. Naturalidade e gestão I.1. Florestas com génese espontânea (“natural”) e dominadas por espécies autóctones [FLORESTAS NATURAIS] (ver II) - Exemplo: florestas de carvalhos (“carvalhais”) ou amieiros (“amiais”) I.2. Florestas com génese antrópica, dominadas por uma mistura de espécies exóticas e autóctones, e com estrutura complexa [FLORESTAS SEMINATURAIS] (ver II) - Exemplo: florestas mistas de pinheiros e carvalhos I.3. Florestas com génese antrópica, dominadas por espécies exóticas, e com estrutura simplificada pela gestão ativa [FLORESTAS ANTROPOGÉNICAS] - Exemplo: florestas de eucaliptos (“eucaliptais”) 129 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 1 2 II. Condições edáficas locais (apenas florestas naturais e seminaturais) II.1. Florestas de solos de encosta, com humidade determinada pelo clima e fertilidade determinada pela rocha-mãe e pelo coberto vegetal (“solos mésicos”) [FLORESTAS CLIMATÓFILAS] (ver III) Exemplo: florestas de carvalhos e/ou sobreiros (“sobreirais”) II.2. Florestas de solos húmidos a encharcados, com humidade e fertilidade superiores às dos solos mésicos devido à sua posição topográfica favorável à acumulação de água e nutrientes [FLORESTAS EDAFO-HIGRÓFILAS] - Exemplo: florestas de amieiros e/ou freixos (“freixiais”) II.3. Florestas de solos secos e esqueléticos, com humidade e fertilidade inferiores às dos solos mésicos devido à sua posição topográfica favorável à exportação de água e nutrientes [FLORESTAS EDAFO-XERÓFILAS] - Exemplo: florestas de azinheiras (“azinhais”) e/ou zimbros (“zimbrais”) III. Clima (principalmente para as florestas climatófilas) III.1. Florestas de climas frios e húmidos das regiões elevadas, dominadas por caducifólias [FLORESTAS DE MONTANHA] - Exemplo: florestas de bidoeiros (“bidoais”) III.2. Florestas de climas oceânicos e chuvosos, de áreas pouco elevadas, sofrendo stress hídrico estival ligeiro a moderado, dominadas por caducifólias ou laurifólias [FLORESTAS TEMPERADAS E SUB-MEDITERRÂNICAS] - Exemplo: florestas de carvalho-alvarinho, florestas de loureiro ou azereiro III.3. Florestas de climas sazonais, em áreas pouco elevadas, com invernos frios e verões secos, dominadas por perenifólias [FLORESTAS MEDITERRÂNICAS] - Exemplo: florestas de sobreiros e/ ou azinheiras As secções seguintes do texto descrevem de forma mais detalhada o efeito dos diversos fa- tores envolvidos nestas três dimensões, assim como a diversidade florestal que permitem reconhecer na região. 2.3 Naturalidade e gestão: das florestas naturais às plantações de exóticas A naturalidade de um ecossistema pode definir-se como a proximidade (ou distância) desse ecossistema em relação a uma condição pristina, caracterizada pela total ausência de intervenção humana (e.g. Fabbio et al. 2003). Esta pode assumir várias formas, traduzindo modelos mais ou menos característicos de “gestão” que tendem a afastar os ecossistemas de tal condição pristina, tipicamente induzindo a sua especialização numa determinada função. Assim, o eixo representado por estes dois gradientes simétricos (naturalidade e gestão) permite distinguir três grandes tipos de florestas: naturais, seminaturais e antropogénicas (Figura 5). 130 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 1 2 a) b) d) c) Figura 5 Florestas naturais, seminaturais e antropogénicas no Norte de Portugal: (a) floresta natural de carvalhos; (b) floresta seminatural de folhosas e resinosas; (c) floresta antropogénica de pinheiro-bravo; (d) floresta antropogénica de eucalipto em paisagem agro-florestal. 2.3.1 Florestas naturais As florestas naturais do Norte de Portugal incluem um conjunto bastante diversificado de tipos de ecossistemas, dominados por espécies caducifólias, perenifólias e/ou marcescentes. Como se descreve adiante, a distribuição potencial destes tipos de florestas no território reflete a diversidade climática regional (Aguiar 2001, Fabbio et al. 2003, Honrado 2003, Capelo et al. 2007). Assim, nos territórios menos chuvosos do Douro médio e superior e do planalto transmontano, são típicas as florestas de sobreiros (Quercus suber) ou azinheiras (Q. rotundifolia), espécies dominantes frequentemente acompanhadas pelo zimbro (Juniperus oxycedrus). Pelo contrário, nos territórios mais chuvosos do Entre-Douro-e-Minho e das montanhas ocidentais predominam as florestas de árvores caducifólias como o carvalhoalvarinho (Quercus robur) e bidoeiro (Betula celtiberica). Nas áreas de transição (ou seja, nos territórios mediterrânicos chuvosos de Trás-os-Montes) ocorrem as espécies marcescentes Q. pyrenaica (carvalho-negral) e Q. faginea (pedamarro). Os solos frescos a húmidos de áreas côncavas, pauis e margens de cursos de água são outros biótopos adequados para o desenvolvimento de florestas naturais. As condições ecológicas particulares (ex. disponibilidade de água e de nutrientes) favorecem a ocorrência de espécies como o amieiro (Alnus glutinosa), o salgueiro-negro (Salix atrocinerea) e o freixo (Fraxinus angustifolia). São também típicas destes ambientes as espécies de folha lauróide, como o loureiro (Laurus nobilis) e o azereiro (Prunus lusitanica), que formam estreitas galerias arbóreas nas margens dos cursos de água torrenciais na parte ocidental do território. 131 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 1 2 As florestas naturais podem ser alvo de gestão, mantendo aquela denominação se tal gestão não motivar alterações profundas da sua composição, estrutura e/ou função. A ocorrência atual destas florestas naturais encontra-se, no entanto, bastante aquém da sua distribuição potencial no território. Numa primeira fase, o uso histórico do espaço antes ocupado por estas florestas para atividades agropecuárias conduziu à diminuição radical da sua área de ocupação (Fabbio et al. 2003, Proença et al. 2010, Lomba et al. 2011). Entre outros fatores que terão determinado (e determinam ainda hoje) a destruição e degradação dos ecossistemas florestais naturais contam-se a frequência e severidade dos incêndios, a degradação dos solos e, mais recentemente, a silvicultura baseada em espécies exóticas de crescimento rápido e a expansão de espécies vegetais invasoras. 2.3.2 Florestas antropogénicas Os ecossistemas florestais com génese antrópica (por plantio ou sementeira), geralmente com estrutura simplificada e dominados por espécies exóticas, denominam-se “antropogénicos”. Estas formações arbóreas encontram-se tipicamente associadas ao desempenho especializado de uma função, geralmente a produção de madeira ou pasta de papel. Na região Norte, as espécies dominantes mais comuns nas florestas de produção são o eucalipto (maioritariamente Eucalyptus globulus, pontualmente outras espécies) e o pinheiro-bravo (Pinus pinaster). O eucalipto, originário da Oceânia, encontra-se maioritariamente na metade ocidental do território, estando o pinheiro-bravo (espécie com estatuto de “autóctone” em Portugal) mais homogeneamente distribuído no território. Outras espécies arbóreas exóticas com alguma representatividade no território são a pseudotsuga (Pseudotsuga menziesii), o pinheiro-silvestre (Pinus sylvestris) e o pinheiro-negro (Pinus nigra), na sua maioria em florestações nas zonas montanhosas da região levadas a cabo pelo Estado, numa primeira fase no final da década de 1930, e posteriormente no final dos anos 1970/inícios dos anos 1980, em áreas sob regime florestal parcial. Mais recentemente, em resultado dos apoios financeiros europeus com vista ao incremento da área florestal no país, a região Norte em particular registou uma procura significativa para as novas plantações de outras espécies (exóticas e nativas) com interesse produtivo, nomeadamente o sobreiro (Quercus suber), a cerejeira (Prunus avium), o castanheiro (Castanea sativa) ou o cipreste-do-Buçaco (Cupressus lusitanica), além da continuidade da utilização da pseudotsuga e do pinheiro-bravo, espécies frequentes nas plantações efetuadas nas últimas décadas na região, a maior parte das vezes utilizadas como espécies de acompanhamento em composições mistas com folhosas. Atualmente, esta tendência acaba por encontrar algumas restrições nos instrumentos legais de ordenamento do território, nomeadamente nos Planos Regionais de Ordenamento Florestal (PROFs) da região, que, na sua maioria, desincentivam a utilização, por exemplo, do pinheiro-bravo nas florestações, considerando que esta é atualmente uma das espécies que constitui as grandes monoculturas parcelares da região. É interessante a mudança cultural da exploração do castanheiro, até recentemente na sua maioria votado à produção de castanha (apresentando a região grande tradição produtiva), mas hoje também considerado uma espécie igualmente interessante para produção de lenho de qualidade. No mesmo contexto, o sobreiro tem vindo a registar nos últimos anos uma procura significativa para as novas planta- 132 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 1 2 ções florestais da região, correspondendo a uma clara aptidão do território no que concerne à utilização da espécie (desta feita para produção de cortiça de qualidade), favorecendo a reconversão do método tradicional de extração de cortiça de meças (i.e. extração de parte da superfície de descortiçamento da árvore) para pau batido (i.e. extração total da superfície de descortiçamento da árvore), e considerando a tendência de expansão da espécie para norte num cenário de alteração do clima (ver capítulo III.1). Excetuando os territórios climaticamente mais extremos (montanha e vales continentais da bacia do Douro), correspondentes muitas vezes também a espaços classificados com objetivos de conservação da natureza, as florestas antropogénicas ultrapassam claramente as florestas naturais no que se refere à área ocupada e à sua continuidade na paisagem da região. A sua importância económica e social justifica largamente este predomínio, apesar de serem amplamente reconhecidos alguns efeitos negativos dos tipos florestais e modelos de gestão mais intensivos sobre a diversidade biológica, os processos ecológicos e a paisagem (e.g. Proença et al. 2010, Lomba et al. 2011). Proença et al. (2010) analisaram os impactos das transformações nos ecossistemas florestais sobre os padrões de diversidade (incluindo aves e plantas vasculares) desses ecossistemas do Noroeste de Portugal. Estes autores detetaram uma maior diversidade em carvalhais (florestas naturais de Quercus robur e Q. pyrenaica), por comparação com a observada em pinhais (povoamentos de Pinus pinaster) e em eucaliptais (povoamentos da exótica Eucalyptus globulus). As diferenças reportadas por estes autores incluíram um maior número de plantas especialistas de ecossistemas florestais nos carvalhais, depois nos pinhais e por fim nos eucaliptais. Um padrão similar foi observado para as aves, ainda que a diversidade observada para este grupo taxonómico seja também elevada nos pinhais. O trabalho realizado por Proença et al. (2010) demonstrou, por um lado, a importância das florestas naturais, como é o caso dos carvalhais, para a conservação de espécies florestais (não generalistas), e por outro lado, que a biodiversidade das florestas se encontra diretamente relacionada com a sua naturalidade. Neste contexto, o trabalho de Lomba et al. (2011) complementa o anteriormente descrito, ao efetuar a análise do impacto da espécie arbórea dominante sobre a diversidade de plantas vasculares presentes em pequenas parcelas florestais num contexto paisagístico de agricultura intensiva no Noroeste de Portugal. Estes autores verificaram igualmente que florestas exibindo uma maior naturalidade relativa, como o caso dos pinhais neste estudo, são aquelas em que maiores níveis de diversidade de plantas vasculares são observados, e que estes decrescem nos povoamentos de eucalipto. 2.3.3 Florestas seminaturais Devido à sua posição intermédia no gradiente de naturalidade/gestão, as florestas seminaturais possuem características (composição, estrutura e função) que as colocam entre as florestas naturais e as formações antropogénicas. Na sua forma mais típica, estas florestas combinam tipicamente espécies arbóreas nativas e exóticas, estrutura complexa, biodiversidade mais ou menos elevada, e uma interessante capacidade reguladora dos processos ecológicos (Proença et al. 2010, Lomba et al. 2011). Num estudo recente sobre as “bouças” do Entre-Douro-e-Minho, Lomba et al. (2011) demonstraram que a substituição progressiva dos bosques seminaturais de pinheiro-bravo pelos povoamentos mais ou menos puros de 133 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 1 2 eucalipto se traduziu no aumento da área média das parcelas, acompanhado pelo decréscimo da complexidade espacial e estrutural das mesmas. De facto, a substituição gradual da espécie arbórea dominante, tendo sido acompanhada por alterações na forma como as parcelas florestais têm sido geridas, tem vindo a refletir-se em diversas mudanças ao nível da estrutura das parcelas florestais, como é o caso da tendência para o aumento da densidade da canópia e para a diminuição da cobertura das espécies de plantas nos estratos arbustivos e herbáceo. Os resultados obtidos por Lomba et al. (2011) permitiram igualmente verificar que os eucaliptais apresentam uma maior suscetibilidade à invasão por espécies exóticas, o que provavelmente estará relacionado com o facto de a sua resistência biótica ser limitada (devido ao menor número de espécies nativas na comunidade). Assim, a espécie florestal dominante (e as práticas de gestão associadas) tem vindo a confirmar-se como um fator determinante no que diz respeito à manutenção dos níveis de diversidade de plantas vasculares (incluindo riqueza específica e composição) em áreas sob práticas agrícolas intensivas, o que realça a importância da manutenção de parcelas florestais seminaturais, bem como a adoção de modelos de gestão florestal sustentável, como refúgios de diversidade ao nível da paisagem. As florestas seminaturais podem originar-se, pelo menos, de quatro formas distintas: (i) instalação original ou gradual de um povoamento misto de espécies nativas e exóticas, seguida de gestão facilitadora da complexificação da estrutura; (ii) abandono, ausência ou inadequada gestão de uma floresta antropogénica em que ocorre regeneração espontânea de espécies arbóreas nativas; (iii) simplificação da estrutura de uma floresta natural pré-existente, por intensificação da gestão; ou (iv) invasão de uma floresta natural ou antropogénica por uma ou mais espécies arbóreas exóticas com comportamento invasor, ocorrendo concomitantemente alteração da estrutura e da função. No contexto regional, são exemplos de florestas seminaturais: (i) os pinhais e eucaliptais abandonados ou com gestão desleixada, em que ocorre desenvolvimento abundante de espécies arbóreas autóctones e de sob-coberto arbustivo e herbáceo; (ii) os bidoais (bosques de Betula spp.) plantados e os castinçais (bosques de Castanea sativa), com gestão desleixada e desenvolvimento abundante de espécies nativas nos vários estratos; (iii) os carvalhais de Quercus pyrenaica geridos para a produção de lenha ou madeira; e (iv) os sobreirais abertos da Terra Quente transmontana, com estrutura modificada pelo pastoreio e gestão regular pelo fogo. Não existem estatísticas precisas da superfície ocupada por estes tipos de ecossistemas florestais na região, mas estima-se que terão uma distribuição localizada e bastante fragmentada, atendendo às opções de gestão predominantes que valorizam os povoamentos monoespecíficos. No entanto, a gestão extensiva a que são submetidas as florestas nativas nas áreas marginais e o processo de abandono a que estão sujeitas algumas destas áreas permitem admitir uma presença importante destas florestas nos territórios de planalto e montanha. 2.4 Clima, diversidade florestal e biogeografia regional Ainda que todas as espécies e tipos de ecossistemas respondam à heterogeneidade climática regional, esta secção apenas considera e analisa sobre a forma como essa diversidade 134 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 1 2 climática produziu no território uma variedade relacionável de florestas naturais (e de florestas seminaturais delas derivadas). No Norte de Portugal é possível observar padrões climáticos complexos, principalmente relacionados com os regimes de temperatura e de precipitação (ver adiante a Figura 7). Assim, atendendo aos valores médios anuais de temperatura e precipitação, é possível reconhecer na região territórios frios e territórios amenos a quentes, assim como territórios acentuadamente chuvosos e territórios mais ou menos secos. No que se refere aos contrastes anuais (i.e. sazonalidade) da temperatura, reconhecem-se climas oceânicos (nas áreas mais próximas do litoral) e climas continentais. Finalmente, a maior ou menor sazonalidade das precipitações permite reconhecer climas temperados, sub-mediterrânicos e mediterrânicos, a que correspondem ecossistemas florestais característicos (Figura 6). a) b) c) d) Figura 6 Florestas temperadas, sub-mediterrânicas e mediterrânicas no Norte de Portugal: (a) floresta temperada de bidoeiro; (b) floresta temperada de carvalhos; (c) floresta sub-mediterrânica de carvalho-alvarinho; (d) floresta mediterrânica de sobreiro com sob-coberto de zimbro. Estas variações climáticas tendem a dispor-se ao longo de um eixo primário este-oeste, relacionado com a distância ao oceano. Este eixo é localmente influenciado pela presença de massas de relevo, que originam variações altitudinais e acentuam as assimetrias regionais. Assim, as montanhas do Minho assinalam um extremo de variação, com os seus climas chuvosos, frescos a frios, temperados e oceânicos, sendo o outro extremo representado pelos vales encaixados da bacia superior do rio Douro, com os seus climas secos, mediterrânicos, amenos a quentes, e continentais. 135 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 1 2 2.4.1 Florestas temperadas de montanha e florestas sub-mediterrânicas Nos territórios mais chuvosos do Entre-Douro-e-Minho e das montanhas ocidentais, predominam as florestas de árvores caducifólias como o carvalho-alvarinho (Quercus robur) e, nas zonas montanhosas mais elevadas, o bidoeiro (Betula celtiberica). Estas florestas constituem as representações mais ocidentais do bioma temperado europeu, estendendo-se para sul até às montanhas siliciosas meridionais da região Centro (Lousã, Açor) e para este até ao alinhamento montanhoso Barroso-Marão-Montemuro-Estrela. As florestas de carvalho-alvarinho, tipicamente sub-mediterrânicas, apresentam uma considerável diversidade no território. Nas áreas menos elevadas do Entre-Douro-e-Minho, são ricas em elementos florísticos termófilos de carácter mediterrânico, como o sobreiro (Quercus suber), o medronheiro (Arbutus unedo) ou a gilbardeira (Ruscus aculeatus). Nestes territórios climáticos benignos, ocorrem pontualmente formações arbóreas naturais dominadas por espécies laurifólias, como o loureiro (Laurus nobilis), o azereiro (Prunus lusitanica) e o próprio medronheiro. Pelo contrário, nos territórios montanhosos são já o carvalho-negral (Q. pyrenaica), o bidoeiro (Betula celtiberica) e o arando (Vaccinium myrtillus) os elementos que mais frequentemente acompanham o carvalho-alvarinho. Nas maiores altitudes e em solos frescos a húmidos, geralmente sob clima temperado, o bidoeiro constitui-se como a espécie dominante, dando origem aos conhecidos bidoais das serras elevadas do Minho e do ocidente de Trás-os-Montes. 2.4.2 Florestas mediterrânicas As florestas mediterrânicas portuguesas possuem uma diversidade considerável para um território com dimensões reduzidas, incluindo formações dominadas por espécies perenifólias, que mantém o mesmo aspeto nas diversas estações do ano, e formações dominadas por árvores marcescentes, que renovam anualmente a folhagem mas em que esta persiste na árvore durante a maior parte da estação desfavorável. Ambos os tipos de florestas estão representados na região Norte, concretamente no vale médio e superior do Douro e nas serras e planaltos do Nordeste Transmontano. Assim, nos territórios menos chuvosos do Douro médio e superior e do planalto transmontano, são típicas as florestas de perenifólias, dominadas por sobreiros (Quercus suber) ou azinheiras (Q. rotundifolia) e com presença habitual de zimbros (Juniperus oxycedrus) e zambujeiros (Olea sylvestris) nas situações edafo-climáticas menos favoráveis. As florestas dominadas por estas espécies assinalam, na sequência indicada, um gradiente de mediterraneidade e continentalidade crescentes (de oeste para este), ao longo do já referido eixo primário de variação climática. Nos territórios mediterrânicos mais chuvosos de Trás-os-Montes, em particular nas serras do distrito de Bragança (Montesinho, Nogueira, Bornes, etc.) e do interior do distrito de Vila Real (Padrela), ocorrem florestas naturais dominadas pelo carvalho-negral (Q. pyrenaica), que apresenta no território um comportamento marcescente. Nos sobreirais do planalto transmontano, ocorre regularmente um outro carvalho marcescente, o pedamarro (Q. faginea), assinalando a transição entre os vales do Douro Superior e as montanhas transmontanas. 2.4.3 Clima, florestas e biogeografia regional A distribuição dos diversos tipos de florestas naturais no território, em função das suas características climáticas mais determinantes (regimes de temperatura e de precipitação; Figura 136 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 1 2 7), constitui a base para a zonagem macro-ecológica da região sob o conceito de Vegetação Natural Potencial (Costa et al. 1998, Aguiar 2001, Honrado 2003, Capelo et al. 2007). Esta zonagem assinala o domínio das florestas temperadas e sub-mediterrânicas a ocidente, e das florestas mediterrânicas na metade oriental do território (Figura 8a). Esta zonagem possui uma elevada afinidade com um conjunto alargado de características sócio-ecológicas a) b) Figura 7 Características principais do clima do Norte de Portugal. (a) Temperatura média anual. (b) Precipitação média anual. 137 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 1 2 regionais, como sejam os padrões de uso do solo, os sistemas de gestão da paisagem, os regimes de fogo e até a distribuição dos recursos genéticos agrícolas e pecuários. Esta síntese ecológica expressa-se na tipologia biogeográfica territorial (Costa et al. 1998), de base fitossociológica mas com um elevado valor heurístico para o estudo dos sistemas sócio-ecológicos e suas dinâmicas à escala regional (Figura 8b). a) b) Figura 8 Vegetação florestal potencial e biogeografia do Norte de Portugal. (a) Vegetação potencial natural (adaptado de Capelo et al. 2007). (b) Biogeografia regional, ao nível do setor (adaptado de Costa et al. 1998). 138 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 1 2 2.5 Topografia, gradientes edáficos e florestas na paisagem No contexto da paisagem, a topografia condiciona de forma muito significativa os processos e os padrões ecológicos, particularmente em territórios onde o terreno apresenta maior rugosidade e declives mais acentuados (Figura 9). De facto, por efeito da gravidade e devido ao arrastamento pelos agentes climáticos (chuva, vento), acumulam-se tipicamente na base das vertentes quantidades apreciáveis de sedimentos, nutrientes e água, dando origem a solos profundos, férteis e frescos a húmidos (Aguiar 2001, Honrado 2003). A base das vertentes assinala assim um extremo de variação de condições edáficas, em que se instala a vegetação dita “edafo-higrófila”. O topo das vertentes, com os seus solos delgados, pobres em nutrientes e em água, nos quais se instala a vegetação “edafo-xerófila”, constitui o outro extremo desse gradiente complexo. Entre estes dois extremos, ao longo da maior parte da vertente, estabelecem-se os solos intermédios, em que alguma perda de água é compensada por algum ganho proveniente da parte superior da vertente; nestes solos mésicos instala-se tipicamente uma vegetação dita “climatófila” por ocorrer nos solos onde a quantidade de água disponível é mais próxima do valor da precipitação local (Aguiar 2001, Honrado 2003). a) b) c) Figura 9 Diversidade dos ecossistemas florestais naturais do Norte do país em função dos gradientes locais relacionados com a topografia: (a) floresta climatófila de carvalho-alvarinho (ao fundo) em paisagem rural serrana; (b) floresta edafo-xerófila de azinheira e zambujeiro; (c) floresta edafo-higrófila (ripícola). 139 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 1 2 2.5.1 Florestas climatófilas e edafo-xerófilas As florestas climatófilas da região foram já sumariamente descritas em secção anterior, a propósito das florestas ditas “naturais” (ver 2.3.1). Trata-se em geral, de florestas dominadas por caducifólias (carvalho-alvarinho ou bidoeiro) nos territórios mais chuvosos e frescos do Noroeste, por espécies de folha marcescente (carvalho-negral) nas montanhas e planaltos mediterrânicos do Nordeste, e por espécies perenifólias (sobreiro, azinheira e/ou zimbro) nos vales de clima mediterrânico continental (Aguiar 2001, Honrado 2003). As formações arbóreas (frequentemente arbustivas) de carácter edafo-xerófilo são tipicamente dominadas por algumas das espécies anteriores. Observa-se, aliás, um padrão regional característico, que resulta do facto de as espécies dominantes das florestas climatófilas de um determinado território dominarem as florestas edafo-xerófilas dos territórios vizinhos menos chuvosos. Este padrão ocorre de forma mais típica no caso da azinheira (climatófila na Terra Quente transmontana, e edafo-xerófila no Douro Médio) e no caso do sobreiro (climatófilo na Terra Quente e no Douro Médio, e edafo-xerófilo nas serras do Noroeste). 2.5.2 Florestas edafo-higrófilas, ripícolas e paludícolas As florestas edafo-higrófilas regionais foram igualmente descritas, de forma sumária, na secção 2.3.1. Incluem-se neste grupo as florestas naturais características dos solos húmidos, pelo menos sazonalmente inundados, dos vales e bases das vertentes, dominadas pelo amieiro, pelo salgueiro-negro ou pelo freixo, com presença localizada de outras espécies como o lódão (Celtis australis), o ulmeiro ou negrilho (Ulmus minor), a aveleira (Corylus avellana), o choupo (Populus nigra) e diversas espécies de salgueiros arbustivos. As florestas ripícolas, características das margens dos cursos de água, são tipicamente dominadas pelo amieiro (cursos de água com caudal permanente), pelo salgueiro-negro (em situações perturbadas de cursos de água permanentes), por espécies laurifólias como o azereiro ou o loureiro (nas ribeiras torrenciais do Noroeste), ou pelo freixo (nas ribeiras temporárias do Nordeste). Pelo contrário, as florestas paludícolas ocorrem em ambientes lênticos, concretamente em solos submetidos a variações freáticas mas não a dessecação estival, e são tipicamente dominadas pelo amieiro (ou pelo salgueiro-negro, em situações perturbadas). À semelhança do padrão regional descrito para as florestas edafo-xerófilas, também no caso das florestas edafo-higrófilas se observa que as espécies dominantes das florestas climatófilas de um determinado território dominam as florestas edafo-higrófilas dos territórios vizinhos menos chuvosos. Este padrão ocorre pelo menos com o bidoeiro (climatófilo nas áreas cimeiras das serras do Minho, e edafo-higrófilo a ripícola nas áreas de altitude média a elevada) e com o freixo (edafo-higrófilo a ripícola no Nordeste, ocorre frequentemente em carvalhais no Noroeste). 3. Condição e valor ecológico das florestas do Norte de Portugal 3.1 Representação atual das florestas na região Uma abordagem sumária à condição atual das florestas do Norte de Portugal poderá relacionar-se com a distinta representação (e valor ecológico) dos diversos tipos de ecossistemas 140 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 1 2 florestais descritos na secção anterior. Essa condição resulta, portanto, do efeito conjugado da heterogeneidade climática do território, da sua complexidade topográfica às escalas regional e local, e das opções de gestão que condicionam a naturalidade e a estrutura dos povoamentos. No entanto, a análise da distribuição e da evolução das áreas florestais na região encontra-se limitada pela qualidade temática, espacial e temporal das bases estatísticas e geográficas disponíveis. A extensão temporal e a baixa frequência das observações nas séries temporais, assim como a multiplicidade de propósitos, conceitos e metodologias, dificultam a análise comparativa entre datas e produtos, na análise de estado e de tendências. Neste sentido, considerando a adequação temática e o ajustamento espacial que resulta dos protocolos e trabalho de campo, exploram-se nesta secção os dados recolhidos pelo 5º Inventário Florestal Nacional (IFN) de 2005 (AFN 2010). No contexto regional, o pinheiro-bravo e o eucalipto são as espécies que ocupam mais área nos espaços florestais (aproximadamente 2/3 da área total de povoamentos florestais na região; Figuras 10 e 11; AFN 2010). Este facto traduz-se num claro predomínio das florestas antropogénicas, vocacionadas para a produção de madeira ou pasta de celulose para fabrico de papel. Tratar-se-á, em geral, de ecossistemas simplificados em termos estruturais e composicionais, submetidos a gestão (“perturbação”) mais ou menos regular, e portanto com menor valor ecológico global (ver secção anterior). Essa simplificação estrutural e composicional pode, no entanto, ser bastante distinta entre os diversos tipos de povoamento, em função do regime de perturbação específico praticado em cada caso. Os mapas das Figuras 10 e 11 permitem identificar uma realidade florestal ainda assim bastante complexa no contexto da região, com presença muito variável de espaços arborizados. O eucalipto e o pinheiro-bravo predominam nas áreas menos elevadas da região, exceto no vale superior do rio Douro. Os carvalhos e os castanheiros tornam-se proporcionalmente mais abundantes nas áreas montanhosas. No entanto, as florestas dominadas por espécies nativas ocupam, na atualidade, áreas totais bastante menores no contexto regional (Figuras 12 e 13; AFN 2010). Ainda assim, os carvalhais ocuparão uma superfície total de aproximadamente 90 000 hectares (representando, no entanto, apenas uma pequena parte do seu domínio potencial na região; ver Figura 8), predominantemente nas áreas montanhosas do Minho (principalmente carvalho-alvarinho) e de Trás-os-Montes (maioritariamente carvalhonegral). É possível, no entanto, que as estatísticas do IFN subestimem a área ocupada por alguns tipos florestais, em particular no caso das novas arborizações e em áreas submetidas a abandono mais ou menos recente das práticas agrícolas e silvo-pastoris. Trata-se, neste caso, de florestas naturais ou seminaturais, com origem em processos sucessionais na ausência de perturbação significativa. Sem surpresa, uma parte significativa destes povoamentos encontrase no interior de áreas com estatuto de proteção, como o Parque Nacional da Peneda-Gerês, o Parque Natural de Montesinho e grande parte das áreas montanhosas enquadradas na Rede Natura 2000 (ver capitulo II.2). 141 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 1 2 a) b) Figura 10 As florestas regionais segundo o IFN 2005: (a) percentagem de área florestal por município; (b) espécies predominantes por município (apenas espécies com ocupação superior a 5%) (AFN 2010). 142 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 1 2 a) b) Figura 11 As florestas regionais segundo o IFN 2005: (a) percentagem da área ocupada pelo pinheiro-bravo por município; (b) percentagem da área ocupada pelo eucalipto por município (AFN 2010). 143 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 1 2 a) b) Figura 12 As florestas nativas na região, segundo o IFN 2005: (a) espécie nativa predominante por município; (b) percentagem da área ocupada pelos carvalhos por município (AFN 2010). 144 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 1 2 a) b) Figura 13 As florestas nativas na região, segundo o IFN 2005: (a) percentagem da área ocupada pelo sobreiro por município; (b) percentagem da área ocupada pela azinheira por município (AFN 2010). 145 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 1 2 Os Querci perenifólios (sobreiro e azinheira) devem ocupar atualmente na região uma área consideravelmente menor (inferior, no conjunto, a 20 000 hectares; Figura 13), bem inferior ao seu domínio potencial na região (ver Figura 8). Trata-se, em geral, de ecossistemas florestais de elevado valor para a conservação da biodiversidade (ver capítulo II.2) e de grande importância para a regulação dos processos ecológicos de suporte à provisão de serviços ecossistémicos, nomeadamente os que mais se relacionam com o ciclo hidrológico (ver capítulo II.3) e com importantes atividades económicas como a extração de cortiça e a produção animal (pastoreio). Excluindo a legislação específica que regula o abate das espécies dominantes, a maior parte destas florestas não se encontra no interior de áreas classificadas, e algumas das suas principais representações atuais situam-se na área de influência dos grandes empreendimentos hidroelétricos em construção na região duriense. É bem mais difícil estimar com alguma precisão a área atualmente ocupada pelas florestas edafo-higrófilas na região, uma vez que as suas parcelas ocupam em geral pequenas áreas, possuem natureza linear e são habitualmente incluídas, para fins estatísticos, em grupos bastante heterogéneos (e.g. “outras folhosas” nas estatísticas do IFN e das diversas cartografias de ocupação do solo). Estes ecossistemas encontram-se historicamente submetidos a pressão humana direta ou indireta, pelo que a sua condição ecológica será genericamente má a razoável. No entanto, o facto de se incluírem atualmente neste grupo diversos tipos de habitats com estatuto de proteção ao nível de importantes Diretivas Comunitárias (Diretiva Habitats e Diretiva-Quadro da Água), aliado ao tratamento generalizado de águas residuais e a processos localizados de restauro ecológico, augura perspetivas positivas de evolução futura da condição destas florestas na região. Quadro 2 Área ocupada (em hectares) pelas principais espécies florestais do Norte de Portugal por Região PROF em povoamentos florestais (AFN/IFN 2010). Região PROF Pinheiro Eucalipto bravo Sobreiro Azinheira Carvalhos Castanheiro Acácias Outras folhosas Outras resinosas Alto Minho 28033 18882 - - 12128 175 125 2876 1442 Baixo Minho 33721 28486 26 25 6452 299 50 5211 108 - - - - - - - - - Tâmega 40480 25075 112 22 7481 76 175 7157 266 AMP e Entre Douro e Vouga 14348 43266 - - 643 - 25 3260 25 Barroso e Padrela 48629 2100 1343 385 9166 3838 - 3956 753 Nordeste 43199 6461 6778 2744 40298 18452 25 6733 14834 Douro 50864 3939 3676 3837 15434 3393 - 4041 1881 259274 128209 11935 7013 91602 26233 400 33234 19309 44,92 22,21 2,07 1,21 15,87 4,54 0,07 5,76 3,35 Sousa e Ribadouro Total % 146 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 1 2 3.2 Funções, serviços e riscos 3.2.1Funções e serviços da floresta no contexto regional: um breve retrato da situação atual Os Planos Regionais de Ordenamento Florestal (PROFs) são instrumentos setoriais de gestão territorial que estabelecem as normas de intervenção sobre a ocupação e a utilização dos espaços florestais, e visam enquadrar e estabelecer normas específicas de uso, ocupação, utilização e ordenamento florestal, de forma a promover e garantir a produção de bens e serviços e o desenvolvimento sustentado destes espaços, encontrando-se previstos na Lei de Bases da Política Florestal (Lei n.º 33/96 de 17 de Agosto) e regulados pelo Decreto-Lei n.º 204/99 de 9 de Junho. Os PROFs constituem assim um instrumento de concretização da política florestal que tenta responder às orientações fornecidas por outros níveis de planeamento e decisão política, nomeadamente os constantes da Lei de Bases da Política Florestal, da Estratégia Nacional para as Florestas e da Estratégia Europeia para as Florestas, procurando também a articulação com instrumentos e políticas de outros setores. Os PROFs pretendem fornecer o enquadramento técnico e institucional apropriado para a minimização dos conflitos relacionados com categorias de usos do solo e modelos silvícolas concorrentes para o mesmo território. Por outro lado, a sua relevância também reside no facto de alguns aspectos do setor florestal nacional necessitarem ser abordados numa perspetiva regional. Com um período de vigência de 20 anos, os Planos são relativamente dinâmicos e flexíveis, incorporando com facilidade as alterações produzidas nos processos de revisão. Além disso, apresentam uma abordagem multifuncional, isto é, integram as funções de: (i) produção; (ii) proteção; (iii) conservação de habitats, fauna e flora; (iv) silvopastorícia, caça e pesca em águas interiores; e (v) recreio e enquadramento paisagístico (Decreto Regulamentar n.º 2/2007 de 17 de Janeiro), definindo hierarquizações de prioridade para cada uma destas funções nas regiões abrangidas pelos vários PROFs. Numa perspetiva regional, e considerando o Norte do país, o normativo resultante destas medidas e recomendações vertidas nos vários Planos, no que se refere à primeira função prioritária definida para cada uma das várias sub-regiões homogéneas, resulta numa clara predominância das funções de produção (abrangendo cerca de 30% da região) na sua vertente Noroeste, coincidindo com a maioria das áreas atualmente ocupadas por florestas de produção (nomeadamente eucaliptais para produção de pasta de papel); e de proteção (perfazendo aproximadamente 30% da região), com alguma preponderância no Nordeste Transmontano e no Alto Minho (Figura 14a). Apesar de a função de produção estar praticamente ausente da região do Nordeste Transmontano, na realidade esta tem sido nas últimas décadas uma das regiões com maior taxa de novas plantações florestais tendo como principal objetivo a produção de material lenhoso de qualidade e de cortiça, dois produtos florestais por excelência. A função de conservação está também relativamente bem representada na região, com 19% da área reservada prioritariamente a esta função de planeamento do território nos seus espaços florestais. Existe uma clara correspondência (e em alguns casos mesmo sobreposição) entre a atual rede nacional de áreas protegidas e as zonas recomendadas como de interesse prioritário para a conservação de habitats, fauna e flora. A silvopastorícia, caça e pesca das águas interiores está também contemplada como funcionalidade prioritária no ordenamento florestal no Norte do país em aproximadamente 147 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 1 2 a) b) Figura 14 Zonagem regional das funções prioritárias nas sub-regiões homogéneas dos PROFs: (a) primeira função prioritária; (b) segunda função prioritária. 148 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 1 2 14% da região. As zonas recomendadas como primeira prioridade para recreio e enquadramento paisagístico representam 7% da região e correspondem na sua quase totalidade à região do Douro vinhateiro, Património da Humanidade, e à área envolvente do Grande Porto. Analisando a segunda função prioritária definida para as mesmas sub-regiões homogéneas, o padrão de distribuição espacial das funcionalidades dos espaços florestais difere (Figura 14b). De facto, considerando esta segunda funcionalidade da linha hierárquica das recomendações dos PROFs, a função de silvopastorícia, caça e pesca assume algum protagonismo, fazendo jus ao facto de, por exemplo, a região do Nordeste Transmontano possuir a única Zona de Caça Nacional da região Norte (Lombada, no concelho de Bragança), apresentando óptimas condições para a prática de atividades cinegéticas, inclusive de caça maior como o javali ou o veado. Compreende-se assim a importância crescente da multifuncionalidade associada aos espaços florestais, refletindo-se no seu uso e fruição por parte das populações e influenciando de uma forma claramente positiva a gestão florestal da região, contribuindo desta forma para a sua sustentabilidade. Os serviços de ecossistema providenciados pela floresta (ou seja, os benefícios que a sociedade obtém dos ecossistemas florestais) podem, de acordo com a tipologia proposta pelo “Millennium Ecosystem Assessment”, ser categorizados em quatro grupos, nomeadamente serviços de produção, serviços de regulação, serviços de suporte e serviços culturais (MA 2003). Todos estes tipos de serviços geram, de alguma forma, benefícios que são importantes para assegurar o bem-estar humano. No entanto, nem sempre é possível conciliar num mesmo local todos os serviços que o ecossistema florestal pode fornecer. Assim, à escala da parcela florestal pode ser muito difícil, por exemplo, conciliar produção de madeira de forma intensiva e conservação da biodiversidade. Deste modo, a distribuição e a localização das florestas na paisagem da região Norte é um fator chave na definição dos mais importantes serviços potenciais (ver capítulo II.3 do presente livro). Os diferentes tipos de floresta no Norte (descritos em secções anteriores deste capítulo) possuem diferentes níveis de capacidade de assegurar estes serviços (Quadro 3). Por exemplo, enquanto as florestas ripícolas estarão obviamente mais associadas ao controle da erosão do solo nas margens dos cursos de água, as florestas antropógénicas (que no Norte são de principalmente de eucalipto e pinheiro-bravo) estão mais vinculadas a alguns serviços de produção. Também relevante é o facto de estar demonstrado que no Norte de Portugal ocorrem níveis mais elevados de biodiversidade em carvalhais do que em pinhais ou, principalmente, eucaliptais (Proença et al. 2010, Lomba et al. 2011). 149 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 1 2 Quadro 3 Capacidade de provisão potencial de serviços de ecossistema pelas florestas do Norte, organizadas em função da tipologia descrita na secção 2 do presente capítulo. Serviços de Ecossistema Florestal SUPORTE PRODUÇÃO REGULAÇÃO CULTURAIS +++ +/++ +++ +++ + +++ ++ + ++ ++ ++ +++ Florestas temperadas de montanha e florestas sub-mediterrânicas +++ +/++ +++ ++ Florestas mediterrânicas +++ ++ ++ ++/+++ Florestas climatófilas e edafo-xerófilas ++/+++ +/++ +/++ ++ Florestas edafo-higrófilas, ripícolas e paludícolas ++/+++ +/++ +++ ++ NATURALIDADE Florestas naturais Florestas antropogénicas Florestas seminaturais FLORESTAS NATURAIS (CLIMA) FLORESTAS NATURAIS (TOPOGRAFIA) + boa / ++ muito boa / +++ excelente capacidade potencial para assegurar o serviço As florestas do Norte de Portugal fornecem um conjunto diversificados de serviços, não apenas no local onde cada floresta está localizada (“no local”), mas também em zonas distantes das áreas florestais. Por exemplo, a redução dos riscos de cheias ocorre em locais localizados a jusante das áreas florestais ao longo de uma bacia hidrográfica (“direcional”). Ainda outros benefícios podem ser produzidos e os benefícios gerados em todas as direções (“omnidirecional”), são exemplo serviços como o sequestro de carbono ou a polinização. O Quadro 4 lista alguns dos tipos de serviços dos ecossistemas florestais (de suporte, de produção, de regulação e culturais) no Norte de Portugal de acordo com a distribuição dos benefícios destes na paisagem. Quadro 4 Serviços de ecossistema mais relevantes das florestas do Norte, organizados em função da sua direcionalidade. Serviços de Ecossistema Florestal No Local Suporte Produção Regulação Culturais Produtividade primária (e produtos florestais dela dependentes)1 Biomassa Controlo do clima local Bem estar espiritual Cogumelos silvestres Controlo da propagação do ruído Apreciação estética, recreio e lazer Outros produtos vegetais e animais (ver Quadro 1) Redução da poluição do ar Redução dos custos em tratamento de efluentes Direcional Regulação e purificação da água Mitigação de riscos (erosão do solo, cheias) Omnidirecional Biodiversidade Polinização Sequestro de carbono Recreio e lazer Identidade das comunidades locais 1 No capítulo II.3 do presente livro, a produtividade primária foi considerada como um indicador da provisão potencial de serviços de produção. 150 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 1 2 Pode dizer-se que, no contexto regional, as florestas têm tido, até à atualidade, a capacidade de assegurar uma multiplicidade de serviços de ecossistema (Figura 15; ver capítulo II.3 do presente livro). A análise do potencial de provisão de serviços de produção revelou, em geral, um alto nível de produtividade das florestas da região, principalmente nas regiões PROF do Alto e Baixo Minho e também no Tâmega. Na análise da condição dos serviços de regulação, foi salientada a heterogeneidade da capacidade de provisão dos serviços de regulação e purificação da água nas regiões do Minho e Trás-os-Montes, assim como o importante papel das florestas regionais na fixação de carbono. No que respeita aos serviços culturais, ainda que demonstrada a elevada “capacidade” potencial das paisagens do Norte para satisfazer diferentes procuras sociais, foi também realçado que diferentes tipos de floresta podem satisfazer, de modo diferente, públicos distintos. a) b) Figura 15 Alguns dos principais serviços das florestas no contexto regional: (a) produção de pasta de celulose, a partir de povoamentos antropogénicos de eucalipto, para fabrico de papel; as espécies invasoras (como a acácia-mimosa, em primeiro plano) constituem uma das principais ameaças à provisão desse e de outros serviços pelas florestas; (b) regulação dos ciclos hidrológico e dos nutrientes, provisão de água potável, fornecimento de habitat para a biodiversidade, lazer e pesca desportiva, num ecossistema fluvial marginado por florestas ripícolas. 151 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 1 2 3.2.2 Florestas e riscos naturais: exposição e vulnerabilidade atuais As áreas e as atividades florestais encontram-se expostas a processos promotores de riscos ambientais e antrópicos, e a eventos potencialmente indutores de degradação da quantidade e da qualidade dos recursos e funções presentes. A nível global, sobressaem as alterações climáticas e a globalização dos mercados, sendo que estas duas realidades originam processos integrados de natureza ecológica e/ou socioeconómica, com influência na natureza e na dimensão potencial dos riscos económicos e ambientais. Ao nível dos riscos económicos, as áreas e os produtos florestais da região Norte encontram-se sob: (i) a concorrência de produtos proveniente de regiões mundiais com menores custos de exploração e transformação a partir de florestas naturais e mão-de-obra barata, a que acresce o aumento de facilidade de transporte; (ii) as exigências e requisitos ambientais crescentes, com impacte sobre os requisitos e custos dos meios e das próprias operações florestais; (iii) o aumento de produtos e soluções alternativas ao uso de produtos lenhosos para diferentes aplicações em termos industriais; (iv) os acordos de comércio entre os blocos económicos à escala global, que facilitam as importações de materiais lenhosos e de outros produtos florestais; mas também (v) da instabilidade de oferta e procura como resultado da dependência de situações políticas ou de eventos de natureza catastrófica (FAO 2009). Esta realidade atual e potencial de pressão sobre a rentabilidade das atividades são sentidas e percecionadas a nível local, influenciando as opções dos agentes económicos do setor e consequentemente as práticas de exploração e as dinâmicas de abandono das atividades produtivas e da propriedade. Apesar deste padrão comum, na região Norte de Portugal observa-se uma forte diferenciação espacial das condições e da resposta das atividades humanas ao nível: (i) do considerável e aparente absentismo crescente sobre as atividades agro-florestais (Mendes 2005); (ii) do aumento da interface entre o rural e o urbano; (iii) do uso recorrente e aleatório dos espaços florestais por parte da população urbana e dos diversos agentes económicos; e (iv) da diminuição da área agrícola e das atividades silvo-pastoris. Estes factos, a que acrescem (i) a acumulação de biomassa no espaço agro-florestal; (ii) o uso de natureza aleatória, muitas vezes por parte de utilizadores de génese externa ao meio ou com expectativas sobre o espaço; mas também (iii) o afastamento físico dos proprietários com os espaços de produção; contribuem para o avanço dos riscos ambientais nos espaços florestais, em particular dos problemas que originam suscetibilidade desses espaços aos incêndios florestais. Numa perspetiva de avaliação multirrisco, o aumento da probabilidade/severidade e do número de incêndios (Figura 16), e, consequentemente, de área ardida (Carvalho et al. 2011) origina uma maior exposição a outros fatores de risco, em particular às movimentações de massa e à erosão hídrica superficial na relação com os regimes hidrológicos, e na facilitação dos processos de invasão biológica por espécies oportunistas, adaptadas aos locais e momentos de perturbação (Vicente et al. 2010, Moreira et al. 2011, Seidl et al. 2011). Em simultâneo, ocorrem importantes perdas de material lenhoso e do respetivo valor de mercado, assim como de outros recursos (ex. genéticos, biodiversidade, solos), de elementos e património humano, com encargos, necessidades e impactes diretos para a sociedade e as comunidades locais (ex. recuperação do meio, proteção e segurança civil). A densidade 152 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 1 2 urbana e as dinâmicas demográficas constituem importantes determinantes destes múltiplos riscos e fatores de degradação ecológica e ambiental (Figura 17). a) b) b) Figura 16 Os incêndios no Norte de Portugal: (a) risco de incêndio florestal estrutural; (b) recorrência de incêndios (nº incêndios no período 1990-2009). 153 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 1 2 a) b) Figura 17 Fatores determinantes dos incêndios: (a) representação de área urbana por área total por freguesia (%) (com base no Corine Land Cover 2006); (b) variação da população residente na região Norte por freguesia (%) (19912001). 154 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 1 2 As alterações climáticas e os eventos atmosféricos extremos resultam em consequências como a desflorestação por chuvas ácidas e o aumento das avalanches ou dos incêndios florestais extensos e severos. Estes processos, com expressão às escalas nacional, regional ou local, favorecem situações de stress ambiental com desequilíbrios no solo, incluindo o aumento da taxa de mineralização da matéria orgânica e consequentemente de alterações físico-químicas e biológicas com influência em termos da disponibilidade sazonal, inter- e intraanual de água para as plantas, da nutrição vegetal e ao nível da sanidade vegetal. A este nível observam-se problemas de dimensão crescente e de natureza difusa, e claras necessidades de conhecimento, em que se destacam a atenção atual sobre temas como os problemas de sanitários no castanheiro, a diminuição do vigor e o declínio das áreas de sobreiros, e dos impactes do pulgão (Altica quercetorum) nos carvalhos (Ana e Lombardero 1996). Em espaços com menos água no solo, em stress hídrico prolongado e intenso e com deficiências nutritivas contínuas, as plantas tornam-se mais vulneráveis. A diminuição da resiliência do meio promove os agentes facilitadores e verifica o avanço de diversas pragas e doenças, como sejam o nemátodo do pinheiro, o cancro resinoso do pinheiro e o gorgulho do eucalipto (Branco et al. 2008). Em simultâneo, estas condições e os processos adaptativos dos povoamentos e das espécies florestais exóticas às condições locais, assim como a extensão das áreas e a simplificação associadas às plantações florestais, promovem o aparecimento de espécies com o carácter de praga e doença florestal, e o aparecimento e expansão das invasoras lenhosas (Vicente et al. 2010, 2011; ver capítulo III.3 do presente livro). Os contextos socioeconómicos, em particular do funcionamento dos mercados, a perceção e a capacidade de compreender e atuar dos diversos agentes à escala local, assim como as mudanças intensas e extensas das condições ambientais, influenciam a suscetibilidade e a gestão dos riscos bióticos e abióticos e também os eventos de natureza catastrófica degradadores dos ecossistemas e do património florestal. Estes processos ambientais negativos para a atividade florestal, como sejam os incêndios, a invasão biológica, as pragas e as doenças, constituem-se como um dos principais motivos de retração do investimento privado na arborização e na gestão florestal, com consequências diretas para a competitividade e a sustentabilidade das áreas agro-florestais. Esta realidade inclui a diminuição da viabilidade económica das atividades florestais (a que não é estranha a pequena dimensão média da propriedade), a desvitalização social dos territórios florestais locais associada ao aumento dos riscos, dos episódios e dos processos que originam perda de material lenhoso e não lenhoso, afetam a qualidade ambiental e os serviços prestados. Atualmente importa, portanto considerar e desenvolver novos modelos de exploração e gestão florestal sustentável que incluam a realidade natural e social e as vantagens da diversidade estrutural e funcional ao nível da produção e conservação. 155 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 1 2 4. Dinâmicas, tendências e perspetivas 4.1 Dinâmicas recentes 4.1.1 Tendências recentes de evolução dos espaços florestais A heterogeneidade das condições naturais na região Norte relaciona-se com as dinâmicas populacionais e económicas destas últimas décadas, e com o aumento das diferenças históricas da densidade, vitalidade e funcionamento social e económico entre o Litoral e o Interior, entre as pequenas centralidades regionais, as periferias e os territórios marginais. A nível regional e nestas últimas décadas, destacam-se como principais promotores e dinâmicas de ocupação e uso do solo: (i) o reforço das infraestruturas socioeducativas nas centralidades regionais, em particular ao nível da mobilidade, acessibilidade e comunicação inter-regional e transfronteiriça; (ii) o aumento considerável das áreas urbanas, mesmo em territórios que perderam população; (iii) a diminuição acentuada da área agrícola em simultâneo a processos de especialização; (iv) aumento da quantidade e da diversidade da exploração de fontes e dos recursos energéticos (energia hídrica e eólica); e, em simultâneo, (v) as opções, as dinâmicas e as condicionantes publicas e privadas de uso, resultantes dos instrumentos de desenvolvimento e de gestão territorial em que se inclui a conservação da natureza com base em áreas e redes de espaços protegidos e classificados. No conjunto, verifica-se um afastamento dos estados e das tendências da realidade territorial das paisagens (peri-)urbanas densas do litoral e das centralidades em relação aos espaços de interior, de altitude e/ou com posição geográfica marginal. Nestes últimas áreas, destacamse os efeitos do abandono das atividades e dos espaços agro-florestais, da diminuição da iniciativa pública e privada, e da perda e do envelhecimento populacional (PROT-N 2009). Ao nível regional, estas diferenças e a intensidade das mudanças operadas nas últimas décadas influenciam a relação das populações e sociedade com os espaços e atividades florestais e consequentemente com os padrões de uso do solo, em particular das áreas florestais. Apesar da heterogeneidade de propósitos, conceitos, metodologias e escalas de avaliação, a análise para estas últimas décadas (1990-2010) dos dados provenientes dos instrumentos de monitorização do uso do solo – Carta de Ocupação do Solo (COS) e Corine Land Cover (CLC) – e das áreas e do património florestal (4º e 5º inventários florestais nacionais; AFN 2010) permite compreender os padrões espaciais e as tendências de evolução das espécies e áreas florestais, aparentemente divergentes no contexto regional (Quadro 5 e Figuras 18 a 20). A região apresenta uma extensa área de uso florestal (680 660 hectares de uso florestal), 32% da sua área total, em que 577 000 hectares são ocupados por povoamentos florestais (AFN, 2010), valor consideravelmente inferior ao potencial de arborização em espaços de floresta degradada e em espaços de matos com histórico ou aptidão para floresta. Por outro lado, verifica-se a representação limitada de florestas naturais, sendo que o atual património florestal regional cultivado resulta da florestação em diferentes fases: (i) da expansão e do adensamento da área de sobreiro, em particular no Nordeste Transmontano, durante os séculos XIX e XX; (ii) da florestação com resinosas, principalmente com pinheiro-bravo, nas áreas comunitárias e públicas de altitude, de forma transversal a toda a região e em particular no quadro do Plano de Povoamento Florestal, coincidente principalmente com as áreas sob 156 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 1 2 regime florestal; (iii) da plantação maciça e intensa de eucaliptos nas frentes de maior influência atlântica, de forma marcada nos anos 1980, para suporte à indústria do papel, com algumas experiências de grandes manchas contínuas nas zonas interiores, promovidos de forma (in)direta pelas grandes empresas de celulose nacionais; assim como (iv) pela florestação de terras agrícolas e de pastagem em terrenos privados a partir do final da década de 1960, com o Fundo de Fomento Florestal (1964), continuada nas décadas seguintes (mesmo em áreas de matos) mas muito ampliada partir de 1992 pelo Reg. 2080/CEE, com destaque para as áreas de altitude e planaltos em toda a região transmontana. Quadro 5 Área ocupada (em hectares) pelas principais espécies florestais do Norte de Portugal por Região PROF em povoamentos florestais (AFN/IFN 1995). Região PROF Pinheiro Eucalipto bravo Sobreiro Azinheira Carvalhos Castanheiro Acácias Outras folhosas Outras resinosas Alto Minho 37669 14352 0 0 2085 70 - 16672 837 Baixo Minho 45595 49762 0 0 8410 613 - 11484 2313 Sousa e Ribadouro 19581 28245 0 0 3808 644 - 8164 406 Tâmega - - - - - - - - - AMP e Entre Douro e Vouga 29977 38376 0 0 675 0 - 3829 140 Barroso e Padrela 44631 1771 756 408 21894 6886 - 2669 4603 Nordeste 21548 6471 14277 10306 16918 18468 - 9517 11396 Douro 46617 4167 6280 9661 7640 7104 - 3974 1586 245618 143144 21313 20375 61430 33785 - 56309 21281 40,71545 23,72861 3,533 3,37751 10,18309 5,600451 - 9,334195 3,527696 Total % Nestas ultimas décadas, as estatísticas e os indicadores produzidos permitem explicitar uma perda de área e da qualidade dos povoamentos e do património florestal, assim como alterações em termos de composição, estrutura e funcionamento das áreas florestais, indiciadas: (i) pela diminuição acentuada das áreas de pinhal e de outras resinosas, em particular nos espaços arborizados durante as décadas de 1950 e 1960, quer por corte quer por incêndio florestal; (ii) por um acréscimo considerável de áreas de folhosas exóticas, em particular de eucalipto nas zonas de maior influência atlântica; (iii) pelo aumento de folhosas nas áreas interiores de planalto e de altitude através da arborização de áreas agrícolas, em particular em espaços de ocupação tradicionalmente cerealífera, ou pontualmente em espaços de antigas pastagens de sequeiro; e (iv) pelos percursos difusos de regeneração dos espaços/florestas de folhosas autóctones, em particular quercíneas, em espaços de altitude ou áreas agrícolas de vale abandonadas ou uso expectante. 157 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 1 2 a) b) b) Figura 18 Distribuição percentual dos espaços florestais (a) e agrícolas (b) no Norte de Portugal, ao nível da freguesia, com base no CLC2006. 158 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 1 2 a) b) Figura 19 Dinâmicas recentes da paisagem no Norte de Portugal, por área total da freguesia (%) (1990-2006) e com base no CLC2006: (a) variação da área florestal; (b) variação da área agrícola. 159 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 1 2 a) b) Figura 20 Dinâmicas recentes da floresta na paisagem no Norte de Portugal, por área total da freguesia (%) (1990-2006) e com base no CLC2006: (a) variação da área de resinosas; (b) variação da área de folhosas. Em simultâneo, a análise da diferenciação espacial (Quadro 3) e da evolução temporal dos espaços florestais na região indicam tendências de aumento: (i) dos povoamentos de composição mista e estrutura complexa, com acréscimos dos custos e da complexidade técnica na gestão florestal orientada para a produção lenhosa (Felton et al. 2010); (ii) de áreas de estados e indicadores de sucessão e evolução de espaços agrícolas e florestais para matos, e como tal de fortes e intensas dinâmicas de mudança; e (iii) das áreas de rocha nua e com vegetação esparsa, como síntese e resultado dos processos degradadores ao nível da relação solo/água/clima, com potenciais reflexos sobre o potencial produtivo, a qualidade e os riscos ambientais destes espaços. 160 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 1 2 4.1.2 Estudo de caso: dinâmicas das florestas autóctones no Alto Minho Os ganhos ambientais (e potencialmente económicos) com a recuperação das espécies e dos ecossistemas florestais autóctones podem acontecer por arborização ou por recuperação das espécies e áreas de florestas autóctones, particularmente em áreas de menor densidade demográfica e com maior abandono populacional e das atividades agro-florestais. Em virtude da disponibilidade de séries temporais estatísticas e cartográficas, estes processos da evolução do uso do solo podem ser avaliados à escala local no Alto Minho (Figura 21), espaço coincidente com o território nacional das bacias dos rios Minho e Lima e grande parte da bacia do rio Cávado. A análise das dinâmicas ocorridas nesta região entre 1990 e 2000 tem por base os dados estatísticos da Economia e da População (Censos da População e Recenseamento Gerais da Agricultura) e de ocupação e uso do solo (COS 1990, 2000, AFN 2010). No Alto Minho, a amenidade e produtividade dos espaços costeiros e de vale favoreceu a instalação da população e consequentemente o reforço da presença, densidade e atividade humana, incluindo as atividades agrícolas. Nas áreas mais elevadas e interiores, as condições climáticas de maior amplitude e os elevados declives contribuíram para espaços de menor produtividade primária média e de maior heterogeneidade espacial das condições naturais. Estes factos exigiram (e contribuíram para) o desenvolvimento de estratégias de exploração e adaptação humana ao nível da gestão da água, da formação de antrossolos e da extensificação da produção agro-silvo-pastoril, mas também para a desvitalização social (perda populacional e envelhecimento) nestas ultimas décadas. As condições naturais, mas principalmente a atração das maiores centralidades regionais, da empregabilidade nos serviços e indústria, as mudanças internas às comunidades, nas quais se inclui a florestação dos baldios nos anos 1940, 1950 e 1960, determinou a perda populacional em espaços interiores e de altitude, maioritariamente de uso e aptidão florestais. A análise dos dados recolhidos revela que, durante a década de 1990 e a nível regional, além do aumento considerável das áreas urbanas, ocorreu uma diminuição da área agrícola e florestal, apesar da manutenção da forte identidade e matriz rural. A diminuição do número e a especialização crescente das unidades agro-florestais na zona de vale foi acompanhada pela considerável diminuição, e mesmo abandono, das atividades agrárias nas zonas de montanha, o que favoreceu a acumulação de biomassa e, consequentemente, a recorrência e a extensão de eventos de natureza catastrófica (Carmo et al. 2011), com perda potencial de património material e imaterial. 161 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 1 2 Figura 21 Dinâmicas da paisagem e recuperação de florestas autóctones de quercíneas no Alto Minho: (a) localização e altimetria da região do Alto Minho; (b) variação da população residente (%) (1991-2011) e área ardida (1990-2010); (c) distribuição da área agrícola e florestal (2000); (d) perdas de áreas agrícolas (para espaços artificiais, seminaturais e áreas florestais) e ganhos de florestas autóctones de quercíneas (1990-2000). No Alto Minho, e durante a década de 1990, verificou-se uma perda líquida de área florestal (de 129 000 hectares, ou 37,7% da área total, para 101 650 hectares, ou 29,3%), com um saldo negativo de 27 350 hectares, muito devido à diminuição acentuadas das áreas de pinhal, de outras resinosas e, em menor dimensão, de folhosas, em sentido inverso ao aumento considerável das áreas de eucalipto e dos espaços de rocha nua e vegetação esparsa nas regiões de maior altitude. Esta evolução corresponde a um aumento da complexidade das paisagens florestais de altitude, explícito no incremento do número de manchas/elementos, das classes mistas e da própria configuração das unidades de uso do solo. No total, esta dinâmica resultou do balanço entre uma perda de 44 660 hectares de floresta, por corte final ou em áreas ardidas, e um ganho de 17310 hectares de novas áreas, em particular associadas à plantação/ regeneração do eucalipto ou recuperação de espaços com vegetação autóctone de folhosas. As transições envolvendo áreas com/de floresta nativa de quercíneas e uma qualquer classe não florestal indicam uma diminuição de 5643 hectares de quercíneas (12,6% das 162 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 1 2 perdas totais de floresta) e um aumento de 3884 hectares (20,50% dos ganhos totais de floresta), numa perda líquida de 1700 hectares (0,51% da área territorial). As perdas de quercíneas associam-se aos padrões de incêndios florestais, de arborização por outras espécies, de invasão por exóticas lenhosas e mesmo de aumento das áreas agrícolas. A recuperação das áreas ocupadas maioritariamente por quercíneas acontece principalmente no interior e em torno das áreas agrícolas em abandono localizadas nos vales e encostas de altitude onde existem as condições: (i) de proximidade às fontes de dispersão de bolota ou regeneração vegetativa por toiça (Capelo e Catry 2007); (ii) de condições de fertilidade físico-química e humidade médias no solo suficientes para crescimentos coerentes com uma regeneração rápida; e (iii) de estabilidade e baixa recorrência de perturbações, em particular de incêndios ou relacionados com riscos bióticos, como sejam a sanidade vegetal. Nas áreas de elevada produtividade, como os vales agrícolas de menor altitude, ao longo das margens e espaços ribeirinhos e nas parcelas agrícolas em abandono e em situação produtiva expectante, verificou-se uma recuperação intensa e rápida de floresta mista de caducifólias, não apenas de quercíneas mas previsivelmente também de salgueiros, amieiros e outras espécies nativas típicas destes espaços. A natureza e a localização destes habitats permitem referenciar uma elevada importância ecológica, apesar da limitada extensão espacial, e por vezes temporal, das manchas. Estas mudanças no espaço local estão associadas a fortes alterações no potencial de geração de produtos e serviços, em concreto florestais, com impactes sobre os riscos e os serviços ambientais, a resiliência e a capacidade de recuperação do meio. As profundas mudanças populacionais, demográficas e sociais na região do Alto Minho promoveram dinâmicas e adaptações ao nível do uso do solo, com reflexos nos riscos naturais e antrópicos, em particular nos padrões dos incêndios. A recuperação expectável das áreas de quercíneas pelo abandono das atividades produtivas primárias é contrariada em alguns locais pela ocorrência de perturbações nos ecossistemas, associadas aos incêndios florestais e ao uso aleatório e pontualmente intenso dos utilizadores internos e externos ao território. Estes processos aceleram a perda de fertilidade, de resistência e de resiliência dos ecossistemas florestais (Proença et al. 2010), influenciando negativamente a erosão do solo e promovendo a invasão biológica e alterações no ciclo hidrológico (Nunes et al. 2008, Vicente et al. 2010), assim como a conservação da biodiversidade (Lomba et al. 2010, Proença et al. 2010), quer de espécies especialistas quer de espécies generalistas (Brunet et al. 2011). O sucesso da regeneração e a recuperação vão depender de políticas e medidas pró-ativas de gestão no sentido de diminuir os processos e agentes de perturbação e de promover composições e estruturas complexas em povoamentos e paisagens, próprias dos modelos de uso múltiplo e da gestão florestal sustentável. 4.2. Tendências atuais e perspetivas Os desafios relacionados com as opções de exploração e conservação dos ecossistemas florestais à escala regional relacionam-se com: (i) as alterações climáticas; (ii) a globalização dos mercados e dos fatores de produção e produtos florestais; (iii) o aumento dos riscos antrópicos e naturais sobre a produção; e (iv) o acréscimo do consumo e das taxas de des- 163 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 1 2 florestação das florestas seminaturais, as quais são contrariadas pela pressão coletiva para a conservação dos ecossistemas florestais. Esta nova realidade exige a gestão de equilíbrios instáveis e adaptação suportada num maior conhecimento, maior organização e capacitação publico-privada, em particular dos proprietários e do associativismo florestal (Buttoud et al. 2011), assim como novos modelos e instrumentos de valorização dos produtos e dos serviços. A evolução recente e o potencial do planeamento e da gestão multifuncional dos espaços de aptidão florestal, em prejuízo da atenção exclusiva à produção florestal, devem considerar novos conceitos, instrumentos e práticas a partir da experiência tradicional coletiva mas também das melhores referências técnicas e científicas externas (Duit et al. 2010) ao nível da governança de sistemas territoriais. As áreas florestais e os espaços de aptidão florestal, como ecossistemas de elevada complexidade e produtividade e que ocupam áreas extensas, explicitam a sua importância ambiental, social e económica em termos, não só dos bens privados e públicos suscetíveis de valorização económica direta, mas também de serviços de ecossistema. Atualmente, as estatísticas mostram o peso destas atividades na economia nacional e regional (Carvalho Mendes 2006), no emprego, na conservação de recursos e valores ambientais e na definição da identidade e competitividade territoriais. Estas áreas encontram-se sob inúmeras pressões de natureza global, como as alterações climáticas, poluição atmosférica e riscos de mercado, conjugados com outros promotores e processos de natureza local, como sejam os riscos biológicos e os riscos abióticos, com destaque para as dinâmicas recessivas associadas aos incêndios florestais. Neste sentido, o inventário e os programas de monitorização dos espaços florestais, a partir do parcelário/ cadastro florestal deverão assentar na conceção e implementação de sistemas de produção e gestão sustentável. Em simultâneo, devem-se considerar e exprimir os valores presentes, como sejam os serviços de ecossistema, mas também outras atividades produtivas tradicionais, inovadoras e alternativas, geradoras de multifuncionalidade e do desenvolvimento rural e local. Atualmente, os desafios prendem-se com o desenvolvimento de floresta de uso múltiplo e da implementação de sistemas de gestão florestal sustentável. Em simultâneo, devem-se explorar as implicações e as relações entre a Estratégia Nacional para as Florestas, a Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentável, a Estratégia Nacional para a Conservação da Natureza e Biodiversidade, a Estratégia Nacional para a Energia, o Programa Nacional para as Alterações Climáticas (PNAC) e o Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação. As bases e as implicações desta visão e destas práticas holísticas devem ser aplicadas no alargamento e revisão do planeamento às escalas nacional, regional (Planos Regionais de Ordenamento Florestal - PROF), municipal (Planos Municipais de Defesa de Floresta Contra Incêndios - PMDFCI) e local de base sectorial (Planos de Gestão Florestal - PGF e Planos Específicos de Intervenção Florestal - PEIF). A abertura do conceito de “atividades florestais” para espaços florestais de natureza e uso multifuncional colocam desafios, oportunidades e necessidades de investigação, inovação, capacitação e desenvolvimento de modelos, instrumentos e técnicas em torno do desen- 164 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 1 2 volvimento, ordenamento e gestão sustentável de territórios (Branquart et al. 2008) e das atividades florestais, que incluem opções, ações e iniciativas como: (i) a inovação na conceção e aplicação de modelos de planeamento e ordenamento dos espaços florestais ; (ii) o diagnóstico, a análise dos sistemas ecológicos e dos sistemas de produção florestais; (iii) o desenvolvimento e a aplicação das tecnologias (geo)espaciais na gestão e monitorização de ecossistemas florestais, em particular a partir da deteção remota (Unninayar e Olsen 2008), na elaboração de cadastro florestal (Skaloš e Engstová 2010) e de instrumentos de modelação ambiental e de apoio à decisão (Toppinen e Kuuluvainen 2010); (iv) o desenvolvimento de sistemas de informação e infraestruturas de dados espaciais na promoção de redes de conhecimento e de trabalho de promoção à participação; (v) a inventariação e caracterização dos recursos, do património e dos sistemas de monitorização ecológica (Corona et al. 2011), ambiental e dos sistemas sociais em espaços florestais (Hickey et al. 2007); (vi) a avaliação e gestão de riscos ambientais e antrópicos na sua relação com os serviços de ecossistema; (vii) a implementação de modelos de uso múltiplo e a gestão florestal sustentável como base para a operacionalização de sistemas de certificação florestal (Elbakidze et al. 2011); (viii) as técnicas e as tecnologias de biotecnologia, de melhoramento florestal e conservação in situ e ex situ; (ix) a avaliação do potencial e definição dos modelos de exploração energética sustentáveis; (x) os modelos de organização e gestão, assim como as oportunidades de exploração e valorização de produtos florestais lenhosos e não lenhosos e de bens públicos (Farley e Constanza 2010); e (xi) os modelos de avaliação e gestão de atividades cinegéticas e da silvopastorícia, e neste sentido a formulação de modelos de suporte ao desenvolvimento local e rural. Em termos de evolução ao nível da região Norte, espera-se a aplicação e o alargamento do planeamento florestal nas opções e dinâmicas entre áreas de produção e conservação, no sentido de: (i) aumentar as áreas com elevado potencial para a geração de produtos lenhosos de elevado valor comercial; e (ii) reforçar a relação entre espaços florestais e a promoção da proteção ambiental associada a estratégias de uso múltiplo e valorização dos bens e serviços gerados nesses espaços (Figura 22). As ações implicam a proposta, a discussão e a definição de um quadro de prioridades e de modelos flexíveis e ajustados de financiamento público-privado. O planeamento e a gestão florestais abrangem intervenções de natureza administrativa, económica, e medidas legais, sociais e técnicas com vista à conservação e uso de florestas naturais e das plantações florestais (Figura 22). Os diversos graus de intervenção humana visam proteger o ecossistema florestal, os seus recursos e as funções para a produção sustentada de bens e da prestação de serviços de ecossistema. No conjunto da região Norte, sobressai a diversidade de condições naturais, dinâmicas e usos humanos com influência sobre a variabilidade dos sistemas florestais presentes. A atual importância social e económica da floresta pode aumentar de acordo com a adequação e o potencial natural regional para a produção florestal, em simultâneo com a conservação dos valores e funções naturais. 165 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 1 2 Figura 22 A relação das opções e dinâmicas recentes com a qualidade de vida das populações e com a qualidade ecológica e ambiental dos ecossistemas florestais (adaptado de MA 2003). Nestas últimas seis décadas, destaca-se na região a intensidade da mudança do coberto vegetal, do uso do solo, do povoamento e exploração florestal, com uma diminuição, numa primeira fase, das áreas florestais naturais, em particular de carvalhos, e uma tendência recente e expectável de crescimento das folhosas autóctones como o sobreiro e os carvalhos, um aumento considerável de resinosas, numa primeira fase, e uma acentuada diminuição nos últimos vinte anos, e um aumento das áreas de eucalipto. Estes processos associam-se ao êxodo rural, à introdução de novos agentes com interesses e expectativas sobre o espaço florestal, mas também ao aumento das exigências ambientais e económicas. Em termos contextuais, as alterações climáticas e globalização dos mercados reforçam a dimensão, a extensão e a severidade dos elementos e processos de perturbação em termos ecológicos, sociais e ambientais. Um conjunto de fatores de riscos, inclusive humanos, e os processos edafo-climáticos e bióticos têm determinado o aumento dos incêndios florestais, da invasão biológica, em particular das invasoras lenhosas, da degradação do solo, de pragas e doenças que afetam a quantidade e a qualidade dos produtos e ecossistemas florestais. As motivações internas e externas aos proprietários florestais para implementar sistemas de gestão florestal sustentável e de uso múltiplo do espaço florestal implicarão: (i) criar, gerir e aplicar conhecimento; (ii) organizar e capacitar os diversos agentes; (iii) desenhar, discutir, aprovar e aplicar as estratégias e opções de planeamento e gestão florestal; mas também (iv) desenvolver, operacionalizar e estabilizar instrumentos financeiros, técnicos e legais de suporte à ação. Finalmente, as expectativas dos produtores e proprietários em explorar produtos florestais suscetíveis de valorização económica direta deverão ser equacionadas considerando também os serviços de ecossistema, promovidos pelas comunidades locais, mas necessários e solicitados pela sociedade em geral. 166 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 1 2 Referências · Aguiar C.F.G. (2001). Flora e vegetação da Serra da Nogueira e do Parque Natural de Montesinho. Dissertação de doutoramento. Instituto Superior de Agronomia. Universidade Técnica de Lisboa. · Ana F.J.F., Lombardero M.J. (1996): Nuevas aportaciones sobre el defoliador Altica quercetorum Foudras, 1860 (Col.: Chrysomelidae) en Galicia. Invest. Agr.. Sist. Recur. For. Vol. 5 (2). · AFN (2010). Relatório Final do 5.º Inventário Florestal Nacional. Autoridade Florestal Nacional. · Bacmeister J.T., Stephens G.L. (2011). Spatial statistics of likely convective clouds in CloudSat data. 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Pp 169-204. Resumo: Este capítulo pretende apresentar uma síntese da biodiversidade das florestas do Norte de Portugal, nomeadamente nos tipos de habitats naturais do Anexo I da Diretiva Habitats, na flora vascular e briológica, nos diferentes grupos de vertebrados tais como anfíbios, répteis, mamíferos e aves e em alguns invertebrados presentes. Esta síntese não pretende ser exaustiva, abordando apenas com pormenor algumas espécies com interesse para conservação, realçando uma das funções mais importantes destes ecossistemas, o seu papel como refúgio de biodiversidade. FORESTS AND THE CONSERVATION OF NATURE AND BIODIVERSITY IN THE NORTH OF PORTUGAL Abstract: This chapter attempts to introduce a synopsis of the biodiversity of the forests of northern Portugal, particularly in the habitat types of Annex I of the Habitats Directive, vascular and bryologic flora, vertebrate groups such as amphibians, reptiles, mammals and birds and some important invertebrates. This resume does not intend to be comprehensive, addressing in detail only species with some interest for conservation, highlighting one of the most important functions of these ecosystems, their role as biodiversity refuges. 1 InBio / CIBIO-Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos, Universidade do Porto. 2 Laboratório de Ecologia Aplicada, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. 3 Departamento de Biologia, Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. 170 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 2 1. Os diferentes componentes da biodiversidade florestal Quando apresentam o conceito de biodiversidade ao cidadão comum, este pensa imediatamente no número de espécies. Na realidade, biodiversidade é muito mais que isso e é comum ser caracterizada por três níveis, o genético, o das espécies e dos ecossistemas. Quando nos referimos à diversidade das florestas do norte de Portugal, referimo-nos a estes três níveis, dando o devido enfoque à diversidade específica mas realçando também a diversidade genética ou a diversidade dos ecossistemas. Em relação à diversidade genética, podemos referir a título de exemplo a diversidade de haplótipos cloroplastidiais de algumas populações de árvores que dominam alguns ecossistemas florestais, tais como o carvalho-alvarinho. Em relação à diversidade de ecossistemas, basta referir a variabilidade de habitats do Anexo I da Diretiva Habitats (Figuras 1 e 2), que reflete as diferentes condições ecológicas que os bosques do Norte de Portugal estão sujeitos. A biodiversidade das espécies é aqui retratada, não se focando apenas nas árvores que compõem os diferentes tipos de bosques ou as espécies da flora vascular associadas mas também nos diferentes grupos que ocorrem nas florestas, sendo a descrição dos diferentes tipos de florestas feita com pormenor no capítulo II.1. Alguns destes grupos, apesar de poucos conspícuos, são muito importantes no funcionamento destes ecossistemas. A fauna de invertebrados é muito importante nos processos de decomposição da manta morta e como alimento a outros grupos, como os vertebrados. As briófitas ocupam um papel pioneiro na colonização dos troncos e ramos, criando condições para a ocorrência de outras espécies epifíticas. A fauna de vertebrados terrestes é muitas vezes encarada como um componente passivo destes ecossistemas, o que não é verdade, já que alguns animais realizam funções vitais para o crescimento e renovação das florestas, tais como a polinização e a dispersão de sementes. Figura 1 Número de habitats florestais do Anexo I prioritários nos diferentes Sítios da Rede Natura 2000. 171 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 2 Figura 2 Número total de habitats florestais do Anexo I nos diferentes Sítios da Rede Natura 2000. 2. Biodiversidade das florestas naturais 2.1 Carvalhais caducifólios – Carvalhais de carvalho-alvarinho Os carvalhais de carvalho-alvarinho (Quercus robur) apresentam na Península Ibérica uma enorme variabilidade, tanto a nível genético, como a nível fitocenótico. No norte de Portugal continental encontram-se bem representados no quadrante noroeste, desde as zonas montanhosas, às áreas de baixa altitude. Nas zonas de baixa altitude que se situam geralmente junto ao litoral, o carvalho-alvarinho é acompanhado pelo sobreiro (Quercus suber) e, nas zonas de clima mais ameno, por elementos termófilos característicos tais como o aderno (Phillyrea latifolia), o folhado (Viburnum tinus) ou a murta (Myrtus communis). Nas áreas mais altas, o carvalho-negral (Quercus pyrenaica) acompanha o carvalho-alvarinho, formando bosques com uma estrato herbáceo dominado por uma flora que compartilha muito elementos com os carvalhais atlânticos do norte da Europa (Figura 3). As variações ao nível da flora que acompanha os carvalhais notam-se igualmente na variação genética do carvalho-alvarinho. Os exemplares desta espécie presentes nas zonas mais termófilas da sua área de distribuição na Península Ibérica possuem uma maior diversidade em termos de haplótipos cloroplastidiais, o que se reflete igualmente ao nível da morfologia, tendo havido vários propostas taxonómicas para separar estas populações (Castro et al. 1997, Dumolin-Lapègue et al. 1997). 172 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 2 Figura 3 Carvalhal de carvalho-alvarinho no Parque Nacional da Peneda-Gerês. Foto de Cristiana Vieira. 2.1.1 Habitats dos carvalhais caducifólios Um dos habitats florestais melhor representado no noroeste de Portugal continental é o 9230 - Carvalhais galaico-portugueses de Quercus robur e Quercus pyrenaica, subtipo 1, denominado Carvalhais de Quercus robur. Este habitat é muito frequente mas são poucos os locais onde ocorre em mancha contínua. O sítio Peneda/Gerês possui os melhores exemplos deste tipo de habitat em Portugal (Figura 4). Outro dos habitats que se encontram bem representados neste sítio da rede Natura é o 9160 - Carvalhais pedunculados ou florestas mistas de carvalhos e carpas subatlânticas e médio europeias da Carpinion betuli, subtipo 2 - Carvalhais mesotróficos de Quercus robur (Figura 5). Estes carvalhais ocorrem geralmente em solos ricos de base de encosta e incorporam no estrato arbóreo uma grande diversidade de espécies para além do carvalho-alvarinho (ALFA 2004). Figura 4 Importância dos diferentes Sítios da Rede Natura 2000 para a conservação do habitat 9230. 173 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 2 Figura 5 Importância dos diferentes Sítios da Rede Natura 2000 para a conservação do habitat 9160. 2.1.2 Flora vascular dos carvalhais caducifólios São diversas as espécies raras que ocorrem nestes carvalhais caducifólios, desde endemismos a espécies de distribuição vasta mas que encontram aqui o seu limite meridional em termos europeus. Entre as espécies presentes com mais interesse para conservação podemos citar o feto-do-botão (Woodwardia radicans), espécie muito abundante na zona da macaronésia mas que ocorre muito pontualmente em algumas zonas do noroeste da Península Ibérica, estando listada no anexo II da Directiva habitats. Entre os endemismos que ocorrem frequentemente neste tipo de habitats podemos citar o Eryngium duriaei subsp. juresianum, endemismo ibérico raro e classificado como em perigo pelo Catálogo Galego de Espécies Ameaçadas e no Livro Vermelho da Flora Vascular Espanhola ou o Laserpitium eliasii subsp. thalictrifolium, endemismo do Noroeste da Península Ibérica, muito raro a nível nacional. Uma das espécies mais belas e raras que ocorre neste habitat é o lírio-martagão (Lilium martagon), cujas belíssimas flores têm um delicado perfume (Bañares et al. 2003, Honrado 2003). 2.1.3 Flora briológica dos carvalhais caducifólios Em bosques dominados por Quercus robur é comum observarem-se comunidades de briófitas caracterizadas fundamentalmente por elementos com ampla distribuição como Hypnum cupressiforme, Hypnum andoi, Pterogonium gracile e elementos com afinidades oceânicas como Neckera pumila, Antitrichia curtipendula, Frullania tamarisci, Radula lindenbergiana e Isothecium myosuroides. Estas comunidades pertencem a um tipo de vegetação epifítica, desenvolvendo-se principalmente na zona média dos troncos de indivíduos adultos de Quercus robur, que é a parte dos troncos mais rica em termos de diversidade de espécies (Marques et al. 2005). Porém, estas comunidades também podem aparecer pontualmente em Olea europaea, Castanea sativa e Quercus pyrenaica. Nestes bosques o género Hypnum é o que apresenta maior cobertura, colonizando a base, tronco e ramos de Quercus robur. A hepática Frullania tamarisci, apesar de frequente em Portugal, está atualmente em regressão na Europa e é considerada um óptimo bioindicador de poluição atmosférica, por ser sensível a alterações do meio ambiente. O musgo Antitrichia curtipendula (Figura 6), quando presente neste tipo de bosques, colonizando tanto rochas como os troncos, é um indicador de florestas 174 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 2 climácicas e do bom estado de conservação dos bosques em que se desenvolve (Sérgio et al. 2009). No solo e em rochas sob este tipo de coberto arbóreo surgem espécies mais higrófilas e dependentes de sombra como Eurhynchium striatum, Thuidium tamariscinum, Rhytidiadelphus squarrosus e Hylocomium splendens. Figura 6 Antitrichia curtipendula. Foto de Cristiana Vieira. 2.1.4 Fauna de vertebrados dos carvalhais caducifólios Os bosques de carvalho-alvarinho estão muitas vezes também representados ao nível dos estratos arbustivo e sub-arbóreo, proporcionando um habitat heterogéneo e propício para acolher diferentes espécies de vertebrados terrestres. O ambiente particularmente húmido e bastante rico em matéria orgânica favorece a ocorrência de espécies emblemáticas da herpetofauna, das quais se destacam a salamandra-lusitânica (Chioglossa lusitanica) (Figura 7), a rã-de-focinho-pontiagudo (Discoglossus galganoi) (Figura 8), a salamandra-de-pintasamarelas (Salamandra salamandra gallaica) e o licranço (Anguis fragilis), nomeadamente em bosques com um estrato herbáceo denso. Em áreas localizadas, na proximidade de zonas rupícolas, frequentemente cobertas por matagais e muros de pedra com alguma vegetação, marcando a transição para campos de cultivo e pastos, é frequente a ocorrência da lagartixaibérica (Podarcis hispanica), lagartixa-de-Bocage (Podarcis bocagei), víbora-cornuda (Vipera latastei) e víbora-de-Seoane (Vipera seoanei) (Ferrand de Almeida et al. 2001, Loureiro et al. 2010). Estes bosques proporcionam um conjunto de recursos, como as bolotas que constituem alimento para diversas espécies, das quais se destaca o javali (Sus scrofa) e os gomos de folhas recém-brotadas, parte importante da alimentação do corço (Capreolus capreolus). A elevada abundância de micromamíferos que caracteriza estes habitats proporciona condições para a ocorrência de predadores de médio porte, como a gineta (Geneta geneta) e a marta (Martes martes) (Silva 2007). 175 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 2 Figura 7 S a l a m a n d r a - l u s i t â n i c a (Chioglossa lusitanica). Foto de Paulo Barros. Figura 8 Rã-de-focinho-pontiagudo (Discoglossus galganoi). Foto de Hélia Vale-Gonçalves. Das espécies de vertebrados comumente associadas aos bosques de carvalho-alvarinho, o grupo da avifauna é aquele que mais facilmente é observado, quer pela sua maior abundância e diversidade, quer pela maior conspicuidade dos seus comportamentos e fenologia. Embora se possa encontrar num leque mais alargado de biótopos florestais, o gavião (Accipiter nisus) surge regularmente associado a este tipo de carvalhais, no noroeste de Portugal, sobretudo quando inseridos na paisagem de mosaico agrícola ou em bosques mistos onde caça sobretudo passeriformes (e.g. petinhas, tordos, tentilhões) (Equipa Atlas 2008, Catry et al. 2010). Nos povoamentos maduros ocorre o pica-pau-malhado-grande (Dendrocopus major), que nidifica em troncos de árvores velhas, onde escava o seu ninho (Mullarney 2003), a par de espécies mais frequentes como o chapim-azul (Parus caeruleus) e a trepadeira-azul (Sitta europaea). Na presença de um sub-bosque denso, a ocorrência do dom-fafe (Pyrrhula pyrrhula) surge frequentemente em densidades relativamente elevadas (e.g. Alto Minho), estando a sua distribuição muito associada a este biótopo até às serras do Barroso e Larouco. Nas zonas 176 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 2 de orla dos bosques de carvalho-alvarinho, especialmente em zonas de vale aberto com herbáceas pouco desenvolvidas, pode ser observado na primavera o torcicolo (Jynx torquilla). 2.1.5 Fauna de invertebrados dos carvalhais caducifólios Os bosques dominados por Quercus robur são habitados por uma fauna de invertebrados extremamente diversificada, que pode incluir muitas centenas de espécies. Uma das mais emblemáticas é a cabra-loura, Lucanus cervus, espécie protegida e um dos maiores coleópteros da Europa. As larvas desta espécie são saproxílicas, ou seja, alimentam-se de madeira morta (normalmente durante 4 ou 5 anos), contribuindo para a reciclagem dos nutrientes contidos na madeira. Para além dos decompositores, os carvalhos proporcionam habitat a espécies que se alimentam de folhas e tecidos verdes (como é o caso das lagartas de muitas borboletas), de seiva (como os pulgões e percevejos), de bolotas (por exemplo algumas espécies de gorgulhos) e são ainda o substrato para uma variedade de espécies indutoras de galhas (vespas, escaravelhos e ácaros, por exemplo). As galhas mais conhecidas são designadas “bugalhos” e resultam da postura de ovos por vespas com alguns milímetros de comprimento. 2.2 Carvalhais marcescentes – Carvalhais de carvalho-negral e carvalhocerquinho Os carvalhais marcescentes são típicos das áreas de transição entre as zonas atlânticas mais chuvosas e as zonas mediterrânicas mais secas. O carácter marcescente destas espécies não se encontra bem definido em zonas de transição, podendo o carvalho-cerquinho ter um comportamento semi-caducifólio e o carvalho-negral perder a folha por completo durante o Inverno. Os bosques de carvalho-negral são muito comuns nas serras de Trás-os-Montes, sendo o carvalhal da serra de Nogueira uma das maiores extensões florestais desta espécie na Península Ibérica. Os carvalhais estremes de carvalho-cerquinho praticamente não existem no norte de Portugal, encontrando-se esta espécie associada aos sobreirais da TerraQuente (Aguiar 2002, Castro et al. 1997). 2.2.1 Habitats dos carvalhais marcescentes Em termos de habitats, os carvalhais de carvalho negral correspondem ao habitat 9230 - Carvalhais galaico-portugueses de Quercus robur e Quercus pyrenaica, subtipo 2, denominado Carvalhais estremes de Quercus pyrenaica. Este habitat pode ser encontrado em grande abundância no sítio Montesinho/Nogueira, formando uma das maiores manchas deste habitat a nível peninsular (Figura 4). Como os carvalhais de Quercus faginea subsp. faginea raramente ocorrem em formações estremes em Portugal não são incluídos no habitat 9240 - Carvalhais ibéricos de Quercus faginea e Quercus canariensis (ALFA 2004). 2.2.2 Flora vascular dos carvalhais marcescentes Os carvalhais de carvalho-negral são muito ricos em espécies com interesse para a conservação, tais como a rara orquídea Cephalanthera rubra, presente apenas no concelho de Vinhais. Outras espécies que podem ocorrer nestes ambientes são a Leuzea rhaponticoides, espécie extremamente rara a nível nacional listada no anexo V da Directiva Habitats ou a Veronica micrantha (Figura 9), endemismo ibérico de distribuição restrita que se encontra listado no Anexo II da Directiva Habitats. Algumas espécies como a Thymelaea ruizii, Avenula 177 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 2 pubescens, Peucedanum oreoselinum subsp. bourgaei, Viola hirta e Peucedanum carvifolia são extremamente raras a nível nacional porque ocorrem no extremo da área de distribuição deste tipo de carvalhais (Aguiar 2002). Figura 9 Veronica micrantha. Foto de Duarte Silva. 2.2.3 Flora briológica dos carvalhais marcescentes Os bosques de Quercus pyrenaica são dominados essencialmente pelas espécies de briófitas epifíticas Orthotrichum lyellii (musgo fotófilo) e Frullania dilatata (hepática xerófita), sendo enriquecidos por espécies mesófilas que normalmente colonizam a base dos troncos, como as espécies de crescimento prostrado Hypnum cupressiforme e Homalothecium sericeum. Neste tipo de bosques, a parte basal dos troncos é a mais rica em termos de diversidade de espécies, surgindo espécies como Dicranum scoparium, Aulacomnium androgynum, Kindbergia praelonga e Radula lindenbergiana (Marques et al. 2005). Por outro lado, as espécies epifíticas mais frequentes em Quercus faginea são os musgos Pterogonium gracile, Homalothecium sericeum, Leptodon smithii, Cryphaea heteromallla, Neckera complanata e as hepáticas Lejeunea cavifolia e Radula lindenbergiana (Garcia 2006). A espécie Leptodon smithii é um musgo sensível à poluição atmosférica, enquanto Cryphaea heteromallla é um musgo que poderá suportar alguma eutrofização, apesar de frequente em florestas de riqueza específica elevada. 2.2.4 Fauna de vertebrados dos carvalhais marcescentes A composição específica das comunidades de vertebrados que ocorrem neste tipo de carvalhais é bastante diversificada, evidenciando a heterogeneidade de biótopos associados. As áreas dominadas por estes carvalhais são caracterizadas pela presença frequente de linhas-de-água, charcos e poços, particularmente importantes para as espécies da herpetofauna, como a rã-ibérica (Rana iberica), o sapo-comum (Bufo bufo) (Figura 10), o tritão-de-patas-espalmadas (Triturus helveticus) e o cágado-mediterrânico (Mauremys leprosa). Nas áreas mais secas e expostas, nomeadamente bosques abertos localizados na proximidade de matagais 178 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 2 e áreas rupícolas e agrícolas podemos ainda encontrar o sardão (Lacerta lepida), a cobra-de-pernas-tridáctila (Chalcides striatus), a cobra-de-escada (Elaphe scalaris), a cobra-de-ferradura (Coluber hippocrepis) e a lagartixa-do-mato-ibérica (Psammodromus hispanicus) (Ferrand de Almeida et al. 2001, Loureiro et al. 2010). Figura 10 Sapo-comum (Bufo bufo). Foto de Hélia ValeGonçalves. Os bosques caducifólios de Quercus pyrenaica e Quercus faginea mantêm algumas das populações de quirópteros mais saudáveis da Europa que utilizam estes carvalhais como locais de alimentação e onde espécies como o morcego-de-Bechstein (Myotis bechsteinii), morcego-arborícola-pequeno (Nyctalus leisleri), morcego-arborícola-gigante (Nyctalus lasiopterus), morcego-negro (Barbastella barbastellus) ou o morcego-orelhudo-castanho (Plecotus auritus) (Figura 11) se abrigam preferencialmente (Ibáñez et al. 2009, Napal et al. 2009). Figura 11 Morcego-orelhudo-castanho (Plecotus auritus). Foto de Paulo Barros. Todas as espécies do género Plecotus são caracterizados por terem orelhas muito grandes, permitindo amplificar os sons de baixa frequência (Coles et al. 1989). Esta característica é de grande utilidade para detetar e capturar as presas nas superfícies das folhas nestas florestas onde caça em função da deteção de sons emitidos pelas presas (Norberg & Reyner 1987). Esta particularidade torna as espécies do género Plecotus, em particular o Plecotus auritus, estritamente dependentes destas florestas, que utilizam como habitats tanto para caçar como para se abrigar. No domínio Eurosiberiano, os biótopos característicos para a ocorrência da espécie Plecotus auritus são os bosques caducifólios de Quercus pyrenaica e Quercus faginea (Paz 1984), nomeadamente carvalhais marcescentes do Norte de Portugal (exemplo do carvalhal da serra de Nogueira). 179 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 2 Relativamente aos mamíferos terrestres, é de salientar a presença do veado (Cervus elaphus), do leirão (Eliomys quercinus) (Bertolino et al. 2003, Moreno 2002), e da doninha (Mustela nivalis). Este tipo de habitats pode também ser propício à ocorrência do lobo-ibérico (Canis lupus signatus), cujo principal núcleo populacional se situa a norte do rio Douro (Pimenta et al. 2005, Silva 2007). Nesta tipologia de floresta incluem-se os carvalhais dominados por espécies de folha caduca tardia que apresentam a vantagem de produzir prematuramente frutificação relativamente às outras quercíneas (Silva 2007) e, por isso mesmo, podem representar uma disponibilidade acrescida de recursos alimentares para os vertebrados. O bútio-vespeiro (Pernis apivorus), por exemplo, ocorre frequentemente em bosques de carvalho-negral das serras da PenedaGerês, Larouco, Barroso assim como no nordeste, em manchas entrecortadas por campos agrícolas, lameiros e áreas de matos na serra da Nogueira (Pimenta & Santarém 1996, Patacho 1998). As aves noturnas fazem-se representar pela coruja-do-mato (Strix aluco), espécie florestal com preferência por manchas de quercíneas, ou pelo mocho-d’orelhas (Otus scops), espécie mais abundante no nordeste do país, onde ocupa os carvalhais abertos e bosquetes nas regiões mais quentes, na proximidade de áreas de cultivo (Pimenta e Santarém 1996). Na presença de sub-bosque desenvolvido, ocorre a toutinegra-das-figueiras (Sylvia borin), sobretudo no limite norte de Portugal, entre Castro Laboreiro e a serra da Coroa. A ocorrência do dom-fafe (Pyrrhula pyrrhula), no nordeste do nosso país, nomeadamente nas serras da Coroa, Nogueira e de Montesinho (Equipa Atlas 2008) está muito vinculada a este tipo floresta, sendo a sua distribuição praticamente coincidente à área potencial de carvalho-negral. Nos cercais mais densos pode ocorrer a águia-calçada (Hieraaetus pennatus) e o gavião (Accipiter nisus) (Catry et al. 2010). A nível dos passeriformes, espécies como o pisco-depeito-ruivo (Erithacus rubecula), a toutinegra-de-barrete-preto (Sylvia atricapilla), o chapimreal (Parus major) e o tentilhão (Fringilla coelebs) são também características deste tipo de habitat. Nas áreas de bosques abertos de carvalho-cerquinho surge a poupa (Upupa epops) e a cotovia-dos-bosques (Lullula arborea), e na sua orla, junto a áreas agrícolas, a rola-brava (Streptopelia turtur), o pombo-torcaz (Columba palumbus), o melro (Turdus merula), o estorninho-preto (Sturnus unicolor) e o verdilhão (Carduelis chloris). 2.2.5 Fauna de invertebrados dos carvalhais marcescentes Os bosques de Quercus pyrenaica apresentam, em relação aos invertebrados, muitas semelhanças com os de Q. robur. Assim, a diversidade é igualmente elevada e a complexidade das relações é também uma caraterística fundamental, traduzindo-se da mesma forma na diferenciação em vários grupos funcionais, cada um representado por numerosas espécies. Entre estas, devido à sua abundância e ubiquidade nestes bosques em Portugal pode referirse o grilo Nemobius sylvestris, presente na manta morta durante praticamente todo o ano. Em bosques de Q. pyrenaica da serra da Estrela ocorre uma espécie muito mal conhecida a nível global, o escaravelho erotilídeo Triplax marseuli, que se alimenta de cogumelos que se desenvolvem no solo. Os conhecimentos sobre a fauna de invertebrados dos carvalhais portugueses de Q. faginea são extremamente reduzidos desconhecendo-se, em grande medida, as espécies que neles ocorrem e a sua distribuição. 180 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 2 2.3 Carvalhais perenifólios – azinhais e sobreirais Os carvalhais perenifólios presentes no norte de Portugal Continental ocorrem nas zonas menos chuvosas do território, ocupando os vales dos rios Douro e alguns dos seus afluentes. O sobreiro é a espécie do género Quercus mais espalhada no território continental português, encontrando-se bem representada nos territórios do Centro e Sul, em solos ácidos, não muito pobres e evitando as zonas climaticamente mais continentais. A grande representatividade desta espécie no território resulta das boas condições naturais para o seu desenvolvimento, mas também do favorecimento antrópico que a beneficiou. A utilização da cortiça e da bolota favoreceram a expansão desta árvore, processo que foi reforçado pela proteção legal do sobreiro, conjuntamente com a azinheira. Nos territórios do sul da Galiza e norte de Portugal o sobreiro coexiste com o carvalho-alvarinho, formando carvalhais mistos em que o carvalhoalvarinho domina devido ao seu maior porte e a capacidade de crescer à sombra. Os sobreirais puros nos territórios atlânticos são ocasionais e resultantes do favorecimento desta espécie em relação ao carvalho-alvarinho. Nos territórios mediterrânicos do Norte de Portugal o sobreiro ocorre naturalmente nos vales mais térmicos, evitando as serras e zonas planálticas. Pode ocorrer associado a outras espécies como o carvalho-cerquinho, (Quercus faginea), o zimbro (Juniperus oxycedrus) ou a azinheira (Figura 12). A azinheira ocorre marginalmente nas áreas mais quentes e secas de Trás-os-Montes, em solos descompensados edaficamente, substituindo o sobreiro em solos neutros e básicos, onde este não consegue prosperar. Ocorre normalmente associada ao zimbro nos vales mais secos, tendo um menor porte que as azinheiras dos territórios do centro e do Sul, sendo por essa razão designada de carrasco pelas populações transmontanas (Aguiar 2002, Castro et al. 1997). Figura 12 Bosque de sobreiro no concelho de Mogadouro. Foto de Cristiana Vieira. 2.3.1 Habitats dos carvalhais perenifólios Existem diversos habitats dominados pelo sobreiro e pela azinheira no norte de Portugal. Um dos habitats caracterizado pela presença do sobreiro e da azinheira é o 6310 – Montados de Quercus spp. de folha perene, não se encontra representado no norte de Portugal. Não se trata de habitat florestal, mas sim de um mosaico de pastagens sobre o coberto esparso de azinheira ou sobreiro. A densidade das árvores das explorações de sobreiro e azinheira no Norte de Portugal não as permite enquadrar neste habitat. Os sobreirais enquadram-se no habitat 9330 – Florestas de Quercus suber. Este habitat encontra-se bem representado nas zonas mediterrânicas do Norte de Portugal, destacando-se o Sitio de Romeu devido à im- 181 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 2 portância que tem para a conservação deste habitat (Figura 13). As formações de azinheiras enquadram-se no habitat 9340 – Florestas de Quercus ilex e Quercus rotundifolia e encontra-se quase sempre associado no norte de Portugal aos vales com um declive mais pronunciado, com exceção das zonas com solos básicos e neutros que são evitadas pelo sobreiro tais como as que estão presentes no Sitio de Monte de Morais (Figura 14). Contudo, o único subtipo representado no território é o subtipo 1 - Bosques de Quercus rotundifolia sobre silicatos. O subtipo 1 do habitat prioritário 9560 – Florestas de Juniperus spp. denomina-se Mesobosques de Querci e Juniperus oxycedrus var. lagunae e caracteriza-se pela presença de exemplares adultos de zimbros (Juniperus oxycedrus) em conjunto com exemplares arbóreos de sobreiro, azinheira ou dos dois. A combinação florística singular deste habitat pode ter resultado da intervenção humana que, ao abrir clareiras nos sobreirais e azinhais, permitiu o crescimento de uma espécie heliófila como o zimbro. O sítio Rio Sabor e Maças possuem manchas apreciáveis deste tipo de habitat (ALFA 2004) (Figura 15). Figura 13 Importância dos diferentes Sítios da Rede Natura 2000 para a conservação do habitat 9330. Figura 14 Importância dos diferentes Sítios da Rede Natura 2000 para a conservação do habitat 9340. 182 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 2 Figura 15 Importância dos diferentes Sítios da Rede Natura 2000 para a conservação do habitat 9560*. 2.3.2 Flora vascular dos carvalhais perenifólios Os azinhais e sobreirais do norte de Portugal não contêm muitas espécies com interesse para conservação, contudo possuem uma enorme variabilidade a nível florístico, com várias espécies de rara beleza como a rosa-albardeira (Paeonia broteri) (Figura 16), ou a extraordinária orquídea de flores amarelas, Dactylorhiza sulphurea. Algumas espécies como Anthemis triumfetti e Conopodium subcarneum são muito raras no nosso território, porque ocorrem no extremo da sua distribuição no Nordeste de Portugal continental (Aguiar 2002). 2.3.3 Flora briológica dos carvalhais perenifólios As espécies epifíticas que ocorrem preferencialmente em Quercus rotundifolia são Frullania dilatata, Fabronia pusilla, Syntrichia laevipila, Orthotrichum diaphanaum, Orthotrichum tenellum Figura 16 Rosa-albardeira (Paeonia broteri). Foto de Duarte Silva. 183 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 2 e Grimmia tricophylla (Garcia et al. 2004). Neste tipo de carvalhal pode também estar presente o musgo Zygodon forsteri, uma espécie considerada como vulnerável a nível da Península Ibérica e também a nível europeu (ECCB 1995, Sérgio et al. 2007), uma vez que são poucas as localidades conhecidas e também Zygodon catarinoi, espécie descrita recentemente para Portugal e cuja distribuição preferencial é o Sudoeste da Península Ibérica (Garcia et al. 2006). Já nos sobreirais, as espécies epifíticas mais frequentes são Hypnum cupressiforme, Dicranoweisia cirrata, Campylopus pilifer, Zygodon rupestris, Orthotrichum tenellum, Leptodon smithii, Sematophyllum substrumulosum e Frullania dilatata. 2.3.4 Fauna de vertebrados dos carvalhais perenifólios Os azinhais e sobreirais, localizados a norte do rio Douro, encontram-se predominantemente circunscritos à região de Trás-os-Montes e incluem uma grande diversidade de espécies de vertebrados. Durante a época de reprodução dos anfíbios, é comum a presença de ovos ou larvas de sapo-parteiro-ibérico (Alytes cisternasii) (Figura 17), sapo-de-unha-negra (Pelobates cultripes) (Figura 18) e salamandra-de-costelas-salientes (Pleurodeles waltl) nas massas de água (Ferrand de Almeida et al. 2001, Loureiro et al. 2010). Nos carvalhais perenifólios associados a matos esclerófilos abertos ocorrem preferencialmente a osga-comum (Tarentola mauritanica), a lagartixa-de-dedos-denteados (Acanthodactylus erythrurus), a cobra-depernas-pentadáctila (Chalcides bedriagai) e a cobra-cega (Blanus cinereus). Embora os quirópteros arborícolas/fissurícolas não tenham por hábito selecionar as espécies de árvores nas quais se refugiam, a presença de árvores de casca grossa (e.g. cortiça de Quercus suber) parecem merecer a preferência destes morcegos pelo isolamento térmico que proporcionam (Nicolai 1986). As árvores mortas, apesar de representarem menor isolamento Figura 17 Sapo-parteiro-ibérico (Alytes cisternasii). Foto de Hélia Vale-Gonçalves. Figura 18 Sapo-de-unha-negra (Pelobates cultripes). Foto de Paulo Barros. 184 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 2 térmico (Maeda 1974), normalmente são selecionadas pelo facto de oferecerem mais oportunidades de refúgio, especialmente por exibirem mais cavidades e fissuras (Kunz & Fenton 2003). Estas características estão bem patentes no tipo de florestas constituídas por Quercus suber, árvores que têm a particularidade de apresentar muitos ramos mortos e cortiça exfoliada, servindo de refúgio a quirópteros florestais e fissurícolas (Lumsden et al. 2002, Russo et al. 2004). Os resultados obtidos no decurso de um recente trabalho efetuado em sobreiral do Norte de Portugal (LEA 2011) sugerem que este tipo de floresta representa um ecossistema propício para várias espécies arborícolas e/ou fissurícolas, nomeadamente morcego-anão (Pipistrellus pipistrellus), morcego-de-Kuhl (Pipistrellus kuhlii), morcego-pigmeu (Pipistrellus pygmaeus), morcego-de-Savi (Hypsugo savii), morcego-arborícola-pequeno (Nyctalus leisleri) (Figura 19) e morcego-hortelão-escuro (Eptesicus serotinus). Figura 19 Morcego-arborícola-pequeno (Nyctalus leisleri). Foto de Paulo Barros. No grupo dos micromamíferos, tendo em conta o seu carácter generalista na utilização do habitat, ocorrem sobretudo o rato-do-campo (Apodemus sylvaticus) (Fuente 1992, Rosalino et al. 2009) e o rato-de-Cabrera (Microtus cabrerae) (Figura 20) (Cabral et al. 2010, Fernández-Salvador 2007, Pita et al. 2007, Pita et al. 2011, Santos et al. 2005). No grupo dos mamíferos carnívoros, ocorre preferencialmente a fuinha (Martes foina) e o texugo (Meles meles) (Rosalino et al. 2009). Estes biótopos, apesar da menor representatividade no nordeste (Silva 2007), assumem, pelo múltiplo conjunto de condições que os caracteriza (e.g. abundância de cavidades naturais Figura 20 Rato-de-Cabrera (Microtus cabrerae). Foto de Hélia Vale-Gonçalves. 185 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 2 e densidades variáveis de cobertura vegetal a nível do subcoberto), um importante suporte ecológico para a ocorrência de uma diversidade da avifauna relevante. Associada a estes povoamentos florestais surge na terra quente transmontana a águia-cobreira (Circaetus gallicus), que instala os seus ninhos nas copas mais altas e frondosas destas árvores. Estes ecossistemas são importantes para espécies que consomem bolota, funcionando como vetores de disseminação das landes, como é o caso de várias espécies de corvídeos como o charneco (Cyanopica cyanus), que surge em manchas de sobreiro e azinheira e que em Trás-os Montes e Alto Douro se expandiu ao longo do vale do rio Douro nos últimos anos (Equipa Atlas 2008), a pega-rabuda (Pica pica) e a mais ubíqua, a gralha-preta (Corvus corone) (Rufino 1989). É ainda típica destes habitats a poupa (Upupa epops) que prefere montados regularmente sem subcoberto, nidificando nas cavidades das árvores (Mullarney 2003). Com menor frequência, a cotovia-escura (Galerida theklae) também aparece coincidente com zonas de padrão climático mais quente e seco (Equipa Atlas 2008). Por sua vez, a toutinegra-de-bigodes (Sylvia cantillans) apresenta uma distribuição associada a estas quercíneas, nomeadamente nos locais com bosque aberto e matos diversos. O picanço-barreteiro (Lanius senator) apresenta uma distribuição marcadamente mediterrânea, frequentando azinhal arbustivo disperso (Patacho 1998). Com uma distribuição similar, também é possível encontrar o trigueirão (Emberiza calandra), sempre que estes biótopos se encontram associados a zonas de cariz agro-florestal (Patacho 1998). Adicionalmente, surgem ainda associadas a estes biótopos várias espécies de características florestais, como o pombo-torcaz (Columba palumbus), a rola-brava (Streptopelia turtur), o peto-verde (Picus viridis), a trepadeira-comum (Certhia brachydactyla) e o tentilhão (Fringila coelebs). 2.3.5 Fauna de invertebrados dos carvalhais perenifólios A fauna de invertebrados dos azinhais e sobreirais portugueses apresenta uma diversidade considerável, mas a informação disponível sobre as espécies presentes e a especificidade da sua ligação aos Quercus perenifólios é, em geral, insuficiente. Entre as espécies mais fáceis de observar encontram-se vários percevejos que procuram abrigo nas reentrâncias da cortiça dos sobreiros, por vezes em grande abundância, como Lygaeus equestris e Pyrrhocoris apterus, o mesmo ocorrendo com joaninhas como Oenopia conglobata. Entre as espécies de distribuição mais restrita ou mal conhecida encontra-se o escaravelho Colobicus hirtus, que é conhecido unicamente de quatro locais em Portugal. Um caso interessante é o do escaravelho Amorphocephala coronata, que vive em azinhais e sobreirais como comensal nas colónias de formigas de vários géneros, nomeadamente Camponotus e Lasius, e que de noite pode ser observado sobre os troncos de azinheiras e sobreiros. 2.4 Bosques ribeirinhos – Amiais, freixiais, choupais e salgueirais Os bosques ribeirinhos do Norte de Portugal possuem uma elevada variabilidade, refletindo as diferentes estratégias das plantas adaptadas aos regimes ripários. Os bosques dominados por amieiros, normalmente denominados de amiais, possuem uma elevada importância devido à sua representatividade e ao seu carácter de bosques maduro. Os amiais instalam-se em solos aluviais das margens de linhas de água de caudal permanente e relativamente estável. O amieiro necessita de um regime hidrológico permanente e não aguenta situações de estio, ao contrário do freixo, do choupo e da maioria dos salgueiros. Muitas vezes os amiais encontram-se ausentes em zonas de clima mediterrânico, onde o leito é bastante largo, sendo a di- 186 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 2 ferença entre o leito de cheia e o leito de estio muito acentuada. Em determinadas situações, o amieiro ocorre apenas nas zonas onde o rio escava mais profundamente o leito, facilitando a permanência de água durante todo o ano e depois é substituído nas partes mais secas por freixos, salgueiros e choupos. Nalguns cursos de água em zonas mediterrânicas, o homem alterou a margem do rio, diminuiu a largura do leito e fixou as suas margens através de enrocamento, permitindo a instalação de amiais, em áreas onde normalmente não tem condições edáficas para existirem. Mas nesses casos, o bosque maduro de amieiros é pouco resiliente e é o próprio ensombramento causado pela galeria que diminui a evaporação da água residual que ocorre no leito em períodos mais secos. Nessas situações torna-se muito difícil a sua recuperação e, por essa razão, nas zonas mais secas, os bosques edafo-higrófilos maduros de amieiros são relativamente raros, ocorrendo em zonas onde as margens foram reforçadas e estabilizadas, reduzindo assim as variações do leito. O corte dos amiais é uma prática comum em zonas de elevada pluviosidade no norte de Portugal, onde estas comunidades são bastante resilientes, contudo, nas zonas mais secas do País, o maneio destas comunidades é diferente. Os freixiais ocorrem em diversas situações (Figura 21), podendo ocorrer em solos aluvionares ou cursos e água intermitentes. A maioria dos freixos requer solos ricos, mas o Fraxinus angustifolia é umas das espécies menos exigentes do género nesse aspeto. Os salgueirais e salgueirais-choupais ocorrem mais frequentemente nos cursos de água intermitentes e estão muitas vezes associados a outras espécies como os lódãos (Celtis australis). Os bidoais ripícolas ocorrem em áreas montanhosas temperadas, onde a presença do amieiro é condicionada pelo declive acentuado que impede a deposição do solo aluvionar característico dos amiais (Castro et al. 1997, Honrado 2003). Figura 21 Bosque de freixo no concelho de Mogadouro. Foto de Duarte Silva. 2.4.1 Habitats dos bosques ribeirinhos A variabilidade dos habitats ribeirinhos presentes no norte de Portugal é muito grande, sendo representados por cerca de três habitats e divididos por vários subtipos. O habitat melhor representado é o 91E0 - Florestas aluviais de Alnus glutinosa e Fraxinus excelsior (Alno-Padion, Alnion incanae, Salicion albae), habitat prioritário representado por 3 subtipos. O subtipo 1 – Amiais ripícolas corresponde às formações dominadas por amieiro dispostas ao longo de uma linha de água. Este habitat encontra-se representado em todo o norte de Portugal Continental, sendo mais raro nas zonas de alta montanha e vales mais quentes de Trás-os-Montes. O subtipo 2 – Bidoais ripícolas corresponde a formações de bidoeiro (Betula celtiberica) que se encontram nas linhas de água em zonas montanhosas encontra-se bem representado no 187 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 2 sítio da Rede Natura Peneda/Gerês (Figura 22). O subtipo 3 – Amiais e salgueirais paludosos corresponde a amiais paludosos presentes em solos permanentemente encharcados, com acumulação de matéria orgânica, mal drenados e ácidos. No sítio Rio Minho ocorre uma das melhores manchas deste tipo de habitat no norte de Portugal. O habitat 91B0 – Freixiais termófilos de Fraxinus angustifolia corresponde a bosques edafo-higrófilos, em que o freixo é a árvore dominante, e que normalmente marginam os lameiros húmidos presentes em Trás-os-Montes. Encontram-se bem representados nos sítios Montesinho/Nogueira e sitio Rio Sabor e Maçãs (Figura 23). O habitat 92A0 – Florestas-galerias de Salix alba e Populus alba corresponde a galerias ripícolas mediterrânicas dominadas por choupos e/ou salgueiros. O subtipo 2 - Salgueirais-choupais de choupos-negros e/ou salgueiros-brancos são bosques ribeirinhos, normalmente dominados pelo choupo-negro (Populus nigra), salgueiro-frágil (Salix fragilis) ou pelo híbrido deste último com o salgueiro-branco (Salix alba), o Salix x neotricha. O subtipo 4 - Salgueirais arbustivos de Salix salviifolia subsp. salviifolia ocupa normalmente as linhas de água de carácter torrencial e é caracterizado pela dominância de Salix salviifolia. Estes dois subtipos encontram-se extremamente bem representados nos sítios Rio Sabor e Maçãs e Douro Internacional (ALFA 2004) (Figura 24). Figura 22 Importância dos diferentes Sítios da Rede Natura 2000 para a conservação do habitat 91E0*. Figura 23 Importância dos diferentes Sítios da Rede Natura 2000 para a conservação do habitat 91B0. 188 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 2 Figura 24 Importância dos diferentes Sítios da Rede Natura 2000 para a conservação do habitat 92A0. 2.4.2 Flora vascular dos bosques ribeirinhos A flora típica das galerias ripícolas é das mais interessantes em termos de conservação e está normalmente associada a um elevado valor fitocenótico e florístico. São várias as espécies raras e endemismos característicos deste tipo de ambientes, especialmente em zonas montanhosas mediterrânicas. Entre as espécies endémicas podemos citar Angelica laevis, endemismo do noroeste da Península Ibérica, de orlas de bosques higrófilos e lameiros húmidos no sítio da Rede Natura Peneda/Gerês, Veronica micrantha (Figura 9), endemismo ibérico de distribuição restrita que se encontra listado no Anexo II da Directiva Habitats ou Narcissus cyclamineus, endemismo do Noroeste da Península Ibérica de distribuição restrita que se encontra listado no Anexo II da Directiva Habitats. Entre as espécies de distribuição restrita em Portugal típicas deste tipo de ambientes podemos citar Anemone nemorosa, que ocorre apenas em alguns bidoais em Castro Laboreiro ou Arum cylindraceum e Doronicum pubescens, duas espécies que ocorrem no norte de Portugal apenas no Sítio de Montesinho/ Nogueira (Aguiar 2002, Honrado 2003). 2.4.3 Flora briológica dos bosques ribeirinhos Os bosques ribeirinhos apresentam algumas diferenças em relação aos outros tipos de bosques, já que apresentam espécies dependentes da proximidade ao ambiente fluvial e que toleram submersão contínua, colonizando raízes e bases de troncos à margem de água tais como Cinclidotus fontinaloides, Leptodictyum riparium Platyhypnidium lusitanicum ou Platyhypnidium riparioides. São também comuns espécies que apenas se encontram em territórios oceânicos como Dendrocryphaea lamyana (considerada vulnerável na Europa) e Isothecium holtii (endemismo europeu) nas bases dos troncos sujeitas a inundações sazonais (ECCB 1995). Neste mesmo micro-habitat pode encontrar-se Porella pinnata, uma espécie de hepática cada vez mais rara e com interesse para conservação em Portugal (Garcia et al. 2010). Nos troncos jovens podem encontrar-se espécies epífitas primocolonizadoras como Frullania dilatata, Lejeunea cavifolia, Metzgeria furcata, Orthotrichum lyellii e Ulota crispa. No solo húmido destes bosques são frequentes espécies como Aulacomnium androgynum, Brachythecium rutabulum, Calliergonella cuspidata, Pellia epiphylla, Fissidens serrulatus e Lunularia cruciata. Uma das espécies de distribuição mais restrita em Portugal, Climacium dendroides, foi recentemente encontrada no solo fresco deste tipo de bosques (Vieira et al. 2007). 189 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 2 2.4.4 Fauna de vertebrados dos bosques ribeirinhos A vegetação ripícola das margens das linhas de água proporciona habitats que sustentam a presença de diferentes espécies faunísticas. No grupo da herpetofauna destaca-se a presença da rela-comum (Hyla arborea) (Figura 25), do cágado-de-carapaça-estriada (Emys orbicularis), do lagarto-de-água (Lacerta schreiberi), da cobra-de-água-viperina (Natrix maura) (Figura 26) e da cobra-de-água-de-colar (Natrix natrix) (Ferrand de Almeida et al. 2001, Loureiro et al. 2010). Figura 25 Rela (Hyla arborea). Foto de Paulo Barros. Figura 26 Cobra-de-água-viperina (Natrix maura). Foto de Hélia Vale-Gonçalves. A estrutura linear dos bosques ribeirinhos representa um corredor de dispersão importante para os quirópteros (Walsh & Harris 1996), disponibilizando habitats de alimentação da preferência de muitas espécies de morcegos (Holloway & Barclay 2000). Por este motivo, estes habitats são de extrema importância para a conservação dos morcegos na Europa (Vaughan et al. 1997, Grindall et al. 1999, Russo & Jones 2003). De facto, nestes bosques regista-se uma elevada diversidade de espécies de quirópteros pelo facto de albergarem uma abundante e diversificada comunidade de espécies-presa (Barclay 1991). Dados dos últimos três anos de capturas, realizadas no Norte de Portugal, neste tipo de habitat, revelam a ocorrência de espécies como o morcego-de-Savi (Hypsugo savii), o morcego-arborícola-pequeno (Nyctalus leisleri), o morcego-de-bigodes (Myotis mystacinus), o morcego-pigmeu (Pipistrellus pygmaeus), o morcego-anão (Pipistrellus pipistrellus) e, principalmente, o morcego-de-água (Myotis daubentonii), muito associada a bosques ribeirinhos (dados de campo, Paulo Barros). De facto, os bosques ribeirinhos representam o habitat preferencial do Myotis daubentonii (Warren et al. 2000), uma das espécies mais comuns da Europa (Mitchell-Jones et al. 1999), que utiliza este habitat para se refugiar, abrigando-se nos buracos criados pelos piciformes 190 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 2 (pica-paus), pela atividade dos insetos ou decorrentes do envelhecimento das árvores (Kapfer et al. 2006), mas também como local de caça, uma vez que se especializou em caçar insetos na superfície da água, alimentando-se principalmente de Dípteros e Tricópteros (Jones & Rayner 1988, Sullivan et al. 1993, Flavin et al. 2001). É importante também destacar a importância deste habitat para espécies de micromamíferos e mamíferos aquáticos como o musaranho-de-dentes-vermelhos (Sorex spp.), musaranhode-água (Neomys anomalus), toupeira-de-água (Galemys pyrenaicus), rata-de-água (Arvicola sapidus) e lontra (Lutra lutra) (Fuente 1992, Mathias et al. 1998, Nores et al. 2002, Queiroz et al. 1998, Román 2010). Os bosques ribeirinhos englobam um número elevado de nichos que são garante de uma avifauna diversa. No nordeste transmontano, com o desaparecimento do ulmeiro (Ulmus minor), a presença de freixiais, assim como de choupos bem desenvolvidos, parece favorecer a instalação dos ninhos de cegonha-branca (Ciconia ciconia) (e.g. Bragança). O milhafre-real (Milvus milvus), que é uma ave tipicamente florestal durante a época de reprodução, é observado com frequência no nordeste transmontano associado a freixiais (Patacho 1998). Nos bosques ribeirinhos de amieiro e salgueiro ocorre o rouxinol-bravo (Cettia cetti), a toutinegra-das-figueiras (Sylvia borin), a felosinha-comum (Phylloscopus collybita), a felosa-ibérica (Phylloscopus ibericus) e a felosa-musical (Phylloscopus trochilus) (Catry et al. 2010). Nas zonas de ensombramento dos freixiais, especialmente na orla de campos agrícolas, surgem espécies como o papa-figos (Oriolus oriolus) e o rouxinol-comum (Luscinia megarhynchos) (Alvares 2003). É frequente ainda encontrar nestes habitats espécies de passeriformes residentes comuns, como o chapim-rabilongo (Aegithalos caudatus) e o lugre (Carduelis spinus), ave invernante que frequentemente se observa a alimentar suspenso nas infrutescências do amieiro que constituem a cortina ripária. Nos freixiais, salgueirais e choupais com subcoberto ocorrem frequentemente no verão a rola-turca (Streptopelia turtur) e, nos lameiros associados às zonas de orla, surgem espécies invernantes como a petinha-dos prados (Anthus pratensis), a petinha-ribeirinha (Anthus spinoletta) e o tordo-pinto (Turdus philomelos). O guarda-rios (Alcedo atthis) e o melro-d’água (Cinclus cinclus) são o “ex libris” da avifauna destes biótopos, estreitamente relacionadas com cursos de água marginados por abundante vegetação (Pimenta 1996) dominada por freixos, salgueiros e amieiros. 2.4.5 Fauna de invertebrados dos bosques ribeirinhos A fauna de invertebrados dos bosques ribeirinhos inclui, para além das espécies ligadas a esses bosques, um conjunto de espécies que beneficiam do abrigo e suporte que as árvores proporcionam às fases terrestres de muitas das espécies com fase juvenil aquática, como é o caso das libélulas e libelinhas e também dos tricópteros. Bons exemplos são as espécies de libelinhas do género Calopteryx, que podem frequentemente ser observadas sobre a folhagem de salgueiros e amieiros. No que diz respeito à fauna diretamente associada às árvores ribeirinhas, merece destaque o escaravelho Agelastica alni, cujas larvas se alimentam 191 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 2 exclusivamente da folhagem dos amieiros. Outra espécie característica destes bosques é o escaravelho longicórnio Aromia moschata, cujas larvas consomem preferencialmente a madeira de ramos e galhos mortos de salgueiros. 2.5 Outros tipos de florestas naturais – Louriçais, azereirais, azevinhais e teixiais As temperaturas amenas que se fazem sentir no quadrante noroeste de Portugal Continental associadas a uma precipitação relativamente elevada favorecem a ocorrência de vegetação reliquial típica de áreas subtropicais, formando bosques com algumas semelhanças com a floresta Laurissilva. Os elementos com carácter relítico mais importantes presentes nestas áreas são o loureiro (Laurus nobilis), o azereiro (Prunus lusitanica) ou a adelfeira (Rhododendrum ponticum subsp. baeticum) que podem ser acompanhados por outras relíquias paleotropicais como a murta (Myrtus commnis), o medronheiro (Arbutus unedo) ou o folhado (Viburnum tinus). De carácter completamente diferentes são os bosques de azevinho, porque apesar do seu carácter paleoclimático, se apresentam melhor adaptados às condições mais agrestes dos bosques temperados do norte da Europa. Existem outros bosques de distribuição finícola em Portugal, mas que, ao contrário das formações lauróides, são característicos das regiões mais frias e apresentam o limite sul da sua distribuição Europeia no Norte de Portugal. Trata-se de formações de teixo (Taxus baccata) que possuem uma representação incipiente no território (Honrado 2003, Honrado et al. 2007). 2.5.1 Habitats dos outros tipos de florestas naturais O habitat que representa toda a variabilidade de formações lauróides no nosso território é o 5230 – Matagais arborescentes de Laurus nobilis. Este habitat prioritário, apesar do nome, não enquadra apenas as formações de loureiro, mas sim todos os habitats com as mesmas características e o mesmo enquadramento paleoclimático. O subtipo 1 – Louriçais refere-se às formações de loureiro propriamente ditas, enquanto o subtipo 2 –Azereirais enquadra as formações edafo-higrófilas praticamente puras de azereiro (Prunus lusitanica). O subtipo 3 – Medronhais-azereirais incorpora formações de azereiro e medronheiro com porte arbóreo, em solos climatófilos. Estes habitats encontram-se bem representados no sítio Peneda/Gerês, com exceção do subtipo 1 que apresenta algumas boas formações no norte de Portugal, concretamente no sítio Serra da Freita (Figura 27). Figura 27 Importância dos diferentes Sítios da Rede Natura 2000 para a conservação do habitat 5230*. 192 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 2 Este último subtipo do habitat 5230 parece ter a sua génese em fenómenos de perturbação e resiliência resultantes dos fogos florestais. Outro habitat que parece ter origem neste tipo de fenómenos é o 9380 – Florestas de Ilex aquifolium, que ocorre muito raramente no nosso país, possuindo boas manchas no sítio Peneda/Gerês (Figura 28). O sítio Peneda Gerês é um dos poucos sítios no nosso país onde podemos encontrar o habitat 9580* – Florestas mediterrânicas de Taxus baccata (ALFA 2007) (Figura 29). Figura 28 Importância dos diferentes Sítios da Rede Natura 2000 para a conservação do habitat 9380. Figura 29 Importância dos diferentes Sítios da Rede Natura 2000 para a conservação do habitat 9580*. 2.5.2 Flora vascular dos outros tipos de florestas naturais Alguns dos bosques reliquiais são dominados por espécies muito raras e, por essa razão, deveriam ser alvo de conservação extrema. É o caso do azereiro (Prunus lusitanica), catalogado como Vulnerável no Livro Vermelho da Flora Vascular Espanhola, ou mesmo do teixo (Taxus baccata), uma das árvores mais raras da nossa flora. Contudo, em alguns destes bosques é possível encontrar alguns fetos muito raros no território continental português, típicos da macaronésia, tais como o Dryopteris guanchica ou o feto-do-botão (Woodwardia radicans), espécie listada no anexo II da Directiva habitats (Bañares et al. 2003, Honrado 2003). 193 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 2 2.5.3 Flora briológica dos outros tipos de florestas naturais As espécies de epífitas que se podem encontrar em qualquer um destes tipos de bosque são Neckera pumila, Orthotrichum affine e Radula lindenbergiana. Para além destas, as epífitas de azevinho mais comuns são Cryphaea heteromalla, Microlejeunea ulicina, Orthotrichum lyellii ou Sematophyllum substrumulosum. Crescendo como epífitas de azereiro conhecemse as espécies Hypnum andoi, Orthotrichum affine e Porella obtusata. Colonizando troncos de teixos, populações extensas de espécies como Antitrichia curtipendula, Leptodon smithii, Isothecium myosuroides, Neckera complanata e Porella cordaeana indicam a antiguidade, estabilidade e qualidade ecológica deste tipo de formações arbóreas (Garcia 2006). 2.5.4 Fauna de vertebrados dos outros tipos de florestas naturais Das espécies de herpetofauna que podem ser observadas neste tipo de florestas, destacamse o sapo-parteiro-comum (Alytes obstetricans ), a cobra-lisa-meridional (Coronella girondica) e a cobra-de-capuz (Macroprotodon cucullatus) (Ferrand de Almeida et al. 2001, Loureiro et al. 2010). No grupo dos micromamíferos, embora composto por espécies predominantemente generalistas na utilização do habitat, o musaranho-de-dentes-brancos (Crocidura russula) (Figura 30) merece uma referência por estar intimamente associado a este tipo de habitats (Fuente 1992). Estas florestas relíquia, confinadas aos lugares mais recônditos do nosso país, como no alto das montanhas, em alcantilados ou descontinuidades abruptas do território, onde os contrastes do clima se acentuam, são procuradas por aves, como os Turdídeos e Fringilídeos, que procuram abrigo e proteção para os seus ninhos e juvenis nas copas densas dos teixos, azevinhos e zimbros, ou para consumo de recursos como arilos, bagas ou gálbulos de elevado valor energético. As aves frugíferas desempenham um importante papel no transporte e disseminação de sementes para bem longe da planta adulta. Figura 30 Musaranho-de-dentes-brancos (Crocidura russula). Foto de Hélia Vale-Gonçalves. Nos zimbrais, surgem ainda espécies como a perdiz (Alectoris rufa), o chasco-ruivo (Oenanthe hispanica), a petinha-dos-campo (Anthus campestris), a felosa-do-mato (Sylvia undata), o picanço-barreteiro (Lanius senator) e a escrevedeira-de-garganta-preta (Emberiza cirlus) (Pimenta 1996, Patacho 1998, Equipa Atlas 2008). 194 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 2 3. Biodiversidade das florestas antropogénicas 3.1 Plantações florestais de eucalipto Uma das espécies que caracteriza as plantações florestais do Noroeste da Península Ibérica é o eucalipto (Eucalyptus globulus), devido à importância que tem para a economia, sendo produzida a partir desta espécie uma pasta de papel de altíssima qualidade. Esta espécie é uma das mais extensivamente plantadas em todo o mundo, porque o seu rápido crescimento e capacidade de adaptação a uma série de condições tornam esta espécie muito popular em silvicultura. É especialmente adequado para países com um clima do tipo mediterrâneo, com alguma precipitação, sendo o Noroeste de Portugal Continental uma das zonas onde este tipo de plantação tem mais produtividade (Silva et al. 2007). 3.1.1 Flora vascular das plantações florestais de eucalipto A manta morta produzida debaixo dos eucaliptais é muito diferente daquela que é produzida pelas nossas árvores nativas. As folhas do eucalipto apesar de serem muito ricas em termos nutricionais são de difícil digestão, sendo decompostas principalmente por fungos. O elevado conteúdo das folhas de eucalipto em substâncias alelopáticas dificulta a germinação de muitas plantas vasculares. Em conjunto com os compostos referidos anteriormente, as folhas de eucalipto também enriquecem o solo em compostos hidrofóbicos que aumentam a repelência do solo à água na época seca. Todos estes fatores tornam os eucaliptais ambientes com uma baixa diversidade no que concerne à flora vascular, sendo o sub-bosque das plantações estremes de eucalipto colonizado por espécies características de matos e matagais heliófilos, com um baixo interesse em termos de conservação (Silva et al. 2007). 3.1.2 Flora briológica das plantações florestais de eucalipto Os eucaliptais apresentam reduzida cobertura e diversidade de musgos e hepáticas já que o ambiente exposto deste tipo de plantações exclui muitas espécies que necessitam de mais humidade e sombra. Por outro lado, a descamação do tronco do eucalipto impede a colonização por epífitas, que, dependendo da estabilidade do substrato, se restringem à parte basal do tronco. É nesta zona, mais húmida e próxima do solo, que se encontram espécies como Dicranella heteromalla, Hypnum cupressiforme, Lophocolea heterophylla e Sematophyllum substrumulosum (Vieira et al. 2004). Campylopus introflexus, uma espécie invasora em forte expansão em Portugal desde os anos 90 (Sérgio et al. 2003), é uma forte competidora nestes ambientes, onde ocupa o nicho de espécies terrícolas autóctones como Campylopus pilifer, Leucobryum juniperoideum, Dicranum scoparium e Didymodon vinealis. 3.1.3 Fauna de vertebrados das plantações florestais de eucalipto Não obstante o eucaliptal representar um sistema de interesse ecológico reduzido (Silva et al. 2007), nas massas de água associadas é possível observar a rã-verde (Rana perezi), o tritãomarmorado (Triturus marmoratus) (Figura 31) e o tritão-de-ventre-laranja (Triturus boscai). Na proximidade de caminhos de terra e aglomerados de pedras é possível observar também a cobra-rateira (Malpolon monspessulanus) (Figura 32) (Ferrand de Almeida et al. 2001, Loureiro et al. 2010). 195 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 2 Figura 31 Tritão-marmorado (Triturus marmoratus). Foto de Hélia Vale-Gonçalves. Figura 32 Cobra-rateira (Malpollon monspessulanus). Foto de Paulo Barros. Ao nível dos mamíferos, pelo seu carácter oportunista e generalista, a raposa (Vulpes vulpes) é uma das poucas espécies que está frequentemente presente neste biótopo (Mathias et al. 1998). Os habitats florestais dominados por eucalipto apresentam frequentemente comunidades de fauna ornítica relativamente pobres (Silva et al. 2007). Contudo, espécies mais ubíquas e generalistas, com requisitos ecológicos mais abrangentes, aparecem frequentemente associadas a este tipo de mancha florestal, como é o caso da águia-d’asa-redonda (Buteo buteo), gralha-preta (Corvus corone), corvo (Corvus corax), gaio (Garulus glandarius) e o chamariz (Serinus serinus). Quando na presença de subcoberto vegetal, estes habitats podem ainda atrair espécies como a carriça (Troglodytes troglodytes), o melro-preto (Turdus merula), a toutinegra-dos-valados (Sylvia melanocephala) e a cia (Emberiza cia) (Catry et al. 2010). 3.1.4 Fauna de invertebrados das plantações florestais de eucalipto A fauna de invertebrados dos eucaliptais é consideravelmente mais pobre do que a das outras formações florestais, quer pelo facto do subcoberto vegetal ser normalmente pouco abundante, quer porque os eucaliptos apenas fornecem alimento a um conjunto muito limitado de espécies, na sua maioria com a mesma origem exótica das árvores (o escaravelho longicórnio Phoracantha semipunctata, por exemplo). No entanto, devido ao caráter caduco do seu ritidoma, que se destaca em placas ou tiras, os eucaliptos fornecem abrigo a um conjunto de espécies nativas de insectos, incluindo percevejos como Rhaphigaster nebulosa e Melanocoryphus albomaculatus e escaravelhos como Nalassus laevioctostriatus e Endophloeus markovichianus. 196 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 2 3.2 Plantações florestais de pinheiro-bravo Os pinhais não litorais, plantados para a produção de madeira e resina são muito comuns em todo o país, constituindo uma das paisagens florestais mais comuns no norte de Portugal. A plantação de pinheiro-bravo (Pinus pinaster) tornou-se comum nas zonas serranas durante o Estado Novo, especialmente nos baldios, tornando comum a presença de uma espécie típica do litoral em zonas interiores. O pinheiro-bravo foi extensivamente plantado por todo o litoral, desde a Idade Média, tornando difícil precisar em que zonas litorais ocorreria naturalmente. A sua presença pontual em zonas mais interiores em ambientes xerofíticos é igualmente provável, constituindo uma variedade geneticamente diferente da que ocorreria nas zonas litorais (Aguiar et al. 2007). 3.2.1 Habitats das plantações florestais de pinheiro-bravo Os pinhais litorais para se poderem enquadrar no habitat prioritário 2180 - Dunas arborizadas das regiões atlântica, continental e boreal, devem cumprir alguns requisitos. Devem corresponder a formações sobre dunas, corresponderem a plantações antigas ou zonas de regeneração natural de pinheiro-bravo, devendo o subcoberto ser dominado por vegetação arbustiva espontânea, evoluída e sem uma história de perturbação recente. Um dos sítios da Rede Natura onde este habitat se encontra melhor representado é o sítio Litoral Norte (Aguiar et al. 2004). 3.2.1 Flora vascular das plantações florestais de pinheiro-bravo Os pinhais apresentam muitas semelhanças com os eucaliptais em termos de produção de manta morta com compostos alelopáticos e hidrofóbicos, mas em menor quantidade. São diversas as espécies com interesse em termos de conservação que podem ocorrer sobre o coberto de pinhal tais como o Ranunculus bupleuroides ou a Succisa pinnatifida, dois endemismos ibéricos que tem a maioria das suas populações em Portugal. Ambas as espécies estão listadas no Livro Vermelho da Flora Vascular Espanhola, estando a Succisa pinnatifida classificada como em Perigo Crítico e o Ranunculus bupleuroides como Vulnerável (Aguiar et al. 2007, Bañares et al. 2003) 3.2.3 Flora briológica das plantações florestais de pinheiro-bravo Nos pinhais com menor perturbação e com maior ensombramento podem encontrar-se comunidades de musgos e hepáticas terrícolas em que são frequentes espécies acidófilas como Calypogeia fissa, Campylopus pilifer, Cephaloziella turneri, Dicranum scoparium, Fissidens dubius, Hypnum lacunosum, Kindbergia praelonga, Lophocolea bidentata, Polytrichum piliferum, Scleropodium purum e Sematophyllum substrumulosum. Nos troncos de pinheiro em que o crescimento já não é tão acelerado e por isso a descamação do tronco é menor, podemos encontrar epífitas como Bryum capillare, Cryphaea heteromalla, Dicranoweisia cirrata, Hedwigia stellata, Hypnum cupressiforme e Metzgeria furcata. 3.2.4 Fauna de vertebrados das plantações florestais de pinheiro-bravo Os povoamentos florestais de resinosas exibem em regra menor biodiversidade em geral, e de vertebrados em particular, quando comparados com os povoamentos de folhosas. No caso particular do pinheiro-bravo (Pinus pinaster), esta tendência é acentuada pelo facto do objetivo principal ser a produção lenhosa, com operações de corte e remoção de árvores a 197 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 2 funcionarem como fatores de perturbação e redução de habitat disponível para as espécies de vertebrados (Silva et al. 2010). Das espécies de vertebrados que frequentemente podem ser encontradas neste biótopo destacam-se, ao nível da herpetofauna, o sapo-corredor (Bufo calamita) (Figura 33), a lagartixa-do-mato (Psammodromus algirus) (Figura 34) e a cobra-lisa-europeia (Coronella austriaca). No que toca aos mamíferos, o esquilo-vermelho (Sciurus vulgaris), que se alimenta das sementes existentes nas pinhas do pinheiro-bravo, o coelho-bravo (Oryctolagus cuniculus) e o rato-cego (Microtus lusitanicus) são espécies cuja ocorrência está frequentemente associada a este tipo de povoamentos florestais (Ferrand de Almeida et al. 2001, Loureiro et al. 2010, Santos et al. 2010). Figura 33 Sapo-corredor (Bufo calamita). Foto de Paulo Barros. Figura 34 Lagartixa do mato (Psammodromus algirus). Foto de Paulo Barros. Em termos de avifauna, surgem frequentemente associados aos bosques dominados por coníferas, o milhafre-preto (Milvus migrans), a águia-cobreira (Circaetus gallicus) e o Açor (Accipiter gentillis) (Equipa Atlas 2008, Catry et al. 2010). Adicionalmente, os pequenos falcões, como o peneireiro (Falco tinnunculus) e a ógea (Falco subbuteo), procuram nos bosques de Pinus sylvestris, ninhos abandonados de corvídeos para aí realizarem as suas posturas. Ocorrem ainda nestes habitats o cuco-rabilongo (Clamator glandarius), embora pouco frequentemente na região norte (Pimenta 1996), e o cuco-canoro (Cuculus canorus), ambos importantes predadores de presas que podem assumir a dimensão de pragas, como a processionária-dos-pinheiros ou alguns lepidópteros (Catry et al. 2010). Do grupo das aves noturnas, a coruja-do-mato (Strix aluco) é a espécie que se destaca, com os seus hábitos marcadamente florestais, a par do bufo-pequeno (Asio otus), embora esta última ocorra de uma forma irregular no nordeste do nosso território. 198 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 2 Ao nível dos passeriformes, a tordoveia (Turdus viscivorus), espécie abundante no norte do país, está bem representada em todos os povoamentos florestais de coníferas instalados nas terras baixas e nas serranias no norte de Portugal (Pimenta 1996). De entre os chapins (família Paridae), apesar da ocorrência regular do chapim-real (Parus major) e chapim-carvoeiro (Parus ater), o chapim-de-poupa (Parus cristatus) é a espécie que ocorre com maior abundância nestes povoamentos, fazendo-se notar ao longo do ano com os seus variados chamamentos (Mullarney 2003). Podem ainda surgir associadas a estes biótopos várias espécies da família Sylviidae, sobretudo se estiver presente subcoberto arbustivo, como a estrelinha-real (Regulus ignicapillus), a toutinegra-de-barrete-preto (Sylvia atricapilla), a felosa-do-mato (Sylvia undata), a felosa-bonelli (Phylloscopus bonelli) e a trepadeira-comum (Certhia brachydactyla). Como espécie típica das manchas de coníferas (e.g. Pinus sylvestris), mais ou menos extensas, destaca-se o cruza-bico (Loxia curvirostra), espécie cuja dieta alimentar depende quase em exclusivo das sementes de variadas espécies de coníferas (Catry et al. 2010). 3.2.5 Fauna de invertebrados das plantações florestais de pinheiro-bravo A fauna de alguns grupos de invertebrados dos pinhais portugueses foi alvo de uma considerável atenção no passado, pelo que os conhecimentos ao nível do inventário são melhores do que para a generalidade das formações florestais. Esta situação é particularmente evidente no caso da Mata de Leiria, para a qual foram publicadas, na primeira metade do século XX, listas de quase todos os grupos de insetos, com particular ênfase nos coleópteros e hemípteros. Num período mais recente, a atenção foi dirigida para grupos com potencial para constituir praga florestal, como é o caso dos coleópteros escolitídeos. 3.3 Outras plantações de folhosas e resinosas São diversas as espécies resinosas e folhosas plantadas no norte de Portugal nos últimos cem anos, tanto pelos serviços florestais como em alguns casos por particulares. Entre as folhosas destacam-se os castanheiros (Castanea sativa), outras espécies de eucalipto como o Eucalyptus camaldulensis, carvalhos-americanos (Quercus rubra) ou o choupo-americano (Populus canadensis). Entre as resinosas destacam-se o pinheiro-silvestre (Pinus silvestris), o cedro-do-buçaco (Cupressus lusitanica) ou o cedro-branco (Chamaecyparis lawsoniana). De todas estas espécies destaca-se o castanheiro pela importância económica e área ocupada. 3.3.1 Habitats de outras plantações de folhosas e resinosas São poucas as plantações florestais que podem ser enquadradas como habitats do anexo I da Directiva Habitats. O caso do castanheiro é paradigmático, porque apesar do habitat 9260- Florestas de Castanea sativa corresponder a bosques naturais de castanheiro em algumas zonas do Sudeste da Europa, foi reinterpretado para o território nacional, sendo que as plantações antigas abandonadas de castanheiro correspondem ao subtipo 2 - Castinçais abandonados (ALFA 2004) (Figura 35). 199 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 2 Figura 35 Castinçal enquandravel no habitat 9260 em Paredes de Coura. Foto de Cristiana Vieira. 3.3.2 Flora briológica de outras plantações de folhosas e resinosas Das formações arbóreas plantadas com mais interesse para conservação de espécies de musgos e hepáticas destacam-se os olivais e castinçais. Nos troncos de oliveiras e castanheiros envelhecidos encontram-se importantes populações de Cephaloziella divaricata, Cryphaea heteromalla, Dialitrichia mucronata, Dicranoweisia cirrata, Frullania dilatata, Grimmia decipiens, Homalothecium sericeum, Leptodon smithii, Leucodon sciuroides, Orthotrichum affine, Orthotrichum lyellii, Porella obtusata, Pterogonium gracile, Radula lindenbergiana, Syntrichia laevipila e Ulota crispa (Garcia 2006). Conhecem-se ainda algumas espécies que colonizam as bases dos troncos de plátanos em sistemas de plantação como Barbula convoluta, Eurhynchium speciosum, Eurhynchium striatum, Isothecium myosuroides, Kindbergia praelonga e Lejeunea cavifolia. 3.3.3 Fauna de vertebrados de outras plantações de folhosas e resinosas Os olivais, principalmente aqueles que apresentam algum desenvolvimento do estrato herbáceo, são biótopos muito importantes para um variado número de espécies de vertebrados. Por exemplo, o ouriço-cacheiro (Erinaceus europaeus) e a toupeira-comum (Talpa occidentalis) são mamíferos frequentemente observados nestes sistemas (Silva 2007). Nos povoamentos florestais mistos de folhosas ocorrem espécies de apetência generalista, como a águia-d’asa-redonda (Buteo buteo), mas também espécies mais especializadas do ponto de vista ecológico como o açor (Accipiter gentillis) ou o gavião (Accipiter nisus) (Pimenta 1996, Equipa Atlas 2008). As aves de rapina noturnas encontram-se representadas por espécies como a coruja-do-mato (Strix aluco) e a coruja-das-torres (Tyto alba), sobretudo nas imediações de campos de cultivo (Patacho 1998), onde nidificam aproveitando as cavidades das árvores antigas (e.g. castanheiros). O mocho-galego (Athene noctua) ocorre na zona nordeste do nosso país muito associado a olivais integrados em sistemas policulturais, nas imediações de terrenos de cultivo e povoações humanas (Pimenta 1996). A seixa (Columba oenas) é frequentemente observada em soutos com castanheiros antigos, onde nidifica, nomeadamente nas serras do Barroso, Coroa e Montesinho. Os olivais destacam-se sobretudo no inverno como habitats onde a ocorrência de bandos de tordos, como o tordo-pinto (Turdus philomelos) e o tordo-ruivo (Turdus iliacus), é frequente 200 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 2 e pela abundância de espécies como a toutinegra- de-barrete (Sylvia atricapilla), tentilhão (Fringilla coelebs) e o chamariz (Serinus serinus). Nos vidoais, e na sua orla, surgem espécies como a petinha-das-árvores (Anthus trivialis), a carriça (Troglodytes troglodytes), o pisco-de-peito-ruivo (Erithacus rubecula) e o chamariz (Serinus serinus), onde estabelecem territórios e nidificam (Pimenta 1996, Patacho 1998, Mullarney 2003, Equipa Atlas 2008). 4. Conclusão A região Norte de Portugal caracteriza-se por uma diversidade notável de ecossistemas florestais, quer naturais (com ou sem gestão) e seminaturais, quer antropogénicos. Estes espaços fornecem habitat para uma enorme diversidade de organismos vivos, incluindo alguns dos mais raros e valiosos elementos da diversidade biológica regional e nacional. No entanto, apesar das melhorias recentes, incluindo o aumento das áreas de floresta natural, dentro das áreas protegidas e fora delas, a biodiversidade das florestas regionais continua sobre ameaça. A crescente procura de recursos e serviços dos espaços florestais coloca pressão sobre estes ecossistemas, e o modo como as florestas são geridas tem um impacto direto sobre a biodiversidade. O Norte de Portugal possui, em comparação com o resto do território continental português, uma grande percentagem de floresta nativa bem conservada. Algumas das melhores extensões de bosques autóctones encontram-se neste território, desde a notável extensão de carvalho-negral do extremo nordeste de Portugal Continental, passando pelos bosques de regeneração natural de carvalho-alvarinho situados no Parque Nacional da Peneda-Gerês e serras envolventes, até às extensas áreas de mortórios de vinha abandonados na bacia do Douro devido à filoxera que se transformaram em formações exuberantes de sobreiral e azinhal, frequentemente com zimbro. Apesar da elevada importância que algumas florestas de origem antropogénica apresentam em termos de serviços ecossistémicos, em particular na vertente de produção, elas não funcionam na maioria das vezes como refúgios adequados para a biodiversidade, o que atribui uma importância acrescida às florestas nativas de extensão considerável, onde os processos naturais se podem desenrolar com menor impacto da intervenção humana. A conservação dos mais notáveis exemplos de floresta autóctone na região, e a sua valorização enquanto fator de identidade e atratividade territoriais, deverá constituir, portanto, uma prioridade estratégica transversal às diversas políticas setoriais que lidam com a gestão do património e dos recursos naturais às escalas regional e nacional. 201 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 2 Referências bibliográficas · Aguiar C. (2002). Flora e Vegetação da Serra de Nogueira e do Parque Natural de Montesinho. Dissertação de Doutoramento, Lisboa, Instituto Superior de Agronomia. · Dumolin-Lapègue S., Demasure B., Fineschi S., Le Corre V., Petit R. J. (1997) – Phylogeographic structure of white oaks throughout the European Continent. Genetics 146: 1475-1487. · Aguiar C., Capelo J. (2004). Os Pinus. In: ALFA. 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Azevedo2, Carlos Guerra3, Vânia Proença4, Claudia Carvalho Santos5,6, Isabel Pôças5, Teresa Pinto Correia1, João Pradinho Honrado5,6 Ribeiro SC, Azevedo JC, Guerra C, Proença V, Santos CC, Pôças I, Correia TP, Honrado JP (2011). Condição e tendências recentes dos serviços de ecossistema florestal no Norte de Portugal. In Tereso JP, Honrado JP, Pinto AT, Rego FC (Eds.) Florestas do Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão. InBio - Rede de Investigação em Biodiversidade e Biologia Evolutiva. Porto. ISBN: 978-989-97418-1-2. Pp 205-247. Resumo: Os serviços de ecossistema florestal estão incluídos num grupo mais vasto, definido como serviços de ecossistema (SE) pelo Millenium Ecosystem Assessement. Os serviços do ecossistema florestal são os benefícios que a sociedade em geral obtém da floresta e incluem serviços de produção, regulação, suporte e culturais. Este capítulo analisa a condição e as tendências recentes de um conjunto de serviços dos ecossistemas florestais no Norte de Portugal no período 1974-2010 e consistiu num esforço interdisciplinar para os descrever e, na medida do possível, não só quantificar mas também mapear a sua distribuição espacial. Na análise dos serviços de produção observou-se, em geral, um alto nível de produtividade das florestas da região Norte, principalmente nas regiões PROF do Alto e Baixo Minho e também no Tâmega. No entanto, a análise do integral anual de NDVI no período 2001- 2010 revelou uma tendência significativa de diminuição da produtividade numa percentagem de píxeis relativos a áreas florestais, com particular incidência em áreas cuja função principal é a produção. Em relação à produção de biomassa, foi estimado que o valor potencial de produção anual só para as duas principais espécies florestais na região (pinheiro e eucalipto) pode representar cerca de 7,3% do consumo de energia eléctrica na região NUTS II Norte (dados relativos a 2009). A análise da condição dos serviços de regulação realizou-se para a regulação e purificação da água, para a mitigação dos riscos naturais e também para o sequestro de carbono. Foi salientada a heterogeneidade da capacidade de provisão dos serviços de regulação e purificação da água nas regiões do Minho e Trás-os-Montes, bem como o importante papel das florestas regionais na fixação de carbono. Em relação à mitigação de riscos naturais (ex. erosão do solo), a condição foi descrita como preocupante já que muitas das áreas de aptidão florestal estão localizadas em áreas de elevado potencial de erosão. Nos serviços de suporte foi analisada a condição da biodiversidade em áreas florestais realçando o papel das florestas autóctones de carvalhos na provisão deste serviço ainda que na região Norte a área destas florestas se mantenha inferior à área ocupada por florestas plantadas sendo também a sua distribuição dispersa e fragmentada. No que respeita aos serviços culturais, ainda que demonstrada a elevada “capacidade” da paisagem no Norte para satisfazer diferentes procuras sociais foi também realçado que diferentes tipos de floresta “podem satisfazer de modo diferente públicos distintos”. Mais preocupante ainda é a possibilidade de que as preferências imediatas da sociedade em relação a um tipo de serviço (ex. recreio) 1 Instituto Ciências Agrárias e Ambientais Mediterrânicas (ICAAM), Universidade de Évora (UE). 2 Departamento de Ambiente e Recursos Naturais & Centro de Investigação de Montanha (CIMO), Escola Superior Agrária, Instituto Politécnico de Bragança. 3 GeoSys: Geomática e Análise de Sistemas Ambientais, Escola Superior Agrária de Ponte de Lima, Instituto Politécnico de Viana do Castelo. 4 Faculdade de Ciências, Centro Biologia Ambiental (CBA), Universidade de Lisboa. 5 InBio / CIBIO-Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos, Universidade do Porto. 6 Departamento de Biologia, Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. 206 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 poderem pôr em causa a provisão de outros serviços (ex. protecção do solo). Finalmente, o capítulo explora tendências recentes de acordo com três cenários possíveis: um cenário de continuidade, um outro relacionado com o abandono rural e de regeneração da floresta nativa, e um terceiro em torno da intensificação da gestão para fins de produção. CONDITION AND RECENT TRENDS OF FOREST ECOSYSTEM SERVICES IN THE NORTH OF PORTUGAL Abstract: Ecosystem services from forests are included in a larger set of services provided by the environment defined as the benefits people obtain from ecosystems by the Millenium Ecosystem Assessement. This chapter analysis both the condition and recent trends of change for a set of ecosystem services in Northern Portugal in the period 1974-2010. This work is a multidisciplinary effort to describe, and when possible, to quantify and map the spatial distribution of forest ecosystem services across the Northern region of Portugal. The analysis of production services show that there is, in general, a high productivity level which peaks in both Alto and Baixo Minho as well as Tâmega regions. Nevertheless, despite having high levels of productivity the analysis of the NDVI index for the period 2001-2010 showed a significant trend for decreasing productivity specialy in the areas allocated to production functions. As far as production of biomass is concerned, there is too a high productivity level and it has been estimated that only the two major tree species (pine and eucalyptus) in the region are able to supply annually 7.3% of the electric energy needs in the Northern region (data for 2009). The analysis of the condition of regulation services was undertaken to water regulation and purification, soil erosion as well as carbon sequestration. It was highlighted the heterougeneous capacity of provisioning water regulation and purification services across the Minho and Trás-os-Montes regions as well as the important role of forests in cabon sequestration. Concerning soil erosion there are serious concerns that forests in the region are not able to supply this service in the proportion it is required as some forests are located in prone to erosion areas. As far as the support system is concerned the condition of biodiversity in forest areas has been assessed and the role of the native oak trees higligthed despite the fact that the majority of the forests in the North were planted and its distribution disperse and fragmented. For the cultural ecosystem services it was shown that the diverse forest landscape settings in the north are likely able to fulfill multiple social demands, however, different forest types may suit differentially public and user groups. Consequentely, another issue raised was that the preferences by people for a certain amenity activity (e.g. recreation) may compromise other ecosystem services (e.g. prevent soil erosion). Finaly, the last section of the chapter explores three possible trends of change framed, in a very simplistic way, as scenarios: one of them focuses on continuity, the second one explores the possible future in which abandonment and enchorachment of oak native forests occurs. A third one focusses on management intensification enhacing forestry productive functions. 207 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 1. Introdução 1.1. A floresta em múltiplas escalas Pelo seu longo ciclo de vida, as árvores e por conseguinte as florestas, atravessam os diferentes horizontes temporais abordados nos capítulos deste livro. As florestas atuais são um legado do passado e as florestas do futuro construir-se-ão com base no capital do presente. Este capítulo sobre a condição atual e as tendências dos Serviços do Ecossistema Florestal (SEF) no Norte de Portugal, focaliza-se no período do Portugal democrático, desde 1974 até à atualidade (2010). Foram inúmeras as alterações ao longo destas quatro décadas que direta ou indiretamente afetaram as florestas na região Norte de Portugal. Estas alterações, ou melhor os promotores que potenciaram as alterações, tiveram muitas vezes origem a outras escalas, nomeadamente às escalas mundial, europeia e nacional, mas também à escala local, uma vez que as dinâmicas locais (como as alterações no uso do solo) podem ter repercussões nas dinâmicas regionais. À escala mundial tem sido crescentemente reconhecida a necessidade de adotar estratégias de desenvolvimento sustentável. Principalmente depois da conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento, que decorreu no Rio de Janeiro em 1992, foram assinados vários acordos internacionais para proteger a integridade do sistema global de ambiente e desenvolvimento (WCED 1987) e foi também consensual a necessidade de implementar esquemas de gestão sustentável das florestas (e.g. Forest Stewardship Council (FSC)). Diversos conceitos e teorias surgiram na sequência destas iniciativas, sendo recorrentemente assinalada a necessidade de os operacionalizar, no sentido da implementação de modelos de desenvolvimento sustentável, concertando esforços entre as escalas locais, regionais, nacionais, continentais e mundiais (OECD 2006, Radich e Alves 2000). Um dos conceitos usados para alargar a componente da sustentabilidade no setor florestal a outras funções, para além de assegurar a regularidade de fornecimento de matérias primas à indústria, foi “o uso múltiplo da floresta”. A sua definição surgiu nos Estados Unidos da América (EUA) na década de 1960 como sendo: “A exploração da floresta de modo a conservar os recursos naturais dos solos, dentro de um nível elevado de produção dos cinco principais usos: material lenhoso, água, pastagem, recreio e fauna selvagem, para benefício em larga escala de um número cada vez maior de pessoas,...” (Radich e Alves 2000:179). Outro conceito muito usado, principalmente nos EUA e Canadá, para abordar a componente da sustentatibilidade no setor florestal foi o conceito de “Ecosystem Management” (UNEP 2011). De entre muitas outras iniciativas à escala mundial que usaram este conceito destaca-se mais recentemente o “Millennium Ecosystem Assessement” (MA 2003) com o objetivo de avaliar a condição dos vários ecossistemas (incluindo as florestas) a múltiplas escalas. À escala Europeia refletiram-se claramente as dinâmicas mundiais, e consequentemente no “velho continente” organizaram-se inúmeras Conferências Ministeriais para a Proteção das Florestas na Europa (MCPFE) nomeadamente em Estrasburgo (1990) - que foi até anterior à conferência do Rio -, Helsinkia (1993), Lisboa (1998), Viena (2003) e Varsóvia (2007), nas quais o conceito de gestão florestal sustentável foi ganhando crescente relevância. Ainda que sem 208 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 uma política florestal comum, a União Europeia (UE) influenciou (e continua a influenciar) as políticas florestais nacionais dos estados membros, nomeadamente através das medidas de desenvolvimento rural (Radich e Alves 2000). Na Europa, a área florestal tem vindo a aumentar e a inversão de desflorestação para um ligeiro aumento da área florestal foi denominado de “transição florestal” (“forest transition”) (Mather e Needle 1998). Em paralelo, a importância da floresta para funções para além das produtivas, sobretudo produção de lenho, incluindo as de recreio, proteção e conservação, tem sido crescentemente reconhecida (DGF 1999). Em Portugal, tem sido notório que o “desenvolvimento”, conciliando preocupações ambientais, económicas e sociais é difícil de alcançar. Todavia, o conceito de uso múltiplo foi adotado em Portugal nos anos 1980 e aplicado no âmbito do Programa de Acção Florestal (PAF) bem como noutros instrumentos da política florestal. Nas décadas seguintes (1990 e 2000), em consonância com as dinâmicas Europeias, outro conceito teve relevância a par da política florestal nacional, concretamente o novo paradigma da “gestão florestal sustentável”. Mais recentemente surge o conceito de “serviços dos ecossistemas florestais” (SEF), que será detalhadamente abordado no decorrer deste capítulo. Nas últimas quatro décadas o setor florestal nacional passou por inúmeras alterações ao nível legislativo, com relevância para a evolução recente dos espaços florestais. Desta panóplia salientamos apenas duas: os documentos legais que regem a gestão comunitária das terras baldias, pela representatividade em termos de área que os terrenos comunitários têm no Norte de Portugal, e a lei de bases da política florestal. Em relação à primeira, os Decretos Lei nº 39 e 40 de 1976 e a lei dos baldios 68/93 são de extrema importância no Norte e Centro de Portugal, ao proclamarem a “entrega dos terrenos baldios às comunidades locais”. No mais recente inquérito realizado a nível nacional (em 2000), registaram-se 820 unidades de baldio, das quais 675 possuem extensão conhecida. Destas 675 unidades, 43% (292) têm áreas iguais ou inferiores a 100 hectares, enquanto 57% (383) dos baldios inquiridos têm áreas superiores a 100 hectares (Baptista 2010). Em relação à lei de bases da política florestal (lei n.º 33/96 de 17 de Agosto), esta é o principal instrumento de orquestração de toda a política florestal em Portugal e previu a criação de instrumentos setoriais de planeamento, nomeadamente os Planos Regionais de Ordenamento Florestal (PROF) - regulados pelo Decreto-Lei n.º 204/99 de 9 de Junho - que estabelecem as normas de intervenção sobre a ocupação e a utilização dos espaços florestais. Também a Estratégia Florestal Nacional (EFN) suporta os PROF e explicita os seus principais eixos (ver capítulo III.1). 1.2. As florestas e os seus serviços no norte de Portugal Considera-se aqui, na maioria das análises realizadas ao longo deste capítulo, que a região Norte de Portugal abrange a área geográfica dos seguintes PROFs: Alto Minho, Baixo Minho, Barroso e Padrela, Nordeste, Douro, Tâmega, e Área Metropolitana do Porto e Entre Douro e Vouga (AMPEDV) (ver Figura 1). Por falta de informação geográfica a esta escala, a análise dos serviços de mitigação de riscos naturais e controlo da erosão apresenta uma área geográfica ligeiramente diferente. Este facto será explicado na Secção 2.2.3. 209 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 Figura 1 Área geográfica das sete regiões PROF no Norte de Portugal. Na região Norte, as áreas florestais (áreas ocupadas por arvoredos florestais de qualquer porte, com uso silvopastoril ou incultos de longa duração) que compreendem povoamentos e formações arbóreas (48%) e matos ou incultos (52%), ocupam 1 293 400 hectares, perfazendo 60% da superfície da região (PROT-N 2009). A comparação dos dois últimos Inventários Nacionais (1995/98 e 2005/06) revela uma redução de 7% dos povoamentos florestais no Norte, ao contrário da tendência geral no país, com 2% de acréscimo da superfície florestal arborizada, redução esta que se ficou a dever à perda de áreas de povoamentos (-20%) e de outras áreas arborizadas (-52%); no entanto, no mesmo período aumentaram as áreas de matos (+14% em 2005-06 do que em 1995/98). A perda sofrida na superfície dos povoamentos florestais na última década afetou quase todas as espécies arbóreas inventariadas; destaca-se, em valores absolutos, a perda mais acentuada nos povoamentos de pinheiro bravo, seguida dos povoamentos de eucalipto. No entanto, perdas mais significativas, em valor percentual das áreas preexistentes, ocorreu nas espécies de sobreiro e azinheira (espécies atualmente protegidas por legislação específica) e nas resinosas diversas (PROT-N 2009). Igualmente preocupante é a redução em 27% da superfície de povoamentos de castanheiro e de folhosas diversas (PROT-N 2009). Contrariando a tendência regressiva, verificou-se o aumento da superfície ocupada por carvalhos em quase toda a região, com particular relevância para as NUT III Minho-Lima e Douro. Já as perdas registadas nas espécies de sobreiro, azinheira e resinosas diversas incidem sobretudo na sub-região de Trás os Montes (Alto Trás os Montes e Douro). Apesar das perdas registadas, o contributo da região Norte para a diversidade da floresta do país é ainda fundamental: aqui se concentram mais de 60% das formações arbóreas de 210 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 carvalhos, folhosas e resinosas diversas e 87% dos povoamentos de castanheiro. A superfície de pinhal e de eucaliptal, que representam respectivamente 27% e 19% do total no país, são também indicativos da sua importância estratégica no contexto nacional (PROT-N 2009). As Tabelas 1 e 2 descrevem a área com uso florestal nas diferentes regiões PROF (AFN 2010). As espécies mais representativas da floresta do Norte de Portugal são o pinheiro bravo (Pinus pinaster), representando aproximadamente 45% dos povoamentos florestais, o eucalipto (Eucalyptus globulus), com 22%, e os carvalhos (principalmente Quercus robur, a Oeste, e Quercus pyrenaica, a Este) com 16% dos povoamentos florestais (Tabela 2). Tabela 1 Área de uso florestal no Norte de Portugal por Região PROF. Fonte: 5º Inventário Florestal Nacional (AFN 2010). Área Florestal Região PROF (ha) (%) Alto Minho 68486 30.87 Baixo Minho 78623 31.55 Tâmega 93390 35.65 AMP e Entre Douro e Vouga 69175 41.31 Barroso e Padrela 87996 30.41 Nordeste 150532 28.52 Douro 132457 32.24 Total/Média 680659 31.98 Tabela 2 Área (em hectares) ocupada pelas principais espécies florestais do Norte de Portugal por Região PROF em povoamentos florestais. Fonte: 5º Inventário Florestal Nacional (AFN 2010). Região PROF Pinheiro- Eucaliptos Sobreiro Azinheira Carvalhos Castanheiro Acácias bravo Alto Minho 28033 18882 Baixo Minho 33721 28486 26 Tâmega 40480 25075 112 AMP e 14348 43266 Barroso e Padrela 48629 2100 1343 385 9166 3838 Nordeste 43199 6461 6778 2744 40298 18452 Douro 50864 3939 3676 3837 15434 3393 259274 128209 11935 7013 91602 26233 44.92 22.21 2.07 1.21 15.87 4.54 Outras Outras folhosas resinosas 12128 157 125 2876 1442 25 6452 299 50 5211 108 22 7481 76 175 7157 266 25 3260 25 3956 753 6733 14834 4041 1881 400 33234 19309 0.07 5.76 3.35 643 Entre Douro e Vouga Total % 25 Cada região PROF definiu para as diferentes sub-regiões homogéneas um conjunto de três funções principais de entre um conjunto de cinco possíveis, nomeadamente: produção (pd), proteção (pt), conservação (c), recreio (r), e silvopastorícia, caça e pesca (sp/c). A Figura 2 mostra em tons de laranja a castanho as sub-regiões homogéneas cuja função principal é produção. Dentro desta vasta área são visíveis as sub-regiões homogéneas onde a produção 211 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 é diversamente conjugada com as outras duas funções também consideradas prioritárias. Com tons de magenta a verde-água aparecem as sub-regiões cuja função principal é a silvopastorícia, caça e pesca (também conjugadas com as restantes duas funções principais), a verde escuro as sub-regiões onde a função principal é a conservação, e, finalmente, a verde claro, as sub-regiões homogéneas cuja função prioritária é a proteção (também conjugada com as restantes duas funções principais). Figura 2 As três funções principais nas sub-regiões homogéneas como definidas nos vários PROFs. Os serviços de ecossistema providenciados pela floresta (benefícios que a sociedade obtém dos ecossistemas florestais) podem ser categorizados em quatro grupos, de acordo com a tipologia proposta pelo “Millennium Ecosystem Assessement” (MA 2003): serviços de produção, serviços de regulação, serviços de suporte e serviços culturais. Os serviços de produção geram produtos que as pessoas obtêm da floresta tal como lenha e madeira, mas também produtos não lenhosos como cogumelos silvestres e caça. Os serviços de regulação são os benefícios que se obtêm por exemplo da regulação do clima e do regime hídrico, e do controlo da erosão do solo. Os serviços de suporte são todos aqueles que são necessários para gerar todos os outros serviços dos ecossistemas, incluindo importantes funções dos ecossistemas tais como a produção primária, a produção de oxigénio, a formação do solo e a biodiversidade. Finalmente, os serviços culturais são todos os benefícios não materiais que as pessoas obtêm dos ecossistemas florestais, como oportunidades de recreio e de bem-estar espiritual. 212 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 Como ilustra a Figura 3, os locais onde os serviços, ou seja os benefícios são gerados (B) e os locais onde estes são produzidos (P) podem ocorrer nos mesmos locais ou em diferentes locais na paisagem: 1) In situ: benefícios no local onde a floresta está localizada e onde, portanto, os serviços são gerados; 2) Omnidirecionalmente: benefícios gerados sem direção definida, como no caso da polinização, sequestro de carbono, biodiversidade; 3 e 4) Direcionalmente: benefícios gerados numa determinada direção - caso das florestas situadas a montante nas bacias hidrográficas, onde regulam o fluxo de água (3) ou as florestas das dunas que protegem as zonas costeiras da erosão (4) (Fisher et al. 2004). Figura 3 Relação espacial entre os locais onde os SEF são produzidos (P) e os benefícios gerados (B) na paisagem. Não é possível no âmbito de um trabalho desta natureza descrever todos os serviços de ecossistema da floresta no norte de Portugal. Deste modo, irá ser explorada uma seleção de diferentes tipos de SEF. A Tabela 3 resume o tipo de serviço e também os possíveis locais onde o correspondente benefício é gerado. Tabela 3 Serviços de ecossistema florestal estudados no âmbito do capítulo. Serviços de Ecossistema Florestal Suporte No Local Regulação Culturais -Produtividade primária -Biomassa -Cogumelos silvestres Direccional Omnidireccional Produção -Regulação e purificação da água -Mitigação de riscos -Sequestro de carbono -Biodiversidade -Recreio e lazer Na análise deste conjunto diversificado de SEF no norte de Portugal foi necessário, em termos metodológicos, recorrer a diferentes fontes e tipos de dados que serão descritos nas 213 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 respetivas secções do capítulo. Também em casos pontuais foi usado um conceito estrito de “floresta” (espaços florestais efetivamente arborizados) enquanto no geral as análises focaram a sua atenção nas florestas e suas dinâmicas no seio dos espaços florestais (incluindo os não arborizados) e da paisagem. Referências gerais usadas ao longo do texto reportam dados das entidades oficiais, nomeadamente os dados do Inventário Florestal Nacional (IFN) da Autoridade Florestal Nacional (http://www.afn.min-agricultura.pt/portal/ifn). Nas análises onde foi necessário usar dados da cobertura florestal espacialmente explícitos, foram usados os dados cartográficos do Instituto Geográfico Português (http://www.igeo.pt/e-IGEO/egeo_ downloads.htm) (“Corine Land Cover” e Carta de Ocupação do Solo) (exceção feita para a Secção 2.1.1, em que foram usados dados de satélite, nomeadamente do sensor MODIS). Assim, a estrutura deste capítulo é a seguinte: a Secção 2 aborda os diferentes tipos de serviços, ou seja, produção (Secção 2.1), regulação (Secção 2.2.), suporte (Secção 2.3) e culturais (Secção 2.4); a Secção 3 analisa o uso e as preferências sociais das florestas no Norte; e finalmente a Secção 4 explora possíveis tendências na condição dos serviços de ecossistema pelas florestas regionais. 2. A condição dos serviços de ecossistema florestal no Norte de Portugal 2.1. Serviços de Produção 2.1.1. Aspetos gerais Os benefícios mais reconhecidos que os ecossistemas florestais proporcionam ao Homem são os seus produtos lenhosos e não lenhosos. A fileira florestal nacional exporta anualmente mais de 3500 milhões de euros, principalmente para a União Europeia, com valores sensivelmente semelhantes entre as indústrias da pasta, papel e cartão, as indústrias da madeira e da cortiça, e o fabrico de mobiliário e de colchões (DNFF 2010). A fileira florestal representa um valor líquido positivo nas exportações portuguesas, por oposição ao restante setor agrário bem como em geral ao balanço comercial do país. Para além do acima referido, o setor florestal emprega, direta e indiretamente, cerca de 3% da população ativa em Portugal (DNFF 2010). Os produtos lenhosos da floresta bem como o seu valor económico serão abordados nos capítulos da terceira parte deste livro. As condições ambientais de Portugal são favoráveis à produção florestal, quer para obtenção de materiais lenhosos, quer para exploração de produtos não lenhosos. A diversidade de condições permite distinguir 12 grandes regiões de arborização, das quais essencialmente quatro estão representadas no Norte do País (Alves 1982): (i) região basal atlântica, situada no litoral e com elevadas potencialidades de crescimento para espécies como o pinheiro-bravo e o eucalipto; (ii) região montana subatlântica, integrando as serras de Trás-os-Montes e incluindo grande diversidade de espécies (e.g. castanheiro, carvalho-negral e pinheiro-bravo) e áreas de aproveitamento silvo-pastoril nos planaltos; (iii) região montana ibérica, integrando a zona mais oriental do Norte de Portugal, onde as pastagens compartimentadas por vegetação arbórea (e.g. ulmeiros, freixos, bosquetes de resinosas) são características; e (iv) região submontana subatlântica, numa área de transição entre as restantes regiões, onde se adapta o pinheiro-bravo como espécie rústica mas também espécies folhosas como o castanheiro (para produção quer de madeira quer de fruto). 214 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 2.1.2. Padrões da produtividade primária no Norte de Portugal A capacidade de produzir bens materiais capitaliza a produtividade primária do ecossistema florestal, que pode ser considerada um serviço de suporte (pois é a base de funcionamento do ecossistema Cap. II.1; Quadro 4) (MA 2003). No entanto, este capítulo considera-a nas funções de produção já que é aqui entendida como uma aproximação a esses serviços, dada a relação direta entre a produtividade primária e produtos lenhosos e não lenhosos (ex. produção de biomassa ou cogumelos silvestres). Tradicionalmente, as estimativas de produtividade florestal baseiam-se em informação recolhida à escala da parcela, o que constitui um processo moroso e caro. Por outro lado, a extrapolação dessa informação para uma escala regional é frequentemente condicionada pela variabilidade espacial dos fatores que afetam a produção florestal, de modo particular a topografia, o clima e a gestão florestal. Neste contexto, a obtenção de estimativas de produtividade florestal através de dados derivados por deteção remota apresenta-se como uma alternativa para ultrapassar algumas das limitações decorrentes dos métodos tradicionais. Ao garantir observações consistentes e sistemáticas sobre uma mesma área, a deteção remota permite aplicações numa grande diversidade de domínios, entre os quais constam a monitorização de dinâmicas da vegetação e dos ecossistemas e a descrição da heterogeneidade espacial do funcionamento dos ecossistemas em escalas locais, regionais e globais (Alcaraz-Segura et al. 2008, 2009). Para estas aplicações é frequente o recurso a índices de vegetação (IV), de modo particular o NDVI (Normalized Difference Vegetation Index), que traduz o contraste entre a máxima absorção de radiação pela vegetação na zona do vermelho do espetro eletromagnético, devido à presença da clorofila, e a máxima reflectância no infravermelho próximo devido à estrutura celular foliar (Rouse et al. 1973). Diversos estudos comprovam a relação do NDVI com vários parâmetros biofísicos das plantas, relacionados com a fenologia da vegetação, a radiação fotossinteticamente ativa absorvida, a biomassa e a produção primária (Glen et al. 2008, Maire et al. 2011, Paruelo et al. 1997, Wu et al. 2010, Xiao et al. 2006). A utilização de sensores com elevada resolução temporal1 (e.g. MODIS, com resolução temporal diária) permite obter perfis anuais de NDVI característicos de diferentes tipos de vegetação/ecossistemas. A partir destes perfis é possível calcular métricas, entre as quais o integral anual de NDVI, que corresponde ao somatório dos valores de NDVI ao longo da estação de crescimento. Este integral de NDVI possui uma relação linear com a produtividade (Guerschman e Paruelo 2005, Pettorelli et al. 2005), constituindo por isso um indicador fiável de produtividade. A Figura 4(a) apresenta o integral anual de NDVI, calculado a partir de dados do sensor MODIS (resolução espacial2 de 250 m), em áreas de ocupação florestal no Norte de Portugal (de acordo com a carta de ocupação do solo “Corine Land Cover”, CLC, para 2006). 1 A resolução temporal corresponde ao tempo necessário para recolher uma nova imagem no mesmo local. 2 A resolução espacial representa o tamanho do menor objeto no solo que se consegue detetar na imagem, com correspondência ao tamanho do píxel. 215 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 Figura 4 Classes do integral anual do NDVI (média de 10 anos: 2001-2010) derivado a partir de dados do sensor MODIS: (a) para as áreas de ocupação florestal (incluindo florestas de resinosas, folhosas e mistas) de acordo com a carta CLC 2006; (b) para as áreas de ocupação florestal das sub-regiões homogéneas com função principal de produção. De uma forma genérica, as áreas florestais do Norte de Portugal apresentam integral anual de NDVI elevado a muito elevado, registando-se uma predominância das áreas de valores mais elevados nas regiões PROF do Alto Minho, do Baixo Minho e do Tâmega (Figura 4a), com particular incidência nas áreas situadas abaixo dos 700 metros de altitude. Nas sub-regiões homogéneas em que a função principal é a produção, cerca de 81% dos píxeis de áreas florestais integram as classes de valores elevados e muito elevados de integral de NDVI, indicando níveis de produtividade igualmente elevados (Figura 4b). Nestas mesmas áreas, cerca de 96% dos píxeis com integral anual de NDVI mais alto ocorrem nos andares altimétricos sub-montano e montano (400-1000 m). A análise da série temporal de dados de integral anual de NDVI no período entre 2001 e 2010 revela uma tendência estatisticamente significativa de alteração em 9% dos píxeis com ocupação florestal, dos quais 6% correspondem a uma tendência negativa, isto é, de diminuição do integral anual de NDVI, e 3% a uma tendência positiva, ou seja, de aumento daquela métrica. A maior concentração de píxeis com tendência de diminuição do integral anual de NDVI, e consequentemente da produtividade, ocorreu nas regiões PROF do litoral norte – Área Metropolitana do Porto e Entre Douro e Vouga, Baixo Minho, e Alto Minho –, onde o elevado número de fogos, a reduzida dimensão da propriedade e o alheamento da administração florestal são apresentados como algumas das principais ameaças e pontos fracos (DGRF 2006a; 2006b; 2006c). Neste mesmo período (2001-2010), a percentagem de píxeis com tendência de alteração significativa face ao total de píxeis de áreas florestais por função principal variou entre 7,5% (silvopastorícia, caça e pesca) e 9,0% (produção), conforme se observa na Figura 5. Contudo, 216 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 é de realçar que, do total de píxeis florestais com tendência de alteração significativa, cerca de metade foram registados em sub-regiões homogéneas cuja função principal é a produção (Figura 5); destes píxeis, 72% registaram tendência negativa e 28% tendência positiva. A predominância de píxeis com tendência de diminuição do integral de NDVI (e consequentemente da produtividade) em áreas cuja função principal é a produção poderá estar associada aos cortes florestais, bem como à elevada ocorrência de incêndios na última década e, em alguns casos, à ainda elevada existência de espaços florestais em que a gestão é reduzida ou nula. Figura 5 Percentagem de pixéis com tendência de alteração do integral anual de NDVI por tipo de função principal das áreas de ocupação florestal: (a) face ao total de pixéis de áreas florestais por função principal; (b) face ao total de pixéis com tendência significativa. Os padrões e as dinâmicas do NDVI no Norte de Portugal revelam, portanto, que: (i) a produtividade primária, suporte de diversos serviços de ecossistema, possui um padrão heterogéneo no contexto regional; (ii) as áreas florestais da região Norte possuem um elevado potencial produtivo; e (iii) registou-se uma tendência predominante de diminuição da produtividade primária na última década, estando ainda, no entanto, por identificar com rigor os determinantes dessa tendência. A análise pormenorizada da informação gerada através de dados de deteção remota acerca de indicadores de produtividade potencial das áreas florestais e suas tendências na última década poderá constituir uma ferramenta de apoio à gestão florestal, tendo como objetivo a melhoria da eficiência e competitividade do setor. 217 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 2.1.3. Biomassa para Energia Outro “produto” com origem no ecossistema florestal e que se baseia na produtividade primária é a biomassa para energia. A biomassa produzida por fotossíntese e acumulada nas plantas, principalmente nas árvores, ao longo do seu crescimento acumula consideráveis quantidades de energia que é habitualmente aproveitada, sob a forma de lenha, para produção de calor doméstico (aquecimento de edifícios, por exemplo) ou industrial (para produzir vapor, por exemplo). Este vapor pode, por sua vez, ser utilizado para produzir eletricidade. A energia da biomassa é habitualmente considerada muito interessante, quer numa perspetiva energética, quer do ponto de vista ambiental, por ser abundante e renovável, ter associado um balanço neutro de CO2 à sua utilização, possuir um baixo risco de contaminação ambiental, permitir autossuficiência energética regional/nacional nalguns setores da atividade económica e ainda promover o desenvolvimento socioeconómico a nível local. No entanto, existem argumentos que alertam para a necessidade de uma gestão atenta deste recurso florestal, já que a pressão associada a uma recolha de biomassa economicamente viável poderá comprometer funções ecológicas importantes, incluindo a regeneração dos povoamentos. A energia da biomassa é habitual e tradicionalmente utilizada no Norte de Portugal, principalmente a partir de lenhas utilizadas para aquecimento em lareiras, fogões de sala e recuperadores de calor ou na confeção de alimentos em fogões. No distrito de Bragança, por exemplo, as lenhas representam 27% da energia primária (Ferreira 2008), havendo mercados organizados para este produto. No grupo das fontes de energia renováveis, o peso da biomassa na produção energética nacional tem, no entanto, sido discreto. Com exceção de alguns setores da indústria que aproveitam de forma significativa a energia da biomassa, nomeadamente a indústria de papel e pasta de papel, a conversão de energia da biomassa tem tido poucos desenvolvimentos no nosso país. Até muito recentemente, apenas duas centrais termoeléctricas baseadas em biomassa se encontravam em funcionamento, nenhuma das quais na região Norte. A Estratégia Nacional para a Energia de 2006 propôs instalar no país uma potência eléctrica de 250 MWe a partir da biomassa florestal até 2010/2011, através da construção de 15 centrais termoeléctricas de baixa potência. Este programa destinava-se igualmente a contribuir para a redução de combustíveis nas florestas, permitindo que os resíduos das limpezas tivessem um valor resultante do estabelecimento de um mercado de biomassa para produção de eletricidade. Das 15 centrais previstas, seis destinavam-se à região Norte, embora nenhuma delas tenha sido concluída de acordo com o programa estabelecido. A Estratégia Nacional para a Energia (ENE 2020) defende o aumento do contributo da biomassa para a produção energética nacional, nomeadamente através de culturas dedicadas de rápido crescimento que, até 2020, deverão representar 30% do abastecimento de centrais termoelétricas a biomassa. No âmbito do setor da biomassa para energia, as principais evoluções recentes foram registadas ao nível da produção de “pellets” de biomassa, principalmente industriais. Várias unidades de grande dimensão têm vindo a ser instaladas, principalmente na região Centro, encontrando-se entre as unidades com maior capacidade de produção da Europa, para onde exportam de forma quase exclusiva a sua produção. Esta biomassa florestal é utilizada em centrais termoelétricas de países como a Dinamarca ou a Alemanha. No Norte de Portugal, existem atualmente unidades de produção em Lousada, Chaves, Braga, Melgaço e Caminha, havendo, no entanto, ainda alguma capacidade para expansão do setor. 218 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 Em síntese, o potencial da região Norte para produção de energia a partir da conversão da biomassa florestal é muito elevado. Tal resulta não só da considerável área que as florestas da região representam (Tabela 1) como também das elevadas produtividades aí observadas, sobretudo nas áreas de maior influência atlântica. No distrito de Bragança, que tem uma percentagem de ocupação florestal relativamente baixa (cerca 29% do território) e onde se observa a produtividade mais baixa no país para o pinheiro-bravo (1.4 ton ms/ha.ano), a única espécie que permite comparações à escala nacional, estimou-se que a biomassa produzida anualmente é suficiente para proporcionar a energia necessária para satisfação das necessidades dos setores doméstico e industrial/comercial do distrito, permitindo ainda o excedente assegurar a produção de 73.5 GWh de eletricidade, ou assegurar uma potencia instalada de 13 MWe (Azevedo et al. 2011). Efetuando uma análise com uma metodologia semelhante à escala da região Norte, e considerando apenas dados relativos ao pinheiro-bravo e ao eucalipto, que representam 67% de toda a área florestal da região, estimamos que o crescimento anual da biomassa florestal atual equivale a uma energia total de 18.2PJ que, se convertida em energia eléctrica, corresponderia a 1.1TWh (ou a uma potência instalada de 154MW1) em toda a região. Este valor representa cerca de 7,3% do consumo de 15,1TWh de energia elétrica na região NUTS II Norte em 2009. 2.1.4. Recolha e comercialização de cogumelos silvestres Os sistemas florestais e agroflorestais do Norte de Portugal são particularmente ricos em cogumelos silvestres (macromicetas ou macrofungos). Inúmeras espécies frutificam no OutonoInverno ou no início da Primavera, proporcionando um recurso abundante e de elevado valor cultural e comercial. A diversidade, a ecologia e a distribuição das espécies de macrofungos não são, no entanto, integralmente conhecidas no contexto regional. Em Trás-os-Montes, trabalhos de investigação conduzidos desde os anos 1980 têm contribuído para a consolidação do conhecimento fundamental sobre a diversidade regional e local de cogumelos, em particular nos habitats dominados por castanheiro (Castanea sativa), carvalho-negral (Quercus pyrenaica), azinheira (Quercus rotundifolia) e pinheiro-bravo (Pinus pinaster), revelando uma diversidade de macrofungos muito elevada (Baptista 2007). A diversidade e a abundância de macrofungos noutras regiões do Norte de Portugal são, pelo contrário, praticamente desconhecidas, embora se preveja que sejam igualmente elevadas nos habitats florestais do Noroeste, tendo como base o conhecimento existente em regiões ecologicamente semelhantes, nomeadamente a Galiza. A recolha de cogumelos para consumo é uma atividade com muita tradição e importância gastronómica e económica nas regiões do interior. Em Trás-os-Montes, é realizada uma recolha tradicional de cogumelos de diversas espécies para consumo humano (Martins 2004). Existe conhecimento popular sobre a fenologia e a distribuição das espécies por tipo de habitat, sendo abundantes as designações comuns para diversas espécies. Outro elemento notável do interesse e gosto pelos cogumelos nesta região é o cultivo tradicional e doméstico de repolgas (Pleurotus ostreatus) em troncos de árvores. 3 Admitindo uma energia química de 18 GJ/ton de matéria seca; 7200 horas por ano de funcionamento de uma central termoelétrica; e uma taxa de conversão para energia elétrica de 22%. 219 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 A partir do inicio dos anos 1990 do século transato, a recolha de cogumelos passou a ser feita principalmente por motivos comerciais. Os preços consideráveis pagos ao coletor e a existência no terreno de redes de comercialização perfeitamente definidas, assegurando o escoamento deste recurso, fomentaram a recolha regular de cogumelos, mesmo nas regiões onde não existia recolha tradicional para consumo. São assim muitas as pessoas que, principalmente no período Outono-Inverno, se dedicam a esta atividade. O valor elevado dos cogumelos resulta da elevada procura existente em países tradicionalmente consumidores destes alimentos (Espanha, França, Itália), onde as produções locais são insuficientes para abastecimento do mercado. Estes países são os destinos habituais dos cogumelos da região Norte. Os preços pagos ao colector variam com a sazonalidade da oferta, mas permitem que a recolha de cogumelos constitua um complemento importante dos rendimentos das famílias. Em Trás-os-Montes as espécies mais recolhidas para comercialização são Amanita caesarea, Boletus pinicola, B. edulis, B. aereus, Hydnum repandum, Lactarius deliciosus, Tricholoma equestre, T. portentosum e T. georgii. Os preços mais elevados praticados em Trás-os-Montes são da ordem dos 60€/kg para a espécie Tricholoma georgii (Garcia et al. 2006). O valor do serviço de produção de cogumelos nas florestas do Norte do país não está calculado. No entanto, pela dimensão visível do fenómeno de recolha e comercialização de macrofungos, no entanto estima-se que possa ser considerável. O facto de as produções serem anuais e ocorrerem em duas épocas do ano, permite considerar que no período de vida de um povoamento florestal o valor possa ser comparável ao valor dos produtos principais da atividade florestal. No entanto, a recolha comercial de cogumelos é considerada uma causa possível de extinção local ou redução das áreas de distribuição e da abundância de muitas espécies na Europa. Em Portugal, apesar da atividade de recolha ser relativamente recente, algumas iniciativas de carácter preventivo têm já sido desenvolvidas para assegurar a conservação da diversidade de macromicetas (por exemplo, Plano de Ordenamento do Parque Natural de Montesinho e Código Florestal). Em suma, o potencial da região Norte para produção quer de lenho quer de biomassa ou cogumelos silvestres são considerados elevados. No entanto, a análise efetuada na secção 2.1.1 para os anos 2001-2010 revela uma tendência de diminuição do integral anual de NDVI (e consequentemente da produtividade) em 6% dos píxeis com ocupação florestal. Ainda que esta percentagem não seja muito elevada, é importante realçar que cerca de metade desses píxeis se registam em áreas primordialmente dedicadas à produção (ver Figura 4b). A diminuição da produtividade primária pode ser ainda acentuada no contexto de alterações climáticas globais, em que fenómenos meteorológicos extremos como secas alternadas com chuvas intensas e intempéries poderão tornar-se mais frequentes. A propósito, a próxima secção analisa o papel das florestas nos serviços de regulação. 2.2. Serviços de Regulação 2.2.1. Aspetos gerais Os serviços de regulação são referidos como serviços de ecossistema para os quais as florestas contribuem de forma muito significativa. De facto, as florestas desempenham um papel importante na regulação dos processos ecológicos, nomeadamente intervindo nos ciclos biogeoquímicos, como o ciclo da água e o ciclo do carbono (De Groot et al. 2002). É maioritariamente às florestas que se atribuem os serviços de regulação e purificação da água, con- 220 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 trole da erosão do solo, mitigação de riscos naturais e sequestro de carbono. Muitas vezes, as florestas são comparadas a “esponjas”, tendo em conta o papel que desempenham na infiltração, consequente recarga dos aquíferos, e libertação gradual da água ao longo do ano (Bruijnzeel 2004). Elas atuam como “barreiras naturais” contribuindo para a diminuição da erosão do solo e para a prevenção de riscos naturais, tais como cheias, secas e movimentos de vertente, e para a mitigação da sua severidade. São também apelidadas de “sumidouros de carbono”, pois através da fotossíntese as plantas fixam o dióxido de carbono, um dos gases que mais contribui para o efeito de estufa (MA 2003). 2.2.2. Regulação e purificação da água Em resultado das suas propriedades estruturais e funcionais, as florestas naturalmente regulam o ciclo hidrológico. Porém, essa função só se torna um serviço quando a sociedade usa ou sente os benefícios da regulação da água, embora muitas vezes seja através de um benefício indireto (Campos 2005). Facilmente a população urbana reconhece os benefícios do consumo de água potável, mas mais dificilmente reconhecerá os benefícios, por exemplo, de ter caudais nos rios durante todo o ano para rega das culturas, benefício esse que provém do serviço de regulação da água (Figura 6). A regulação e a purificação da água contribuem para um serviço final, o fornecimento de água para consumo. É maioritariamente sobre esse serviço que esta secção se debruça. Figura. 6 Esquema da provisão dos serviços de regulação e purificação da água pelas florestas, baseado na cascata dos serviços de ecossistema (de Groot 2010, Haines-young 2010). A capacidade para fornecer o serviço depende do funcionamento do sistema. A procura pelo serviço determina se o serviço é valorizado ou não. A vegetação, e em particular as árvores com as suas copas, facilita a infiltração da água da precipitação, aumentando a humidade do solo e a recarga dos aquíferos. Contudo, elas podem também contribuir negativamente para o balanço hídrico, através das perdas de água por evapotranspiração e da consequente redução da quantidade de água disponível na bacia (Bosch e Hewlett 1982). Existe portanto um compromisso entre o aumento da infiltração promovido pelas florestas e a perda de água por evapotranspiração, o qual deve ser avaliado de acordo com as condições ambientais de cada região. Por exemplo, em regiões com períodos estivais secos e prolongados, como é o caso de grande parte de Trás-os-Montes, a evapotranspiração pode exceder o montante de precipitação criando um défice hídrico. Com a consequente descida do nível do lençol freático, a floresta tenderá a procurar água em níveis sucessivamente mais profundos (Gallart e Llorens 2004; Otero et al. 2010). Nestas regiões, onde a água é um fator limitante, deve-se incentivar a conservação das florestas e matagais nativos, com menores exigências hídricas do que a maior parte das árvores exóticas (Quinton et al. 1997). 221 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 Para além disso, a floresta melhora a qualidade da água através do consumo de nutrientes, e em particular a floresta ripícola atua como filtro não só de nutrientes mas também de sedimentos (Otero et al. 2010). Convém referir que, para além da vegetação na floresta, os microrganismos e a fauna do solo desempenham um papel importante na alteração bioquímica dos compostos orgânicos e na criação de porosidade que facilita o fluxo de água no solo (EASAC 2009). A regulação da água ocorre em dois momentos complementares: 1) regulação do excesso, aumentando a infiltração e consequente armazenamento, e prevenindo picos de cheia; e 2) regulação da escassez, aproveitando o armazenamento feito durante os meses mais chuvosos. O produto desta regulação está dependente da quantidade de precipitação, sujeita a uma variação inter-anual (anos mais ou menos chuvosos) e intra-anual (sazonalidade). Em termos espaciais, no Noroeste a água abunda nas bacias hidrográficas e a área florestal é claramente superior à do Nordeste Transmontano (Figura 7). No Noroeste, sob estas florestas podem desenvolver-se solos com um horizonte orgânico extenso o que favorece a infiltração. A precipitação é a mais elevada do país, sendo que nas montanhas da Peneda-Gerês registam-se habitualmente totais de precipitação anual superiores a 3000mm/ano (IM-AEM 2011). Pelo contrário, no Nordeste a quantidade de água disponível é mais baixa e a área florestal é menor, sendo maioritariamente substituída por áreas de matos e campos agrícolas de sequeiro. Os solos são pouco profundos e expostos a erosão o que impede uma boa infiltração. A precipitação é mais baixa do que no Noroeste, com valores médios anuais que não chegam a 400mm/ano em alguns locais (IM-AEM 2011). Avaliar o processo de regulação da água e atribuir diretamente esse papel às florestas não constitui um exercício linear. Haverá que ter em conta que uma boa parte da regulação da água é atualmente efetuada por infraestruturas como açudes de regadio e paredões de barragem. Os lagos artificiais que daí resultam armazenam água, nomeadamente para rega, consumo e produção de energia hidroelétrica. Cabe no entanto à floresta assegurar uma eficiente recarga dos aquíferos por infiltração, garantindo assim caudais regulados durante os períodos de carência de precipitações. A prestação deste serviço por parte das florestas ocorre de forma indireta, logo dificilmente mensurável. Pode-se usar indicadores aproximados, como a análise de um benefício que advém dessa regulação, a água captada por concelho (Figura 7). É no Noroeste, mais propriamente nos concelhos de Gaia, Barcelos e Braga, onde maior quantidade de água é captada; estes concelhos estão localizados na região onde há maior disponibilidade hídrica. Os concelhos do interior são os que menos água captam, em função da menor disponibilidade hídrica e baixa procura em termos populacionais. De forma muito geral, poderá dizer-se que a floresta no Noroeste contribui para regular os excessos de água, ao passo que no Nordeste assume maior importância a regulação em função da escassez. 222 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 Figura 7 a) Escoamento, diz respeito à quantidade média de água que circula nas bacias hidrográficas (fonte: Atlas do Ambiente, Agência Portuguesa do Ambiente). b) Água captada por concelho - media dos anos 2006/2008 (fonte: INE); Floresta - folhosas, resinosas e povoamentos mistos (fonte: CORINE Land Cover 2006, IGP). Relativamente ao serviço de purificação da água, verifica-se o mesmo que para a regulação, é manifestamente complicado dissecar o papel das florestas na produção deste serviço. Pode-se, porém, falar numa evolução positiva, em termos gerais, da qualidade da água nos últimos anos, de acordo com os dados disponíveis. De facto, desde 1995 tem-se observado uma melhoria da qualidade da água dos rios e albufeiras no Norte do país (SNIRH 2010). Para isso contribuem a diminuição das fontes de poluição e o aumento da rede de tratamento de água. Porém, não se deve negligenciar o papel das florestas, nomeadamente das ripícolas, na remoção de nutrientes da água. A promoção do estado de conservação destes habitats, ao 223 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 abrigo da Diretiva “Habitats” e da Diretiva-Quadro da Água, poderá contribuir para o reforço deste importante serviço. Desde 1995, tem-se verificado uma mudança na classificação da qualidade da água superficial, de má e razoável, para boa e excelente, principalmente no Noroeste (SNIRH 2010). No entanto, a região de Vila do Conde-Esposende é considerada zona vulnerável em termos de concentração de nitratos nas águas superficiais e subterrâneas, provenientes da agricultura intensiva (MAOT-MADRP 2008). Nestes casos, a presença de floresta pode contribuir para a melhoria da qualidade da água superficial, sem prejuízo da aplicação de medidas preventivas como a diminuição de adubo químico colocado nas culturas. 2.2.3. Mitigacão de riscos naturais e controlo da erosão a Norte do Douro A par da pressão direta exercida pelo Homem, os riscos naturais são um dos principais fatores de alteração dos ecossistemas, provocando consideráveis mudanças de condição e alterando processos e funções (Abson e Termansen 2010, Maes et al. 2011). A intensidade e a frequência destas alterações determinam os padrões e as dinâmicas dos espaços florestais, em particular ao nível das zonas de interface entre classes de ocupação diferentes, como é o caso da interface floresta/agricultura (Metzger 2006, Schröter et al. 2005). Por questões de disponibilidade de dados, em particular relacionados com a distribuição de parâmetros topográficos do território a uma escala compatível com a representação dos fenómenos de erosão na Região Norte, apenas nesta secção (2.2.3) foi utilizada a área a norte do rio Douro ao contrário das restantes análises que abrangem o terrritorio de sete regiões PROF (Figura 1). Neste contexto, considerando apenas os espaços florestais arborizados, nos últimos vinte anos as dinâmicas de ocupação do solo na região Norte de Portugal4 revelam uma ligeira perda do conjunto dos espaços florestais, cerca de 1,6% entre 1990 e 2006 (Tabela 4). Apesar de aparentemente reduzida, esta perda esconde uma forte dinâmica de alteração da ocupação florestal do solo (cerca de 26,7%), em particular a conversão de espaços florestais arbóreos para espaços florestais associados a zonas de transição e zonas de vegetação esparsa. Esta alteração da tipologia de ocupação do solo indicia importantes perdas ao nível dos serviços de ecossistema prestados pelas florestas, em particular ao nível de classes de ocupação com maior potencial de provisão de serviços de regulação, nomeadamente de folhosas caducifólias, de coníferas e florestas associadas a povoamentos mistos. 4 Para o cálculo dos valores de variação das classes de ocupação florestal, foi utilizada cartografia de ocupação do solo decorrente do projeto “Corine Land Cover” para os anos de 1990 e 2006. 224 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 225 Capítulo 3 2 Tabela 4 Matriz de transição entre classes de ocupação florestal no período de 1990 a 2006 (variação percentual da área de cada classe de ocupação utilizando como referência a cartografia de ocupação do solo Corine Land Cover para o território nacional). 2006 Florestas de Florestas de Florestas Prados folhosas coníferas mistas naturais Matos Vegetação Floresta ou Rocha Zonas de Zonas Outras esclerófila vegetação nua vegetação ardidas classes de arbustiva de esparsa ocupação 1990 transição do solo Florestas de folhosas 88.7 0 0 0 0 0 9.5 0 0 0.8 1 3.5 Florestas de coníferas 0.2 76.7 0.3 0 0 0 19.9 0 0 0.4 2.5 7.2 Florestas mistas 0.2 0.1 81.9 0 0 0 14 0 0 0.3 3.5 8.3 Prados naturais 1.2 0.1 0.2 91.8 0 0 4.9 0 0 0 1.8 5.2 Matos 1.5 1.2 0.3 0 85.5 0 7.1 0 0 2.8 1.6 8.9 Vegetação esclerófila 0 0 0 0 0 90.1 0.7 0 0 2.6 6.6 0.2 Floresta ou vegetação arbustiva de transição 4.1 10.8 5.5 0 0.1 0 76 0 0 1.4 2.1 13.3 0 0 0 0 0 0 0 100 0 0 0 2 Zonas de vegetação esparsa 0.2 0 0 0 0 0 0.7 0 99 0 0.1 2.2 Zonas ardidas 3.6 3 19.9 0 17.9 0 52 0 0 1.9 1.7 0.5 0 0 0 0.1 0.1 0 0.2 0 0 0 99.6 48.7 3.9 7.1 7.7 4.8 7.8 0.2 14.2 2 2.1 0.5 49.6 Rocha nua Outras classes de ocupação do solo Dada a sua importância territorialmente estratégica, não só ao nível da manutenção das condições de fertilidade e composição dos solos, mas também ao nível da retenção de sedimentos e funcionamento dos sistemas hidrológicos, os serviços de controlo da erosão representam um elemento central na manutenção do equilíbrio entre os espaços naturais e as atividades humanas presentes no território. Este serviço baseia-se na capacidade que um determinado ecossistema tem de controlar a degradação das condições físicas do solo, em particular ao nível da sua estrutura e composição. No que toca aos espaços florestais, este serviço deriva sobretudo da estrutura e composição (espécies) da vegetação existente, que por sua vez determinam a densidade e estrutura radicular, e das práticas de gestão florestal, que condicionam a forma como estes espaços são utilizados e mantidos ao longo do tempo. Ao nível da região norte de Portugal continental, classificando os diferentes cobertos vegetais de acordo com uma escala de valor onde é favorecida a capacidade de cobertura e densidade de vegetação, é possível verificar que as tipologias florestais com maior potencial para a provisão deste serviço, ou seja, os espaços de floresta (de folhosas, coníferas e mista), representam cerca de 37,1% do espaço florestal, sendo que os restantes 62,9% apresentam uma reduzida capacidade de provisão (Figura 8a). Esta diferença de percentagem deve-se sobretudo à elevada representatividade dos espaços florestais de transição e dos espaços de vegetação esparsa, definidos como zonas de reduzida provisão deste serviço. Dois dos principais fatores de pressão sobre este tipo de serviço são a incidência de fogos florestais, que condicionam em grande medida a presença e manutenção de espaços com elevado valor para a provisão, e a diminuição da multifuncionalidade dos espaços florestais, motivada por uma importante mudança de abordagem produtiva, tanto do ponto de vista Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 florestal como do ponto de vista agropecuário, e por uma retração demográfica nas áreas de interior e marginais às grandes cidades. a) b) Figura 8 Distribuição, na Região a norte do Douro, da (a) capacidade de provisão do serviço de proteção do solo contra a erosão hídrica, e da (b) erosão estrutural. 226 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 Estes fatores de pressão não só degradam a estrutura florestal presente nesta região, como também potenciam o aparecimento de áreas com elevado risco de erosão hídrica do solo ao contribuírem para a diminuição das classes de coberto vegetal com maior potencial de provisão do serviço de controlo de erosão. Neste contexto é importante verificar que, considerando a distribuição geográfica da erosão potencial na região Norte (Figura 8b), os espaços florestais cobrem 55,95% do total das áreas onde o risco de erosão hídrica do solo é classificado como elevado e muito elevado (Guerra et al. 2011). Por outro lado, considerando apenas os espaços florestais com elevado potencial de provisão, a percentagem de zonas de risco de erosão potencial elevado e muito elevado cresce (ligeiramente) para os 56,94%. A predominância dos espaços florestais na região Norte de Portugal resulta numa elevada influência destes sobre os diversos serviços de regulação, em particular sobre o serviço de controlo de erosão hídrica do solo. Neste sentido, é importante verificar que apenas 40% da área com elevado a muito elevado risco de erosão hídrica do solo está relacionada espacialmente com a presença de espaços com elevada capacidade do seu controlo. Este fator, associado aos agentes de pressão identificados, em particular à incidência de incêndios florestais, não só indica uma escassa proteção dos solos na região, mas também um potencial aumento da contaminação por fósforo dos sedimentos resultantes do escoamento superficial gerado (e uma depleção deste mineral nos solos situados a montante nas bacias hidrográficas). 2.2.4. As florestas e o sequestro de carbono O sequestro de dióxido de carbono atmosférico, principal gás com efeito de estufa de origem antropogénica (IPCC 2007), pelas florestas é um dos mais relevantes serviços destes ecossistemas pelo efeito que tem na regulação do clima e da qualidade do ar. Este serviço tem ainda carácter prioritário nas políticas e mecanismos de redução do CO2 atmosférico, tanto no âmbito da Convenção Quadro das Nações Unidas Sobre Alterações Climáticas (United Nations Framework Convention on Climate Change), como no contexto do Protocolo de Quioto (UN 1997). O carbono atmosférico é fixado por fotossíntese na biomassa lenhosa das florestas, da qual representa aproximadamente 50% do peso seco, e onde fica retido, durante longos períodos de tempo, na forma de moléculas complexas como celulose, lenhina e hemiceluloses. Dependendo da estrutura da floresta em causa, o carbono encontra-se distribuído pelos diversos estratos arbóreo(s), arbustivo(s) e herbáceo(s) que a compõem. Uma parte da biomassa dos ecossistemas florestais é continuamente incorporada no solo a partir de folhas, raízes, ramos ou árvores mortas, fazendo com que, em grande parte das regiões do mundo, o carbono se acumule no solo em enormes quantidades, na forma de matéria orgânica em decomposição. Naturalmente, o carbono liberta-se dos ecossistemas florestais por respiração das árvores e microrganismos do solo e, pontualmente, por perturbações como o fogo. Neste último caso, o carbono da biomassa viva e da parte superficial do solo perde-se diretamente para a atmosfera, e aumentam também as perdas por degradação e erosão de matéria orgânica do solo. Em florestas geridas, que representam a maioria das florestas existentes na maior parte das regiões do planeta, o carbono é removido localmente por exploração florestal, mas em grande parte das vezes permanece fixado na biomassa posteriormente convertida em mobiliário, material de construção, ou outro. Os detritos florestais são frequentemente deixados nos locais de exploração, contribuindo para o armazenamento de carbono ao nível do solo. Como 227 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 em geral ocorre a reflorestação dessas áreas, naturalmente ou por ação humana, a fixação de carbono pelo sistema florestal é assegurada após o abate. A produtividade florestal na região Norte é muito variável, refletindo a variabilidade de condições edafoclimáticas existentes (Tabela 5; ver também a secção 2.1.2). Para o pinheiro-bravo, única espécie para as qual se dispõe de dados comparáveis, os Acréscimos Médios Anuais (AMA) de biomassa variam entre 1.4ton/ha.ano (Nordeste) e 3.4ton/ha.ano (Douro) (Tabela 5). O eucalipto, no entanto, atinge valores médios de 3.6ton/ha.ano na região da Área Metropolitana do Porto e Entre Douro e Vouga (AFN 2010). Tabela 5 Produtividade dos povoamentos puros de pinheiro-bravo e eucalipto por região PROF no Norte de Portugal. Fonte: 5º Inventário Florestal Nacional (AFN 2010). Região PROF Espécie Composição AMA Volume (m3/ha.ano) AMA Biomassa Total (ton/ha.ano) Alto Minho Pinheiro-bravo Puro 3.5 2.0 Baixo Minho Pinheiro-bravo Puro 4.2 2.4 Baixo Minho Eucaliptos Puro 3.5 2.7 Tâmega Pinheiro-bravo Puro 4.8 2.8 Amp e Entre Douro e Vouga Eucaliptos Puro 4.6 3.6 Barroso e Padrela Pinheiro-bravo Puro 3.8 2.2 Nordeste Pinheiro-bravo Puro 2.3 1.4 Douro Pinheiro-bravo Puro 5.8 3.4 A produtividade reflete a taxa a que o carbono é fixado na vegetação arbórea. Considerando, de entre as áreas de uso florestal, apenas os povoamentos arbóreos (577 000 ha), adotando os dados das produtividades médias anuais das espécies avaliadas (Tabela 5) para as restantes espécies, e utilizando um fator de conversão de carbono/matéria seca de 1/2, estima-se que as florestas do Norte de Portugal fixem anualmente cerca de 650 730 tonC/ano (ou 2390kton CO2 eq./ano), apenas na parte aérea das árvores. Esta é uma estimativa do serviço prestado, em média, por ano, pelas florestas do Norte. Para além deste valor anual, as florestas atualmente existentes armazenam quantidades de carbono muito significativas em resultado da sua função de sumidouro de carbono ao longo do tempo. Só a parte aérea lenhosa do pinheiro-bravo e do eucalipto armazenam cerca 7328.84 ktonC em toda a região Norte (26 897 ktonCO2 eq). Considerando que estas espécies representam 67% da floresta da região e que muitas das restantes espécies têm porte comparável, estimamos que o carbono armazenado no lenho das florestas do Norte possa atingir valores da ordem dos 15 000 ktonC (55 050 kton CO2 eq.). Tabela 6 Carbono nas florestas do Norte de Portugal por região PROF. Adaptado do 5º Inventário Florestal Nacional (AFN 228 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 2010). Região PROF Espécie Composição CO2 equivalente total (ton/ha) CO2 equivalente total (k ton) k ton de C Alto Minho Pinheiro-bravo Puro 94.05 1783.83 486.06 Baixo Minho Pinheiro-bravo Puro 107.25 2420.00 659.40 Baixo Minho Pinheiro-bravo Dominante 82.68 913.00 248.77 Baixo Minho Pinheiro-bravo Dominante 71.68 698.50 190.33 Baixo Minho Eucaliptos Puro 107.62 2082.67 567.48 Baixo Minho Eucaliptos Dominante 80.48 718.67 195.82 Baixo Minho Eucaliptos Dominante 121.73 1017.50 277.25 Pinheiro-bravo Puro 82.32 2579.50 702.86 AMP e Entre Douro e Vouga Eucaliptos Puro 133.28 4458.67 1214.90 AMP e Entre Douro e Vouga Eucaliptos Dominante 136.22 1318.17 359.17 Tâmega Barroso e Padrela Pinheiro-bravo Puro 82.50 3558.50 969.62 Nordeste Pinheiro-bravo Puro 50.78 1688.50 460.08 Douro Pinheiro-bravo Puro 96.98 3659.33 997.09 Carbono (ton/ano) Região PROF Pinheiro- Eucaliptos Sobreiro Azinheira Carvalhos Castanheiro Acácias bravo Outras Outras Folhosas Resinosas Alto Minho 28507 25575 0 0 8490 178 127 2013 1466 Baixo 40609 38584 18 18 4516 360 60 3648 130 Tâmega 57445 33963 78 15 5237 108 248 5010 377 AMP e 17145 78594 0 0 450 0 30 2282 30 53560 2844 940 270 6416 4227 0 2769 829 Nordeste 31174 8751 4745 1921 28209 13315 18 4713 10705 Douro 86787 5335 2573 2686 10804 5789 0 2829 3209 315226 193647 8355 4909 64121 223978 484 23264 16747 Minho Entre Douro e Vouga Barroso e Padrela Total Para além da parte aérea do(s) estrato(s) arbóreo(s), os ecossistemas florestais integram outros componentes vivos não desprezáveis ao nível da dinâmica do carbono. Incluem-se aqui, pelo menos, as raízes das árvores e a vegetação arbustiva e herbácea. Contudo, o componente mais importante das florestas, enquanto reservatório de carbono, é o solo. A este nível, no entanto, a informação disponível para os solos florestais na região é insuficiente para calcular uma estimativa deste importante parâmetro. Os dados publicados (principalmente por Martins et al. 2009 e Fonseca et al. 2004) permitem considerar que os solos florestais do 229 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 Norte do país constituem, efetivamente, um importante reservatório de carbono, podendo conter aproximadamente metade de todo o carbono armazenado nos sistemas florestais. A distribuição estimada do carbono no solo (Figura 9) ilustra a importância das florestas do Norte na regulação do carbono à escala nacional, com destaque para a região do Noroeste (Fonseca et al. 2004, Martins et al. 2009). Figura 9 Distribuição do Carbono no Solo em Portugal (reproduzido de Martins et al. 2009 com autorização dos autores). A libertação de carbono nos ecossistemas florestais do Norte de Portugal pode dar-se de forma instantânea por efeito dos fogos. Silva et al. (2006) estimaram que, em toda a década de 1990, em Portugal, as emissões (essencialmente carbono) de florestas ardidas atingiram valores da ordem dos 8200 ktonCO2 eq. Aplicando a mesma metodologia (Silva et al. 2006) às estatísticas de fogos florestais ocorridos na região Norte, estima-se que tenham sido emitidos, só na década 2001-2010, cerca de 4000 ktonCO2 eq., essencialmente carbono (1084 ktonC), resultantes dos 174 000 hectares de floresta ardida (média de área ardida=17 400ha/ ano). Considerando os valores fixados na biomassa florestal aérea, este valor representa cerca de 0,71% de todo o carbono retido, apenas na biomassa aérea, tal como quantificado no último inventário florestal. No conjunto dos últimos 10 anos, este valor representa, no entanto, cerca de 7% do carbono da biomassa aérea viva. Em síntese, pode afirmar-se que, enquanto a secção 2.1.2 apresenta uma visão moderadamente “animadora” da condição atual dos serviços de produção, a secção 2.2.2 revelou 230 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 profundas preocupações relativas à condição atual dos serviços de mitigação de riscos e controlo da erosão na região Norte de Portugal. Foi também salientada a heterogeneidade da capacidade de provisão dos serviços de regulação e purificação da água nas regiões do Minho e Trás-os-Montes, bem como o importante papel das florestas regionais na fixação de carbono. A próxima secção explora os serviços de suporte, nomeadamente a biodiversidade. 2.3 Serviços de Suporte (Biodiversidade) A definição mais corrente de “biodiversidade”, proposta pela Convenção sobre a Diversidade Biológica em 1992, apresenta-a no seu Artigo 2º como “a variabilidade entre os organismos vivos de todas as origens, incluindo, inter alia, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos dos quais fazem parte; inclui a diversidade dentro de cada espécie (ao nível genético), entre as espécies e dos ecossistemas”. Nesta secção, a biodiversidade será tratada como um serviço de suporte, ou seja como um elemento essencial ao funcionamento dos ecossistemas e à provisão de outros serviços, desde bens materiais, como os produtos lenhosos, aos serviços de regulação. Trata-se de um serviço omnidireccional (ver Figura 3, esquema 2), ou seja, cujos benefícios são sentidos a várias escalas e de um modo homogéneo no espaço em torno do local onde o serviço tem origem. A condição da biodiversidade nas florestas do Norte de Portugal encontra-se condicionada pela história da floresta em Portugal. Registos históricos do início do século XX indicam que a floresta ocuparia então menos de 10% do território, consequência de uma ocupação humana milenar marcada por uma desflorestação intensa para a criação de pastos e campos agrícolas, e para obter madeira e lenha (Mendes 2007). O século XX foi marcado por diversas iniciativas de reflorestação, motivadas numa fase inicial pela necessidade de restaurar a capacidade dos ecossistemas de fornecerem serviços, como o controlo da erosão do solo, e mais tarde, já na segunda metade do século, motivadas pela produção de matéria-prima para a indústria papeleira e madeireira (Mendes 2007). Atualmente, o pinheiro-bravo e o eucalipto são as espécies dominantes na região Norte de Portugal (Figura 10). No total das sete regiões PROF do Norte do país (Figura 13 e Tabela 1), o pinheiro-bravo (uma espécie nativa, mas com uma distribuição “artificial” em virtude das plantações) ocupa uma área de 259 274 ha, o eucalipto (espécie exótica) ocupa uma área de 128 209 ha e os carvalhais caducifólios (espécies nativas na sua área natural de distribuição) surgem apenas em terceira posição com uma área de 91 602 ha (AFN 2010). Note-se ainda que esta área representa mais de metade da área ocupada por carvalhais caducifólios no país, estimada em cerca de 150 000 ha (5% da floresta em Portugal), e que os seus povoamentos apresentam uma distribuição dispersa e muito fragmentada, em virtude da degradação a que foram sujeitos ao longo da história. Além disso, muitos dos carvalhais existentes resultam de eventos de regeneração natural, e são raros os casos de persistência de florestas primárias. Assim, e no contexto atual da composição da floresta no norte de Portugal, coloca-se a questão: qual a contribuição dos principais tipos de floresta para a conservação da biodiversidade? Um estudo recente realizado no Alto Minho procurou responder a esta questão (Proença et al. 2010). Para tal foram obtidos dados de diversidade de plantas e aves em plantações de pinheiro-bravo e eucalipto e em carvalhais (de Quercus robur e Quercus pyrenaica). As espé- 231 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 cies observadas foram classificadas como espécies florestais ou não-florestais, e a qualidade das florestas em termos de biodiversidade foi avaliada com base no seu uso pelas espécies não florestais (já que estas são mais dependentes, e estão mais associadas, aos ecossistemas florestais). Os resultados mostraram que os carvalhais albergam mais espécies florestais que as plantações, e que a diversidade de espécies florestais apresenta uma maior relação com a área dos fragmentos de carvalhal do que com a área das plantações de pinheiro e eucalipto, o que sugere que as espécies florestais se encontram mais bem adaptadas aos carvalhais, tirando maior partido da diversidade de nichos existente no carvalhal (Figura 10). Por outro lado, e de acordo com o esperado, não foi encontrado um padrão idêntico para as espécies não-florestais, o que sugere que estas espécies não estão adaptadas aos diversos Figura 10 Relação espécies-área de espécies de plantas florestais e não-florestais nos povoamentos amostrados. Cada ponto corresponde a um carvalhal (Q), a um pinhal (P) ou a um eucaliptal (E). A área de cada povoamento é lida no eixo das abcissas e a o número total de espécies de cada grupo é lido no eixo das ordenadas (os valores de área e número de espécies encontram-se logaritmizados). As retas de regressão são apresentadas para os casos em que a relação espécies-área é significativa (i.e., o número de espécies num povoamento depende do tamanho do povoamento): plantas florestais em carvalhais (linha sólida), plantas não florestais em eucaliptal (linha sólida), aves florestais em carvalhais (linha sólida) e pinhais (linha tracejada), aves não-florestais em carvalhal (linha sólida). Os gráficos mostram que a diversidade de plantas florestais é claramente superior nos carvalhais e que o número de espécies é determinado pela dimensão do fragmento, enquanto que a diversidade nas plantações é em geral baixa e não aumenta com o aumento da área. No caso das aves de ecologia florestal, quer os carvalhais quer os pinhais albergam mais espécies que os eucaliptais e a dimensão dos povoamento determina o número de espécies que os habita. Fonte: Proença et al. 2010. 232 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 nichos existentes em ambientes florestais. No caso dos carvalhais, a diversidade de espécies florestais encontrava-se relacionada com a extensão da orla da floresta, evidenciando um claro efeito de orla, associado à fragmentação do habitat, a qual promove um fluxo de espécies não-florestais para o interior da floresta. Relativamente aos pinhais, os resultados mostram que estas florestas, embora pobres em espécies de plantas características de ambientes florestais, albergam muitas espécies de aves de ecologia florestal, o que sugere que constituem um bom habitat para estas espécies. Os eucaliptais, pelo contrário, foram o tipo de floresta em que se encontrou, neste estudo, menor diversidade de espécies, quer de plantas, quer de aves. O contributo de cada tipo de floresta para a conservação da biodiversidade encontra-se relacionado, não só com a espécie florestal dominante (isto é, se se trata de uma espécie nativa na região ou de uma espécie exótica), mas também com as características estruturais do povoamento. As plantações florestais com estruturas simplificadas e ciclos de vida curtos, que limitam o estabelecimento de comunidades biológicas, não beneficiam a biodiversidade. Por exemplo, a trepadeira-azul (Sitta europea) e o pica-pau-malhado-grande (Dendrocopus major) fazem ninhos nos troncos ocos das árvores e portanto precisam de árvores maduras e de tronco largo, que não encontram em plantações. Assim, é importante definir e implementar medidas de gestão que melhorem a qualidade de habitat para as espécies nativas em florestas plantadas de grandes dimensão, e que deste modo promovam a biodiversidade. São exemplos de medidas de gestão a retenção de detritos florestais, árvores isoladas, mortas ou vivas, de maior dimensão nos povoamentos após os cortes finais, e/ou a retenção de grupos de árvores em locais de menor produtividade. Por outro lado, a degradação das florestas naturais também deve ser evitada, já que pode comprometer a persistência de espécies mais sensíveis às alterações do habitat. Ao nível florístico, os carvalhais albergam comunidades muito diversas e características, incluindo espécies que ocorrem preferencialmente neste tipo de ecossistema, como é o caso de Euphorbia dulcis e de Polygonatum odoratum. Os carvalhais são ainda o habitat preferencial de algumas espécies endémicas do noroeste da Península Ibérica, como Omphalodes nitida, Saxifraga spathularis e Anemone trifolia ssp. albida (Castro et al. 2001, Honrado 2003). Ao nível faunístico, os carvalhais são habitats importantes para várias espécies de animais, como é o caso do corço (Capreolus capreolus), cujas populações têm vindo a recuperar com o aumento da área de carvalhal, o pica-pau-malhado-grande (Dendrocopus major), que depende dos carvalhais como habitat de nidificação e alimentação, a marta (Martes martes), que parece preferir os carvalhais, talvez por aí encontrar maior disponibilidade de presas, e o lobo-ibérico (Canis lupus signatus), que usa os carvalhais para a reprodução e como refúgio (Carvalho et al. 2007a, Castro et al. 2001). Existem mesmo espécies, como o escaravelho xilófago Lucanus cervus (cabra-loura), cuja conservação depende da existência de florestas autóctones maduras com árvores em estado decrépito ou mortas (Carvalho et al. 2007b, ICN 2006). No entanto, é também reconhecida a importância de outras espécies florestais para a conservação da biodiversidade, nomeadamente dos pinhais na região norte. Estas florestas são igualmente habitats (refúgio) importantes para muitos vertebrados, como o veado e o corço, em particular porque são muitas vezes as florestas mais abundantes ou mesmo as únicas em 233 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 alguns locais. Os pinhais são também relevantes para outros grupos de organismos, como por exemplo os fungos, já referidos na secção 2.1.4. Os bosques de perenifólias autóctones, tais como os sobreirais e azinhais, albergam uma elevada diversidade de vertebrados que aí encontram refúgio e alimento, desde aves de rapina como a águia-cobreira (Circaetus gallicus), que nidifica na copa das árvores mais altas, até micromamíferos endémicos como o rato-de-Cabrera (Microtus cabrerae), que por sua vez serve de alimento a muitos predadores. Outros tipos de florestas nativas funcionam também como bons refúgios para espécies de fauna e flora, conforme descrito no capítulo II.2 do presente livro. Uma elevada proporção dos carvalhais existentes na região Norte (cerca de 45% da área de quercíneas) encontra-se concentrada na área coberta pela rede de áreas protegidas e pela rede Natura 2000, como é o caso dos carvalhais visitados no estudo acima descrito e localizados no Parque Nacional da Peneda-Gerês. Dada a sua localização em áreas dirigidas à conservação da natureza, os carvalhais estão essencialmente associados a serviços de suporte e de regulação. No entanto, a madeira de carvalho é de grande qualidade e tem elevado valor comercial, pelo que os carvalhais podem também desempenhar um papel importante no âmbito dos serviços de produção, aliando os serviços de suporte e regulação aos serviços de produção. 2.4. Serviços Culturais 2.4.1. Aspetos gerais Os serviços de ecossistema denominados culturais (pelo MA 2003) ou de informação (na terminologia de De Groot 2002) englobam uma multiplicidade de benefícios imateriais que sociedade obtém dos ecossistemas. Estes benefícios podem ser obtidos diretamente pelo público ao realizar atividades de recreio e lazer, incluindo a contemplação da paisagem, mas podem também constituir benefícios indiretos, relacionados com o apego e a relação de identidade que as pessoas sentem em relação a uma paisagem. Finalmente, tais serviços podem ainda corresponder ao potencial educativo, informativo e curativo que os ecossistemas florestais asseguram. De Groot (2002) classificou estes serviços de ecossistema como de informação, subdividindo-os em cinco subcategorias: estética (ex. paisagens atrativas), recreio (ex. variedade de paisagens com potencial para recreio e lazer), cultural e artístico (ex. a natureza como potencial inspiração para arte e manifestações culturais/folclore), espiritual e histórico (ex. o valor patrimonial e espiritual de alguns locais naturais), e ciência e educação (ex. o potencial da natureza como fonte de saber e educação). Posteriormente, o MEA definiu os serviços de ecossistema culturais como sendo benefícios imateriais que as pessoas obtêm dos ecossistemas através do desenvolvimento cognitivo, enriquecimento espiritual, recreio, e experiências estéticas (MA 2003). Ao longo do horizonte temporal que este capítulo aborda (1974-2010), tem sido crescentemente reconhecido que as florestas geram um conjunto de benefícios imateriais específicos e muito relevantes para o bem estar social, e que, por conseguinte, são ecossistemas de extrema importância na provisão de serviços de ecossistema culturais. No entanto, o conjunto “flo- 234 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 restas” inclui realidades extremamente diferenciadas, que podem satisfazer diferentes procuras sociais. Estudos realizados em Portugal têm mostrado que as populações urbanas e as populações rurais valorizam diferentes aspetos do rural transmontano (Figueiredo 2000) ou minhoto (Carvalho Ribeiro e Lovett 2011), ou que diferentes tipos de utilizadores do montado alentejano procuram diferentes padrões deste sistema silvo-pastoril, conforme o serviço de ecossistema que procuram ou ao qual atribuem maior importância (Pinto-Correia e Surova 2009). Enfim, são inúmeras e podem ser complementares ou conflituantes as (múltiplas) relações entre a floresta e a sociedade (Pinto-Correia e Surova 2009). Assim, está fora do âmbito desta secção, avaliar a condição dos serviços de ecossistema culturais na região Norte para a multitude de “procuras sociais” e “florestas” aí existentes. Pretende-se sim, em primeiro lugar, descrever possíveis metodologias para medir estes serviços a diferentes escalas, e, por outro lado, analisar em detalhe um tipo de serviço cultural, o recreio, descrevendo algumas das diferentes procuras sociais que coexistem relativamente ao(s) tipo(s) de paisagens no Norte de Portugal (principalmente as rurais). 2.4.2. A apreciação social da paisagem A floresta é parte integrante da paisagem. O conceito de paisagem está definido na Convenção Europeia da Paisagem (Artigo 1º, Capítulo 1) como “uma parte do território, tal como é apreendida pelas pessoas, cujo carácter resulta da ação e interação de factores naturais e ou humanos”. O conceito agrega a forma como as pessoas “apreendem” o território de uma forma holística (em que o todo é mais do que a soma das partes, englobando os diferentes ecossistemas: agrícolas, florestais, marinhos, etc.). Um dos conjuntos de medidas específicas preconizadas na Convenção Europeia da Paisagem relaciona-se com a consciencialização da sociedade em geral para os valores imateriais que são associados à paisagem, onde se inclui, naturalmente, a floresta. Diversas instituições públicas e privadas, a várias escalas, têm-se empenhado em avaliar os benefícios imateriais que as florestas proporcionam, focando-se assim nas componentes “social” e “cultural” das florestas. No entanto, porque os SE culturais abarcam inúmeras dimensões que são diferentes em contextos sócio-ecológicos distintos e, mesmo num território específico, compreendem um complexo de dimensões (estética, cultural, funcional), os desafios inerentes a “avaliar a condição” dos SE culturais nas áreas florestais são grandes. Enquanto existem listas mais ou menos longas de possíveis “métricas” e “indicadores” para medir a contribuição das florestas para outros serviços de carácter ecológico e económico, as componentes social e cultural têm sido mais difíceis de avaliar (Rodrigo e Canadas 2008). Obviamente que o modo de “medir” a condição dos SE culturais depende da escala a que esta “medição” é realizada. Um dos propósitos da gestão florestal sustentável, bem como dos inúmeros esquemas de certificação dirigidos à atividade florestal, é avaliar os benefícios sociais da atividade (para além dos benefícios ecológicos/ambientais e económicos). Nestes esquemas de certificação florestal, a “avaliação” é normalmente efetuada à escala local, ao nível da exploração florestal, e os principais destinatários são normalmente as comunidades locais e os trabalhadores da 235 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 floresta. A esta escala, exemplos de possíveis indicadores culturais e paisagísticos poderão ser a “Conservação de locais de valor cultural no interior de áreas florestais” e a “Remoção de resíduos não-florestais do interior de áreas florestais” (DGF 1999). Em oposição à escala fina da exploração florestal, surgem as análises macro, normalmente baseadas em indicadores que não são “medidos” diretamente mas estimados através de dados secundários aproximados (“proxies”). Esta abordagem baseada em indicadores aproximados tem vindo a ser desenvolvida pelo JRC - Joint Research Centre, para a escala Europeia. Um dos índices em fase de desenvolvimento pretende quantificar o modo como a sociedade em geral aprecia a paisagem rural. Ainda que o termo “rural” tenha sido usado na denominação do índice, o seu cálculo à escala europeia considerou apenas variáveis relativas à área agrícola, não incluindo portanto variáveis representativas das áreas florestais. Este índice, denominado “Societal Appreciation of Rural Landscape”, utilizou variáveis como a percentagem de áreas agrícolas em áreas protegidas ou o número de produtos certificados por unidade de Superfície Agrícola Útil (SAU), bem como dados do turismo (ex. o número de camas em unidades de turismo rural) de determinada área rural (JRC 2011) para estimar o nível de “apreciação” da paisagem. Segundo este índice, o Norte de Portugal enquadra-se na classe mais elevada de “apreciação” no contexto europeu (Figura 11), destacando a grande capacidade da paisagem rural do Norte em satisfazer a procura social em geral. Figura 11 Distribuição do índice “Societal Appreciation of Rural Landscape” na Europa. Fonte: JRC 2011. Em oposição aos dois extremos antes apresentados, nomeadamente a micro-escala da exploração florestal vs. a macro-escala de toda a Europa, grande parte do trabalho de investigação reporta a análise da componente social e cultural da floresta à escala regional, por se entender que estes serviços têm uma ligação forte a um determinado território ou região. 236 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 A região Norte de Portugal, pelas variadas características fisiográficas e edafo-climaticas, é um território muito diversificado em termos de paisagem. Isto mesmo foi demonstrado no estudo realizado por Abreu et al. (2004), que identifica 46 unidades de paisagem nesta região (Figura 12). Esta diversidade de paisagens, com carácter contrastante, possibilita um vasto potencial de amenidades ligadas à paisagem que podem ser complementares (ou mesmo uma alternativa) às tradicionais funções de produção. No entanto, como já foi referido, as características físicas da paisagem, que lhe dão o seu carácter peculiar, podem, de forma diversa, satisfazer diferentes procuras sociais (Abreu et al. 2004). Tem sido recorrentemente demonstrado, quer em trabalhos realizados em Portugal, quer também na literatura internacional (Sevenant e Antrop 2009, Stephenson 2007), que existem diferentes procuras sociais e que diferentes tipos de floresta “satisfazem”, com maior ou menor grau, os diferentes tipos de público (Park e Selman 2011). Figura 12 Unidades de Paisagem na região Norte. Fonte Abreu et al. (2004). Em síntese, ao longo desta Secção foi examinada a condição dos serviços dos ecossistemas florestais do Norte listados na Tabela 3. Na análise dos serviços de produção com base no indicador NDVI, observou-se, em geral, um alto nível de produtividade, principalmente nas regiões PROF do Alto e Baixo Minho e também no Tâmega, principalmente a altitudes inferiores 237 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 a 700 metros. No entanto, a análise da série temporal de dados no período 2001-2010 revela uma tendência significativa de alteração em 9% dos píxeis com ocupação florestal, dos quais 6% correspondem a uma tendência negativa, isto é, de diminuição da produtividade, e apenas em 3% se regista uma tendência de aumento de produtividade. Em relação à produção de biomassa, o potencial de produção na região Norte foi também considerado elevado, estimando-se que o valor potencial de produção para as duas principais espécies florestais na região pode representar cerca de 7,3% do consumo de energia elétrica na região NUTS II Norte (dados relativos a 2009). No entanto, como também foi referido, a “gestão” deste recurso não seguiu o plano estratégico anunciado. Para o recurso cogumelos silvestres, não é possível estimar com segurança quantidades totais recolhidas, e por conseguinte o seu valor económico, ainda que se afigurem consideráveis, quer as quantidades recolhidas, quer o valor económico gerado em algumas freguesias da região. A análise da condição dos serviços de regulação realizou-se para a regulação e purificação da água, para a mitigação dos riscos naturais e também para o sequestro de carbono. De um modo geral, foram assinalados alguns dados preocupantes quanto à condição destes serviços na região, nomeadamente a mitigação de riscos naturais (ex. erosão do solo), já que muitas das áreas de aptidão florestal estão localizadas em áreas de elevado potencial de erosão. Nos serviços de suporte foi analisada a condição da biodiversidade em áreas florestais realçando o papel das florestas autóctones de carvalhos na provisão deste serviço ainda que na região Norte a área destas florestas se mantenha inferior à área ocupada por florestas plantadas sendo também a sua distribuição dispersa e fragmentada. Ainda assim, a região norte alberga mais de metade da área de carvalhais caducifólios de todo o país. Finalmente, no que respeita aos serviços culturais, a grande diversidade de “unidades de paisagem” (Abreu et al. 2004) e os resultados do estudo realizado a nível Europeu (JRC 2011) demonstraram a elevada “capacidade” da paisagem na zona Norte do país em satisfazer a procura social. Contudo, foi também realçado que diferentes tipos de floresta “podem satisfazer de modo diferente” públicos distintos. A próxima secção explora os usos e as preferências dos utilizadores por diferentes características da floresta na região Norte. 3. O uso das florestas e as diferentes preferências sociais Os modos e o tipo de utilização que cada indivíduo faz da “natureza” condicionam as suas preferências em relação, não só às florestas, como ao mundo rural em geral. Isto mesmo foi demonstrado num trabalho realizado no Parque Natural de Montesinho (PNM). Figueiredo (2000) demonstrou que, embora as representações dos visitantes e dos residentes desta área protegida sejam similares em alguns aspetos de carácter geral, com ambos os grupos vendo simultaneamente no rural “um maior contacto com a natureza”, “menos poluição”, “mais gratificantes relações interpessoais” e “possibilidade de uma vida mais saudável”, as preferências dos visitantes e dos residentes divergem em diversos outros aspectos. Visões contrárias e mesmo conflituosas são visíveis quando se passa da situação “geral” para a “especificação” do local concreto de residência ou visita. Assim, enquanto os visitantes são mais favoráveis à “aplicação de regulamentação para proteger o ambiente”, à “regulamentação da ampliação/edificação agrícolas” e a “restrições para as alterações à morfologia dos terrenos”, os residentes, porque estas atividades dizem respeito à sua vida quotidiana, apresentam níveis 238 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 de concordância substancialmente menores. Há assim, segundo este estudo, um rural “que parece ser” (o dos visitantes, que procuram o rural idílico perdido) e o rural “que ainda o é” (o dos habitantes, em que o rural o é para viver). Subjacentes a estas diferentes representações rurais e urbanas sobre o rural encontram-se visões, necessidades, aspirações e desejos diferentes (Figueiredo 2000:100). Outro estudo, realizado no Minho por Carvalho Ribeiro e Lovett (2011), unicamente a residentes nos 14 concelhos que compreendem as bacias hidrográficas do Lima e do Cávado, pretendeu (i) quantificar o uso da floresta na região, e também (ii) identificar qual o tipo de floresta que os inquiridos consideram (i) mais atrativa, e (ii) melhor gerida. Com base num questionário aplicado a 375 indivíduos, quer a proprietários florestais quer ao público em geral, (residentes nos concelhos amostra), foi inquirido qual o uso que fizeram da floresta (quantas vezes durante um ano visitaram áreas florestais, para o ano de referência 2006 - ano anterior à realização do questionário, que foi realizado em 2007). Os resultados deste estudo demonstram que, para o universo de inquiridos, é, em geral, baixa a frequência média de uso das áreas florestais. Só nos concelhos de Terras de Bouro e Esposende a frequência média de visitas a uma área florestal para recreio é de cerca de duas vezes por mês no decorrer de um ano. Em todos os outros concelhos, a frequência de uso para recreio da população residente foi inferior a 12, o que significa que houve menos de uma visita/mês para realizar atividades de recreio. Em relação à recolha de lenha e madeira, só em seis dos 14 concelhos é que a média de recolha foi acima de cinco dias num ano. A recolha média de produtos não lenhosos foi também inferior a cinco vezes num ano em nove dos concelhos analisados. As mais altas frequências de uso para pastoreio ocorreram nos concelhos de Melgaço e Vieira do Minho. Obviamente que estes dados não poderão ser considerados representativos do uso da floresta pelos habitantes na região, já que a amostra em alguns concelhos foi muito baixa (ex. Melgaço apenas nove inquiridos). No entanto, julgamos que estes valores médios permitem inferir que, por um lado, a frequência de utilização direta (pelos locais) das áreas florestais é baixa, e que, por outro lado, as florestas na área destas duas bacias hidrográficas, principalmente as localizadas a montante na bacia, que são também as que têm uma cariz rural profundo, são usadas para um conjunto vasto de atividades, congruente com o carácter multifuncional destas paisagens rurais. Assim, parece existir uma tendência para a diminuição do uso direto, pelas populações locais, da floresta no Norte, nomeadamente para as utilizações ditas tradicionais (ex. recolha de lenhas) (Baptista 2010), e um aumento no interesse por bens e “novos” serviços (ex. o recreio e o turismo pelos visitantes e turistas), o que parece indicar que os “novos” serviços do ecossistema florestal poderão vir a ter um papel de relevo no futuro. Neste sentido, existe um sentimento de “oportunidade” para promover a gestão florestal capaz de promover serviços de ecossistema muito para além da produção direta no local (Figura 3-1), mas capaz de “gerar” quer serviços omnidireccionais (Figura 3-2) quer com uma direção determinada (Figura 3-3/4). 239 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 Tabela 7 Frequência média de uso das áreas florestais para diferentes atividades (número médio de dias durante um ano (2006) em que os inquiridos frequentaram áreas florestais). (1) N representa o número de pessoas inquiridas em cada concelho. Concelho N Recreio Lenho Produtos não lenhosos Caça Pastoreio Arcos Valdevez 28 11.96 12.29 3.00 15.14 95.89 Terras Bouro 32 26.86 1.82 3.95 18.32 82.95 Pte Barca 38 5.22 3.72 4.11 3.72 91.58 Montalegre 22 3.22 5.74 7.04 11.96 85.0 Vieira Minho 23 5.61 13.87 10.04 28.87 115.43 Melgaco 9 3.67 17.11 18.22 12.67 163.89 Vila Verde 26 4.93 8.90 2.17 2.23 0.0 Amares 20 5.67 0.48 1.44 2.04 0.0 Povoa Lanhoso 20 8.13 2.35 0.48 5.39 0.0 Pte Lima 23 3.81 5.76 15.05 0.38 18.05 Barcelos 29 10.28 42.86 26.45 1.24 7.24 Esposende 28 23.07 3.89 7.64 .07 0.0 Viana Castelo 32 5.69 3.25 1.56 1.25 22.81 Braga 29 9.83 2.31 1.41 .17 0.0 Total proprietários 205 10.06 13.08 9.26 8.44 72.17 Total não proprietários 170 8.58 2.64 3.10 3.82 2.88 No mesmo estudo, ainda com o objetivo de analisar as preferências do público em relação à floresta, foram usados dois grupos de fotografias (parte superior e inferior na Figura 13, tendo sido pedido aos inquiridos para ordenarem cada bloco de cinco fotografias de acordo com o que estes consideravam ser (i) uma floresta atrativa (“bonita”), e (ii) uma floresta “bem gerida”. Os dois grupos de cinco fotografias mostravam áreas florestais com diferentes características. Um grupo de fotografias mostrava áreas florestais com diferentes percentagens de cobertura florestal (parte superior na Figura 13). Com este grupo de fotografias (fotos F - “Forest cover”), pretendeu-se estudar o fator grau de coberto florestal na paisagem. O outro conjunto de cinco fotografias mostrava florestas em que variava a estrutura do povoamento (parte inferior da Figura 13). Algumas fotografias apresentavam árvores com a mesma idade (SA e SD), enquanto outras apresentavam uma estrutura de povoamento irregular, tendo as árvores diferentes idades (SB e SD). Outro fator que variava neste conjunto de cinco fotografias usadas para estudar a estrutura do povoamento foi a altura e a densidade dos matos. Com este grupo de fotografias (fotos S - Simplificação), pretendeu-se recolher a opinião dos utilizadores relativamente à simplificação da estrutura do povoamento. Estes dois parâmetros, (grau de cobertura florestal e simplificação do povoamento) foram escolhidos porque são considerados pelos investigadores na área florestal como dois dos maiores problemas que afetam as florestas das áreas temperadas (UNEP 2011). Em ambos os grupos, uma fotografia mostrava um área florestal onde tinha sido usado o fogo controlado (FE e SE). 240 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 Figura 13 Fotografias usadas no questionário. A Tabela 8 sintetiza os resultados obtidos. Os valores apresentados são o valor médio que cada fotografia obteve para os dois critérios estudados: “atratividade” e “gestão”. Como foi pedido aos inquiridos para organizarem as fotografias da mais bonita/melhor gerida (atribuir o valor 1) até à menos bonita/pior gerida (atribuir o valor 5), os valores numéricos mais baixos evidenciam maior nível preferência. Tabela 8 Valor médio para cada fotografia. COBERTURA FLORESTAL SIMPLIFICAÇÃO DA ESTRUTURA (de grande percentagem para baixa (de povoamentos com árvores com várias percentagem de cobertura florestal) idades-irregulares para povoamentos com árvores de idade semelhante-regulares) Fotos FC FA FD FB FE SB SD SA SC SE Atratividade (Média) 2.03 1.69 3.00 3.55 4.63 2.09 2.60 2.57 2.91 4.71 Gestão (Média) 2.38 1.73 2.88 3.34 4.21 2.28 2.84 2.04 3.38 4.16 Os resultados gerais relativos ao estudo do grau de coberto florestal (Fotos F) mostram que a fotografia FA foi simultaneamente classificada como a “a mais bonita” e também como “a melhor gerida” pois tem o menor valor médio nos dois critérios estudados. Relativamente ao estudo da simplificação do povoamento a foto SB foi classificada como “a mais atrativa” enquanto a foto SA foi classificada como “a melhor gerida”. Estes resultados revelam que podem existir conflitos entre aquilo que os utilizadores consideram uma floresta “atrativa” e/ou “bem gerida”, e uma floresta capaz de assegurar a provisão de múltiplos serviços de ecossistema na região norte, nomeadamente a regulação da água e o controlo da erosão (Carvalho Ribeiro e Lovett 2011). Assim, este trabalho realça a importância de envolver e sensibilizar os proprietários e os utilizadores das áreas florestais para o facto de existirem diferentes critérios para a gestão florestal, e que muitas vezes as preferências dos utilizadores, ou as suas necessidades mais imediatas, podem pôr em causa o funcionamento do ecossistema florestal. As escalas e locais em que os serviços são produzidos e em que os benefícios são gerados (P e B 241 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 da Figura 3) são frequentemente distintos, e muitas vezes a sociedade não tem uma perceção holística do funcionamento dos ecossistemas florestais (Carvalho Ribeiro e Lovett 2011). 4. Cenários futuros para os serviços de ecossistema florestal no Norte de Portugal Esta secção pretende explorar as tendências futuras na provisão dos serviços de ecossistema abordados ao longo deste capítulo de acordo com diferentes “futuros possíveis”, nomeadamente: um cenário de continuidade, um outro relacionado com o abandono rural e de regeneração da floresta nativa, e um terceiro em torno da intensificação da gestão para fins de produção. O indicador de produtividade utilizado (a análise do integral anual de NDVI), no período entre 2001 e 2010, revelou que a maior percentagem de área florestal do Norte de Portugal com tendência estatisticamente significativa de alteração ocorreu em áreas com função primordial de produção. Contudo, o reduzido número de píxeis com ocupação florestal em que se registou tendência de alteração estatisticamente significativa (9% do total de píxeis) não permite tecer grandes considerações quanto às perspetivas de tendência para um futuro mais ou menos próximo em diferentes cenários. Não obstante, a continuidade da monitorização deste tipo de dados pode ser muito relevante na avaliação dos serviços de produção (e restantes SE), podendo servir de suporte à definição de estratégias de gestão florestal para produção mais eficientes no futuro, de modo particular tendo presente os eventuais impactos que os fenómenos de alteração climática possam vir a ter sobre os espaços florestais. Em relação à fixação de carbono, espera-se que a tendência do aumento da área florestal continue a verificar-se no futuro, particularmente nas regiões mais interiores, devido ao aumento das áreas disponíveis para florestação e para o desenvolvimento espontâneo da vegetação por abandono de áreas agrícolas e de pastoreio. Esta é uma tendência de outras regiões da Europa, onde se prevê que o aumento da fixação de carbono na paisagem continue a verificar-se no futuro (Bolliger et al. 2008, Schulp et al. 2008). Também se prevê um aumento no interesse e na utilização da biomassa florestal para energia, especialmente no Norte de Portugal, considerando a oferta do recurso, as vantagens que a sua utilização tem associadas, nomeadamente em termos ambientais, e as políticas defendidas pelo Estado Português. A utilização de tecnologias mais eficientes de conversão energética (como a cogeração) a escalas municipais ou, pelo menos, do edifício, e a definição de um sistema logístico para otimizar o processo de recolha, transporte e processamento da biomassa garantindo a regularidade e qualidade do combustível, são passos fundamentais para desenvolver o aproveitamento deste recurso das florestas (Azevedo et al. 2011). No entanto, considera-se que a importância principal da biomassa residirá na possibilidade de, regionalmente, principalmente no meio rural e cidades médias, poderem ser estabelecidos sistemas energéticos autossuficientes e com a capacidade de gerar riqueza localmente. A regulação da água manter-se-á em função da área florestal e das condições climáticas. No entanto, num cenário de intensificação da floresta de produção, considerando a tenra idade dos povoamentos e as frequentes operações de maneio que alteram o regime hídrico dos 242 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 solos florestais, diminuindo a infiltração e consequente recarga dos aquíferos, o serviço de regulação será negativamente afetado. Mais favorável poderá vir a ser o cenário de abandono agrícola e regeneração florestal. Porém, o serviço de regulação poderá ser afetado pela expansão de espécies exóticas invasoras, menos adaptadas às condições locais e mais exigentes do ponto de vista hídrico, que poderão alterar a quantidade de água disponível no sistema, pelo que a gestão florestal preventiva deverá constituir uma prioridade. Num cenário de continuidade, onde a multifuncionalidade for uma prioridade, o serviço de regulação poderá ser incentivado num mercado de pagamentos indiretos de serviços de ecossistema. Do ponto de vista dos serviços associados à erosão do solo, e observando o espaço florestal como um todo, podem ser considerados dois cenários diametralmente opostos. Um primeiro que considera um aumento progressivo das áreas e dinâmicas florestais, assim como da gestão sustentável destes espaços através da aplicação e implementação de medidas e/ou iniciativas estratégicas para a dinamização do setor florestal (e.g. através da implementação de Zonas de Intervenção Florestal). Deste ponto de vista, será expectável que a área de floresta autóctone aumente, a par do crescimento da área com floresta de produção, diminuindo assim as áreas mais expostas e normalmente associadas a matos rasteiros e/ou zonas com vegetação esparsa. Neste contexto, a erosão hídrica do solo tenderá a diminuir de forma igualmente progressiva, em particular nas zonas de meia encosta e de altitude. Esta dinâmica está associada ao princípio de que este tipo de intervenções integradas no território levam igualmente a uma diminuição do número de incêndios florestais e à utilização de estratégias de produção florestal adequadas, ou seja, que contribuam para uma melhor cobertura do solo nos períodos mais críticos de exposição aos fatores climáticos. Por outro lado, poderá também considerar-se um segundo cenário, no qual se observe um aumento do número e extensão das áreas ardidas, associado a um aumento do abandono da propriedade florestal e à consequente reconversão para outras tipologias de ocupação, em particular matos rasteiros e zonas com pouca vegetação. Este segundo cenário poderá resultar da falta de ordenamento florestal e de incentivos à produção, o que inibirá a definição de estratégias integradas de gestão florestal. Neste segundo cenário, poderá registar-se um aumento das áreas expostas aos mecanismos de erosão hídrica, assim como um aumento dos próprios fatores de erosão através da implementação de más práticas florestais e/ou de modelos de produção menos adequados. De acordo com este cenário, os espaços de menor acessibilidade, em particular em zonas de altitude, conhecerão uma maior tendência de abandono e progressiva degradação. Esta situação poderá levar a um aumento substancial da quantidade de solo erodida por ausência de elementos que mitiguem os fatores de erosão. Apesar de se tratar de dois cenários diametralmente opostos, ambos revelam que a proteção da erosão hídrica do solo surge como um elemento secundário na aplicação de políticas e/ ou medidas mais generalistas para o setor florestal. De facto, apesar de existir em Portugal legislação que protege de forma direta a provisão de serviços de regulação (e.g. Decreto-Lei nº 166/2008, de 22 de Agosto, relativo à revisão da Reserva Ecológica Nacional), em particular a proteção do solo contra a erosão hídrica, este serviço é ainda subvalorizado pela sociedade em geral, sendo que esta, no entanto, beneficia de forma direta da implementação de diversas iniciativas paralelas. 243 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 No cenário de abandono rural, a regeneração natural de floresta nativa, que tem vindo a ocorrer nas últimas décadas como consequência do abandono agrícola e pastoril, pode ser interpretada como uma tendência positiva da condição da biodiversidade dos ecossistemas florestais no Norte de Portugal. Por outro lado esta tendência é contrariada pelo aumento de risco de incêndio em fases iniciais do processo de sucessão ecológica pós-abandono, em que ocorre um aumento de biomassa facilmente inflamável (e.g. vegetação arbustiva). Assim, a sucessão ecológica pós-abandono deve ser considerada como uma oportunidade e um desafio à gestão das florestas, e deve ser alvo de medidas que aumentem o sucesso da regeneração da floresta e reduzam o risco de incêndios não controlados. A estrutura e a composição das florestas plantadas são também fatores de grande relevância para a biodiversidade. As plantações florestais com espécies pirófitas, como é o caso do pinheiro-bravo e do eucalipto, em formações contínuas e densas, contribuem não só para aumentar o risco de incêndio numa dada área, pondo em causa a estabilidade da provisão dos serviços dos ecossistemas, como são também em geral pouco ricas em espécies, isto é, têm baixa biodiversidade. Assim, é importante promover quer a expansão dos carvalhais nativos (por regeneração natural, ou por regeneração assistida com plantação), quer a multifuncionalidade das florestas de produção, ou seja a produção de bens lenhosos a par com a produção de serviços de regulação e culturais, o que será um meio para uma maior sustentabilidade já que a estrutura e composição serão mais diversas, aumentando assim a estabilidade dos sistemas florestais. A crescente importância da floresta multifuncional, nomeadamente a autóctone de carvalhos (como floresta para recreio, com mais diversidade biológica e também reguladora da água e do controle da erosão), poderá ser promovida se forem implementados os proclamados “pagamentos de serviços de ecossistema”. Neste sentido, serviços como o de regulação da água ou o de mitigação dos riscos poderão ser devidamente pagos por quem usufrui dos benefícios daí advindos, como por exemplo água para consumo ou o controlo da erosão. No entanto, operacionalizar este conceito tem-se revelado um grande desafio. São conhecidas as dificuldades para implementar políticas governamentais “inovadoras” como a criação de mercados diretos ou indiretos de serviços dos ecossistemas, e parece claro que a sua implementação terá que ser concertada com diferentes tipos de atores não governamentais (EEA 2011). Não existirá concerteza uma solução única para garantir a provisão dos diferentes tipos de ecossistema florestal no Norte de Portugal, até porque os tipos de serviços de ecossistema florestal são variados e requererem estratégias de gestão diferenciadas. A gestão florestal terá que ser participada, negociada entre os diferentes atores (proprietários florestais, entidades públicas e privadas e o público em geral) e concertada entre várias escalas (local, regional, nacional e internacional) (Carvalho Ribeiro et al. 2010). Assim, urge concertar interesses públicos e privados nesta problemática da gestão florestal sustentável. Até porque a maneira como o ecossistema florestal funciona não proporciona só benefícios, o caso dos fogos florestais, que são parte integrante dos ciclos de alguns tipos de floresta, acarretam enormes prejuízos para a sociedade e requerem intervenções sérias e responsáveis. É assim urgente mobilizar toda a sociedade para que a tarefa de gerir sustentavelmente as áreas florestais possa ser implementável. 244 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 3 2 Referências · Abreu C., Correia T., Oliveira R. (2004). Contributos para a identificação e caracterização da paisagem em Portugal continental, in: DGOTDU (Ed.), Colecção de Estudos 10. DGOTDU, Lisboa. · Bosch J.M., Hewlett J.D. (1982). A review of catchment experiments to determine the effect of vegetation changes on water yield and evapotranspiration. Journal of Hydrology 55, 3-23. · Abson D., Termansen M. (2010). Valuing Ecosystem services in Terms of Ecological Risks and Returns. 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Neste capítulo são abordadas as relações entre a floresta, a sócioeconomia, a paisagem e o fogo. É analisada a singularidade do caso português, não apenas no contexto europeu, mas mesmo no contexto da “Europa mediterrânica”. São assinaladas as enormes diferenças no regime de incêndios (quer em numero, quer em extensão) no âmbito do território continental de Portugal. O capítulo centra-se depois no Norte do país, em que, utilizando dados de coberto do solo, demografia e sócio-economia, topografia e clima, se procura caracterizar os regimes de fogo e inferir sobre as suas variáveis explicativas. Apresenta-se uma análise de tendência recente da área ardida por município, a qual permite observar a existência de diferentes padrões locais na magnitude e sinal da tendência dos incêndios. Utilizando a mesma abordagem mas utilizando as áreas protegidas como unidades de análise, avalia-se a eficiência aparente do regime de protecção na prevenção dos incêndios, utilizando uma serie temporal iniciada em 1984. No final do capítulo, um caso de estudo compara a resiliência ao fogo de diferentes tipos de floresta existentes na região. FIRE, RESILIENCE AND DYNAMICS OF FOREST AREAS IN THE NORTH OF PORTUGAL Abstract: Fire, forest and landscape share a rather long common history, with fire deeply influencing the condition and evolution of forests and landscapes. With the frequent use by Man, fire has attained an unprecedented dimension of landscape transformation. This chapter addresses the relations between forests, socio-economy, landscape and fire. The singularity of the Portuguese situation is highlighted, not only in the European context, but even within the Mediterranean areas of Europe. The huge differences in wildfire occurrence and extent inside the Portuguese mainland territory are also highlighted. The chapter then focuses on the North of the country, for which, based on land cover, demography, socio-economy, topography and climate data, fire regimes are described and interpreted. A trend analysis is presented that reveals the existence of distinct local patterns of trend magnitude and signal for burnt area per municipality. Applying the same approach to protected areas, their apparent effectiveness in wildfire prevention is assessed, using a time series starting in 1984. At the end of the chapter, a case-study compares resilience to fire of several forest types occurring in the region. 1 2 3 4 InBio / CIBIO-Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos, Universidade do Porto. Faculdade de Ciências, Centro Biologia Ambiental (CBA), Universidade de Lisboa. IN+, Centro de Estudos em Inovação, Tecnologia e Políticas de Desenvolvimento, Área Científica de Ambiente e Energia, DEM, Instituto Superior Técnico. Departamento de Biologia, Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. 249 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 4 2 1. Fogo, floresta e paisagem 1.1. O fogo como agente de alteração à escala da paisagem No contexto dos fatores ecológicos que mais contribuem para explicar ou determinar a distribuição da biodiversidade, o fogo enquadra-se no conceito de “perturbação”. De facto, trata-se de um fenómeno discreto no tempo, relativamente imprevisível e com capacidade de causar mortalidade ou pelo menos destruir (total ou parcialmente) a biomassa acumulada nas biocenoses (Bowman & Murphy 2010). Por outro lado, o fogo é por excelência um fenómeno de perturbação característico dos espaços florestais. Quando combinado com fatores indutores de stress ambiental, como os relacionados com regimes climáticos extremos ou os solos com baixo nível de trofia, o fogo recorrente pode induzir importantes transformações nos ecossistemas florestais e reduzir de forma drástica a sua resiliência, afetando assim negativamente o seu potencial de provisão de serviços ecossistémicos (ver capítulo II.3) e o seu valor como habitat para a biodiversidade (ver capítulo II.2). Os impactos do fogo nos ecossistemas são diversos e dependem de múltiplos fatores, entre os quais a intensidade de cada evento, a recorrência de fogos e o tipo concreto (e o estado ecológico) do ecossistema (Catry et al. 2010). São comuns alterações ao nível das condições ambientais, da composição e estrutura das biocenoses, dos padrões espaciais da biodiversidade (nas parcelas individuais e na paisagem), de importantes propriedades dos ecossistemas (como a resiliência) e dos processos ecológicos do solo e em geral do ecossistema (Certini 2005, Bowman & Murphy 2010). No caso específico dos ecossistemas florestais, o fogo pode alterar de forma profunda a maioria dos atributos composicionais e estruturais que suportam os processos e as funções ecológicas de suporte à conservação da biodiversidade florestal e à provisão de serviços ecossistémicos (Proença et al. 2010). Os impactos do fogo ao nível da paisagem incluem, para além dos citados para os ecossistemas individuais, a alteração (por vezes profunda) da composição e da estrutura dos mosaicos paisagísticos, o que pode traduzir-se na fragmentação dos habitats e no aumento da heterogeneidade espacial (caso se trate de fogos de pequenas dimensões), ou, pelo contrário, na uniformização das condições ambientais e ecológicas da paisagem (no caso de incêndios de grandes dimensões) (Silva et al. 2011). A ignição e o comportamento dos incêndios são, por sua vez, também condicionados pela composição e pela estrutura da paisagem, assim como, pelas práticas de gestão e outros fatores de índole socioeconómica, demográfica e sociocultural (Costa et al. 2011). Em particular, a presença da floresta na paisagem é um importante determinante do comportamento local dos incêndios, existindo portanto uma relação próxima e mútua entre fogo, floresta e paisagem (Nunes et al. 2005, Carmo et al. 2011). O presente capítulo propõe-se abordar a importância do fogo enquanto agente de alteração dos ecossistemas e paisagens florestais no Norte de Portugal. Inicia-se com uma descrição multiescalar dos padrões de fogo, enquadradora de uma análise mais detalhada da realidade atual e recente na região. Segue-se um estudo de caso relacionado com a resiliência dos ecossistemas florestais à perturbação pelo fogo, terminando com uma breve discussão em torno das relações entre fogo, floresta e paisagem no contexto regional. 250 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 4 2 1.2. A problemática dos incêndios no setor florestal em Portugal Devido aos longos períodos de crescimento característicos das árvores e portanto da floresta, a ocupação atual dos espaços florestais resulta de intervenções realizadas há já algum tempo, sendo que as opções e intervenções atuais terão muito provavelmente consequências para a vitalidade futura do setor. Os espaços florestais ocupam aproximadamente 64% do território nacional, com uma área superior a 5,4 milhões de hectares (DGRF 2007). São espaços de composição muito diversa, desde sistemas florestais relativamente complexos até espaços com um coberto vegetal incipiente, em fases precoces do processo de desenvolvimento ecossistémico (DGRF 2007). De acordo com os dados do V Inventário Florestal Nacional – IFN5 (AFN 2010), a área arborizada ocupa atualmente cerca de 3,2 milhões de hectares, o que corresponde a 36% do território continental português. A propriedade privada em Portugal Continental inclui atualmente 2,8 milhões de hectares de espaços florestais arborizados (84,2% do total destes espaços), dos quais 6,5% (180 000 hectares) pertencentes a empresas industriais. As áreas públicas (530 000 hectares) correspondem a 15,8% do total (matas nacionais e áreas comunitárias arborizadas, e ainda uma parte significativa de outros espaços silvestres, normalmente baldios, não arborizados mas submetidos a Regime Florestal Parcial), dos quais apenas 11 000 hectares (2%, a menor percentagem na Europa) são do domínio privado do Estado (DGRF 2007). A estrutura e o regime da propriedade florestal apresentam profundas diferenças entre o Sul e o Norte do país, reflexo da diversidade de condições biofísicas e de sistemas agrários (Figura 1). Enquanto no Sul do país a superfície florestal, muitas vezes integrada em sistemas agrossilvo-pastoris, surge em explorações privadas de grande dimensão, na parte Norte do país predomina a propriedade particular de pequena dimensão, repartida por muitos blocos e associada a uma apreciável superfície comunitária nas regiões de montanha (DGRF 2006). Esta compartimentação da titularidade da propriedade florestal traduz-se num acréscimo de dificuldades no que respeita à prevenção e ao combate dos incêndios florestais e à implementação das medidas previstas nos vários instrumentos legais de ordenamento e de defesa da floresta contra incêndios. Procurando fazer face a estas dificuldades, entre os novos intervenientes no setor florestal destacam-se, pela importância que têm hoje, as organizações associativas (ENF 2007), nomeadamente as associações e cooperativas de produtores florestais. O associativismo florestal assume atualmente um papel de grande relevância, pela possibilidade de uma gestão coletiva de parcelas florestais pertencentes a diferentes proprietários com efeitos significativos na defesa da floresta contra incêndios, assim como no próprio aumento da área florestal do país, uma vez que as associações de produtores têm atuado como principal veículo de aplicação no território nacional dos apoios europeus concedidos ao setor florestal. Entre 1991 e 2003, o País investiu fortemente na rearborização, tendo subvencionado publicamente a constituição de perto de 460 000 hectares de novos povoamentos, a que corresponde uma média aproximada de 20 000 hectares por ano (DGRF 2006). 251 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 4 2 Figura 1 Número total de Prédios Rústicos por NUTS II e sua dimensão média por concelho (fonte: direção-geral dos impostos – ENF 2007). O incremento no movimento associativo, expresso no aumento regular do número de associações em todo o território ao longo das últimas décadas, reflete uma mudança na atitude dos proprietários florestais ao nível da sua organização e poderá contribuir para ultrapassar o problema estrutural do minifúndio. O movimento associativo permite a constituição de unidades de gestão com dimensão suficiente para uma gestão florestal racional e sustentável, reduz o isolamento técnico e económico da atividade florestal, confere maiores poderes negociais aos produtores, e contribui igualmente para a revitalização do meio rural (ENF 2007). A extensão e severidade dos incêndios florestais verificados no ano de 2003 e a consequente declaração do estado de calamidade nacional inscreveram definitivamente o problema dos incêndios florestais na agenda da atualidade política, social, económica e ambiental do País, traduzindo-se num significativo esforço legislativo no sentido do aperfeiçoamento dos instrumentos legais de ordenamento do território, apresentando como objetivo primordial a melhoria estrutural dos espaços florestais, conferindo-lhes maior resistência e resiliência aos fogos florestais. Neste contexto, o Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 65/2006, de 26 de maio, estabelece que a política de defesa da floresta deverá garantir a existência de estruturas dotadas de capacidade e conhecimentos específicos adequados e que, ao longo de cada ano, desenvolvam, com caráter permanente e de forma sistemática e eficiente, ações de prevenção, de vigilância, de apoio ao combate e de rescaldo e vigilância pós-incêndio. Com a publicação da Portaria n.º 35/2009, de 16 de janeiro, a estrutura das equipas de sapadores florestais integra o Dispositivo de Prevenção Estrutural, por sua vez integrado na Autoridade Florestal Nacional. Estas equipas, financiadas/apoiadas pelo Fundo Florestal Permanente, têm como principal função a vigilância, a deteção precoce de incêndios e a primeira intervenção, pelo que estão adequadamente equipadas nesse sentido. Estão normalmente 252 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 4 2 vinculadas às Associações de Produtores Florestais e às Câmaras Municipais, o que lhes permite uma ampla distribuição geográfica por todo o país. Ao nível da administração pública central, o efeito dos grandes incêndios em 2003 também se fez sentir. A então Direcção-Geral dos Recursos Florestais viu a sua orgânica novamente alterada, passando a dispor de uma estrutura nacional com três circunscrições florestais e das valências que haviam transitado para as Direcções Regionais de Agricultura em 1996. Foi também criada a Agência para a Prevenção de Incêndios Florestais (APIF) e foi instituído o Fundo Florestal Permanente (AFN 2011). Em 2007 foi extinta a APIF e promovida uma nova alteração na Lei Orgânica da Direcção-Geral dos Recursos Florestais, que mantém a estrutura e a missão instituídas em 2004 (AFN 2011). Posteriormente à publicação da nova Lei Orgânica da Direcção-Geral dos Recursos Florestais de 27 de fevereiro de 2007, e com a implementação do Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado (PRACE), vieram a consagrar-se novas leis orgânicas e novas estruturas em serviços e departamentos que trabalham de forma permanente com a DGRF. São os casos das novas Leis Orgânicas da Autoridade Nacional de Proteção Civil e da Guarda Nacional Republicana, entidades a quem cumpre a responsabilidade de resposta no âmbito dos 2.º e 3.º pilares do Sistema de Defesa da Floresta contra Incêndios (AFN 2001). Na mesma sequência de eventos, e com o financiamento do Fundo Florestal Permanente, foram criados os Gabinetes Técnicos Florestais, sediados nas Câmaras Municipais, com o intuito claro da promoção do ordenamento florestal dos municípios, contribuindo para os respetivos Planos Municipais de Defesa de Floresta Contra Incêndios, que passaram a assumir caráter obrigatório desde 2006 (artigo 10º do Decreto-Lei nº 124/2006 de 28 de junho). Estes sucessivos processos de mudança e esforços de aperfeiçoamento dos instrumentos legais de ordenamento da floresta, assim como a reestruturação dos seus atores principais (estado e privados), surgem numa altura em que o setor florestal representa cerca de 10% das exportações nacionais e 3% do Valor Acrescentado Bruto (ENF 2007). Segundo os dados do IFN V (AFN 2010), as três principais espécies florestais no país são o pinheiro-bravo, que representa 27% da superfície florestal, o eucalipto (23%) e o sobreiro (23%). De facto, as principais fileiras industriais no país apresentam uma clara relação com esta realidade, distribuindo-se pela produção de madeira de serração, pela produção de pasta de papel e pela produção de cortiça (ENF 2007). Assim, a frequência e severidade da ocorrência dos incêndios florestais em Portugal traduzse invariavelmente em prejuízos acentuados nestas três principais fileiras do setor, quer pela destruição do património florestal em si quando se trata de incêndios com maior severidade, quer pela grande influência que estes exercem no aparecimento de pragas e doenças que encontram condições especialmente atrativas em povoamentos parcialmente queimados ou com árvores afogueadas (como os escolitídeos que atacam as resinosas, o plátipus que ataca o sobreiro, ou a broca-do-eucalipto). 253 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 4 2 1.3. A avaliação dos padrões espácio-temporais dos incêndios e dos seus impactos A utilização de dados de deteção remota revolucionou o nosso entendimento acerca das dinâmicas do fogo desde a escala da paisagem até à escala global (Justice et al. 2003). Neste sentido, a existência e a disponibilidade de bases de dados robustas, atualizadas e adaptadas às necessidades de vários grupos de utilizadores é crucial para avaliar, prevenir e combater este complexo fenómeno socioecológico. Exemplo deste paradigma é o Sistema de Informação Europeu sobre Fogos Florestais (EFFIS), estabelecido pelo Joint Research Centre (JRC) e pela Direção-Geral do Ambiente (DG ENV) da Comissão Europeia, encarregue de produzir dados sobre a dinâmica dos fogos florestais na União Europeia e países vizinhos, servindo de suporte às ações de proteção da floresta. O EFFIS consiste num serviço abrangente oferecendo avaliações nas fases pré e pós-fogo, possibilitando o apoio à prevenção, à preparação, ao combate e às avaliações pós-fogo. Portugal dispõe atualmente de bases de dados que permitem caracterizar os fogos florestais, quer na sua distribuição espaciotemporal e área ardida (com uma área mínima cartografável igual a cinco hectares AMC; AFN 2011a), quer no relato das ocorrências ou deflagrações pontuais, atualmente registadas no Sistema de Gestão de Incêndios Florestais (SGIF), criado no ano de 2001. Este sistema foi alvo de uma reformulação em 2010, estando atualmente disponíveis online (AFN 2011b) a lista dos incêndios registados e um conjunto de estatísticas aos níveis local e nacional. A combinação destes dados com outras fontes de informação espacial temática atualmente disponíveis (clima, uso/ocupação do solo, demografia, sócio-economia, etc.) é potenciadora de investigação multidisciplinar sobre o fenómeno dos fogos florestais, estando esse efeito bem patente em trabalhos recentes de autores nacionais (Pereira et al. 2005, Moreira et al. 2010, Carmo et al. 2011, Costa et al. 2011, Silva et al. 2011). São bons exemplos dessa informação temática: (i) para o clima, os dados das estações climáticas do Instituto de Meteorologia e da rede Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos (SNIRH) ou projetos como o WorldClim ou o Atlas Climático Digital da Península Ibérica; (ii) para o uso/ocupação do solo, os projetos Carta de Ocupação do Solo (COS’90) Corine Land Cover (CLC), GlobCorine e MODIS Global Land Cover Product; (iii) no que respeita à demografia e sócio-economia, os dados do Instituto Nacional de Estatística são uma referência fundamental para estudos sócio-ecológicos. Para o presente capítulo foi efetuada, recorrendo aos dados supramencionados, uma avaliação dos padrões e tendências dos fogos florestais considerando as escalas continental (Europa), nacional (Portugal continental), regional e local (municípios, Rede Nacional de Áreas Protegidas (RNAP), e Rede Natura 2000 (RN2000)). Para esta avaliação foram utilizadas diversas técnicas estatísticas de análise e visualização de dados, bem como testes de deteção de tendências pelo método de Mann-Kendall/Sen-Theil (Mann 1945, Sen 1968). Dado o papel fundamental da RNAP e da RN2000 na gestão e conservação dos recursos naturais e da biodiversidade, e constituindo os incêndios florestais uma séria ameaça a estes e outros valores, efetuou-se uma análise da relação e do efeito 254 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 4 2 potencial destas redes na dinâmica espaciotemporal dos fogos florestais entre os anos 1990 e 2009. Para esta avaliação, foram usados, como unidades de análise, os estratos da estratificação climática nacional (Figura 2). Em traços gerais, a estratificação climática permite a divisão de gradientes climáticos complexos em unidades discretas (“estratos”) cujas características ambientais (não apenas ao nível do clima, mas também ao nível dos padrões da vegetação, uso/ocupação do solo, etc.) são relativamente homogéneas (Metzger et al. 2005, Jongman et al. 2006). Figura 2 Excerto (região Norte) da estratificação climática de Portugal Continental (Honrado et al. 2010). Para a referida análise, cada estrato i foi subdividido em duas frações, sendo “A” a fração com estatuto de conservação (no interior da RNAP ou RN2000) e “B” a fração sem estatuto de conservação (no exterior da RNAP ou RN2000). Para efeitos de análise foram considerados apenas os estratos em que ambas as frações ocupam uma área igual ou superior a 5% da área total do estrato. Para A e B foi calculada a proporção (P) de área ardida ao longo da série temporal, ou seja, PA,i(t) e PB,i(t). Para comparar as duas frações, em cada um dos estratos selecionados no intervalo temporal considerado (1990-2009), utilizou-se o integral de PA,i(t) e PB,i(t). Os resultados destas análises são apresentados na secção 2.3.2 do presente capítulo. 255 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 4 2 2. Três décadas de incêndios em Portugal Há já várias décadas que os incêndios florestais constituem a mais séria e crescente ameaça às florestas nacionais, destruindo valores e recursos e assim comprometendo severamente a sustentabilidade económica, social e ambiental do território (ISA 2005). Nas mais recentes análises realizadas é evidente a depauperação sistemática da floresta, condicionando a produção de material lenhoso de valor acrescentado e colocando em risco a oferta sustentada de bens e serviços gerados pelo setor florestal. Assim, nos últimos anos, tem-se assistido ao encurtamento dos ciclos de corte, à diminuição da qualidade da produção e ao abandono crescente da atividade económica que suporta significativas áreas agroflorestais (ISA 2005). Ao internalizar custos associados aos incêndios florestais, o setor florestal nacional tem perdido vigor produtivo, rentabilidade e competitividade. Procurando estabelecer uma nova estratégia, capaz de inaugurar um novo ciclo na gestão da floresta relativamente à problemática dos incêndios florestais, e procurando abordar as questões de uma perspetiva integradora, o Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios (ISA 2005) elegeu como eixos de atuação: aumentar a resiliência do território aos incêndios florestais; reduzir a incidência dos incêndios; melhorar a eficácia e a eficiência do ataque e da gestão de incêndios; recuperar e reabilitar os ecossistemas e comunidades; e adaptar uma estrutura orgânica e funcional eficaz. 2.1. Portugal no panorama Europeu A análise dos dados disponíveis para o contexto europeu revela que as ocorrências de incêndios na Europa não se distribuem uniformemente pelo continente, sendo os países do Sul muito mais afetados por este problema do que os países do Norte e Centro da Europa (Yves Birot et al. 2009; Figura 3). A Península Ibérica e as regiões mais próximas do mar Mediterrâneo apresentam níveis particularmente elevados de ocorrência de incêndios (Figura 4). Figura 3 Número médio de incêndios por ano, por país da região Mediterrânica e para o total da UE, no período de 1980 a 2006 (EFFIS). 256 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 4 2 Figura 4 Representação pontual das ocorrências de fogos no Sul da Europa (2001-2010) (fonte: European Forest Fire ������ Information System (EFFIS)). O número total de incêndios na região Mediterrânica europeia (Portugal, Espanha, França, Itália e Grécia) tem aumentado nas últimas décadas (Figura 5). No entanto, para esta tendência contribuirão, não só um provável aumento real do número de ocorrências, mas também uma melhoria dos mecanismos de coleção de dados de incêndios nestes países (Pereira et al. 1998, Pereira & Santos 2003, European Commission 2005). Como é óbvio, os países com maior área têm uma probabilidade maior de registarem incêndios. Assim, a representação da “densidade de fogos” (figura 5) ajuda a visualizar melhor a maior frequência relativa de fogos do Sul da Europa por comparação com grande parte do resto do continente. Estes dados demonstram que o padrão de incêndios não está apenas dependente das condições climáticas, mas sugerem também que a paisagem e diversos aspetos socioeconómicas podem afetar o número de ignições e o comportamento dos incêndios (Costa et al. 2011). Em média, no conjunto dos países da bacia Mediterrânica europeia, ardem 500 000 hectares de floresta por ano. Nestes países, os fogos com dimensões superiores a 50 hectares representam 75% da área ardida, no entanto só representam 2,6% do número total de fogos (EFFIS). O mapa da distribuição da área média ardida na UE por unidade estatística (Figura 6) mostra a distribuição espacial das áreas ardidas na região Mediterrânica e realça a particularidade desta área em relação ao resto da Europa. 257 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 4 2 Figura 5 Número de fogos por ano no conjunto da região Mediterrânica europeia, para o período de 1980 a 2006 (EFFIS). Grande parte da área ardida em qualquer época de incêndios é gerada por um pequeno número de grandes incêndios. Isto aplica-se a Portugal, ao Sul da Europa e a grande parte dos ecossistemas boreais e temperados (Strauss et al. 1989). Este facto sugere que é a ocorrência deste reduzido número de grandes incêndios que determina a dimensão das perdas e danos verificados num dado ano. Procurando explicar as tendências recentes dos incêndios na região, verifica-se que algumas tendências são relativamente transversais à Europa mediterrânica, tais como: (i) o abandono agrícola ou das áreas marginais para a agricultura em geral; (ii) a concentração da população em regiões urbanas e peri-urbanas transformando o litoral numa extensa área urbana (com maior ou menor densidade); (iii) um aumento contínuo dos interfaces naturais e urbanos; (iv) o abandono dos usos tradicionais nas áreas rurais devido ao despovoamento; e (v) o desuso do aproveitamento do sub-coberto, i.e. matos dos espaços florestais, como recurso combustível. Para além destas tendências, na região Mediterrânica 90% das ignições estão relacionadas com atividades ou comportamentos humanos (Yves Birot et al. 2009). De facto, as potenciais causas naturais (como as tempestades elétricas de verão) são acontecimentos extremamente raros. Por outro lado, fatores climáticos como as altas temperaturas, os longos períodos de seca que alteram o estado hídrico da vegetação e os ventos fortes contribuem para a aceleração dos processos de combustão e propagação em Portugal e no resto da Europa Mediterrânica (Pereira & Santos 2003). O conjunto destas tendências e circunstâncias tem contribuído para o agravamento dos problemas e riscos que advêm de uma relação longa e por vezes conflituosa entre o Homem e o fogo. 258 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 4 2 Figura 6 Distribuição do número médio anual (1980-2006) de incêndios na UE por unidade estatística territorial (adaptado de Yves Birot et al. 2009). Figura 7 Distribuição da área média ardida na UE por unidade estatística territorial (adaptado de Yves Birot et al. 2009). 259 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 4 2 2.2. Os incêndios em Portugal entre 1975 e 2009 O território nacional é muito heterogéneo no seu histórico de fogo recente, correspondente às últimas três décadas. Neste período, a esmagadora maioria dos fogos e da área queimada ocorreu a norte do rio Tejo (Figura 7). O Alentejo praticamente não regista área ardida, com a exceção do distrito de Portalegre e normalmente em anos excecionais como 1998 e 2003. No litoral, os valores de área ardida também são relativamente baixos, com exceção do distrito de Viana do Castelo, cujo caráter mais montanhoso o diferencia do resto do litoral. A norte do rio Douro, os distritos de Vila Real e Viana do Castelo, as zonas interiores de Braga e Porto, assim como o terço meridional do distrito de Bragança, apresentam elevados valores de área ardida (Figura 8a). A sul do rio Douro, os distritos de Viseu e Guarda apresentam também consistentemente elevados valores de áreas ardidas, bem como a zona do Pinhal Interior, que abrange o interior de Coimbra e Leiria, o oeste de Castelo Branco e o norte de Santarém. De facto, nesta zona é frequente acontecerem os incêndios de maiores dimensões registados para Portugal, particularmente frequentes no início da década de 1990, embora com menor expressão no quinquénio 1995-1999 e tendo atingido o auge em 2003. Figura 8 Os incêndios em Portugal Continental (1975-2009): (a) percentagem cumulativa de área ardida por concelho; (b) recorrência dos fogos florestais (número de incêndios registados) por concelho (Cartografia nacional de áreas ardidas, AFN). Os padrões de recorrência entre 1975 e 2009 (figura 8b) permitem constatar que há regiões com fogos repetidos um pouco por todo o país. No entanto, os valores mais elevados de recorrência encontram-se mais uma vez a norte do rio Tejo, revelando uma forte coincidência com as áreas montanhosas, particularmente nos distritos da Guarda, Viseu, Vila Real e na 260 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 4 2 zona interior dos distritos do Porto e de Braga. Esta relação entre relevo e recorrência dos fogos estará ligada ao regime de pastorícia e ao uso de queimadas para renovo de pastagens (Pereira & Santos 2003). Uma porção significativa dos fogos registados em Portugal ocorre perto do litoral, em áreas com elevada densidade populacional e uma elevada fragmentação da paisagem. Neste contexto, a cobertura vegetal sem grandes manchas contínuas de floresta ou matos determina que a um grande número de fogos corresponda uma área ardida relativamente pequena (Figura 8). Paradoxalmente, a mesma densidade populacional elevada que contribui para a existência de numerosas ignições também permite a sua rápida deteção, o que, juntamente com o reticulado da paisagem, a densidade da rede viária e as numerosas corporações de bombeiros, facilita a prontidão do ataque inicial. De notar que, climaticamente, este território (uma grande parte dele o único em Portugal fora da região biogeográfica Mediterrânica) é o menos exposto ao calor e à secura estival patente nas restantes regiões do País. Esta realidade contrasta flagrantemente com o que ocorre no acima referido Pinhal Interior, localizado no centro geográfico de Portugal, uma área com números relativamente reduzidos de incêndios, mas com extensas áreas queimadas (Figura 8). Esta e outras regiões do interior do País são caracterizadas pelo forte abandono do espaço rural e pelo consequente despovoamento e envelhecimento da população. Ao contrário da fragmentação da paisagem presente no litoral, aqui é possível encontrar extensas manchas contínuas de floresta (tipicamente dominada pelo pinheiro-bravo), intercaladas por matagais correspondentes a fases diversas da sucessão vegetal pós-fogo. Acontecimentos climáticos extremos como ondas de calor estivais, secura severa e ventos de orientação este-oeste são mais frequentes nestas áreas do que no litoral. Este tipo de padrão espacial, quer no tamanho quer no número médio de incêndios, torna evidente que qualquer tipo de análise do fenómeno deve partir de uma lógica regional e não nacional i.e. os valores médios nacionais mascaram a heterogeneidade que é facilmente observável nos mapas da Figura 8. O ano 2005 foi o sexto consecutivo em que a área ardida em Portugal foi superior a 100 000 hectares, predominantemente de espaços florestais. Esta constatação, associada ao facto de Portugal apresentar valores de área ardida e de ignições significativamente superiores a qualquer outro país da bacia mediterrânica europeia (Espanha, França, Itália ou Grécia), permite antecipar uma tendência preocupante de agravamento da situação. O número de ocorrências anuais de incêndios florestais em Portugal Continental sofreu um aumento considerável nos últimos 25 anos (DGRF 2007). Os valores máximos foram atingidos nos anos 1995, 1998, 2000 e 2005 (em que foram ultrapassadas as 30 000 ocorrências). Estas registam-se sobretudo nos meses de junho, julho, agosto e setembro, representando no conjunto quase 80% dos registos. Para além disso, observa-se um aumento do número de ocorrências no mês de março. Este aumento regista-se sobretudo no Norte do País, podendo estar relacionado com práticas agrícolas, habitualmente realizadas naquele mês e que recorrem ao uso do fogo como ferramenta de gestão (DGRF 2006). 261 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 4 2 2.3. O caso particular da região Norte 2.3.1. Padrões e tendências regionais de ocorrência de incêndios No contexto nacional, a região Norte apresenta algumas características particulares no que se refere à ocorrência de incêndios. A análise dos valores da Tabela 1 permite afirmar que a região Norte regista mais de metade das ocorrências nacionais e cerca de um terço do total nacional de área ardida. No caso da área ardida cumulativamente na região, esta representa aproximadamente um quarto da área total da região (valores referentes ao intervalo 1990-2009), claramente superior aos 9,2 % de média nacional. A Tabela 1 revela ainda que a área média ardida por ocorrência na região Norte é pouco superior a metade da média nacional, ou seja, predominam na região os incêndios de dimensão reduzida a média. Tabela 1 Os incêndios na região Norte, por comparação com a média nacional (1990-2009, AFN). Região Nº total de Nº médio de Área total ardida Área média Área média % Área ardida ocorrências ocorrências (cumulativa) ardida por ano ardida por (cumulativa) por ano (hectares) (cumulativa) ocorrência (hectares) (hectares) 13 613 716 512 043 26 950 38 24.0 22 679 1193 1 477 004 77 737 65 9.2 Norte Portugal Continental A avaliação de tendências a partir das séries temporais de área ardida constitui uma ferramenta útil à monitorização científica, técnica e política da evolução dos fogos florestais, complementando a caracterização espacial da magnitude e recorrência deste fenómeno. De forma direta e/ou indireta, o efeito conjugado de políticas de planeamento e ordenamento do território e promotores de alteração (modificações no tecido socioeconómico, demográfico e sociocultural das populações, alterações do uso do solo, invasão biológica, etc.) é relacionável com as tendências avaliadas, possibilitando uma leitura de base para interpretar a dinâmica evolutiva dos incêndios. Exemplo desta realidade são os Planos Municipais da Defesa da Floresta Contra Incêndios (PMDFCI) que obrigam à elaboração do “Historial de ocorrências e área ardida…” na 1ª fase da sua preparação, denominada “Fase de reconhecimento” (ISA, 2005). Tendo por base a cartografia nacional de áreas ardidas (com 5 hectares de AMC) para o intervalo 1984-2009 e a metodologia de avaliação definida (ver secção 1.3), observou-se que a região Norte teve nos anos 1985, 1989, 1998 e 2005 momentos particularmente críticos no que concerne aos fogos (Figura 9). 262 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 4 2 Figura 9 Percentagem da área de cada distrito queimada por ano, entre 1975 e 2009, na região Norte. No entanto, apesar destes anos extremos, a região apresenta uma tendência global de diminuição da área ardida, a uma taxa de aproximadamente -330 hectares/ano (ca. -0.65% do valor médio anual de área ardida). Esta tendência não é, no entanto, significativa em termos estatísticos (p>0.1). A partir desta tendência regional, interessa detalhar as tendências ao nível dos municípios, dado que estes constituem importantes unidades de planeamento estratégico no que concerne aos fogos florestais. Na avaliação de tendências de área ardida efetuada aos 86 concelhos pertencentes à NUTS II Norte: • 16 revelaram uma tendência de aumento (não significativa em qualquer dos casos, para o valor crítico de probabilidade igual a 0.1); • 58 apresentaram uma tendência de diminuição (estatisticamente significativa em 11 concelhos: Alfândega da Fé, Armamar, Macedo de Cavaleiros, Miranda do Douro, Mogadouro, Paredes de Coura, Penedono, Santa Marta de Penaguião, São João da Pesqueira, Sernancelhe e Torre de Moncorvo); e • 12 concelhos não apresentaram qualquer tendência definida. Como é possível observar na Figura 10, a maioria dos concelhos com tendência de aumento da área ardida no período considerado localizam-se nos concelhos de Braga e Viana do Castelo, enquanto os concelhos com tendência de diminuição se localizam essencialmente nos concelhos de Bragança e Vila Real. Relativamente aos concelhos sem tendência registada, estes encontram-se associados a zonas de elevada ocupação urbana, reduzida área ardida média e localizados maioritariamente na faixa litoral dos distritos de Braga, Porto e Aveiro (Figura 10). Não foi registada uma correlação significativa entre a percentagem média de área ardida (que espelha sinteticamente a prevalência dos fogos) e as tendências observadas, sugerindo que estes dois indicadores caracterizam nesta região aspetos distintos e complementares do histórico de incêndios. 2.3.2. Os incêndios e as áreas protegidas e classificadas na região Norte Desde 1992, o Instituto de Conservação da Natureza e Biodiversidade (ICNB) é responsável pela recolha e divulgação de informação sobre os incêndios rurais na Rede Nacional de Áreas Protegidas (RNAP), através da elaboração de um relatório anual de síntese sobre as ocorrências e a área ardida. A análise desses dados permite acompanhar a evolução do fenómeno e definir a base das estratégias para as ações de prevenção, vigilância, deteção e primeira intervenção em incêndios florestais. Neste âmbito, o ICNB tem como objetivo a diminuição da área ardida nas Áreas Protegidas, em especial nas Áreas Prioritárias para Conservação da 263 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 4 2 Natureza, contemplando a redução das ignições, a redução dos impactos e a monitorização e recuperação de áreas ardidas (ICNB 2011). Figura 10 Tendências da área ardida por concelho, entre 1984 e 2009, e sua relação com a percentagem média de área ardida na região Norte. Segundo os dados oficiais (ICNB 2011) relativos à totalidade das áreas da RNAP em território nacional, o número de incêndios, após um crescimento no final dos anos 1990, exibe uma tendência decrescente, no entanto não acompanhada pela área ardida, a qual exibe fortes oscilações sem uma tendência ou padrão definido. Segundo a mesma fonte, as condições climatéricas extremamente adversas registadas em alguns verões, assim como situações favoráveis à ocorrência e propagação de incêndios noutros períodos do ano, contribuem para justificar estes valores. No que concerne à região Norte, segundo as análises efetuadas tendo por base a cartografia de áreas ardidas entre 1984 e 2009, tanto a RNAP como a Rede Natura 2000 (RN2000) apresentam na sua globalidade uma tendência não significativa (valor-p > 0.1) de diminuição da área ardida, respetivamente à taxa de -102 hectares/ano (-1.98% da média) e -131hectares/ano (-0.66% da média). Tal como na análise efetuada ao nível municipal, interessa aqui igualmente detalhar as tendências para cada uma das áreas abrangidas pela RNAP (Tabela 2) e pela RN2000 (Tabela 3). 264 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 4 2 Tabela 2 Tendências registadas para as áreas pertencentes à RNAP (região Norte) para o período 1984 - 2009 (os valores assinalados com (a) indicam que não houve registo de incêndios superiores a 5ha (área mínima cartografada); os valores assinalados a negrito indicam que a tendência é significativa para o nível crítico de probabilidade α = 0.1). Legenda: PNT – Parque Natural, PPR – Paisagem Protegida Regional e PN – Parque Nacional. Estatuto Código Nome Declive Declive % média Desvio- estimado (% da ardida padrão da % (ha/ano) média) ardida PNT PNT-DI Douro Internacional -91.53 -6.62 1.6 1.6 PNT PNT-M Montesinho -27.24 -2.01 1.8 1.7 PN PNT-M Peneda-Gerês 0.00 0.00 3.0 3.9 PNT PNT-AA Albufeira do Azibo 0.00 0.00 0.2 0.5 PPR PPR-CB Côrno do Bico 0.00 0.00 1.7 2.8 PPR PPR-LVCROM Litoral de Vila do 0.00 0.00 0.2 0.8 3.4 4.8 Conde e Reserva Ornitológica do Mindelo PNT PNT-LN Litoral Norte (a) PPR PPR-LBSPA Lagoas de Bertian- (a) dos e São Pedro de Arcos PNT PN-A Alvão 0.61 0.25 Nesta análise foi possível verificar que o Parque Natural do Alvão apresenta uma tendência (não significativa) de aumento da área ardida, enquanto o Parque Natural de Montesinho e (principalmente) o Parque Natural do Douro Internacional exibem uma tendência inversa, ou seja, de diminuição da área ardida, que no segundo caso é estatisticamente significativa. As restantes áreas protegidas, que constituem a maioria dos casos avaliados, não exibiram qualquer tendência relevante de alteração. Relativamente à RN2000, verificou-se que, dos 19 Sítios de Interesse Comunitário (SICs) analisados, nove registaram uma tendência de decréscimo, sendo três resultados estatisticamente significativos: Rios Sabor e Maçãs, Minas de Santo Adrião, e Romeu, todos localizados no distrito de Bragança (Tabela 3). Apesar de estatisticamente não significativa, para quatro outros SICs foi registada uma tendência de aumento da área ardida, com o SIC Alvão/Marão a registar um aumento próximo dos 10ha/ano no último quarto de século. Ao contrário do registado no Parque Nacional da Peneda-Gerês (que não revela uma tendência percetível), o SIC que abrange a totalidade deste parque apresenta uma tendência de incremento da área ardida. Relativamente às Zonas de Proteção Espacial (ZPEs), todas as áreas registaram uma tendência decrescente, estatisticamente significativa em dois casos: Douro Internacional e Vale do Águeda, e Rios Sabor e Maçãs, com valores de diminuição de, respetivamente, -62 hectares/ ano (ca. 5% da média 1984-2009) e -24.63 hectares/ano (ca. 4% da média). 265 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 4 2 Tabela 3 Tendências registadas para as áreas pertencentes à RN2000 (região Norte) para o período 1984 - 2009 (os valores assinalados com (a) indicam que não houve registo de incêndios superiores a 5ha (área mínima cartografada); os valores assinalados a negrito indicam que a tendência é significativa para o nível crítico de probabilidade α = 0.1). Legenda: SIC – Sítios de Interesse Comunitário e ZPE – Zonas de Proteção Especial. Declive Estatuto SIC Código Nome Declive estimado (% (ha/ano) da média) % média ardida Desviopadrão da % ardida PTCON0022 Douro Internacional -31.23 -3.75 2.3 2.2 PTCON0002 Montesinho / Nogueira -29.94 -1.63 1.7 1.5 PTCON0047 Serras da Freita e Arada -23.7 -2.20 3.8 6.9 PTCON0021 Rios Sabor e Maçãs -16.80 -3.44 1.5 1.0 PTCON0059 Rio Paiva -15.62 -2.54 4.2 5.5 PTCON0023 Morais -2.79 -1.76 1.2 2.0 PTCON0042 Minas de St. Adrião -1.47 -2.26 1.9 4.2 PTCON0043 Romeu -0.79 -0.45 3.7 8.2 PTCON0040 Côrno do Bico -0.39 -0.46 1.6 2.5 PTCON0018 Barrinha de Esmoriz (a) PTCON0041 Samil (a) PTCON0017 Litoral Norte 0.00 0.00 0.0 0.1 PTCON0019 Rio Minho 0.00 0.00 0.3 0.4 PTCON0020 Rio Lima 0.00 0.00 0.2 0.3 PTCON0024 Valongo 0.00 0.00 6.3 10.3 PTCON0039 Serra d’Arga 2.57 0.54 10.5 19.8 PTCON0001 Serras da Peneda e Gerês 2.96 0.11 3.0 3.5 PTCON0025 Serra de Montemuro 2.97 0.10 7.5 7.6 PTCON0003 Alvão / Marão 9.31 0.45 3.5 3.3 PTZPE0038 Douro Internacional e -62.06 -4.91 2.5 2.4 Vale do Águeda ZPE PTCON0002 Montesinho / Nogueira -32.19 -1.75 1.7 1.5 PTZPE0037 Rios Sabor e Maçãs -24.63 -3.55 1.4 0.9 PTZPE0039 Vale do Coa -10.05 -0.75 6.5 6.5 PTZPE0002 Serra do Gerês -6.81 -0.30 3.5 4.6 PTZPE0001 Estuários dos Rios Minho 0.00 0.00 0.3 0.5 e Coura Considerando as áreas pertencentes à RNAP e à RN2000, e incluindo apenas as áreas com declives de tendência positivos ou negativos, observou-se uma correlação positiva e estatisticamente significativa entre a percentagem média interanual (1984-2009) da área ardida e o declive da tendência (expresso como a percentagem da média). Este facto sugere uma preocupante relação entre elevada prevalência do fogo (i.e. percentagem de área ardida) e tendência de incremento dessa prevalência, ou seja, a área ardida tem vindo a aumentar nas áreas que já são habitualmente mais fustigadas pelos incêndios. Esta conjugação de condições, particularmente danosa para os valores naturais do território, é evidente nos SICs 266 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 4 2 que abrangem as serras de Arga, Peneda, Gerês, Montemuro, Alvão e Marão, onde os incêndios consumiram pelo menos 3% da área por ano (em média) e se registou no período 1984-2009 uma tendência de aumento da área ardida. Para complementar a leitura e interpretação da dinâmica dos incêndios florestais em espaços protegidos do Norte do país, procurou-se estabelecer uma relação entre a RNAP e a RN2000 e o histórico de incêndios entre 1990 e 2009. Esta análise pretende complementar a avaliação da distribuição espacial dos incêndios (em termos de severidade e recorrência) e das tendências temporais, tendo como objetivo caracterizar a eficácia potencial das áreas abrangidas pela RNAP e pela RN2000 na prevenção da ocorrência de incêndios e no seu combate. Esta avaliação foi efetuada através da comparação da percentagem de área ardida dentro e fora das áreas com estatuto de conservação para cada rede (RNAP e RN2000), controlando simultaneamente as diferenças climáticas e de composição da vegetação através da utilização de uma estratificação climática (Figuras 11 e 12). Figura 11 Comparação da proporção da área ardida entre 1990 e 2009, dentro de fora dos espaços pertencentes à RNAP na região Norte, em cada estrato climático. A partir das análises efetuadas, observou-se que, para a maioria dos estratos climáticos analisados, nos espaços pertencentes à RNAP o regime de incêndios é menos severo no interior das áreas com estatuto de proteção/conservação. Exceção a esta realidade é o estrato Mediterrânico Frio Montano (abrangido em 42% pelo Parque Natural de Montesinho), no qual se regista a situação inversa, ou seja, em termos proporcionais arde mais na fração com estatuto de proteção. No entanto, apesar da diferente eficácia observada em espaços classificados, como nos casos do Parque Nacional da Peneda-Gerês e do Parque Natural de Montesinho, deve assinalar-se que no primeiro caso o regime de incêndios é em geral mais severo, com 267 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 4 2 maiores flutuações temporais e com diferentes tendências (ver Tabela 2), sendo conveniente para efeitos de análise considerar estas dimensões do fenómeno separadamente. Figura 12 Comparação da proporção da área ardida entre 1990 e 2009, dentro e fora dos espaços pertencentes à RN2000 na região Norte, por estrato climático. No que concerne à RN2000, as análises efetuadas revelam uma divisão clara da eficácia potencial desta rede entre a zona atlântica (onde é a fração não abrangida por estatuto de conservação que é proporcionalmente mais afetada por incêndios) e a zona mediterrânica da região (onde se regista uma dinâmica inversa). Assim, em termos gerais as análises revelam que a RNAP consegue diminuir, no interior dos seus espaços classificados, a severidade do regime de incêndios em relação a áreas não protegidas com características similares. Esta situação poder-se-á dever à antiguidade desta estrutura (da qual o Parque Nacional da Peneda-Gerês é o exemplo mais evidente, tendo sido classificado no ano de 1971) e ao papel consolidado que esta rede desempenha em termos de prevenção, combate e gestão dos incêndios florestais. Relativamente à RN2000, as análises revelam que esta rede tem um papel comparativamente menos eficaz e menos consolidado em relação à RNAP, especialmente se considerarmos as áreas incluídas na parte mediterrânica do território. Estas diferenças podem dever-se à criação ainda recente desta rede, à maior área total e à maior diversidade de situações sócio-ecológicas que se encontram no interior dos seus espaços. 268 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 4 2 2.3.3. Os incêndios e o coberto do solo na região No sentido de melhor compreender os padrões ecológicos de ocorrência de incêndios na região Norte, na sua relação com o coberto vegetal do solo, foi estudado em detalhe o histórico de incêndios relativo à década de 1990, tomando como referência para o coberto vegetal a cartografia de ocupação do solo do ano 1990 (http://www.igeo.pt), numa versão simplificada (agregada) em função dos objetivos da análise (Figuras 13 e 14, Tabela 4). Figura 13 Representação simplificada do tipo de coberto de solo na região Norte em 1990 (http://www.igeo.pt). Através da leitura da figura 14 e da tabela 4, facilmente se percebe que a designação de “fogos florestais” só se aplica a 20% da área ardida na década 1990, e assim talvez a designação mais apropriada para a maioria dos fogos na região (e em Portugal) seja “fogos rurais” (Pereira et al. 2003). O facto mais assinalável no que respeita ao tipo de coberto de solo que mais ardeu neste período é o facto de que aproximadamente 70% da área ardida corresponde a vegetação arbustiva, floresta aberta ou degradada, matos empobrecidos e áreas quase desprovidas de vegetação, situações resultantes, em muitos casos, de recorrências elevadas de incêndios. As áreas agrícolas e agroflorestais representam somente 8,5% da área ardida neste período (Tabela 4). Assim, a elevada proporção de área ardida dever-se-á, em boa medida, ao uso do fogo para renovação de pastagens, em particular nas regiões mais interiores e com orografia mais acidentada. A queima de matos, a intervalos relativamente curtos, destina-se a favorecer o crescimento de vegetação herbácea e a estimular a produção de rebentos tenros nos arbustos, os quais são mais palatáveis para o gado. Este tipo de gestão com recurso ao fogo é na verdade muito antigo e representa uma das mais arcaicas formas de gestão do uso da terra. Alterações recentes nas dinâmicas populacionais e de ocupação da paisagem parecem estar 269 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 4 2 Figura 14 Áreas ardidas na região Norte (período 1990-2000), com indicação do tipo de coberto de solo em 1990 (http:// www.igeo.pt). a transformar algo que não significava necessariamente uma perda económica nem um dano ambiental num fenómeno que, pela sua recorrência e extensão, se tornou um fator de risco para povoações, florestas e campos agrícolas, dificultando enormemente o planeamento e a gestão de grandes áreas rurais do País. Tabela 4 Distribuição percentual da área ardida por tipo de coberto de solo (legenda agregada da COS 1990; ver Figuras 13 e 14), entre 1990 e 2000 (http://www.igeo.pt). Coberto solo (1990) Descrição Matos/matagais Vegetação arbustiva/floresta degradada ou de transição % Área ardida 35.2 Vegetação esparsa Áreas descobertas sem ou com pouca vegetação 34.2 Floresta Folhosas/resinosas (incl. nativas e exóticas) 20.2 Agroflorestal Agrícola + floresta 4.6 Agrícola Culturas/pomares/prados/vinha 3.9 Urbano Áreas artificiais/tecido urbano 0.5 Todos Área total 17.3 Fazendo uma análise da influência do tipo de coberto do solo no fogo em Portugal, Nunes et al. (2005) concluíram que os fogos de menor dimensão são mais seletivos, i.e. incidem preferencialmente sobre determinados tipos de coberto, evitando outros. No entanto a partir de determinada dimensão os incêndios revelam menor seletividade, i.e. conseguem propagar-se através de uma gama maior de tipos de vegetação. Nesta análise constata-se que os fogos de menor dimensão que queimam áreas de matagal e matos baixos são tipicamente detidos pela presença de áreas agrícolas. Já os fogos de maior dimensão, a que normalmente cor- 270 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 4 2 respondem condições meteorológicas mais extremas, conseguem propagar-se mesmo através de áreas onde as cargas de combustível são menores ou a vegetação se encontra menos seca. 2.3.4. Padrões ambientais e socioeconómicos dos incêndios na região Norte A região Norte é caracterizada por uma grande heterogeneidade, quer nas suas formas de relevo e altitude, quer nos seus padrões climáticos, quer ainda no padrão de ocupação do território, com a zona litoral a apresentar valores de densidade populacional muito superiores ao interior da região. Analisando o histórico de incêndios na sua relação com o relevo (Figura 15) é possível observar que a probabilidade de um qualquer metro2 arder é muito díspar consoante a altitude a que nos encontramos. Assim, e de um modo geral, à medida que a altitude vai aumentado também aumenta a probabilidade de encontrar área ardida. Este padrão também se verifica na recorrência i.e. a frequência média (para o período estudado) duplica quando passamos das terras baixas (até 400 metros) para as áreas com maior altitude (acima dos 700 metros). Estes padrões não estão obviamente relacionados com a altitude em si, mas com as características climáticas e socioeconómicas que com ela estão correlacionadas. Figura 15 O regime de fogo, na sua relação com a altitude, na região Norte (1975-2009): (a) distribuição da probabilidade de um qualquer m2 arder por intervalos altitudinais; e (b) distribuição da recorrência media por intervalos altitudinais. No caso da relação com as características climáticas, é possível observar que a percentagem de área ardida aumenta à medida que a temperatura média diminui e a precipitação média aumenta (i.e. em zonas de maior altitude) (Figura 16). Estes padrões estarão certamente associados com as características socioeconómicas e com as práticas de uso do fogo já antes descritas. A este facto acresce o menor uso do fogo como ferramenta de gestão da paisagem nas áreas mediterrânicas mais quentes e secas (ver Figura 8). Finalmente, a Figura 17 revela que a área ardida cumulativa tende a ser maior em concelhos com densidade populacional baixa a média e com proporções mais elevadas da população dedicada ao setor primário. 271 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 4 2 Figura 16 Relação entre a percentagem cumulativa de área ardida, ao nível do concelho na região Norte (período 1975-2009), e (a) temperatura média anual e (b) precipitação média anual. Figura 17 Relação entre percentagem cumulativa de áreas ardidas, ao nível do concelho na região Norte, e (a) densidade populacional (censos 1991), e (b) percentagem da população no setor primário (censos 1991). 2.3.5. Os incêndios e a floresta no contexto regional A partir da série cronológica (1990-2000) da área florestal ardida anualmente, apresentada na Figura 18, é fácil perceber que não há uma tendência clara na evolução da área florestal queimada e que existem anos excecionalmente problemáticos, como foi o caso de 1998, em que quase 7% da área coberta por floresta no País ardeu. Aliás, em cinco dos 11 anos em análise, arderam 2% (ou mais) da área coberta por floresta na região Norte. Os estádios de sucessão ecológica em que grande parte dos espaços florestais do território português se encontra estão relacionados com os ciclos de recorrência do fogo, i.e. com o tempo que, em média, decorre entre passagens sucessivas do fogo num mesmo local. Assim, com intervalos muito curtos entre fogos os povoamentos florestais não terão hipóteses de atingir a idade ideal para corte. Além disso, se não atingirem idade suficiente para produzirem sementes em quantidade suficiente para repor o banco de sementes no solo (20 anos no caso do pinheiro bravo; Oliveira et al., 2001), um novo fogo na mesma área resultará certamente na substituição da floresta por matagais. De facto, as consequências ecológicas (e económicas) da elevada recorrência dos fogos foram já descritas como “fire-trap”, que se 272 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 4 2 caracteriza pelo bloqueio (devido à recorrência de fogo) da capacidade de os habitats florestais atingirem a biomassa máxima, mantendo assim a sensibilidade do habitat ao fogo em valores muito mais elevados em relação à sensibilidade registada por etapas mais avançadas de evolução do ecossistema (Bowman, 2010). Figura 18 Área florestal queimada por ano na região Norte (período 1990-2000). A análise, com recurso à cartografia de ocupação do solo de 1990 e ao histórico de incêndios da década de 1990, da percentagem dos três principais tipos de coberto florestal presentes na região Norte que foi consumida pelos incêndios (Figura 19) revela que as espécies alóctones (eucaliptos) ou amplamente plantadas fora da sua área natural de ocorrência no território nacional (pinheiro-bravo) viram mais de 20% da área que ocupavam em 1990 consumida pelas chamas, enquanto as espécies autóctones do género Quercus registaram valores inferiores a 14%. Estes resultados corresponderiam ao esperado dado o caracter pirófilo dos eucaliptos e do pinheiro-bravo, sendo até relativamente elevado o valor de área ardida correspondente a povoamentos de árvores do género Quercus. Dois factos poderão contribuir para este valor. Por um lado, os estádios sucessionais pouco evoluídos em que se encontra a maior parte dos povoamentos de carvalhos, já antes referido, contribui para o incremento da sensibilidade desses povoamentos ao fogo. Além disso, a matriz e configuração da paisagem promoverão a expansão dos incêndios iniciados e/ou “alimentados” por espécies mais pirófilas para áreas menos propensas ao fogo, ainda que estas possam finalmente funcionar como uma barreira na sua propagação, facilitando o combate e contribuindo para a sua extinção. 273 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 4 2 Figura 19 Afetação dos principais tipos florestais pelos incêndios na região Norte durante a década de 1990. 3. Incêndios e resiliência em ecossistemas florestais – estudo de caso na região Norte 3.1. Introdução ao estudo de caso Este estudo foi realizado na sequência de um fogo de grande dimensão que ocorreu em agosto de 2006 e que afetou uma área superior a 6000 hectares, dos quais cerca de 4000 dentro dos limites do Parque Nacional da Peneda-Gerês (PNPG). O fogo prolongou-se por mais de uma semana e produziu um mosaico de severidade mista na área afetada. Este incêndio afetou duas zonas de conservação importantes no PNPG: a mata do Ramiscal e a mata do Mezio (Figura 20). A mata do Ramiscal é uma zona de proteção total com elevado valor para a conservação. Situa-se na parte ocidental da Serra do Soajo, numa zona de difícil acesso, e alberga uma diversidade florística importante (Torres et al. 2001, PNPG 2009), incluindo fragmentos de bosque autóctone dominados por carvalho-alvarinho (Quercus robur) e por azevinho (Ilex aquifolium). Numa perspetiva de resposta ao fogo, os carvalhos e os azevinhos são espécies rebrotadoras, isto é, têm a capacidade de regenerar após o fogo a partir de gomos vegetativos. A germinação por semente também contribui para a renovação da floresta, mas a sua importância para a recuperação pós-fogo é de menor importância (Calvo et al. 2003, Paula & Pausas 2008, Paula et al. 2009). A mata do Mezio é dominada por floresta plantada e integra manchas de várias espécies de resinosas e folhosas. As espécies dominantes são o pinheiro-bravo (Pinus pinaster), o pinheiro-silvestre (Pinus sylvestris) e o vidoeiro (Betula celtiberica) (Sequeira 1995). Os povoamentos de pinheiro apresentavam uma idade média de 50 anos em 2006. Os pinheiros produzem bancos de sementes e “investem” na regeneração por semente como estratégia de resposta à perturbação pelo fogo, não tendo capacidade de rebrotar. O pinheiro-bravo mantém bancos de sementes ao nível da copa (dentro das pinhas) e o pinheiro-silvestre mantém bancos de sementes ao nível do solo. Esta diferença contribui para uma maior vulnerabilidade do pinheiro-silvestre à ação do fogo (Rodrigo et al. 2004, Fernandes & Rigolot 2007). 274 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 4 2 Figura 20 A mata do Ramiscal (a) e a mata do Mezio (b) em abril de 2007 (i.e. oito meses após o incêndio). Este estudo avaliou a estabilidade dos ecossistemas florestais num contexto de perturbação pelo fogo. A estabilidade de um ecossistema pode ser definida como a sua capacidade de regressar à condição pré-perturbação e é determinada por duas componentes: resistência e resiliência (Halpern 1988, McCann 2000). A resistência pode ser definida como o grau com que uma variável do ecossistema (e.g. grau de cobertura da floresta, riqueza específica) se mantém inalterada face à perturbação; a resiliência mede a taxa de recuperação após eventuais alterações causadas pela perturbação (Halpern 1988, Lavorel 1999, McCann 2000, Diaz-Delgado et al. 2002). Este estudo de caso analisou ambas as componentes da estabilidade numa fase inicial de recuperação pós-fogo, e comparou a resposta da floresta natural de folhosas da mata do Ramiscal com a resposta ao fogo do pinhal plantado da mata do Mezio. 3.2. Metodologia e esquema de amostragem A resistência das florestas ao fogo foi analisada usando dados de severidade do fogo (avaliação no local usando uma escala qualitativa de danos ao nível da superfície do solo, ao nível arbustivo e ao nível da copa; Figura 21), dados de mortalidade de árvores adultas e dados de sobrevivência de árvores jovens. A resiliência das comunidades de plantas foi avaliada por comparação da composição e riqueza específica de áreas ardidas e não ardidas. Foram amostrados 20 transeptos de 50m x 10m (500m2) em zonas ardidas (transeptos ardidos) e em zonas não ardidas (transeptos não ardidos) de floresta de folhosas e de pinhal, num total de 80 transeptos. Os transeptos em floresta de folhosas eram dominados por Quercus robur e Ilex aquifolium, e os transeptos em pinhal eram dominados por Pinus pinaster e Pinus sylvestris. Os transeptos ardidos foram distribuídos em toda a área afetada e os transeptos não ardidos foram distribuídos na proximidade dos limites da área afetada. Em cada transepto identificaram-se todas as árvores adultas (altura ≥ 1.3m (altura do peito) e DAP (diâmetro à altura do peito) ≥ 10cm) e árvores jovens (altura ≥ 1.3m e DAP < 10cm). As árvores mortas foram identificadas como árvores sem quaisquer folhas ou rebentos verdes. No centro de cada transepto recolheram-se dados de plantas vasculares (exceto árvores) num quadrado de 4m x 4m. Os dados foram recolhidos em abril e maio de 2007. Para mais informações sobre a metodologia aplicada, consultar Proença et al. (2010). 275 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 4 2 Figura 21 Diferentes níveis de severidade do fogo em pinhal: baixa severidade (a), severidade moderada (b) e elevada severidade (c). 3.3. Resistência das florestas à perturbação pelo fogo Neste estudo não se encontraram diferenças na severidade do fogo nos dois tipos de floresta ao nível da superfície do solo, tendo sido encontrados sinais de severidade baixa ou moderada na larga maioria dos transeptos ardidos (numa escala de: “chamuscado”, severidade baixa, severidade moderada e severidade alta). Por outro lado, encontraram-se diferenças na severidade ao nível da copa. Os transeptos ardidos em floresta de folhosas apresentaram na maioria sinais de severidade baixa e nenhum apresentou sinal de severidade alta. Os transeptos em pinhal ardido distribuíram-se pelos quatro níveis de severidade, incluindo severidade alta (quatro transeptos) que corresponde à mortalidade total ao nível da copa, ou seja, 100% de árvores mortas. Por outro lado, nenhum transepto em pinhal ardido apresentou mortalidade nula. Em floresta de folhosas o valor máximo de mortalidade em zona ardida atingiu 44% em dois transeptos, e 13 transeptos apresentaram mortalidade nula. Porque a mortalidade constitui um fenómeno natural (i.e., independente da ocorrência de perturbação), compararam-se os níveis de mortalidade entre transeptos ardidos e não ardidos. Os resultados mostram que a mortalidade encontrada em pinhal ardido é superior à encontrada em pinhal não ardido (Figura 22). No caso da floresta de folhosas não existem diferenças significativas nos valores de mortalidade em transeptos ardidos e não ardidos (Figura 22). Outra medida para avaliar a resistência consiste na comparação da abundância de árvores jovens em transeptos ardidos e não ardidos. Os resultados mostram que o fogo afetou igualmente os dois tipos de floresta, causando uma redução significativa no número de árvores jovens (Figura 22). A maior resistência da floresta de folhosas ao nível da copa dever-se-á a características relacionadas quer com a estrutura das florestas quer com os atributos das espécies arbóreas dominantes. Os pinhais apresentavam uma estrutura mais densa e com continuidade vertical de material combustível (caruma seca, arbustos secos, ramos baixos e secos), o que promove a ocorrência de fogos de copa. Além disso, a propagação do fogo em pinhal é também promovida pelo menor teor de humidade do material combustível e pela presença de substâncias inflamáveis, como a resina. 276 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 4 2 Figura 22 Mortalidade de árvores adultas (% árvores adultas mortas por transepto), abundância de árvores jovens (número de árvores jovens vivas por transepto) e riqueza específica das comunidades de sub-bosque (número de espécies em 4m2) em áreas ardidas e não ardidas de florestas de folhosas (naturais) e de resinosas (plantadas). As colunas representam valores médios e as barras o erro padrão (n = 20). Diferenças significativas (p < 0.05) marcadas com asterisco*. Legenda: floresta de folhosas não ardida (FF_Não ard.), floresta de folhosas ardida (FF_Ard.), pinhal não ardido (P_Não ard.), pinhal ardido (P_Ard.). Adaptado de Proença et al. (2010). 277 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 4 2 3.4. Resiliência das comunidades de plantas à perturbação pelo fogo A maioria das espécies de plantas observadas em áreas não ardidas de floresta de folhosas foi também encontrada em áreas ardidas (42 de 54 espécies, 78%). No caso do pinhal, esse valor desceu para cerca de metade (15 de 31 espécies, 48%). Relativamente à riqueza específica, os quadrados amostrados em pinhal ardido tinham menos espécies que os quadrados em pinhal não ardido (Figura 22). No caso da floresta de folhosas, não se encontraram diferenças significativas (Figura 22). A maior semelhança de composição específica e de riqueza específica encontrada entre áreas ardidas e não ardidas em floresta de folhosas indica que as áreas ardidas deste tipo de floresta se encontravam num estado de recuperação pós-fogo mais avançado do que as áreas em pinhal ardido. Este resultado pode ser explicado por diferenças na composição específica da comunidade de plantas de sub-bosque. A comunidade de plantas da floresta de folhosas (não ardida) é dominada por espécies herbáceas perenes (e.g., Arrhenatherum elatius ssp. bulbosum, Asphodelus lusitanicus) e por espécies lenhosas (e.g., Hedera hibernica, Erica arborea), capazes de regenerar vegetativamente após o fogo ou na primavera seguinte. No caso do pinhal (não ardido), existe uma maior representação de arbustos que, embora tenham a capacidade de regenerar vegetativamente e/ou criem bancos de sementes cuja germinação é estimulada pelo fogo (e.g., Ulex minor, Daboecia cantabrica, Erica umbelata), necessitam de mais tempo para a regeneração (i.e., criação de novos tecidos) por serem espécies lenhosas de maior porte. Além disso, a ocorrência de fogo de maior intensidade em pinhal, potenciado pelo tipo de combustível, pode ter causado a destruição de tecidos regenerativos e reduzido a viabilidade de sementes, contribuindo assim para atrasar o processo de recuperação pós-fogo. Os resultados aqui apresentados dizem respeito a uma fase inicial da recuperação pós-fogo e devem ser interpretados apenas para o intervalo temporal considerado. A replicação do estudo numa fase mais avançada da recuperação poderia revelar menos diferenças na resposta das florestas. No entanto, apesar de os dois tipos de floresta poderem recuperar e voltar, após um tempo mais ou menos longo, a um estado idêntico ao de pré-perturbação, as alterações ao ecossistema logo após o fogo e no período de recuperação podem comprometer a continuidade dos processos ecológicos e o fornecimento de serviços de ecossistema, como o controlo de erosão, o sequestro de carbono, ou a recarga de aquíferos, e deste modo afetar negativamente o bem-estar humano. Assim, a maior estabilidade das florestas de folhosas face à perturbação pelo fogo representa também uma maior estabilidade na manutenção dos serviços de ecossistema prestados pelas florestas. Por outro lado, essa maior estabilidade das florestas de folhosas à perturbação pelo fogo não é sinónimo de invulnerabilidade, uma vez que a degradação das comunidades e do solo causada por fogos recorrentes é real e constitui uma ameaça importante, quer à manutenção dos processos ecológicos e dos serviços de ecossistema que deles dependem, quer à conservação de valores naturais únicos. 278 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 4 2 4. Considerações finais - incêndios, resiliência e dinâmica recente das florestas no Norte de Portugal Os dados e resultados apresentados ao longo do presente capítulo descrevem alguns dos aspetos mais relevantes da heterogeneidade de regimes de fogo que caracterizam a região Norte. Essa heterogeneidade está intimamente relacionada com a diversidade de condições ambientais e ecológicas dos espaços e paisagens florestais da região (ver capítulo II.1), sendo simultaneamente uma causa e uma consequência dessa diversidade. De igual modo, os distintos regimes de fogo que caracterizam o território terão certamente impactos diversos, ainda não devidamente estimados, sobre os habitats e a biodiversidade nativa (ver capítulo II.2) e sobre a provisão dos mais importantes serviços de ecossistema fornecidos pelas florestas (ver capítulo II.3). Os dados disponíveis sugerem que a região apresenta uma tendência global de decréscimo da área ardida, o mesmo acontecendo nas áreas incluídas nas redes de espaços protegidos e classificados (RNAP e RN2000). Estas redes evidenciam assim alguma capacidade de diminuir a incidência de incêndios florestais, embora essa eficácia seja ela própria heterogénea. Estas áreas poderão fornecer interessantes casos de estudo (como o que foi apresentado no presente capítulo) para elaborar e informar modelos de gestão regional do risco de incêndio aplicáveis, quando possível e adequado, a regiões vizinhas. No entanto, a tendência geral não é clara no que se refere a uma alteração consolidada do regime espaciotemporal de incêndios, o que, complementarmente à existência de anos extremos (verificados no histórico recente) e a eventuais mudanças climáticas propiciadoras dos incêndios, torna a magnitude e a frequência dos eventos potencialmente mais danosa. Neste sentido, revela-se necessário dar uma resposta cabal a este problema, reforçando o papel dos instrumentos territoriais com influência sobre este fenómeno, incrementando a capacidade de resposta, a resistência e a resiliência dos sistemas ecológicos através de uma gestão eficaz que contemple simultaneamente os desafios da conservação, da produção de riqueza, da provisão de serviços de ecossistema e da redução dos riscos naturais. Estudos recentes (e.g. Nunes et al. 2005) sugerem que uma paisagem com grande diversidade de tipos de coberto, com descontinuidade entre grandes áreas florestais e com ecótonos entre estas e as áreas agrícolas se revela mais resiliente ao efeito do fogo. No entanto, sob condições meteorológicas de calor e secura extremos, mesmo esta paisagem será afetada. Deste modo, são indispensáveis medidas de planeamento e ordenamento do espaço rural e de prevenção com vista à diminuição do material combustível disponível, como sugerem as Orientações Estratégicas do Conselho Nacional de Reflorestação (Conselho Nacional de Reflorestação 2005) e o Plano Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios (Instituto Superior de Agronomia 2005). O ordenamento e a gestão florestais assumem assim um papel de grande relevância na problemática dos incêndios florestais, pelo papel decisivo que poderão desempenhar ao nível da organização do território e concretamente na prevenção da ocorrência de fogos florestais. 279 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 4 2 A resposta poderá passar pela integração de políticas ativas de intervenção nos setores florestais e de conservação da natureza, esforço já refletido nos normativos legais produzidos nos últimos anos no País. Exemplo disto são os Planos Regionais de Ordenamento Florestal (PROFs), os quais, entre um vasto conjunto de recomendações, fornecem uma clara explicitação de uma zonagem do território quanto às suas aptidões traduzidas em funções de Produção, Proteção, Conservação de espécies de flora, fauna e habitats protegidos, Silvopastorícia, caça e pesca, e Recreio e lazer (ver capítulo III.1). Os modelos de silvicultura recomendados nos PROFs, numa clara tentativa de adaptação aos novos desafios que se colocam a uma gestão florestal cada vez mais sustentável, têm em consideração as funções já referidas, sem perder de vista as recomendações ao nível da composição e estrutura dos povoamentos e da gestão que lhes está associada. São objetivos assumidos a diminuição do perigo de incêndio e a garantia da máxima resistência da vegetação à passagem do fogo, com especial destaque para a promoção das composições mistas de folhosas e resinosas em detrimento da monocultura. De facto, em cada unidade local de gestão florestal deverá, sempre que possível, ser estabelecido um mosaico de povoamentos e, no seu interior, de parcelas com diferentes idades, estrutura e composição, que garantam a descontinuidade horizontal e vertical dos combustíveis florestais e a alternância de parcelas com inflamabilidade e combustibilidade distintas. Os Planos de Gestão Florestal, os Planos de Utilização dos Baldios ou as Zonas de Intervenção Florestal, que se submetem hierarquicamente aos PROFs, integram obrigatoriamente nos seus planos vinculativos de gestão um Plano de Defesa da Floresta Contra Incêndios, do qual devem constar várias medidas preventivas, como a preconização de redes viárias e divisionais ou a instalação de faixas de gestão de combustíveis. A região Norte, que alberga mais de metade das áreas baldias do País (na sua maioria sujeitas a Regime Florestal Parcial) e onde quase um quarto do território corresponde a áreas protegidas, a par do regime de incêndios sobejamente descrito neste capítulo, apresenta especificidades que lhe conferem um caráter muito próprio, mas simultaneamente promissor na aplicação de uma gestão florestal sustentável e integrada, reconciliada com as políticas de conservação da natureza e progressivamente mais eficaz na prevenção e no combate aos incêndios florestais. 280 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 2 1 Capítulo 4 2 Referências · AFN (2011a). Cartografia nacional de áreas ardidas entre 1990 e 2009. URL: http://www.afn.min-agricultura.pt/portal/dudf/cartografia/cartograf-areasardidas1990-2009, última atualização em 2011-0504. · AFN (2011b). Estatística - Dados sobre incêndios florestais. URL: http://www.afn.min-agricultura. pt/portal/dudf/estatisticas, última atualização em 2011-12-07. · AFN (2010). Inventário Florestal Nacional, Portugal Continental, 2005-2006. Autoridade Florestal Nacional. Lisboa. · Bowman (2010) from Sankaran, M., Ratnam, J., and Hanan, N. P. (2004). Treegrass coexistence in savannas revisited—insights from an examination of assumptions and mechanisms invoked in existing models. Ecology Letters, 7, 480–490.) · Bowman D.M.J.S., Murphy B.P. (2010). Fire and biodiversity. Pages 163-180 in N. S. Sodhi and P. R. Ehrlich, editors. Conservation Biology for All. Oxford University Press, New York. · Calvo L., Santalla S., Marcos E., Valbuena L., Tárrega R., Luis-Calabuig E. (2003). Regeneration after wildfire in communities dominated by Pinus pinaster, an obligate seeder, and in others dominated by Quercus pyrenaica, a typical resprouter. Forest Ecology and Management, 184: 209–223. · Carmo M., F. Moreira, P. Casimiro, and P. Vaz (2011). 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Florestas do Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão. InBio - Rede de Investigação em Biodiversidade e Biologia Evolutiva. Porto. ISBN: 978-989-97418-1-2. Pp 283-336. Resumo: Apresentam-se os princípios e orientações estabelecidos na Estratégia Nacional para as Florestas (ENF) e nos Planos Regionais de Ordenamento Florestal (PROF) da Região Norte, com consequências ao nível da organização e distribuição da floresta. Tecem-se considerações acerca da viabilidade e relevância das principais espécies florestais e modelos de silvicultura, para a consolidação e desenvolvimento das florestas na região. Procede-se à revisão dum conjunto de normas gerais de aplicação na gestão das áreas florestais e, em particular, caracterizam-se os modelos de silvicultura relacionados com as funções gerais de (a) produção, (b) proteção, (c) conservação, (d) silvopastorícia, caça e pesca e (e) recreio e enquadramento da paisagem. Estabelecem-se prioridades para a escolha dos modelos ajustados a cada sub-região homogénea. FOREST MANAGEMENT IN THE NORTH OF PORTUGAL: PERSPECTIVES AND FUTURE CHALLENGES Abstract: A set of principles and guidelines which are established in the National Forest Strategy (ENF) and in the Northern Regional Forest Management Plans (PROF) is presented, having its effects on the organization and distribution of local forests. The main forest species suitability and relevance concerning the consolidation and sustainability of forest in the region are outlined. A revision of general rules to manage forest plots is described. Special attention is given to characterizing the applied functions of (a) production, (b) protection, (c) habitat conservation, (d) pasturage, hunting and fishing in inland waters and (e) recreation, aesthetics and spiritual wellbeing. Locations and hierarchical priority solutions for the different homogeneous regions are presented. 1 CIFAP - Departamento de Ciências Florestais e Arquitetura Paisagista. Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. 2 Em temas específicos, devidamente identificados por duas colunas ao longo do texto, participam ainda: João Azevedo, CIMO, IPB; João Paulo Carvalho, CIFAP, UTAD; Rui Cortes, CITAB, UTAD; Teresa Fonseca, CIFAP, UTAD; Domingos Lopes, CITAB, UTAD; Luis Lopes, CIFAP, UTAD; José Luis Lousada, CITAB, UTAD; Maria do Loreto Monteiro, SPCF; Ana Teresa Pinto, CIBIO, UP; Luís Roxo, CITAB, UTAD; Emília Moreira da Silva, CITAB, UTAD; Filipa Torres, CIFAP, UTAD; Simone Varandas, CITAB, UTAD. 3 Os autores do texto principal fizeram parte, conjuntamente com Carlos Machado e Jorge Machado (SILVICONSULTORES) e José Rodrigues (GTF Penalva do Castelo), da equipa responsável pela elaboração dos PROF’s da NUT II Norte; o texto que se apresenta reproduz, parcialmente e após revisão, alguns dos documentos de suporte à concretização desses planos. 284 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 1 2 1. Introdução Na sequência dos grandes incêndios de 2003 e 2005, criaram-se condições para o desenvolvimento dum conjunto de instrumentos de reflexão e para a implementação de novas linhas de orientação da floresta em Portugal. Assim, nos anos mais recentes desta primeira década do século XXI, assiste-se ao lançamento de duas iniciativas complementares. A elaboração e aprovação da Estratégia Nacional para as Florestas (ENF - Resolução do Conselho de Ministros nº 114/2006 de 15 de setembro) e a concretização dos Planos Regionais de Ordenamento Florestal (PROF), com cobertura da totalidade do País. Em conjunto, estas peças representam um esforço de sistematização e enquadramento para o setor florestal, comparável na sua abrangência, transposta a distância temporal, ao Plano de Povoamento Florestal de 1938, suporte da implementação dos Serviços Florestais no século XX, ou ao Fomento da Arborização nos Terrenos Particulares de 1967, base da organização do Fundo de Fomento Florestal, de acordo com proposta do Prof. Azevedo Gomes (Gomes 1967) e que norteou o esforço maciço da arborização de áreas privadas, com especial incidência no Norte de Portugal. É, principalmente, da Estratégia e dos PROF’s, nomeadamente os relativos à região Norte, que nos ocuparemos, neste documento, com a oportunidade de podermos recorrer à informação entretanto disponibilizada publicamente dos dados do Inventário Florestal Nacional de 2005/2006 (AFN 2010). Ainda relacionado com os elementos de maior relevância para o setor, com proximidade temporal ao momento atual, será de referir a situação da suspensão prolongada da entrada em vigor e aplicação do Código Florestal, que constituiria uma oportunidade de revisão e simplificação do enquadramento legal das florestas, esperando-se que pudesse constituir um instrumento de maior coerência, objetividade de interpretação e simplicidade de aplicação legislativa. 2. Estratégia nacional para as florestas A Estratégia Nacional para as Florestas (DGRF 2007) encontra a sua justificação na identificação dum conjunto de pressupostos relacionados com a alteração das condições de enquadramento da atividade, tanto a nível nacional como internacional. São “Mudanças de contexto e novos riscos” (Capítulo 2 da ENF), relacionados nomeadamente com alterações climáticas (2.1), incêndios (2.2), pragas, doenças e invasoras (2.3), integração internacional e riscos de mercado (2.4), serviços ambientais (2.5), urbanização e despovoamento rural (2.6.1), novos atores da floresta (2.6.2) e riscos institucionais (2.7), que obrigam ao lançamento duma reflexão traduzida em consulta pública, acerca das novas orientações para as florestas. A estratégia propriamente (Capítulo 3) parte do reconhecimento das contribuições e das penalizações inerentes à realidade e diversidade do setor florestal, para fundamentar as linhas de orientação que pretendem “a curto prazo, diminuir os riscos e, a médio prazo, melhorar a competitividade (qualidade e eficiência) do setor em áreas e domínios específicos que contribuam para garantir a sua sustentabilidade e para aumentar o seu valor económico total” (DGRF 2007). 285 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 1 2 O conjunto das linhas estratégicas assenta, assim, em duas orientações preferenciais, relacionadas com a minimização de riscos (minimização dos riscos de incêndios e agentes bióticos - 3.2, redução dos riscos de mercado e aumento de valor de produtos - 3.5) e com o aumento da produtividade (melhoria da produtividade através da gestão florestal sustentável - 3.4, melhoria geral da eficiência e competitividade do setor - 3.6 e racionalização e simplificação dos instrumentos de política - 3.7), sendo relegada, nesta dualidade, a importância relativa das novas arborizações e aumento das áreas florestais, que tradicionalmente, entre nós, tem ocupado um espaço hegemónico na aproximação ao desenvolvimento florestal. Estes vetores são concretizados de forma operacional num quadro indispensável de “Especialização do território” (3.3). É precisamente neste contexto de especialização territorial que a Estratégia Nacional para as Florestas se cruza com os Planos Regionais de Ordenamento Florestal, instrumentos com caráter de maior operacionalidade e aderência espacial, numa escala já mais detalhada. De forma geral, apontou-se na especialização do território continental português em três tipos de áreas com base no conceito de função dominante: área de produção lenhosa, área de gestão multifuncional, e áreas costeiras e outras áreas classificadas. Numa primeira aproximação de natureza indicativa, simulou-se com base no Índice de Paterson a distribuição geográfica destas três especializações. Os níveis de produtividade acima e abaixo dos 6 m3ha-1ano-1 permitem uma primeira aproximação para a perceção da expansão e distribuição daquelas funções dominantes no território nacional, demarcando uma área de proximidade do litoral, em oposição às áreas com influências e características de maior continentalidade. Alterações das paisagens florestais e desafios para a sua gestão no Norte de Portugal João C. Azevedo, CIMO, ESA, IPB. O futuro das paisagens florestais do Norte de matos e de florestas estabelecidas naturalmente. Portugal encontra-se intimamente ligado às Estas alterações modificaram a estrutura da consequências de dois processos atualmente paisagem principalmente através da redução em curso e das suas interações: alterações do da diversidade e pelo aumento da dimensão uso do solo e alterações climáticas. e continuidade das unidades de vegetação As alterações recentes do uso do solo no Norte têm sido promovidas pelo abandono da agricultura, particularmente em regiões de montanha e do interior (Azevedo et al. 2011). Este abandono resultou no aumento das áreas disponíveis para usos do solo não agrícolas ou usos agrícolas de baixa manutenção (soutos de castanheiro, por exemplo). Por outro lado, conduziu a uma relativa renaturalização lenhosa (Azevedo et al. 2011). Esta redução da heterogeneidade das paisagens das montanhas e do interior Norte do país coloca incertezas relativamente ao fornecimento de serviços de ecossistema (Aguiar et al. 2009). A consequência mais marcante pode ocorrer, no entanto, no regime do fogo com efeitos imprevisíveis no provisionamento desses serviços (Azevedo et al. 2011b). da paisagem, particularmente evidente em A alteração do clima é outro promotor de paisagens tradicionalmente dominadas por usos alterações no coberto vegetal com efeitos já agrícolas. Tem, assim, vindo a aumentar a área evidentes em inúmeros ecossistemas terrestres florestal plantada e as áreas de comunidades de incluindo as florestas (ver revisão em Hannah 286 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 1 2 2011). Apesar das dificuldades de adaptação outros processos não abordados aqui (pragas e dos modelos de circulação geral da atmosfera doenças, por exemplo), são de prever no futuro a escalas particulares, prevê-se para Portugal o alterações de grande magnitude e extensão nas aumento da temperatura média anual (3 a 7ºC florestas do Norte de Portugal. até ao final do séc. XXI) e da duração da estação de crescimento das plantas e, simultaneamente, a redução da precipitação anual e da duração da estação chuvosa (Pereira et al. 2009). Prevê-se também o aumento da concentração de CO2 na atmosfera. Os efeitos individuais e combinados destas alterações no crescimento e na distribuição das plantas não são ainda claros, particularmente a escalas sub-regionais. Estão previstas, contudo, reduções na produtividade das principais espécies florestais no Norte, mais marcadas nas regiões de maior influência mediterrânica e continental onde o período estival é já hoje prolongado (Pereira et al. 2006). A produtividade primária líquida (PPL) pode sofrer reduções até 50% da atual para o eucalipto e o pinheiro bravo (Pereira et al. 2002). As montanhas do Noroeste são a única exceção a esse padrão onde a PPL pode mesmo aumentar até 25% dos valores atuais (Pereira et al. 2002). Inversamente, a produtividade do sobreiro pode aumentar na generalidade da região Norte, de forma mais acentuada no Noroeste (Pereira et al. 2002). A estas alterações deverão corresponder alterações na composição e dominância dos povoamentos à escala regional e no regime do fogo (Pereira et al. 2006). São de esperar igualmente movimentos de espécies e formações florestais na região, para Norte e para áreas de altitude, havendo no território condições suficientes para os assegurar. Considerando as interações das alterações do clima, do regime do fogo, do uso do solo e de As alterações climáticas são o maior desafio que a gestão florestal enfrenta (Crow 2008). Por essa razão prossegue o debate em torno das abordagens e estratégias a adotar num quadro de alterações. A incorporação de múltiplas escalas de trabalho no planeamento e gestão florestal, a alteração do paradigma de gestão (no sentido do ecossistema e dos seus serviços), a intervenção ativa ao nível da composição e configuração da paisagem e a incorporação da incerteza na gestão florestal são princípios que podem contribuir significativamente para esse propósito (Crow 2008). A integração de estratégias de adaptação (com base em opções de resistência, resiliência e resposta) e mitigação (sequestro de carbono e redução de emissões de gases com efeito de estufa) no planeamento florestal é outra abordagem necessária (Pereira et al. 2002, Millar et al. 2007). Subjacente à generalidade das abordagens e estratégias defendidas encontra-se o conceito de gestão adaptativa dos ecossistemas florestais, forma de incorporação da incerteza associada aos promotores de alterações e aos resultados das práticas de gestão florestal adotadas. Inúmeras recomendações de elevada importância estratégica e prática são fornecidas nos trabalhos de Pereira et al. (2002) e Pereira et al. (2006) cuja implementação muito contribuirá para a manutenção de processos, funções e serviços dos ecossistemas florestais do Norte de Portugal. 3. Planos regionais de ordenamento florestal De forma a cobrir a totalidade do território do Continente foram elaborados 21 PROF’s, com uma dimensão geográfica aproximadamente coincidente com as NUTS III, devidamente adaptados nos seus limites de forma a aglutinar algumas de menor dimensão e possibilitando igualmente, que nas mais extensas e heterogéneas fossem ajustados os seus limites. A região Norte comporta sete PROF’s: Alto Minho, Baixo Minho, Área Metropolitana do Porto e Entre Douro e Vouga, Tâmega, Barroso e Padrela, Douro e Nordeste Transmontano. 287 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 1 2 De forma coerente com o maior nível de detalhe que lhes corresponde, em consonância com uma abordagem de nível regional, foram consideradas cinco funções principais compreendendo diversas sub-funções: - Função de Produção – atende à contribuição dos espaços florestais para o bem-estar material das sociedades rurais e urbanas. Engloba como sub-funções principais a produção de madeira, a produção de cortiça, a produção de biomassa para energia, a produção de frutos e sementes e a produção de outros materiais vegetais e orgânicos; - Função de Proteção – promoção dos espaços florestais para a manutenção das geocenoses e das infraestruturas antrópicas. Engloba como sub-funções principais a proteção da rede hidrográfica, a proteção contra a erosão eólica e contra a erosão hídrica e cheias, a proteção micro climática e a proteção ambiental; - Função de Conservação de habitats, da fauna e da flora e de geomonumentos – contribuição dos espaços florestais para a manutenção da diversidade biológica e genética e de geomonumentos. Engloba as sub-funções principais relacionadas com a conservação de habitats classificados, a conservação de espécies da flora e da fauna protegida, a conservação de geomonumentos e a conservação dos recursos genéticos; - Função de Silvopastorícia, caça e pesca nas águas interiores – sugere a disponibilização dos espaços florestais para o desenvolvimento da silvopastorícia, caça e pesca em águas interiores. Engloba como principais sub-funções o suporte à caça e conservação das espécies cinegéticas, o suporte à pastorícia, à apicultura e à pesca em águas interiores; - Função de Recreio, enquadramento e estética da paisagem – pressupõe a contribuição dos espaços florestais para o bem-estar físico, psíquico, espiritual e social dos cidadãos. Engloba como sub-funções principais o enquadramento de aglomerados populacionais urbanos e monumentos, o enquadramento de equipamentos turísticos, o enquadramento de usos especiais, o enquadramento de infraestruturas, o recreio e a conservação de paisagens notáveis. Dentro da área de cada PROF, de acordo com as características locais, foram delimitadas diversas regiões homogéneas, para as quais se estabeleceram as prioridades de aplicação das funções acima referidas. Elemento comum em toda a região Norte é a presença dos baldios como forma marcante do regime de propriedade. A tragédia dos territórios comunitários (baldios) no Portugal contemporâneo Luis Lopes, CIFAP, UTAD. É, hoje, reconhecido que territórios Estado Novo (1924-1974), excesso de um certo comunitários (terrenos possuídos e geridos “romantismo” no processo de democratização e por comunidades locais) têm problemas, com consequente devolução às comunidades locais, tendências Muitos suas titulares, e por último uma baixa resiliência destes problemas resultaram da sua história às ideias dominantes vindas do contexto recente: um percurso errante, imposto pelo envolvente. Se a sua história está impregnada potencialmente os trágicas. 288 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 1 2 de tendências trágicas, o seu presente tem de Baldio, que por sua vez foram agrupados reforçado essas tendências, principalmente com em 115 Perímetros Florestais pelos Serviços o declínio social em que o Rural nacional foi Florestais Nacionais. mergulhado nesta nova era da globalização. Um dos principiais fatores da mudança do rural reside nas alterações do contexto socioeconómico em que o mesmo opera, e cuja evidência se traduz no despovoamento das zonas rurais e na urbanização acelerada do litoral e dos modos de vida, alterações que acompanham as tendências que se têm vindo a verificar em toda a Europa. A história descreve o Estado como o principal ator desta tragédia, renegando para papel secundário as comunidades locais. Com o enfraquecimento do Estado Central as Autarquias terão interesse em entrar em cena; as comunidades locais, de sobreaviso, acautelam a entrada em cena de novos atores. Os ambientalistas, omnipresentes, condicionaram o coro que na sua maioria será Porém é um erro grave, esse sim com constituído por indiferentes. Comprova-se que consequências trágicas, classificar o regime o contexto de uso dos territórios comunitários de relíquia sofreu alterações profundas. Esbateu-se a do passado, impraticável ou intrinsecamente influência do baldio na evolução do sistema incompatível com os desafios da sociedade agrário; declinaram as normas tradicionais de moderna. da regulação dos espaços comunitários e, como propriedade se verifica no pastoreio, muitos dos interesses privada será apontada como a solução trágica, individuais que agora o utilizam tendem a mas necessária em nome da eficiência territorial. converter o baldio num terreno de livre acesso. Discordamos desta visão; o futuro dos territórios Estão, então, reunidas as condições para o início comunitários é incerto, mas seguramente estes do braço de ferro entre o Estado (sentido lato) e perdurarão, nem que seja em nome de uma as comunidades locais, na emergência de novas biodiversidade institucional, desempenhando um formas de governação destes territórios. propriedade propriedade comunitária Nesta ótica, comunitária como a para transição papel que resultará do (des)equilíbrio entre os seus titulares (compartes) e a sociedade. É necessário percorrer o caminho que renove os fundamentos que legitimem a propriedade Os palcos desta tragédia localizam-se, na comunitária. É necessária uma estratégia para sua maioria, nas serras do Norte e Centro a do País. A montanha ocupa cerca de 11% da alicerçada na participação dos compartes, com superfície emersa de Portugal Continental, está vista a dar resposta às suas necessidades através concentrada no Norte e Centro ao longo do da valorização dos seus recursos endógenos, eixo de culminação ibérico, atingindo 1993 m assente num conjunto de prioridades e objetivos de altitude na Torre (Serra da Estrela). Em torno fixados a partir de um diagnóstico rigoroso, deste eixo montanhoso dispõem-se outras privilegiando elevações com mais de 700 m de altitude desde inovadora e com efeitos multiplicadores. a Serra D’Arga, às Serras Galaico-durienses ou à Serra de S. Mamede. valorização dos uma territórios comunitários, abordagem integrada, Os territórios comunitários (ou ainda melhor, as florestas públicas) devem ser capazes Os terrenos comunitários são, no universo do rural de mobilizar uma discussão nacional, um nacional, um património valioso e um importante movimento de transformação potenciador de espaço de atividades silvícolas. Os baldios uma aproximação a um cenário desejado ou à com uso florestal ocupam, aproximadamente, visão “Terras de oportunidades, preservando as 14% da área florestal do território continental, tradições – inovando”, alinhando os diversos correspondendo aproximadamente a 500 000 ha tipos de “entidades territoriais” que sobre eles estando organizados em mais de 1000 Unidades projetam o seu poder de decisão e execução. 289 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 1 2 4. Normas de silvicultura 4.1 Normas gerais de silvicultura As normas gerais de silvicultura contemplam um conjunto de regras comuns a todas as subregiões homogéneas, e que devem ser observadas independentemente da função principal inerente a cada uma delas. Este conjunto de normas balizadoras do planeamento assenta nos princípios da Gestão Florestal Sustentável e está organizado por temáticas de planeamento florestal, desde a plantação à exploração florestal. Apresentam-se, de seguida, com caráter exemplificativo e para cada tipo de operação, um conjunto de princípios a atender como condição de reconhecimento das boas práticas florestais. 4.1.1 Seleção dos locais das novas plantações / reflorestação - Considerar, no processo de florestação, a manutenção e valorização de ecossistemas com valor de conservação. - Manter e conservar os maciços arbóreos, arbustivos e/ou composto por exemplares notáveis de espécies autóctones. - Respeitar os valores geológicos, ecológicos, patrimoniais e culturais, bem como infraestruturas tradicionais (muretes, poços, etc.). - Averiguar as condicionantes legais de alteração do uso do solo aplicáveis à zona a reflorestar. Não deve ser promovida (re)arborização em áreas afetas à defesa da floresta contra incêndios, nomeadamente nas faixas de interrupção de combustível, e ainda nas áreas com espécies e/ou habitats classificados não arborizados, cuja recuperação ou manutenção num estado favorável de conservação aconselhe a não arborização, ou nas áreas afetas à proteção do património cultural e arqueológico e áreas abrangidas por servidões administrativas e outras restrições de utilidade pública. - Deverão ser selecionados os melhores locais para o desenvolvimento das espécies a plantar. Esta seleção deverá basear-se em análises de solo, fisiografia local e observação da vegetação existente. - A eliminação dos cepos, para a reflorestação, deve privilegiar técnicas de proteção do solo, nomeadamente o destroçamento no local, desde que tal não apresente riscos fitossanitários. 4.1.2 Seleção das espécies florestais a privilegiar - Averiguar no local a possibilidade de utilização da regeneração natural. - Deverão ser privilegiadas espécies indígenas ou as espécies não indígenas classificadas como naturalizadas ou com interesse para a arborização. - Considerar no processo de arborização a adaptabilidade da espécie ao local. Selecionar, sempre que possível, proveniências adaptadas à estação. 290 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 1 2 - Avaliar a adequação das espécies selecionadas aos objetivos inicialmente propostos. - Considerar eventuais impactos paisagísticos procedentes das espécies a utilizar. - Ter em consideração as mais-valias das espécies em termos de valor ecológico, nomeadamente a escolha de espécies autóctones arbóreas ou arbustivas, que produzam alimento para a fauna. - Considerar vantagens de associações entre as espécies florestais e/ou espécies arbustivas. A opção de instalar povoamentos mistos (resinosa x folhosa) versus povoamentos puros estará dependente das condições locais e dos objetivos de gestão. Normalmente, são consideradas como vantagens dos povoamentos mistos o serem mais resistentes a ataques de pragas e doenças e à ocorrência de incêndios florestais; devido à sua acrescida biodiversidade, permitem uma exploração mais alargada de bens associados e a obtenção de rendimentos intercalares mais significativos, além de constituírem um meio de reabilitação de solos degradados, com redução das perdas de nutrientes e melhoria qualitativa da sua composição. É, no entanto, reconhecido que a sua gestão é tendencialmente mais complexa que a gestão de povoamentos puros, devido ao maior desconhecimento dos modelos de crescimento e produção das espécies em consociação, além de obrigarem à existência de desfasamentos temporais entre as diversas intervenções. Povoamentos Mistos – uma oportunidade para a floresta da região Norte de Portugal Domingos Lopes, CITAB, UTAD. A Floresta da região Norte tem características atividades industriais que lhe estão associadas, idênticas à do resto do País, com as monoculturas em especial as celuloses, as serrações, as de pinheiro bravo e eucalipto a dominarem a fábricas de paletes e briquetes, entre outras. Em paisagem. Os dados do último inventário florestal simultâneo, estes ecossistemas são o suporte indicam que 45% da área florestal na região Norte de um conjunto de bens indiretos intimamente é de pinheiro bravo e que 22% é de eucalipto. associados ao nosso bem-estar e qualidade De toda esta área, menos de 25% coincide com de vida. As atividades de lazer, a recolha de situações de povoamentos florestais não puros. plantas aromáticas, a caça, a apicultura, a Na análise destes dados oficiais, considerando recolha de cogumelos, entre outros, funcionam agora as áreas de ocupação, verifica-se que a em complemento com a atividade de pendor área com potencial florestal atinge cerca de 65% mais económico e replicam a importância na região Norte. Na análise dos povoamentos ecológica destes ecossistemas. Há ainda outro mistos que predominam na região, dá-se tipo de bens indiretos da floresta, que passam particular destaque, pela área ocupada e não pela manutenção dos equilíbrios hídricos, pela pela relevância ecológica ou silvícola, ao misto redução dos fenómenos erosivos, entre outros, de pinheiro bravo com eucalipto. Bem mais que nem sempre são associados à floresta e interessantes destacam-se os mistos de pinheiro sem a qual o cidadão comum perderia muita da bravo com quercíneas e os mistos de pinheiro qualidade de vida atual. bravo e eucalipto com sobreiro, estes últimos na Terra Quente Transmontana. A floresta é responsável pela manutenção das Contudo, esta monocultura da floresta atual cria desafios acrescidos a todos os responsáveis pela gestão destes ecossistemas e/ou definição 291 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 1 2 de políticas. Começa pelas dificuldades que cria a necessidade de inverter estes cenários de no período do verão ao ampliar a perigosidade monocultura. de incêndios e facilitar a sua progressão. Num contexto de mudança de clima, como o que atualmente se vive, com a incerteza que lhe está associada, a monoespecificidade e especialização da floresta é uma desvantagem nítida. O exemplo atual do problema do nemátodo do pinheiro, com a perspetiva de mudanças drásticas no desenho da floresta como a conhecemos atualmente, com o perigo máximo do desaparecimento do pinhal bravo, pode criar impactos não previsíveis na paisagem e na economia da região Norte. Este problema tem importância acrescida pelo facto da monocultura prevalecer. Importa, ainda, sublinhar que a floresta mista, em especial se uma das espécies for uma folhosa, acrescenta uma riqueza paisagista adicional em relação à paisagem monocultural. Existem, ainda, consociações que pode ser interessante testar e que não são muito dilvugadas (por exemplo entre pinheiro bravo e cupressáceas, pela maior resistência que têm à progressão de incêndios e pela produtividade que apresentam). Estudos desenvolvidos na UTAD para povoamentos puros e mistos de Pinus pinaster e Quercus pyrenaica, localizados na região Norte, indicam que, enquanto a produtividade líquida dos Nestes contextos, a promoção da floresta mista povoamentos puros se localizava em valores pode ser uma solução lógica. A utilização de próximos das 5 ton.ha-1.ano-1, os povoamentos mais do que uma espécie transforma a floresta puros apresentavam perto das 7 ton.ha-1.ano-1. num ecossistema mais próximo do natural. Uma Estes estudos, realizados no âmbito de projetos floresta mista é indiscutivelmente mais rica em que visam a melhoria do conhecimento do biodiversidade do que uma floresta monocultural. comportamento dos povoamentos mistos na O incremento da biodiversidade é um fator que região Norte, indicam que a consociação de aumenta a importância dos valores indiretos da mais do que uma espécie estimulou aumentos floresta. Em simultâneo, a floresta mista evita que de produtividade. se esteja dependente exclusivamente de uma espécie e que se tenham de descobrir diferentes usos para as diferentes produções disponíveis. O problema do nemátodo, sendo grave, aumenta a dramaticidade que existe no contexto atual de monocultura e de uma importância extrema da espécie alvo da praga. A expectativa de que a espécie pode ser erradicada da paisagem florestal da região Norte e do País, aumenta Há, portanto, aqui um desafio aos gestores dos espaços florestais, e aos políticos, de promoverem uma expansão da área de floresta mista, garantindo, pelo menos, a preservação dos espaços já existentes. Essa expansão implica uma mudança de paradigma da atividade dependente da floresta mas que pode trazer enormes vantagens económicas e ecológicas. 4.1.3 Material de repovoamento O sucesso das intervenções depende de cuidados a que se deverá atender, sendo indispensável planear atempadamente a encomenda dos materiais de repovoamento. - Deverão ser utilizados materiais de repovoamento de boa qualidade, nomeadamente, plantas e/ou sementes com boas características genéticas e morfológicas. - Poderão ser utilizadas espécies indígenas ou as espécies não indígenas classificadas como naturalizadas ou com interesse para a arborização, regulamentadas por legislação nacional. Deverá acondicionar-se de forma adequada o material vegetal, nomeadamente: utilizar embalagens que não provoquem danos e dissecação; as plantas devem ser regadas antes de 292 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 1 2 serem carregadas; o veículo de transporte deve estar protegido do vento e sol; o transporte não deve ser feito nas horas de maior calor e mais próximo do dia de plantação. - Verificar, na receção, eventuais anomalias na qualidade, proveniência das plantas/sementes e estado fitossanitário geral do material vegetal utilizado. 4.1.4 Operações de preparação da estação Deverão ser observados alguns princípios gerais: - Manter, sempre que tal não se traduza num risco acrescido de ocorrência de incêndio, parte da vegetação arbustiva e herbácea existente. - As mobilizações do solo localizadas em linhas ou faixas deverão ser executadas segundo a orientação das curvas de nível. O único caso de eventual exceção a esta regra é a operação de ripagem, desde que seja acompanhada de uma operação de vala e cômoro, executada na orientação das curvas de nível. - Adotar esquemas de melhoramento do solo, como por exemplo, a criação de coberturas fixadoras de azoto, que também protegem contra o impacto da chuva, reduzem a erosão, evitam o aquecimento excessivo da superfície e as perdas de água por evaporação, auxiliam no controle de plantas invasoras e diminuem a incidência de pragas e doenças. - Gerir os níveis de matéria orgânica existentes na estação, utilizando técnicas de conservação do solo e dos nutrientes. - Optar por técnicas silvícolas que minimizem a compactação dos solos e a probabilidade de ocorrência de fenómenos de erosão significativos, nomeadamente mobilizações profundas do solo em áreas de declives acentuados. - Optar por épocas do ano que facilitem as operações de mobilização, tendo em atenção as condições climatéricas do ano. - As mobilizações do solo devem orientar-se pelo princípio da mobilização mínima, recorrendo preferencialmente às mobilizações do solo localizadas, nomeadamente apenas nas linhas de arborização. - Respeitar as bordaduras ou áreas de intervenção condicionada relativamente a áreas ecologicamente sensíveis. - Minimizar, sempre que possível, o período de tempo entre a preparação da estação e a plantação. Programar obras de correção torrencial das linhas de água em áreas de declives acentuados, e que evidenciem sinais de erosão hídrica notórios. - Realizar operações de fertilização de fundo, apenas nas situações em que estas sejam oportunas e vantajosas. 293 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 1 2 - Respeitar as boas práticas de aplicação dos fertilizantes, em especial em áreas húmidas e sensíveis, evitando contaminações do solo e água, como por exemplo a resultante da utilização de fertilizantes em quantidades excessivas. Repensar a fileira do pinho? Emília Moreira da Silva, CITAB, UTAD. Segundo o último Inventário Florestal Nacional mais desajustados das novas necessidades do (IFN), na Região Norte de Portugal, a floresta mercado e da nova realidade florestal nacional. ocupa 680 659 ha, constituindo o pinheiro bravo De facto, gerir o pinhal unicamente como uma 45% dessa área (cerca de 260 mil ha), evidência espécie fornecedora de material para serração, da importância dessa espécie no panorama com obrigatoriamente, diâmetros de grandes florestal da região. Consequentemente, o pinheiro dimensões e, portanto, oriundos de povoamentos bravo é também a principal matéria- prima da com rotações longas, onde os riscos de incêndio indústria transformadora da madeira que se e de ataque do nemátodo a árvores adultas encontra principalmente concentrada aqui, (65% são da totalidade das serrações e 45% das indústrias com a modernização da nossa floresta e a de painéis). sustentabilidade de toda a fileira florestal. Fruto do absentismo do proprietário florestal, A gestão do pinhal não pode ignorar que grande faltando uma gestão ativa e sustentável do parte do consumo atual de madeira se faz na pinhal, dos grandes incêndios florestais que forma de estilha para a indústria de painéis; não têm dizimado áreas significativas de pinheiro pode ignorar as possibilidades tecnológicas bravo, bem como do surgimento do nemátodo existentes que permitem a utilização de material da madeira de pinheiro que tem levado à morte de pequenas dimensões, quer para produzir e abate de um número significativo de árvores produtos de alta qualidade como os lamelados- assiste-se, no último decénio, a uma diminuição colados, quer para produtos energéticos; ou importante da área de ocupação desta espécie ignorar a possibilidade de aproveitamento das (cerca de 9% em 10 anos) e a uma consequente áreas de regeneração natural de pinho que quebra de fornecimento de material lenhoso desta surgem após os incêndios ou após corte final e espécie à indústria da fileira, comprometendo a que no nosso país já representam mais de 130 sua sustentabilidade. Comparando os dados do mil ha. A gestão adequada destas áreas permitirá IFN de 1995 com o de 2005/06, verifica-se uma obter uma gama diversificada e sustentada de 3 uma realidade, torna-se incompatível 3 redução de 94 milhões de m para 80 milhões m matéria-prima lenhosa para as mais diversificadas do volume de madeira de pinheiro bravo produzido aplicações, que vão desde produtos de curta na nossa floresta, situação agravada pelo facto de, rotação para biomassa para energia retirados segundo estimativas do Centro Pinus, nos últimos nos primeiros anos, até material de qualidade e 3 a 4 anos a capacidade instalada de consumo de grandes diâmetros adequado à serração obtidos madeira de pinho ter aumentado cerca de 30%. no final da exploração. Assim, a importância que a fileira florestal tem na No norte de Portugal, a estrutura da propriedade economia nacional (5% do VAB nacional, 12% florestal com uma excessiva fragmentação será, do PIB industrial e 10% do total das exportações certamente, um fator limitante à implementação nacionais), e a dependência que ela tem do de pinheiro bravo, obriga-nos a repensar a forma pinheiro bravo. No entanto, a organização de como o pinhal tem sido gerido nas últimas proprietários em estruturas como as ZIF’s (Zonas décadas, com modelos de produção cada vez de Intervenção Florestal) ou as áreas baldias uma gestão florestal sustentável do 294 do norte do país (cerca de 59% está localizada ser uma limitação, serão fatores fundamentais no norte), onde o pinheiro bravo é a principal para a sobrevivência do pinheiro bravo e de toda espécie e a dimensão da propriedade deixa de a fileira florestal tão dependente desta espécie. 4.1.5 Plantação, sementeira e regeneração natural - Planear antecipadamente a época mais indicada para a realização da instalação do povoamento, especialmente o da plantação, de modo a assegurar que a quantidade de material de repovoamento é suficiente. No aproveitamento da regeneração natural, o planeamento terá de condicionar o faseamento dos cortes finais do povoamento existente de forma a garantir uma distribuição homogénea e suficiente da regeneração natural. - Utilizar a técnica de instalação mais adequada ao local e à técnica de mobilização de terreno adotada, tendo em consideração os objetivos a atingir. - A forma de instalação escolhida deverá ter em atenção aspetos de natureza ecológica e de minimização dos impactes daí resultantes, nomeadamente perdas de matéria orgânica e compactação do solo. - Nas arborizações ou rearborizações devem ser respeitadas as medidas de silvicultura preventiva, que criem descontinuidades de inflamabilidade e combustibilidade, proporcionando nomeadamente que as manchas com área contínua da mesma espécie, à exceção das quercíneas, não devam exceder os 50 hectares, sem serem compartimentadas por uma faixa de largura não inferior a 25 metros e que ao longo das linhas de água principais devam ser adotadas espécies distintas das manchas de arborização que lhes são contínuas, ao longo de uma faixa com cerca de 25 metros de ambos os lados do leito. - Será aconselhável procurar-se aproveitar a regeneração natural, sempre que esta apresente boas características de conformação e tenha uma boa distribuição espacial na área a regenerar. 4.1.6 Gestão da vegetação espontânea - Dever-se-á avaliar a necessidade de intervenções ao nível da vegetação espontânea, nomeadamente, averiguando a relação benefício/custo dos métodos de controlo da vegetação propostos. - No processo de planeamento, prever técnicas de gestão da vegetação espontânea (localizada junto à arvore, em faixas, ou em toda a área) compatíveis com as características do local. É preferível optar pela eliminação localizada, parcial ou em faixas, sempre que tal não signifique um aumento substancial do risco de incêndio, de modo a assegurar uma maior proteção do solo, maiores taxas de retenção de água de escorrimento, teores mais altos de matéria orgânica no solo, maior proteção das árvores, melhor defesa contra agentes bióticos nocivos e uma menor possibilidade de crescimento de outras comunidades vegetais, por vezes mais difíceis de controlar. - Os produtos químicos aplicados deverão estar homologados nos termos da legislação em vigor e a aplicação de herbicidas, deverá ser localizada, respeitando sempre as instruções de Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 1 2 uso. O seu manuseamento e armazenamento devem fazer-se em locais secos e impermeáveis e a distâncias de segurança superiores a 10 metros das linhas de água. - Deverão ser mantidas faixas de proteção das linhas de água. Nestas áreas deverão ser preservadas as espécies ripícolas existentes e apenas devem ser efetuadas mobilizações de solo localizadas. - Evitar desmatações que provoquem que o solo fique nu na época das chuvas. A técnica de fogo controlado deve ser utilizada de acordo com as normas técnicas, atuando nas condições climáticas adequadas à operação, bem como nas situações em que seja possível garantir as condições de segurança de pessoas e bens. 4.1.7 Defesa da floresta contra agentes bióticos: pragas e doenças - As manchas florestais deverão ser monitorizadas regularmente procurando-se indícios de pragas ou doenças, e em caso de deteção devem ser alertadas as autoridades competentes e tomadas as devidas medidas de combate e mitigação. Em caso de se verificar a presença de sintomas de pragas e doenças num determinado povoamento, deverão ser tomadas as medidas preventivas necessárias para evitar a disseminação do agente causal, nomeadamente a remoção do material lenhoso resultante da exploração florestal. - Na arborização, deve ter-se em atenção a escolha de plantas sãs, o fomento da diversidade de espécies e idades, a escolha de espécies adequadas ao local, que diminuam as condições de stress das árvores e consequentemente a suscetibilidade a pragas e doenças. - Na condução dos povoamentos devem efectuar-se as operações nas épocas adequadas, de forma a diminuir os riscos fitossanitários. - As medidas de combate deverão ser planeadas antecipadamente com a colaboração e aconselhamento das entidades competentes em matéria de sanidade florestal. - O controlo de pragas deverá ser efetuado, sempre que possível, através de formas naturais, como por exemplo potenciando a presença de inimigos naturais. - Nas áreas em que há registos de danos provocados por mamíferos, deverão ser previstas medidas de defesa, tais como, utilização de proteções individuais para as árvores, vedações, ou outras medidas de combate específicas. 4.1.8 Condução dos povoamentos florestais - Os períodos de condução dos povoamentos florestais deverão ser definidos aquando da sua instalação, tendo como base os objetivos definidos, podendo ser alterados se existirem situações que o justifiquem, como por exemplo, a ocorrência de pragas ou de incêndios florestais. - A realização de operações silvícolas como podas, desramações, desbastes deverão ser planeadas de acordo com os objetivos, a espécie e o tipo de produtos florestais a explorar e serem equacionadas numa ótica de benefício/custo ou custo/eficiência. 296 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 1 2 - A condução dos povoamentos deverá ter em atenção, não apenas os aspetos relacionados com a produção florestal, mas também os aspetos ambientais e ecológicos. - Devem preservar-se espécies e ecossistemas classificados de grande valor de conservação, ou seja, valores naturais que pelas suas características particulares e únicas devem ser geridos numa ótica de conservação. - A opção de fertilização deve ter por objetivo a obtenção de maiores rendimentos e/ou aumentar ou manter o nível de fertilidade do solo evitando contaminações das águas. As quantidades de fertilizante a aplicar são função das características do solo, das necessidades do povoamento e dos objetivos de gestão. Este conhecimento obtém-se a partir de observação visual do povoamento, realização de análises de solo e foliares e monitorização da aplicação da fertilização. 4.1.9 Exploração florestal e extração de material lenhoso - De forma a concretizar esta última etapa da vida dos povoamentos, dever-se-á planear atempadamente a realização das operações de exploração florestal e gerir corretamente a biomassa residual, ramos, bicadas, etc. Será vantajoso triar os produtos extraídos da exploração florestal por tipo de utilização e valor. - No sentido de evitar o aumento do risco de incêndio deve prever-se a gestão dos resíduos florestais, nomeadamente através da sua remoção e valorização, ou destroçamento e incorporação no solo. - Adequar os equipamentos de exploração às condições locais, ao corte e ao tipo de extração de material lenhoso, evitando a degradação do solo, principalmente nos locais com alguma sensibilidade ecológica. - O plano de cortes deverá atender à forma e dimensão da área de corte, tendo em atenção possíveis impactos na paisagem. Para o caso de povoamentos de silvicultura intensiva, os cortes rasos deverão aplicar-se em manchas contínuas de pequena dimensão (inferior a 5 hectares), progredindo de forma salteada, ou de forma sistemática para concretizar estratégias de controlo de combustíveis. Nos povoamentos de folhosas tradicionais, deverá prioritariamente intervir-se pé a pé de forma salteada. - Dever-se-á minimizar, sempre que possível, danos severos sobre as árvores que ficam no povoamento. - Após a exploração, procurar realizar operações que permitam um rápido revestimento do solo, nomeadamente a instalação de uma cobertura vegetal, com espécies adequadas ao local. 4.2 Normas de silvicultura preventiva Entende-se a silvicultura preventiva como um conjunto de normas, incluídas dentro da silvicultura geral, aplicadas aos povoamentos florestais, que visam dificultar a progressão do fogo 297 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 1 2 e diminuir a sua intensidade, evitando ou limitando os danos causados no arvoredo. Pretende-se, assim, garantir que os povoamentos possuam a máxima resistência à passagem do fogo e reduzir a dependência das forças de combate para a sua proteção. A maior ou menor resistência à propagação do fogo está diretamente relacionada com a continuidade horizontal e vertical dos combustíveis. Neste sentido, existem dois níveis de intervenção de silvicultura preventiva: um ao nível da estrutura, e outro ao nível da composição dos povoamentos florestais. As ações de silvicultura ao nível da estrutura dos povoamentos florestais, têm como objetivo a criação e manutenção de descontinuidades verticais e horizontais entre os diferentes níveis de combustíveis no próprio povoamento. Ao nível da composição dos povoamentos, as ações de silvicultura preventiva visam a criação de povoamentos com espécies (ou misturas de espécies) menos inflamáveis e menos combustíveis ou que resistam melhor à passagem do fogo. Todos os instrumentos de gestão florestal (PGF (Planos de Gestão Florestal), ZIF (Zonas de Intervenção Florestal), projetos florestais) deverão explicitar medidas de silvicultura preventiva e sua adequação aos níveis superiores de planeamento. Em cada unidade de gestão florestal (exploração agroflorestal ou ZIF) deverá ser estabelecido no âmbito da instalação, dos tratamentos culturais, da gestão do sub-bosque, do corte e da regeneração dos povoamentos, um mosaico de povoamentos e, no seu interior, de parcelas, com diferentes idades, estruturas e composições, que garanta: a descontinuidade horizontal e vertical dos combustíveis no interior dos maciços e a existência de quebras no seu desenvolvimento territorial; a alternância entre parcelas com diferente inflamabilidade e combustibilidade, aproveitando as diferentes estações; os povoamentos florestais monoespecíficos e equiénios de alta inflamabilidade não deverão apresentar um desenvolvimento territorial contínuo superior a 20 hectares (como dimensão de referência), devendo ser compartimentados por uma rede de faixas de gestão de combustível ou por outros usos do solo, por linhas de água e respetivas faixas de proteção ou por faixas arbóreas de alta densidade. Estas faixas de alta densidade são povoamentos conduzidos em alto fuste regular, em compassos muito apertados, formando um coberto muito opaco à luz e ao vento. São desprovidos do estrato arbustivo e quase sempre compostos por espécies resinosas pouco inflamáveis e produtoras de horizontes orgânicos superficiais relativamente húmidos e compactos. Deverá ser favorecida a constituição de povoamentos de folhosas caducifólias, de preferência conduzidas em compassos apertados, sempre que as condições locais garantam o sucesso das arborizações. A expansão destas espécies para estações marginais (com maior secura edáfica) acaba por ter efeitos contraproducentes, pois aumenta significativamente a sua inflamabilidade no verão. A gestão das galerias ripícolas deverá ter em atenção, por um lado, a maior importância e sensibilidade ecológica destes espaços e, por outro, a necessidade de evitar que estas for- 298 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 1 2 mações se transformem em corredores preferenciais na propagação dos fogos, em virtude da sua posição topográfica, associada à elevada densidade e continuidade de combustível. Deverão ser estritamente respeitadas as faixas de proteção às linhas de água estabelecidas no âmbito do regime do domínio público hídrico. Deverá prever-se a gestão dos resíduos florestais, nomeadamente através da sua remoção ou destroçamento. 4.3 Normas de silvicultura por função As normas gerais de silvicultura, referidas anteriormente, deverão ser respeitadas em todos os espaços florestais, havendo no entanto, especificidades inerentes às funções desempenhadas. As normas que se seguem procuram dar resposta às particularidades de cada função e sub-função. 4.3.1 Função Produção Nos locais onde a função produção seja a principal, é necessário acentuar alguns dos aspetos mencionados anteriormente, relativos às operações de silvicultura geral e específicas da exploração. 4.3.1.1 Produção de madeira - A compartimentação de parcelas florestais contíguas deve ser efetuada segundo Normas de Silvicultura Preventiva. - Deverá recorrer-se à utilização de plantas e/ou sementes certificadas na instalação dos povoamentos, de acordo com a respetiva regulamentação relativa à comercialização de materiais florestais de reprodução. - A concretização de cortes finais deverá ser estabelecida por manchas salteadas ou faixas sucessivas, devendo preferencialmente ocorrer até 5 hectares contínuos. - Deverá existir um programa de manutenção de infraestruturas florestais de combate a incêndios, nomeadamente caminhos florestais e pontos de água. Eucalipto – Produtividade e expansão João Bento, CIFAP, UTAD. José Lousada, CITAB, UTAD. A rápida expansão da área de eucalipto tem características da sua alta eficiência produtiva, sido largamente referida, constituindo, entre em simultâneo com uma ocorrência precoce nós, um caso inédito de comportamento duma dessa capacidade de realização, por virtude espécie; apenas se reconhecerá, e muito duma economia da utilização dos recursos parcialmente, no pinheiro bravo ao longo de todo energia, nutrientes e água, suficientemente o século XX, alguma semelhança, pese embora estudada e documentada. a desproporção entre ambas as evoluções. São conhecidas as condições que permitiram esta situação; são amplamente referidas as O aproveitamento integral das capacidades desta espécie, por uma indústria capaz de aproveitar a totalidade da oferta disponibilizada, 299 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 1 2 constituíu um fator de estímulo e garantia numa 25 m3.ha-1.ano-1, admitidos pelo setor (Tavares tendência permanente de expansão da cultura, 2005). Em acumulação, haverá ainda pelo que colheu, ainda, a contribuição proporcionada menos nas situações geográficas com melhor pela facilidade de regeneração natural, quer aptidão para a espécie, uma disponibilidade por via seminal, pelo menos nas localizações de acréscimo efetivo para a expansão da onde melhor se encontra adaptado, quer por cultura. via rebentando concelhos que se podem considerar como os com grande facilidade após corte, mesmo em mais promissores, localizados na faixa mais situações após incêndio. litoral, onde ocorre simultaneamente temperatura vegetativa, nomeadamente Nas palavras de Monteiro Alves (2000) as potencialidades mútuas da produção florestal e da indústria “vão desencadear duma forma galopante todo um processo liderado pelo frequente anúncio de insuficiência da oferta, embora continuando a crescer as capacidades industriais instaladas, e, num sentido pode dizer-se que foi mesmo um grande sucesso das capacidades dos intervenientes, talvez até pouco habitual entre nós”. É neste sucessivo desajustamento que, aparentemente, uma vez mais nos situamos, com uma oferta de origem nacional garantindo cerca de 3/4 do consumo (Quadro 1). Repare-se que, apenas para os média anual superior a 12.5ºC e níveis de precipitação superiores a 1000 mm, existirá ainda um potencial de expansão de área superior a 60 mil ha, sem se atingir o limiar dos 25% de área do concelho afeta à cultura do eucalipto (uma referência de bom senso e precaução prevista no Dec. Lei 175/88). Incluem-se nesta situação os concelhos de Caminha, Ponte de Lima, Valença, Viana do Castelo e Vila Nova de Cerveira do distrito de Viana do Castelo; Barcelos, Braga, Esposende, Guimarães, Vila Verde e Vizela do distrito de Braga; Amarante, Baião, Maia, Marco de Canavezes, Matosinhos, Paços de Ferreira, Paredes, Penafiel, Porto, Póvoa de Varzim, Santo Tirso, Valongo, Vila do Na região Norte, a possibilidade de colmatar Conde, Vila Nova de Famalicão e Vila Nova de esta situação deficitária poderá assentar na Gaia, do distrito do Porto; Espinho e S. João convergência duma estratégia de melhoria da Madeira do distrito de Aveiro e Mondim de extraordinária da eficiência e produtividade da Basto e Ribeira de Pena do distrito de Vila Real. utilização da espécie, em simultâneo com alguma Acrescente-se ainda, que, na região Norte, os expansão ainda razoável da sua distribuição. concelhos de Gondomar, Trofa, Santa Maria da De facto, pelo primeiro procedimento, trata- Feira, Oliveira de Azeméis e Castelo de Paiva se de aproximar os atuais níveis médios de ultrapassaram já esse limiar, ocorrendo taxas 3 -1 -1 produtividade da ordem dos 12 m .ha .ano de ocupação superiores mesmo a 40 %, nestes (AFN 2010), a valores potenciais da ordem dos dois últimos concelhos. 300 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 1 2 Quadro 1 Consumo industrial de eucalipto. Unid. Industrial Produção anual pasta (t) Vol. mercantil 3 (m sc) Vol. total 3 (m cc) Fonte Cacia 285 000 850 000 1 020 000 (1) Figueira da Foz 560 000 1 650 000 1 980 000 (1) Setúbal 530 000 1 500 000 1 800 000 (1) Caima 115 000 360 000 432 000 (2) Celtejo 175 000 540 000 648 000 (2) Celbi 600 000 1 800 000 2 160 000 (2) Portucel/Soporcel Altri Outros (*) Total 200 000 2 265 000 6 700 000 8 240 000 (*) – Biomassa para energia e outras utilizações industriais. Fontes: (1) Grupo Portucel (2010). Relatório de Contas 2010 – Relatório de Gestão 2010, Setúbal. Pág. 75. (Versão eletrónica também disponível em: www.portucelsoporcel.com). (2) http://www.transportesenegocios.com/seminarios/2008/oradores/Ferroviario08/Hermano_Sousa.pdf. 4.3.1.2 Produção de cortiça - O planeamento da produção de cortiça deverá atender à legislação em vigor de proteção ao sobreiro, nomeadamente as alturas máximas de descortiçamento, perímetros mínimos de desbóia, tipo de intervenções interditas, época de podas, etc. - Deverá ser equacionada a rearborização a partir de regeneração natural em detrimento de plantas de viveiro. - O descortiçamento deve ser executado na altura em que os sobreiros entrem em plena atividade vegetativa, normalmente entre maio e agosto, dependendo das condições locais. A atividade extrativa deve ser suspensa sempre que, ao fazer-se a tirada, se detete a presença de câmbio aderente à prancha de cortiça. - Não efetuar descortiçamento dois anos antes ou imediatamente depois de efetuadas podas. A extração da cortiça deve ser executada por pessoal qualificado e experiente; um descortiçamento mal executado danificará a produção dessa árvore o resto da sua vida. - Deverão ser respeitadas regras de limpeza de equipamentos entre descortiçamentos. - Efetuar as desmatações estritamente necessárias, evitando as mobilizações do solo. De acordo com a legislação nacional são interditas mobilizações do solo que afetem as raízes das árvores ou a sua regeneração natural. Nas ações de adensamento, a instalação de culturas de cobertura e controlo de infestantes nos montados de sobro e de azinho devem evitar a mobilização do solo na área de projeção da copa das árvores. - O planeamento da poda dos sobreiros é uma operação cultural realizada na perspetiva da sobrevivência das árvores e do seu rendimento em cortiça. Existem três tipos de poda: 301 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 1 2 poda de formação, destinada a conduzir as árvores novas a uma forma conveniente para a extração de cortiça, retirando, no máximo 1/3 do seu volume; poda de manutenção, destinada a desafogar a copa melhorando as condições de frutificação e a facilitar a obtenção de pranchas de cortiça, envolvendo até 25% do volume da copa; poda de rejuvenescimento, a aplicar a árvores a entrar em decrepitude ou caducidade de forma a promover o equilíbrio da parte aérea com as raízes e a formação de novos ramos, circunscrita, em função do vigor da árvore, entre 1/3 e metade do volume da copa. Expansão suberícola nas florestas do Norte de Portugal – uma vocação da região? Ana Teresa Pinto, CIBIO, UP. João Bento, CIFAP, UTAD. De todas as árvores mediterrânicas, o sobreiro A importância do sobreiro no panorama florestal (Quercus suber L.) é a que se encontra mais português, quer pelos benefícios diretos e disseminada no nosso país, vegetando com inteiro indiretos que produz, quer pelo volume de mão de à vontade nos territórios das outras espécies obra que a atividade suberícola mobiliza, justifica lenhosas sem obediência às fronteiras traçadas que esta seja uma das espécies legalmente pela fitogeografia (Natividade 1950). Também protegidas entre nós (Decreto-Lei nº 172/88, de no Norte de Portugal se encontra disseminado 16 de maio; Decreto-Lei nº 169/2001 de 25 de do litoral ao interior, persistindo nas encostas maio posteriormente revisto pelo Decreto-Lei nº percorridas pelos incêndios das elevações do 155/2004 de 30 de junho). Alto Minho (Serra d’Arga nas proximidades de Caminha) ou do Douro Litoral (Arouca - Serra da Freita) após uma presença efémera e intercalar do pinheiro bravo e do eucalipto; também nas localizações mais a Leste nas franjas do Planalto de Miranda, Mogadouro ou no Douro Internacional, pontua a sua presença, tendo de permeio estabilizado a sua identidade na Terra Quente e ao longo dos vales dos principais afluentes do Douro. Sendo vulgar nas cotas O sobreiro ocupa, assim, uma posição proeminente no contexto florestal português, pois além dos valores económicos que lhe estão associados (nomeadamente a produção de cortiça e bolota nas pastagens extensivas), assume igualmente um papel ecológico (conservação dos solos, regulação do ciclo da água, fixação de carbono, conservação da biodiversidade) e social de grande relevância. abaixo dos 500/600 m, estende ainda a sua Em Portugal as florestas dominadas por sobreiro visibilidade subindo em altitude, nas encostas ocorrem fundamentalmente sob duas formas: viradas a Sul no Gerês e no Barroso. o Montado, um sistema aberto associado Sendo a terceira espécie florestal do país, a Quercus suber L. pertence à vegetação primitiva e é responsável pela posição de Portugal como primeiro produtor mundial de cortiça. Efetivamente, a fileira da cortiça, em cujo mercado Portugal é claramente dominante (responsável por aproximadamente metade da produção e das exportações), tem assistido, nas últimas décadas, a flutuações importantes mas a uma tendência de acréscimo global da valorização do produto, embora se verifique a zonas planas e a pastagens naturais, e o Sobreiral, bosque mais denso e de serra (Rego et al. 2008), sendo que o primeiro se localiza predominantemente no sul do país e o segundo na região norte. Justifica-se, assim, o interesse e a procura desta espécie nas novas plantações florestais que a região norte tem vindo a registar nos últimos anos, dada a importância deste produto florestal para a economia nacional e da aptidão da região na expansão da espécie a norte do Tejo. um ligeiro decréscimo nos últimos anos (DGRF Efetivamente, nas últimas décadas, no contexto 2007). dos apoios europeus à melhoria do panorama 302 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 1 2 florestal do país, os proprietários florestais da em meças quando a superfície descortiçada região, principalmente no Norte Interior, têm (tronco e ramos) se divide em duas ou mais partes acolhido o sobreiro como uma das espécies (meças), que sistematicamente se descortiçam normalmente utilizada nas novas plantações em anos diferentes; ou em pau batido quando a florestais, consociação superfície de descortiçamento (tronco e ramos) com espécies resinosas como o cipreste-do- não se encontra dividida e é extraída na sua Buçaco, ou o pinheiro bravo, utilizadas como totalidade no mesmo ano. frequentemente em espécies de acompanhamento neste tipo de composições mistas de folhosas e resinosas. A popularidade do sobreiro nas novas plantações Com o mesmo objetivo, será igualmente (essencialmente na sua vocação de produtor de recomendável o recurso à consociação com o cortiça) vem corresponder a uma clara aptidão pinheiro manso (tanto para madeira como para da região que se encontrava praticamente fruto), de longa data reconhecido como opção circunscrita ao vale do Tua e em particular à zona no quadro da arborização regional, mas que do Romeu (concelho de Mirandela). Apesar de o particularidades da sua nutrição mineral adiaram, sobreiro marcar presença um pouco por toda a na prática, como espécie eleita e recomendada. região, este ocorre, na sua maioria, naturalmente O reconhecimento da aptidão do sobreiro no em pequenos bosquetes ou árvores isoladas, Planalto de Miranda tem também conduzido, sem que normalmente lhes esteja associada em fase de acompanhamento de anteriores uma gestão efetiva. A aparente reserva pela iniciativas de rearborização ou arborização de comercialização da cortiça na região prende-se áreas agrícolas, à sua adoção como espécie de mais com a concentração diminuta da oferta do substituição doutras folhosas que se revelaram que, propriamente, com a qualidade da cortiça mais suscetíveis e inapropriadas (Altino Geraldes, transacionada (António Amorim, com. pessoal). A com. pessoal). plantação de novos sobreirais cria a oportunidade Tradicionalmente, o sobreiro é cultivado entre nós de reconversão dos sistemas tradicionais de em regime de alto fuste que, sendo menos exigente exploração da cortiça de meças para pau batido, que a talhadia, implica crescimentos menores, correspondendo a uma obrigatoriedade legal de o que arrasta em consequência revoluções de reconversão da exploração de cortiça no País até duração significativamente mais longa, a forma 2030. tradicional de exploração para cortiça (Alves, 1998). Hoje em dia, este processo de exploração da cortiça obedece a um normativo legal que impõe uma cadência de extração intervalada no mínimo por 9 anos, respeitando a relação entre a altura do descortiçamento e o desenvolvimento das árvores (nomeadamente a medida do seu perímetro à altura do peito – PAP) e sem haver lugar ao corte das árvores, constituindo desta forma uma prática de gestão ambientalmente sustentável. A cortiça pode, assim, ser explorada Pela aplicação de modelos de silvicultura adequados e recorrendo à utilização de material vegetal selecionado, será praticável a extração de pranchas com maior dimensão e qualidade, com redução de custos, apresentando assim, a região Norte, fortes possibilidades de se tornar nos anos vindouros uma das regiões mais interessantes do país no que se refere à produção de cortiça, com uma paisagem indelevelmente marcada pela presença do sobreiro. 4.3.1.3 Produção de biomassa para energia - Deverá haver um planeamento do tipo e quantidade de resíduos florestais produzidos, consoante o plano de exploração previsto, e analisar a viabilidade económica do seu aproveita- 303 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 1 2 mento: quer para a valorização através de biomassa para energia, quer para o destroçamento e incorporação no solo. - A época para a realização de operações de controlo de vegetação espontânea deve, sempre que possível, fazer-se coincidir com as épocas indicadas para a realização de operações silvícolas de prevenção de fogos. - Deverão incorporar-se no planeamento as especificidades de gestão dos ecossistemas e espécies protegidos, ou classificados pela Rede Natura 2000, ou áreas que apresentem grande sensibilidade ecológica, associada a grandes declives e linhas de água. - Os períodos de remoção de biomassa florestal e a sua intensidade, nomeadamente quanto às arbustivas, devem ter em conta as condições edafo-climáticas do local, principalmente o nível de fertilidade dos solos, ou o impacto ao nível da fauna. 4.3.1.4 Produção de frutos e sementes - A produção de semente certificada está regulamentada por legislação específica e o povoamento em causa terá de estar inscrito no Catálogo de Produtores. - Os compassos de instalação de povoamentos para produção de fruto devem ser maiores ou então prever intensidades de desbaste maiores, de forma a permitirem um maior desenvolvimento da copa e facilidade de recolha. - Deverão efetuar-se podas de frutificação, promovendo a sua abertura através da remoção de ramos do interior, que favorecem a produção de ramos frutíferos, melhorando as condições de luz e ar. A Castanea sativa no Norte de Portugal Maria do Loreto Monteiro, SPCF. O fundamento no interesse do castanheiro fruteiras e não uma espécie social como o assenta na sua dupla vocação: fruto e madeira, carvalho. As plantações florestais do castanheiro tendo constituído desde épocas muito distantes desenvolveram-se uma base alimentar importante por exigir poucos grandes épocas: nos séc. XVIII e XIX e na cuidados para dar muitos frutos e, sobretudo, Idade Média, acompanhando neste período a pela entrada tardia da batata nos hábitos viticultura, uma vez que as varas da exploração alimentares dos portugueses, pois o consumo em talhadia do castanheiro eram usadas como generalizado daquele tubérculo só acontece tutores nesta cultura. Em Portugal, o castanheiro durante o século XIX. acompanhou a história da nossa nacionalidade. O castanheiro é uma árvore com uma vida secular, aparecendo mesmo alguns exemplares milenares. Porém, historicamente é sabido que esta essência, no estado natural, aparece como uma espécie disseminada como as principalmente em duas Entre os séculos XI e XIII os bosques e as terras não cultivadas eram reduzidos e a agricultura cresceu para fazer face ao aumento de população, expandindo-se a cultura cerealífera, transformando-se o trigo no símbolo do pão branco dos maiores aglomerados e a castanha 304 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 1 2 do pão seco e escuro das regiões serranas. O Porém, castanheiro, lentamente, torna-se centro da problemas de vária ordem, causados por vida nas montanhas, assentando o Homem, por agentes patogénicos, começando esta essência vezes, as suas aldeias onde esta árvore pudesse a ser atacada, nos finais do século XIX em crescer e dar frutos. Portugal, pela doença da tinta causada por A outra época referida em que o castanheiro se desenvolve está relacionada com o surgimento da indústria que leva a um aumento da procura de madeira de castanheiro, forçada esta espécie a alimentar não só os homens como as forjas e as fábricas. Releve-se que até hoje a madeira do castanheiro é muito utilizada para serração, em particular na construção e no mobiliário. ao castanheiro estão associados agente patogénico do género Phytophtora. Este problema faz com que Vieira da Natividade, em 1945, lance as “Bases para um Plano de Reconstituição, Valorização e Defesa dos Soutos Portugueses” e a que mais tarde, na década de 50 do século passado, venha a surgir um programa de melhoramento com o objetivo principal de, por via da propagação vegetativa, se virem a obter castanheiros resistentes à Refira-se que, na Estratégia Nacional para as doença da tinta. Ao abrigo deste programa Florestas (2006), se aponta para a especialização foi do espaço do Continente de modo a maximizar, bem como catalogados dezenas de híbridos de uma forma macro, o valor económico total da de características superiores, utilizando-se o floresta num território diversificado, no sentido cruzamento do castanheiro europeu (Castanea de se utilizarem espécies e sistemas que maior sativa) com o japonês (Castanea molissima) e riqueza social possam extrair de um hectare de sobretudo com o chinês (Castanea crenata). A terra. Assim, com base no conceito de função resistência do material produzido foi testada em dominante o território continental foi diferenciado diferentes estudos. A partir de 1996 os estudos em: área de produção lenhosa; áreas costeiras prosseguem através de projetos de investigação e outras áreas classificadas; e áreas de gestão (Monteiro 2001). Deste material, um dos clones multifuncional. É nesta última classe que, disponíveis designa-se por COLUTAD (Castanea integrando as zonas de produtividade potencial sativa x Castanea crenata), pelo facto de a sua lenhosa baixa, a lógica de multifuncionalidade resistência ter sido reconfirmada, na Universidade do castanheiro é mais adequada. Na gestão de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD). florestal este raciocínio aplica-se por via de uma silvicultura multifuncional, sistema silvícola que adota padrões culturais que potenciem, num processo de complementaridade e de adequação às especificidades locais, a oferta diversificada dos diferentes valores, nomeadamente os do uso direto, onde se destaca a madeira, nos produtos lenhosos, e o fruto, os cogumelos, a caça, a pastorícia, o recreio nos produtos não lenhosos. A produção de valores de uso indireto por estes sistemas é igualmente importante pela proteção do regime hídrico e do sequestro do carbono e pela proteção da paisagem e biodiversidade, considerada esta elemento fundamental para o desenvolvimento sustentável. sendo selecionado material resistente, A investigação no Instituto Nacional dos Recursos Biológicos (INRB) é desenvolvida atualmente, com base numa abordagem genómica, para o melhoramento da tolerância a stresses bióticos em castanheiro, utilizando uma descendência híbrida, obtida a partir de cruzamentos controlados entre o castanheiro europeu com o japonês e com o chinês, com o objetivo de encontrar genes de resistência e marcas moleculares, para mais tarde serem utilizadas na seleção precoce de genótipos com tolerância à tinta (Costa et al. 2011). Este assunto é de primordial importância para que se possa vir a disponibilizar material resistente devidamente identificado. 305 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 1 2 Esta cultura tão bem implantada que gera Entende-se que é necessário aprofundar as rendimentos tão significativos, nomeadamente linhas de investigação a decorrer, a fim de o em em declínio do castanheiro ser evitado, pois esta Portugal o problema do “cancro do castanheiro”, espécie tão bem adaptada ecologicamente, provocado pela Cryphonectria parasitica. em especial na Terra Fria de Trás-os-Montes, Trás-os-Montes, apresenta ainda Sugere-se, na atualidade, a monitorização da “vespa do castanheiro” provocada pela Drycosmus kuriphilus, identificada na região de Piemonte, na Itália, impondo-se opções de gestão de forma a reduzir, no futuro, a magnitude do impacte negativo causado por esta ocorrência. mostra um enorme interesse económico na vida de milhares de pequenos proprietários rurais. O castanheiro, segundo Adua (1999) poderá, do ponto de vista cultural e histórico, ajudar a melhorar a relação entre agricultura-florestaterritório; homem-ambiente; alimento-nutrição; emprego-rendimento; cultura-turismo. 4.3.1.5 Produção de outros materiais vegetais e orgânicos - O planeamento da resinagem deve ter em conta a legislação em vigor, nomeadamente o período de resinagem (01/03 a 31/10). - As feridas de resinagem devem começar por ser abertas na base do tronco, junto ao solo e prolongadas nas campanhas seguintes, formando fiada ou contínua, até ao quarto ano de resinagem. - Quando o diâmetro da árvore a resinar for superior a 40 centímetros, podem ser abertas duas incisões, mas apenas durante o primeiro período de resinagem (quatro anos), após o qual apenas se pode explorar uma ferida. - Recentemente a exploração e apanha de cogumelos tem vindo a merecer uma atenção crescente, pelo que deverão ser igualmente retidas algumas particularidades deste processo. As plantas micorrizadas a utilizar na plantação devem indicar a espécie e origem do fungo. - A apanha de cogumelos deve ser realizada respeitando os direitos de propriedade; a sua recolha deve ser feita em cestos de vime, ou estruturas que permitam a disseminação dos esporos durante a colheita, e deve evitar-se arrancar o cogumelo mas sim cortá-lo, com um objeto cortante, na interceção da haste com o solo. - A disseminação de fungos em povoamentos existentes tem de ter em atenção a composição dessas populações. A utilização de espécies resinosas de montanha Luis Roxo Almeida, CIFAP, UTAD. Teresa Fidalgo Fonseca, CIFAP, UTAD. A restauração da vegetação arbórea nas serras presentes na região, respeitam essencialmente do norte de Portugal passa pela escolha de ao espécies de caráter pioneiro, de características pinheiro larício (Pinus nigra) e à pseudotsuga frugais e robustas. (Pseudotsuga menziesii). Estas espécies são As espécies florestais resinosas de montanha, pinheiro silvestre (Pinus sylvestris) e consideradas, no senso comum, como exóticas, se bem que os estudos paleoecológicos e 306 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 1 2 genéticos mais recentes confiram ao pinheiro - O desempenho das espécies na região norte silvestre o estatuto de autóctone. No século XX mostrou ser variável com as estações florestais, deu-se uma expansão da área ocupada pelas podendo também ser influenciada pela origem três espécies, sobretudo nos níveis montano do material vegetal utilizado. Quanto à produção e altimontano (700 – 1000m e 1000 – 1300m), lenhosa, os limiares (acréscimos médios anuais que correspondem às serras da Peneda, (a.m.a) em volume) apontados para estas Soajo, Gerês, Marão, Alvão, Cabreira, Larouco, plantações no norte de Portugal, variam entre Barroso, Padrela, Bornes, Nogueira, Montesinho, 5 e 16 m3.ha-1.ano-1 com um valor médio de Freita, Montemuro e Leomil. Na mesma época, 10 m3.ha-1.ano-1, para o pinheiro larício. Para o foram plantadas em bosquetes outras espécies, pinheiro silvestre há registo de 9 m3.ha-1.ano-1, como Chamaecyparis lawsoniana, Abies sp., enquanto para a pseudotsuga o valor máximo Picea sp., Larix sp., Cedrus sp., mas visando ronda os 15 m3.ha-1.ano-1. essencialmente a avaliação do comportamento e a diversificação da paisagem em locais notáveis. - As condições da estação proporcionadas pela presença destas espécies podem facilitar a A dificuldade em encontrar espécies autóctones introdução de outras espécies, nomeadamente que pudessem responder às necessidades de folhosas autóctones, em sub-coberto, conferindo- reflorestação das áreas mais degradadas e a lhes importância como base para a sucessão maior altitude, esteve na origem da seleção ecológica e uma maior diversidade da floresta destas espécies, por parte dos silvicultores. As nestes locais. Nalgumas circunstâncias esta plantações realizadas tiveram na sua génese oportunidade foi perdida devido aos incêndios objetivos de conservação do solo e da água, mas florestais, resultado da elevada recorrência do com um manifesto interesse na componente de fogo e da dificuldade de regeneração natural produção de material lenhoso. destas espécies na situação pós-fogo. Apesar da já relativamente longa utilização - As ameaças dos fatores bióticos e abióticos, destas espécies entre nós, os estudos acerca as mudanças de paradigmas de produção, do comportamento destes sistemas florestais conservação, uso múltiplo e lazer constituem um em Portugal são escassos, predominantemente forte fundamento à diversificação de espécies técnicos dificultando a tomada de decisão florestais na região, de forma a aumentar a quanto às políticas de manutenção ou não das resiliência ecológica e económica da floresta. diversas espécies nas áreas de montanha. A Refira-se a resistência da pseudotsuga ao falta de conhecimento estende-se não só aos nemátodo e do pinheiro larício a intempéries. impactos ecológicos, mas também aos impactos económicos e sociais destes tipos de floresta. De qualquer modo há a destacar: - Quanto ao comportamento deste tipo de resinosas em relação ao fogo, o facto de se tratar de espécies com folha/agulha curta tornam- - Existência de períodos distintos de utilização nas menos inflamáveis e menos combustíveis mais expressiva para cada uma das espécies. e com maior resistência à passagem do fogo, Os dados mais recentes apontam para um conferindo maior resiliência aos ecossistemas e abrandamento das áreas arborizadas e uma forte paisagens onde se inserem. redução na área de ocupação, a qual passou de 21 300 ha em 1995, para 8 500 ha em 2005 (dados dos IFN´s relativos à Região Norte), a que poderá não ser alheio o corte raso de povoamentos que entretanto atingiram o termo de explorabilidade e os incêndios ocorridos nas últimas décadas. - Outras vantagens associadas a estas espécies respeitam ao pioneirismo, adaptabilidade, tendo capacidade de facultar maior produção de biomassa do que outras espécies autóctones ou introduzidas e portanto maior acumulação de carbono. 307 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 1 2 - Em termos sociais, a florestação em áreas madeira, que possam simultaneamente suportar degradadas poderá vir a constituir um pólo de as restrições induzidas pelo estado de degradação fixação das populações rurais nestas regiões. dos solos e as condições climáticas agrestes da A utilização de outras espécies resinosas, que não apenas o pinheiro bravo, assume grande importância estratégica ao nível da política florestal nacional (Estratégia Nacional para as Florestas - ENF), representando uma vertente que deverá ser potenciada, contribuindo-se, desse modo, para o reforço da competitividade do setor florestal e para a sua expansão em qualidade. Ao nível do planeamento regional (PROFs), encontra-se também explícita a recomendação de, em situações de solos degradados, se utilizar povoamentos de resinosas pioneiras, puros ou mistos, pelo seu maior potencial de adaptação a essas condições, com particular ênfase de utilização em Perímetros Florestais. A aptidão de espécies com interesse económico, montanha, justifica de per si, a consideração de espécies como o pinheiro silvestre, o pinheiro larício e/ou a pseudotsuga. Aquando da opção por reflorestação das serras esta deverá ter em conta a experiência passada, com objetivos bem definidos (produção, proteção/conservação, uso múltiplo). Como estas espécies nem sempre regeneram facilmente in situ, as proveniências deverão ser criteriosamente escolhidas, de forma a garantir o retorno económico para além dos múltiplos benefícios ambientais. Para conseguir uma maior valorização das áreas ainda ocupadas com estas espécies será necessário aplicar adequados tratamentos culturais nessas áreas, proceder ao ordenamento das matas e ao estabelecimento de mecanismos de proteção contra os incêndios florestais. em termos de produção e de qualidade da 4.3.2 Função Proteção Quando a função principal é a proteção, é necessário ter em conta alguns pontos particulares relativos a aspetos do agente causador (erosão, poluição, etc.) e do recurso a proteger (recursos hídricos, edáficos, ou outros). 4.3.2.1 Proteção da rede hidrográfica Relativamente ao regime hídrico, convirá referir que este assume um papel determinante em todo o processo de sustentação do coberto vegetal e da avifauna selvagem, tendo também repercussões na estruturação da paisagem, onde se pretende, por um lado, tirar partido estético da presença da água e, por outro, controlar os seus efeitos erosivos. Os cursos de água existentes são usados como recursos para desenvolver uma rede de drenagem conceptualizada, podendo, geralmente com vantagem, ser francamente expandida através de levadas e de valas drenantes de distribuição da humidade pelas encostas, integrando ainda bacias de retenção e açudes de regularização e de distribuição. A abertura de minas em galeria para alimentar fontes, criando pontos de água para visitantes e para a fauna selvagem, são operações integradas, que diferenciam e enriquecem a base ecossistémica dos sítios. - As margens dos leitos de cheia devem, preferencialmente, ser contidas por orlas de manchas arbóreas e arbustivas. Os caminhos de bordadura são, predominantemente, implantados na franja das manchas arbóreas, já dentro do arvoredo. Isto por razões de ordem estética, considerando que é agradável que o caminho tenha um enquadramento assimétrico, com uma visão enquadrada da clareira, coada pela franja de vegetação da orla e uma forte contenção conferida pela espessura do interior da mancha arborizada. 308 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 1 2 - Deve afastar-se a rede viária e divisional de linhas de água e evitar o seu atravessamento. Se for inevitável, deve procurar-se o melhor local para o atravessamento considerando o seguinte: minimizar o número de atravessamentos da linha de água; atravessar em áreas onde a linha de água é mais estreita, os locais de cruzamento devem ser perpendiculares às linhas de água. - Evitar o acesso de gado à margem de linhas de água, nomeadamente o pastoreio ou permanência de animais, exceto nos locais destinados a abeberamento. - Implementar ou conservar a banda ripícola com galeria incluída, caso exista, com um mínimo de 10 metros de largura. Nesta faixa deve-se evitar fazer culturas aráveis, não aplicar adubos e produtos fitofarmacêuticos, salvo em casos particulares devidamente justificados. - Deve implementar-se um programa de erradicação de exóticas, que promova a recuperação de vegetação ripícola. - Deve condicionar-se a circulação de pessoas e atividades de forma a garantir a conservação do habitat e condições de tranquilidade para a conservação de espécies da fauna. - Qualquer intervenção que se venha a realizar deve ser efetuada, de preferência, no período que medeia entre junho e fevereiro. 4.3.2.2 – Proteção contra a erosão eólica - A utilização de regeneração natural deverá ser equacionada em operações de instalação de povoamentos, evitando-se deste modo mobilizações de solo desnecessárias. - A escolha das espécies, bem como, a estrutura irregular do povoamento deverá ser ponderada de acordo com o seu grau de proteção e resistência. - A instalação do povoamento deve ter particular atenção à gestão da vegetação espontânea, deixando faixas de proteção às jovens plantas. - O tipo de corte de realização deverá atender à não remoção de todas as árvores, podendo esta ser efetuada de forma intervalada ou por manchas/faixas, minimizando-se os efeitos da erosão. Para declives superiores a 30%, deve-se optar por corte final em faixas alternadas ou faixas progressivas, sempre executados segundo as curvas de nível. - A implementação de sebes deverá ser desenvolvida perpendicularmente à direção dominante do vento. - A idade final de corte poderá ser superior à indicada em condições de silvicultura normais. - Para as espécies que apresentarem sub-função principal de recuperação de solos degradados, a densidade inicial de plantação poderá ser superior à normalmente indicada. 309 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 1 2 Importância da mata ripária Simone Varandas, CITAB, UTAD. Rui Cortes, CITAB, UTAD. A mata ripária, elemento crucial nos ecossistemas que em rios de pequena dimensão, em locais mediterrânicos devido ao seu valor paisagístico em que a degradação física é o principal fator de e económico, desempenha também funções perturbação, as silvas (principalmente a espécie ecológicas importantes para o funcionamento Rubus ulmifolius) apresentam grande cobertura dos sistemas aquáticos. Reconhecida como na orla das formações ribeirinhas, no seu interior, sendo a zona mais fértil e produtiva de uma ou mesmo substituindo as formações arbustivas. paisagem, este ecótono ripário oferece uma gama de habitats necessária para suportar uma grande variedade de flora e fauna selvagem. Além de manter a elevada biodiversidade da paisagem, a mata ripária desempenha um papel importante na retenção de sedimentos e entrada de nutrientes provenientes do escorrimento superficial (zona tampão), estabilização das margens, controlo da temperatura e luminosidade e habitat aquático. De salientar ainda que tem-se vindo a assistir cada vez mais a cortes ilegais da mata ripária devido a uma deficiente fiscalização por parte das autoridades competentes. As galerias ribeirinhas, estão integradas no domínio público hídrico, e o seu corte exige autorização do Instituto de Conservação da Natureza, do Ministério do Ambiente (Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro), além da sua manutenção, por razões de ordem A vegetação ribeirinha, caracterizada pela ambiental, sua elevada produtividade, é muitas vezes Regionais de Ordenamento Florestal (PROF). uma parte vulnerável da paisagem suscetível a danos, desde o desenvolvimento agrícola, urbano e eventos naturais (ex., inundações). Na zona litoral, onde as paisagens são mais humanizadas devido à elevada densidade populacional e onde ocorrem vastas áreas de produção agrícola intensiva, há uma perda de conectividade longitudinal por fragmentação dos corredores ripários, e uma maior pobreza florística, com intrusão de espécies exóticas, como espécies do género Acácia, a cana (Arundo donax), o ailanto (Ailanthus altissima), que chegam a formar cordões monoespecíficos. estar preconizada nos Planos A Diretiva Quadro da Água (Diretiva 2000/60/ CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2000), que estabelece a ação comunitária no domínio da política da água, transposta para a legislação portuguesa pela Lei nº 58/2005, de 29 de dezembro, e pelo DecretoLei nº 77/2006, de 30 de março, contempla também nas suas ações e medidas a gestão e recuperação de sistemas fluviais, estando prevista a recuperação e monitorização de sistemas fluviais degradados, de modo a atingir-se, até 2015, bom estado ecológico das massas de água. Por sua vez, nas regiões do interior, com o Face a este cenário, a mata ripária que abandono da agricultura, a recuperação das reconhecidamente combina em simultâneo uma zonas ribeirinhas é um facto, embora esta seja elevada produtividade e vulnerabilidade, requer feita de forma desordenada e muitas vezes as uma gestão prioritária e cuidadosa tornando-se espécies autóctones (amieiros, salgueiros, freixos vital para a conservação, recuperação/reabilitação e mais raramente ulmeiros) dão lugar às espécies de ecossistemas degradados e proteção a longo invasoras de baixo interesse para a conservação prazo dos seus valores ecológicos, sociais e e biodiversidade. Tem-se também constatado económicos. 310 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 1 2 4.3.2.3 Proteção microclimática - Deve privilegiar-se a compartimentação dos espaços, nomeadamente através da implementação de cortinas de abrigo, uma vez que têm um papel fundamental para a proteção das culturas agrícolas, do gado e da fauna e flora silvestres, com redução da velocidade do vento traduzindo-se em alterações micro climáticas na área abrangida. - Ao longo dos campos agrícolas as cortinas de abrigo deverão ser plantadas perpendicularmente à direção dos ventos dominantes, paralelas umas em relação às outras e estar espaçadas em intervalos de 10 a 15 h (h - função linear da altura da cortina de abrigo). A extensão da zona protegida é a barlavento entre 1 a 4 h e a sotavento, para proteção da erosão eólica, é usual considerar-se que a zona protegida se estenda até 8 h. - Recomenda-se, que as cortinas de abrigo sejam estruturadas para que a sua permeabilidade aumente da base para o topo. 4.3.2.4 Proteção ambiental - Devem manter-se áreas tampão ao longo das linhas de água com vegetação natural, para atuar como filtro das águas de escorrimento. - As cortinas de abrigo implementadas nas faixas de interceção com a rede viária têm um papel importante para a retenção de poeiras, o mesmo se passando com a instalação de povoamentos na zona de projeção de partículas de unidades industriais. - Devem privilegiar-se espécies e modelos de silvicultura de grandes revoluções, orientadas para a retenção do carbono, proporcionando nomeadamente produtos finais de longa duração, como mobiliário ou construção civil. - É aconselhável diminuir as mobilizações do solo em profundidade, uma vez que estas promovem a mineralização e consequentemente a libertação do carbono do sistema. 4.3.3 Função Conservação As opções de gestão florestal em regiões que apresentem a função conservação como principal, deverão atender a um conjunto de normas específicas de mitigação das atividades silvícolas ao nível dos ecossistemas naturais existentes, particularmente em áreas de sensibilidade ecológica elevada. 4.3.3.1 Conservação de habitats classificados A existência de um conjunto de normas balizadoras das operações florestais, dependerá do estado de conservação da série de vegetação existente, e do grau de intervenção necessário e permitido para a conservação e promoção de determinado habitat. Em termos de referência, as séries de vegetação podem apresentar-se em três estados distintos de conservação: estado climácico, estado intermédio e estado inicial. 311 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 1 2 Estado Climácico Corresponde a formações de bosque, associado a valores de conservação elevados. Se a área florestal em questão detiver um alto valor de conservação, deverão ser efetuadas operações silvícolas pontuais, que garantam a manutenção da série neste estado de conservação. O tipo de intervenção é localizado, e deverão ser efetuadas monitorizações do seu estado de conservação. Por outro lado, as intervenções ao nível dos combustíveis, numa ótica de prevenção de incêndios, deverão ser criteriosamente ponderadas. Estado Intermédio Associado a valores de conservação médios e baixos; o estado intermédio deverá ser prioritariamente orientado para uma requalificação dos valores ecológicos presentes. As áreas florestais, quando apresentam valores médios e fracos de diversidade, dificilmente poderão atingir estágios de elevado valor, sem intervenção humana. Esta melhoria depende fundamentalmente das ações silvícolas e de gestão implementada. Assim, as operações silvícolas podem ser canalizadas em dois conjuntos de medidas principais: medidas de gestão silvícola que fomentem a diversidade biológica em toda a mancha florestal; medidas de gestão silvícola que concentrem esta diversificação em áreas específicas, como cursos de água e outras formações de interesse. Melhorar a área florestal como um todo - Favorecer a regeneração natural de espécies autóctones arbóreas e arbustivas. - As espécies arbóreas e arbustivas a introduzir deverão ser de proveniência local. - Fazer a diversificação de povoamentos puros em povoamentos mistos, aproveitando as capacidades melhoradoras das várias espécies. - Incorporar nos povoamentos de resinosas, sempre que possível, manchas com espécies folhosas autóctones. - Manter algumas árvores mortas e troncos de madeira em decomposição no solo, para favorecer o desenvolvimento de micro habitats que servem de suporte a espécies de insetos, fungos, mamíferos e aves, sempre que não apresentem riscos fitossanitários. - Manter árvores de maior idade, preferencialmente nas áreas de bordadura do povoamento, para posterior colonização por aves. - Evitar o sobre pastoreio e trabalhos silvícolas na época de nidificação de aves (março a julho). - Nos locais de interesse para a conservação deverão ser substituídas as espécies exóticas, e necessariamente as invasoras, por espécies florestais autóctones. - Deverá dar-se preferência à utilização de técnicas de controlo da vegetação, manuais e moto-manuais. 312 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 1 2 - Poderão ser efetuadas operações de abertura de clareiras para a criação de micro habitats e fomentar a regeneração natural. - A densidade de rede de estradas e o tráfego devem ser reduzidos evitando-se também a criação de barreiras que dificultem a comunicação/continuidade das populações faunísticas e a fragmentação do habitat. Melhorar áreas específicas Em muitos casos, aumentar a diversidade de toda a área florestal, poderá, pela sua dimensão, mostrar-se inviável, acarretando custos de manutenção incomportáveis. Uma alternativa possível, é optar por uma gestão centrada em locais estratégicos como o limite das áreas florestais, ao longo de caminhos florestais, nas margens de pontos de água naturais, linhas de água, etc. Estado Inicial Este estado está associado a valores de conservação baixos. A primeira fase da recuperação de locais degradados passa pelo levantamento das estruturas com potencial para o aumento da diversidade biológica, como por exemplo, os pontos de água naturais, as linhas de água, as áreas pedregosas, etc.. Há que ter em atenção que as operações silvícolas deverão ser efetuadas em consonância com o maior ou menor grau de degradação existente. Em muitos casos, o estado de degradação dos povoamentos é tão acentuado, que terá de se recorrer a técnicas de recuperação de solo que utilizam espécies beneficiadoras, para garantir a sustentabilidade futura dos povoamentos. Devem seguir-se as seguintes linhas orientadoras: - Salvaguardar a regeneração natural autóctone existente. Devem ser escolhidas espécies autóctones e arbustivas de elevada rusticidade e adaptabilidade à estação. - As plantações deverão ser efetuadas preferencialmente em formas mistas, com espécies de crescimento mais rápido de caráter melhorador do solo, e espécies de crescimento mais lento que serão favorecidas pela ação protetora das primeiras. - As plantações devem ser efetuadas por manchas descontínuas, evitando as ações de silvopastorícia. 4.3.3.2 Conservação de espécies de flora e fauna protegida Nesta categoria enquadra-se a gestão com o objetivo de fomentar habitats para determinadas espécies de fauna e flora. Sendo a gestão orientada para a conservação e proteção de espécies vegetais e animais com interesse para a conservação, deverão ser atendidas as seguintes normas: - Privilegiar os modelos de corte final salteados, em faixas ou manchas, que promovem res- 313 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 1 2 petivamente, estruturas jardinadas e estruturas irregulares, uma vez que são os sistemas de condução de povoamentos que têm menos impactes negativos para a diversidade faunística, em relação às estruturas regulares; preservação de agrupamentos vegetais autóctones e de espécies arbustivas, que poderão servir de alimento como por exemplo medronheiro, pereiro-bravo, ou pilriteiro. 4.3.3.3 Conservação de geomonumentos Deve garantir-se uma faixa de proteção aos monumentos geológicos, além de se privilegiar a integração desses elementos no desenho da paisagem florestal possibilitando nomeadamente, a sua visualização ou aproximação. 4.3.3.4 Conservação de recursos genéticos No planeamento devem ser incorporadas medidas de remoção/contenção de espécies invasoras, com intervenções periódicas e contínuas no horizonte temporal. A implementação ou preservação de corredores ecológicos promove a conectividade através da criação de ligações que visam a transferência e trocas genéticas entre ecossistemas diferentes, para lhes garantir consistência e sustentabilidade. - No repovoamento florestal, utilizar plantas oriundas de semente certificada e com origem identificada, recolhida de acordo com normas adequadas à manutenção da diversidade genética. Não utilizar como origem de semente, árvores isoladas e núcleos arbóreos com poucos exemplares da espécie ou espécies em causa. Devem ter uma localização afastada dos maus povoamentos dessa espécie ou daqueles com os quais são capazes de hibridar. - Preservar núcleos/manchas/corredores vegetais autóctones nos povoamentos de produção intensiva, como reduto do património genético local. Perspetivas futuras dos carvalhais na região Norte João P. F. Carvalho, CIFAP, UTAD. As florestas de carvalho ocupam na região norte No que se refere às alterações climáticas, cerca de 71 300 ha, com 47 700 ha (67%) em prevêem-se modificações nos valores médios Trás-os-Montes e 23 600 ha (33%) no Minho e na variabilidade climática, com ocorrência (IFN 2005). Numa perspetiva de futuro, os de fenómenos climáticos extremos, afetando carvalhais enfrentam determinadas ameaças e o regime hídrico e térmico, e deste modo, as constrangimentos, mas apresentam também condições da vegetação e do solo. Diversas diversas oportunidades e potencialidades, sendo previsões e cenários apontam, para a região norte, de destacar os seguintes aspetos: os carvalhais um aumento da temperatura média anual entre face às alterações climáticas; os carvalhais com 1-3 ºC, um aumento do número de dias quentes respeito à problemática dos fogos florestais; os (> 35 ºC) e de ondas de calor, uma diminuição de carvalhais e o pastoreio; expansão e instalação dias frios e uma diminuição da precipitação anual de florestas de carvalho; proteção de habitats da ordem dos 20% até ao final do século com de particular interesse de conservação; gestão especial incidência no período estival (Ramos multifuncional e valorização dos carvalhais. 2001, Bolle 2003, Santos e Miranda 2006, IPCC 314 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 1 2 2007). A região interior norte será mais vulnerável fogos florestais. Dada a menor combustibilidade a estas alterações. e resistência à propagação do fogo os carvalhais Os carvalhais às alterações apresentam-se Outras medidas passam pela melhoria da pressão humana, do tipo de uso do solo e da composição e estrutura dos carvalhais, ao nível fragmentação dos habitats limitando a sua do povoamento e da paisagem, aumentando capacidade de adatação natural. Diversos a sua capacidade de resiliência; a inclusão de povoamentos de carvalho e espécies associadas carvalho em ações de arborização; promoção poderão de da silvicultura do carvalhal melhorando a desaparecimento. Por outro lado, temperaturas estabilidade e qualidade dos povoamentos crescentes poderão dar lugar ao aparecimento existentes; de pragas. Apesar do aumento da concentração regeneração do povoamento, mantendo ou 2 do CO afetados, decorrentes podem desempenhar um papel importante. da ver-se climáticas vulneráveis com risco evitar práticas que afectem a atmosférico, prevê-se uma redução melhorando a capacidade de adaptação às do crescimento e produção dos povoamentos alterações climáticas, especialmente no longo derivado duma maior escassez hídrica, enquanto termo; conservação ex situ de populações mais em determinadas zonas mais ocidentais possa ameaçadas; permitir o uso de material florestal de ocorrer um ligeiro incremento (Ainsworth e Long reprodução de zonas adjacentes mais meridionais 2005). melhorando a diversidade do material utilizado A alteração climática prevista irá afetar a distribuição geográfica e composição dos carvalhais na região norte. Para a região de Trás-os-Montes em arborização; manter os povoamentos em bom estado, através de intervenções seletivas, reduzindo o risco de ataque de pragas. ocorrerá uma ligeira subida do limite inferior de Igualmente distribuição do carvalho-negral (Q. pyrenaica), fragmentação do carvalhal, pelo seu impacto e ao mesmo tempo uma progressiva expansão ao nível da conservação da biodiversidade e de carvalhos mediterrânicos, o cerquinho (Q. da qualidade dos povoamentos. As alterações faginea), o sobreiro (Q. suber) e a azinheira (Q. climáticas ameaçam a sobrevivência de muitas rotundifolia), para altitudes ligeiramente maiores. espécies da fauna e flora associadas com o Apesar da sua grande capacidade de resiliência, carvalhal, algumas com estatuto especial de a presença do carvalho-negral em determinadas proteção (ex: Canis lupus, Lucanus cervus, zonas de transição e elevações poderá, no longo Epipactis prazo, diminuir progressivamente, como será o futuro, a fragmentação do carvalhal limita de caso das elevações em torno da albufeira do forma importante a capacidade de resistência e Azibo e a Serra do Reboredo. Nos carvalhais do adaptação do ecossistema. Minho, prevê-se uma maior inclusão de espécies termófilas, com uma progressiva maior presença de sobreiro e medronheiro nos bosques de carvalho-alvarinho, bem como uma deslocação do carvalho-alvarinho para níveis mais elevados nas montanhas do noroeste (Peneda, Gerês, Barroso). importante, helleborine). é No a redução cenário da climático Outras ameaças passam pela pastorícia e sua relação com o fogo, que se poderá agravar no futuro cenário climático. O fogo muitas vezes associado com a atividade pastoril, juntamente com os danos provocados pelos animais na regeneração arbórea, pode afetar a ocupação florestal e limitar a expansão natural do bosque. Nas zonas mais térmicas, agravam-se os riscos Interessa adotar práticas de pastoreio específicas, de desertificação, dos fogos florestais e de regular e condicionar a sua atividade em perda do solo. Torna-se necessário melhorar determinadas zonas. as infraestruturas de prevenção e combate aos 315 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 1 2 O futuro dos carvalhais na região norte passa recentemente também pela sua valorização, não apenas do adequados procedimentos de transformação ponto de vista da produção lenhosa mas também tecnológica da madeira de carvalho, com vista à pelo aproveitamento de outras importantes obtenção de produtos de alto valor acrescentado funcionalidades (Barthod 1996). As florestas de (Santos et al. 2004, Carvalho 2005, Carvalho et carvalho são únicas nas suas possibilidades de al. 2005, Carvalho et al. 2007a,b). Interessa a prestar múltiplos usos e funcionalidades (Carvalho implementação das técnicas desenvolvidas, com 2005, Carvalho et al. 2007b). Além da produção aproveitamento e valorização dos recursos da lenhosa para vários usos, os carvalhais são região. Ao mesmo tempo, ao nível da silvicultura, importantes na conservação da biodiversidade, diversos estudos específicos têm sido realizados, na conservação do solo, na qualidade da para diferentes fases de crescimento e de água, na manutenção da paisagem natural e desenvolvimento do carvalhal, que permitem promoção de atividades de recreio e turismo. a aplicação de uma silvicultura de qualidade Desempenham uma importante função na (Carvalho 2005). Uma adequada estrutura, regulação climática e no sequestro de carbono da composição e funcionalidade dos carvalhais atmosfera. Providenciam cogumelos comestíveis requer uma silvicultura apropriada e sustentada de grande valor comercial e permitem também que considere os diversos processos que o desenvolvimento da atividade cinegética. ocorrem num carvalhal. Neste sentido, e de acordo com as estratégias de desenvolvimento e de ordenamento florestal dos territórios da região norte, como sejam os PROF (Planos Regionais de Ordenamento Florestal), importa a implementação de ações de arborização, de regeneração natural e expansão de áreas de carvalho. realizados permitiram definir Deverá, também, ser considerada a proteção e recuperação de diversos carvalhais com especial interesse de conservação que existem na região norte, em áreas protegidas e em zonas de proteção especial, como é o caso da Mata da Albergaria e dos carvalhais do Arado, Campeã, Ermelo, Serra da Nogueira, Vimioso e Reboredo. A proteção Do ponto de vista da produção florestal, os e recuperação do ecossistema, a conservação carvalhais podem fornecer diversos produtos e incremento da biodiversidade, deverão ser lenhosos dependendo do modo de gestão assegurados nestes carvalhais (Carvalho 2007). adotado. O valor e aproveitamento dados ao É, igualmente, proveitoso promover e ordenar material produzido estão em grande medida atividades de recreio e lazer. Cabe uma referência dependentes da capacidade produtiva da estação à proteção e boa manutenção de carvalhos e da adoção de adequadas práticas culturais de monumentais existentes na região norte (ex: modo a garantirem a obtenção de árvores com Calvos, Ermal, Vila Verde, Rio d’Onor). Além do seu a dimensão e a qualidade necessárias para interesse biológico e ecológico, constituem, hoje as diversas utilizações tecnológicas. Diversos e no futuro, um testemunho de acontecimentos trabalhos de investigação e de desenvolvimento passados. 4.3.4 Função Silvopastorícia, Caça e Pesca 4.3.4.1 - Suporte à caça e conservação de espécies cinegéticas - As operações de limpeza de matos deverão ser realizadas preferencialmente por manchas ou faixas, privilegiando a manutenção de espécies arbustivas que poderão servir de alimento à fauna. 316 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 1 2 - Devem ser privilegiadas técnicas naturais de controlo de pragas. A utilização de inseticidas e pesticidas deve ser cuidadosamente ponderada. - As operações silvícolas devem ser executadas, sempre que possível, fora da época de nidificação das espécies cinegéticas autóctones e migratórias. - Os cortes finais deverão ser efetuados por manchas ou faixas, de forma sequencial, maximizando o efeito de orla, devendo ser executados fora da época de nidificação das espécies cinegéticas (março a junho), e deverão ser mantidas algumas árvores que funcionam como local de descanso e fonte de alimento, até que o coberto florestal esteja novamente restabelecido. - É recomendável ponderar o planeamento da rede de pontos de água para abeberamento da fauna selvagem. As pequenas albufeiras têm a vantagem de permitir uma gestão mais fácil e uma maior circulação das espécies aquáticas, permitindo assim uma atividade cinegética mais efetiva. As margens devem ter declives pouco acentuados de forma a permitirem o estabelecimento da vegetação. A profundidade máxima deve ser proporcional à dimensão da massa de água. - O pisoteio e pastoreio dos locais de nidificação devem ser evitados. - A gestão do habitat deve ser manipulada de forma a fornecer à fauna as disponibilidades de alimento e de áreas favoráveis à reprodução, através de instalação de culturas e cobertos de reprodução. - Podem ser promovidos no espaço florestal intervenções específicas, como culturas para a caça, pastagens, comedouros, pontos de água, entre outros, com o objetivo de minimizar as alterações ao projeto florestal e/ou assegurar densidades das populações cinegéticas compatíveis com o rendimento que delas se pretende obter e com a produção lenhosa. 4.3.4.2 Suporte à pastorícia - A silvopastorícia em espaços florestais pode ocorrer em sob coberto arbóreo ou manchas arbóreas intercaladas com pastagens. - A instalação de povoamentos com objetivo de terem pastagem em sob coberto, deve ter compassos largos, ou então, prever intensidades de desbastes maiores e em mosaico. - As ações de instalação de culturas de cobertura e gestão da vegetação espontânea nos montados de sobro e de azinho devem evitar a mobilização do solo na área de projeção da copa das árvores. - É aconselhável promover a rotação do gado para possibilitar a regeneração natural, assegurando uma correta proteção aos jovens indivíduos. - Se o sob coberto for constituído por plantas densas, altas e lenhificadas, será necessário a queima ou roça do mato, antes da introdução do gado. 317 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 1 2 - Os prados permanentes sejam eles naturais ou artificiais, são os mais compatíveis com o sob coberto florestal, se atendermos à conservação do solo e da água e ao aumento da biodiversidade. Devem ser, prioritariamente, colocados em terrenos com uma boa capacidade de retenção de água. - A gradagem deve ser utilizada preferencialmente para a instalação de prados anuais e para a instalação de prados permanentes. Se a solução técnica for a renovação da pastagem por controlo das arbustivas ou o aproveitamento de pastagem natural, deve dar-se preferência a equipamentos corta-mato. - A instalação de pastagens deve limitar-se às situações mais favoráveis de meia-encosta e fundos de vales, deixando as áreas mais problemáticas entregues à vegetação natural e às formas de uso mais compatíveis com a salvaguarda do meio natural. - O gado deve ter sombras e bebedouros alternativos, sempre que possível, para que não necessitem aproximar-se das margens das linhas de água; doutro modo o acesso do gado à água deve ser feito apenas em pontos de abeberamento previamente delimitados e preparados para o efeito. O futuro da silvopastorícia no Norte de Portugal Filipa Torres, CIFAP, UTAD. A Silvopastorícia, ou pastoreio extensivo, consiste respeita aos sistemas de produção: o pastoreio no aproveitamento pelos animais domésticos extensivo nos baldios, “a vezeira” ou “vigia”, da vegetação espontânea ou subespontânea, a limpeza dos lameiros e dos cervunais e a em solos não aráveis, incultos ou florestais. Nas utilização áreas desfavorecidas do Norte de Portugal, a florestas. O abandono destas práticas é negativo utilização do pastoreio pelo Homem, desde para a conservação da natureza, dado que não tempos imemoriais, insere-se no âmbito duma só compromete a tradicional compartimentação agricultura de subsistência. Contudo, esta do espaço, traduzida em biodiversidade, como prática apresenta-se no futuro, e para esta região permite o aumento de biomassa combustível, do país, com uma expectativa de pertinentes aumentando o risco de incêndio (Azevedo et al. interrogações. 2009). Por um lado, sem qualquer dúvida, esta é Por outro lado, segundo Covas (2008), no uma atividade ingrata do ponto de vista laboral contexto sócio-económico atual, a Silvopastorícia, e social. Esta realidade traduz-se nas mais conjuntamente com outras atividades agrárias e recentes estatísticas. Os efetivos pecuários e as o turismo de natureza, poderão constituir não só respetivas explorações sofreram uma redução uma oportunidade, como um mercado emergente. acentuada, respetivamente da ordem dos 50% e 60%, entre 1989 e 2009 (Azevedo et al. 2009); (RGA 2009). Desta forma, podemos afirmar que quer a agricultura, quer a pecuária estão em franca regressão no Norte de Portugal. de comunidades arbustivas em Fatores como o desemprego e a pressão urbana poderão tornar premente a necessidade do retorno das populações aos seus locais de origem, na maior parte dos casos, a serra e os campos. Estas condicionantes poderão servir No entanto, o abandono da atividade pecuária de alavanca para uma mudança de atitude e coloca em risco práticas ancestrais no que disponibilidade, para uma alteração da tendência 318 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 1 2 das estatísticas demográficas e para um novo formam os vértices do designado “triângulo olhar sobre a dualidade entre o urbano e o virtuoso” dum desenvolvimento rural sustentável, rural. Aliás, este fenómeno já vem sendo uma onde a qualidade dos produtos locais derivados, realidade em certos países europeus, embora como a carne, o leite e o queijo, poderão evidentemente, com a devida modernização dos constituir um importante veículo para a viabilidade respetivos sistemas rurais. económica desta atividade (Covas 2008). As atividades agrárias, onde em regiões Haja consciência que se estão a apresentar desfavorecidas, a pastorícia extensiva ocupa um tendências do passado e especulações para papel preponderante, associada a crescentes o futuro, a realidade atual, o que diz, é que o preocupações ambientais e ao ecoturismo, paradigma é de mudança! 4.3.4.3 - Suporte à apicultura - Deverá procurar-se promover o bom estado vegetativo das plantas melíferas num raio aproximado de 1 a 2 quilómetros, apesar das capacidades de voo ultrapassarem em muito estes valores, e condicionar a gestão da vegetação espontânea de acordo com o respetivo calendário apícola. - No verão, é essencial a existência de água por perto das colmeias. Com a água, que preferem corrente, as abelhas podem combater eficazmente o calor mais intenso do verão, desde que possam contar com mel suficiente, de modo a poderem despender energias no ato de ventilação. 4.3.4.4 - Suporte à pesca em águas interiores - Na gestão da pesca em águas interiores deve-se ter atenção à regulamentação nacional de proteção a este recurso natural. - Deverá planear-se corretamente as condições para o exercício da pesca – acessibilidades, pontos de pesca e apoios. - Os cortes de arvoredo ou quaisquer outras ações sobre a vegetação ribeirinha e aquática devem ter em conta o adequado revestimento das margens. - As desramações nas linhas de água podem ser suprimidas, uma vez que a queda de ramos baixos para os cursos de água constitui uma fonte de diversificação física do ambiente ripícola. - Devem preservar-se e manter-se galerias ripícolas, pois poderão servir de corredores ecológicos essenciais para o abrigo, alimentação e deslocação da fauna, sendo um elemento estruturante para a conservação da biodiversidade. 4.3.5 - Função Recreio e Estética da Paisagem 4.3.5.1 - Enquadramento de aglomerados urbanos e monumentos - Devem ser efetuadas, sempre que possível, arborizações com utilização de mais do que uma espécie, criando mosaicos de tons e cores, aumentando a diversidade paisagística. 319 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 1 2 - Evitar espécies com efeitos de toxicidade e/ou espinhosas, em áreas utilizadas para recreio e lazer, ou de passagem obrigatória de peões, designadamente quando seja previsível a presença de crianças. - Evitar a utilização de espécies produtoras de pólenes alérgicos – oliveira, zambujeiro, ciprestes, por exemplo – nas vizinhanças imediatas de núcleos habitados, ou em locais de onde os ventos dominantes transportem os pólens para aqueles núcleos. - O planeamento dos acessos e estacionamento devem ser ajustados ao fluxo humano previsível e respetiva rede de defesa da floresta contra incêndios, devendo privilegiar-se a utilização de espécies pouco inflamáveis. - Os Monumentos Nacionais e os Imóveis de Interesse Público têm uma zona de proteção que abrange a área envolvente do imóvel até 50 metros, contados a partir dos seus limites, sem prejuízo da aplicação de regimes que estabeleçam áreas especiais de proteção superiores a 50 metros. - As orientações relativas à Defesa da Floresta Contra Incêndios sugerem a implementação duma faixa de proteção de largura mínima de 50 metros à volta de habitações, estaleiros, armazéns, oficinas ou outras edificações; nos aglomerados populacionais inseridos ou confinantes com áreas florestais é obrigatória a manutenção duma faixa de proteção de largura mínima não inferior a 100 metros. 4.3.5.2 - Recreio e Conservação de paisagens notáveis - Em geral, deverá procurar-se privilegiar a abertura de clareiras e promover o aproveitamento da regeneração natural autóctone. O planeamento do traçado das redes viária e divisional, bem como os percursos turísticos, deverão ter em consideração os valores naturais a conservar. - Preventivamente deverão criar-se condições de evacuação em caso de incêndio florestal, e estabelecer faixas de proteção a parques de merendas em áreas florestais. - Os cortes finais em vez de apresentarem limites geométricos devem seguir linhas naturais da paisagem, de modo a diminuírem o seu impacte visual negativo. - Os cortes finais devem, dentro do exequível, ser sequenciados de forma a começar de trás para a frente dos locais de visibilidade e acessibilidade, para que as faixas da frente ocultem de forma duradoira as intervenções em presença. - No planeamento da implementação da rede viária e divisional deve desenhar-se um traçado modelado ao terreno, reduzindo o impacto visual, e promover a vista panorâmica, evitando a obstrução com coberto arbóreo. - O material resultante da exploração florestal deve ser removido ou estilhaçado e incorporado no solo, reduzindo o impacto visual. 320 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 1 2 5. Modelos de silvicultura As diferentes espécies, de acordo com as suas características, garantem de forma particular a sua adequação à concretização das exigências inerentes a cada uma das funções antes explicitadas. As particularidades das espécies florestais poderão, ainda, ser potenciadas introduzindo na sua gestão elementos relacionados com a composição e densidade, intensidade e tipo de intervenções culturais, ou mesmo pela adoção de ciclos produtivos com diferentes periodicidades. Nos modelos de produção são reforçadas as particularidades das combinações das formas de intervenção que garantem a melhor adequação das diferentes espécies às funções desejadas. Quadro 1 Adequação das principais espécies florestais às diversas funções: (a) bom, (b) médio e (c) baixo desempenho. Espécie Desempenho da função de: Produção Proteção Conservação Silvopast. Caça e Pesca Recreio e Paisagem a Acer pseudoplatanus a a a a Castanea sativa a a a a Quercus pyrenaica a a a a a Quercus robur a a a a a Quercus suber a a a a a Prunus avium a b a a a Alnus glutinosa b a a a a Celtis australis b a a a a Corylus avellana b a a a a Fraxinus angustifolia b a a a a Quercus faginea b a a a a Arbutus unedo c a a a a Betula celtiberica c a a a a Pistacia terebinthus c a a a a Quercus ilex c a a a a Sorbus aucuparia c a a a a Pinus pinea a a b b a Pinus sylvestris a a b b a Fraxinus excelsior a b c a a Ilex aquifolium c b a a a Juniperus oxycedrus c a a b a Ulmus minor c b a a a Pyrus cordata c a a a c Salix atrocinerea c a a a c Salix purpúrea c a a a c 321 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 1 2 Salix salviifolia c a a a c Crataegus monogyna c b c b a Fagus sylvatica a b c b a Larix X eurolepis b b a a a Olea europaea c b b a b Pinus pinaster a a a b c Populus nigra b c c a b Quercus rubra a b c b a Cedrus atlantica a b c c a Chamaecyparis lawsoniana b a c c a Populus X canadensis a c a a b Prunus lusitanica c b a c a Taxus baccata c b a c a Laurus nobilis c c c c a Pinus mugo c a c c a Pseudotsuga menziesii a c c c a Pinus nigra a b a b b Buxus sempervirens c b c c b Cupressus arizonica b b c c a Cupressus lusitanica a b c c b Cupressus sempervirens b b b c a Juglans regia a c c c b Morus alba c b c a b Pinus radiata a b c c b Platanus hispanica a c c b b Eucalyptus nitens a c c c b Juglans nigra a c c c b Eucalyptus maidenii a c c c c Eucapyptus globulus a c c c c Eucalyptus viminalis b c c c b Pinus halepensis b b c c c Eucalyptus camaldulensis c c c c b Prunus laurocerasus c c c c b No Quadro 1, elaborado de forma empírica com base na observação do respetivo comportamento, apresenta-se para um largo conjunto de espécies florestais possíveis de utilização na região Norte, uma possível classificação da adequação às funções consideradas, de acordo com bom (a), médio (b) e baixo (c) desempenho. 322 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 1 2 5.1 Modelo da função geral de produção As espécies, cujo objetivo é a produção, são conhecidas pelas suas capacidades produtivas de matéria-prima de qualidade, quer de lenho (para madeira, biomassa energética e pasta de papel), quer de cortiça, quer ainda de frutos e sementes e de outros produtos orgânicos. Os ciclos produtivos são, de um modo geral, mais curtos que dos restantes modelos, além de que as densidades dos arvoredos (principalmente a inicial) são maiores. Excetuam-se as produções de frutos e sementes em que este parâmetro é mais baixo para permitir que as árvores expandam as suas copas e se obtenham maiores quantidades destes produtos. Acrescenta-se ainda que, para cumprir com os objetivos de produção, deverão ser valorizadas e intensificadas de uma maneira mais assídua as intervenções periódicas nos povoamentos, a fim se obter um produto final de elevada qualidade. 5.2 Modelo da função geral de proteção As espécies pertencentes a esta categoria oferecem condições de proteção dos espaços florestais mais degradados ou vulneráveis aos agentes bióticos e, principalmente, abióticos na figura dos incêndios florestais. Oferecem igualmente proteção dos ecossistemas contra intempéries, nomeadamente, proteção eólica e hídrica, no caso das espécies ripícolas. Aspectos como a densidade, permanência e composição dos povoamentos são determinantes para o cumprimento da função de proteção, uma vez que, no primeiro caso, pelas frequentes condições físicas de ambiente degradado, a disponibilidade de solo é escassa, obrigando à adoção de densidades de povoamento mais baixas. Quanto à permanência e composição, neste caso são desejáveis revoluções mais longas e, sempre que possível, povoamentos mistos para permitir um melhor efeito de proteção. 5.3 Modelo da função geral de conservação Para este modelo, a escolha e tratamento das espécies têm em conta determinadas condições que dizem respeito à conservação dos ecossistemas, do solo e da água, à manutenção da diversidade biológica e preservação de geomonumentos. Aspetos como a utilização de espécies da floresta autóctone portuguesa e a permanência dos povoamentos são determinantes para o cumprimento da função de conservação, uma vez que neste caso são desejáveis revoluções mais longas para evitar perturbações dos sistemas a resguardar. Também em termos de densidades, poder-se-á optar por compassos mais abertos, a fim de se poder promover uma maior diversidade florística, que pode ser sempre potenciada pela opção de composições mistas de povoamentos. É igualmente importante ter em linha de conta que se deverá adotar um calendário de intervenções mais restrito, onde a incidência da atividade de extração deverá, exclusivamente, ser conjugada pé a pé ou por nichos muito reduzidos de arvoredo, a fim de se minimizarem as perturbações dos ecossistemas que se pretendem conservar. 5.4 Modelo da função geral de silvopastorícia, caça e pesca Para este modelo, a escolha e tratamento das espécies têm em conta determinadas condições que dizem respeito à produção animal associada aos espaços florestais. 323 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 1 2 Aspetos como a permanência dos povoamentos, a adoção de composições mistas e densidades baixas são determinantes para o cumprimento da função de Silvopastorícia, Caça e Pesca, uma vez que neste caso são desejáveis revoluções mais longas para evitar perturbações dos sistemas a resguardar (no caso da caça e pesca) ou manter uma área de pastagem em sob-coberto. É igualmente desejável aumentar a diversidade florística para proporcionar diversidade faunística. A adoção de compassos largos favorece o espaço para o movimento dos animais em pastoreio. É de referir que foram igualmente selecionadas espécies com capacidade de produção de frutos, sementes e forragem para servirem de suporte à caça e silvopastorícia. 5.5 Modelo da função geral de recreio e paisagem Para este modelo, a escolha e tratamento das espécies têm em conta determinadas condições que dizem respeito à função de Recreio e Paisagem associada aos espaços florestais. Aspetos como a permanência dos povoamentos, adoção de composições mistas e utilização de espécies de forma e origem singular são determinantes para o cumprimento desta função, uma vez que neste caso a alternância/mistura de espécies e idades são essenciais para o cumprimento dos seus objetivos. Também as densidades deverão ser alvo de atenção uma vez que, se por um lado se poderá obter espaços florestais com copas grandes que permitam o abrigo, por exemplo, de parques de merendas, ou percursos de natureza, por outro a adoção de compassos apertados pode constituir um elemento de valorização de paisagem em locais onde se registe a presença de elementos cénicos mais degradados. 6. Especialização regional por funções gerais 6.1 Prioridades das regiões homogéneas Com vantagem e de forma sistemática, a atribuição de prioridades para as cinco funções gerais que temos vindo a considerar torna-se mais percetível e objetiva, quando esse exercício recai em áreas de maior dimensão e com relativa homogeneidade. Assim, no âmbito da elaboração dos PROF’s da região Norte, procedeu-se à delimitação dessas sub-regiões homogéneas (Figura 1), cuja denominação se transcreve no Quadro 2. No total foram consideradas 61 sub-regiões distribuídas de forma regular pelos 7 PROF´s: Alto Minho (10); Baixo Minho (7); Área Metropolitana do Porto e Entre Douro e Vouga (8); Tâmega (10); Douro (11); Barroso e Padrela (7) e Nordeste Transmontano (8). 324 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 1 2 Figura 1 Sub-regiões homogéneas na Região Norte. Quadro 2 Denominação das sub-regiões homogéneas. ALTO MINHO BAIXO MINHO ÁREA METR. PORTO ENTRE DOURO E VOUGA TÂMEGA Alvarinho AM1 Agrela BM1 Baixo Ave AMP1 Aboboreira Tam1 Arga e Coura AM2 Cabreira BM2 Baixo Douro AMP2 Alvão-Marão Tam2 Azere-Touvedo AM3 Cavado-Ave BM3 Douro-Vouga AMP3 Cabreira Tam3 Caminha-Neiva AM4 Litoral Esposende BM4 Freita AMP4 Douro Tam4 Corno do Bico AM5 Neiva-Cavado BM5 Grande Porto AMP5 Paiva Tam5 Lima-Neiva AM6 PNPG BM6 Mindelo-Esmoriz AMP6 Ribad.Montemuro Tam5 Neiva AM7 Srª.Abadia-Merouço BM7 Paiva AMP7 Sta Justa-Pias Tam7 PNPG AM8 Sta Justa-Pias AMP8 Tâmega Tam8 Vale do Lima AM9 Tâmega-Sousa Tam9 Vez AM10 Xistos Durienses Tam10 BARROSO PADRELA DOURO NORDESTE TRANSMONTANO Alvão BP1 Beira Douro DO1 Olo DO7 Bornes NO1 Barroso BP2 Carrazeda DO2 Padrela DO8 Bragança NO2 Gerês BP3 Douro DO3 Sabor DO9 Coroa-Montesinho NO3 Padrela BP4 Douro Internacional DO4 Tua DO10 Douro Internacional NO4 BP5 Douro Superior DO5 Alvão-Marão DO11 Douro Superior NO5 BP6 Montemuro DO6 Miranda-Mogadouro NO6 Sabor NO7 Tua NO8 Tâmega Tua BP7 325 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 1 2 Para cada sub-região homogénea, procedeu-se à identificação dos respetivos pontos fortes e limitações / ameaças, que permitiram delinear uma série de objetivos específicos, em consonância com a atribuição de prioridades para o desenvolvimento das funções gerais consideradas. Na Figura 2, apresenta-se a localização das sub-regiões homogéneas que foram identificadas como de 1ª prioridade para cada função. Como se pode observar, é patente um equilíbrio entre as funções de Produção, Proteção e Conservação, seguindo-se com menor representação as funções de Silvopastorícia, caça e pesca em águas interiores e Recreio e enquadramento da paisagem (Quadro 3). Figura 2 Localização da 1ª prioridade para as 5 funções. Quadro 3 Repartição das áreas de 1ª prioridade das funções gerais por região PROF. PRIORIDADES (103 ha) PROF PROD PROT CONS SILV RECR AM 47 132 AMPEDV 91 53 BM 156 60 33 BP 136 48 21 85 DOURO 40 143 27 90 NORD 8 174 215 131 TAM 160 33 60 TOTAL 638 643 398 43 TOTAL 222 23 168 249 306 289 111 411 528 9 262 144 2 128 326 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 1 2 6.2 Afetação das funções gerais Poderá, de forma semelhante, proceder-se em particular à visualização da localização das prioridades relativas a cada função geral: Produção (Figura 3, Quadro 4); Proteção (Figura 4, Quadro 5); Conservação (Figura 5, Quadro 6); Silvopastorícia, caça e pesca em águas interiores (Figura 6, Quadro 7) e Recreio e enquadramento da paisagem (Figura 7, Quadro 8). Figura 3 Prioridades da função Produção nas sub-regiões homogéneas. Quadro 4 Distribuição das prioridades da função Produção, por região PROF. PRODUÇÃO (103ha) PROF 1ª PRIORIDADE 2ª PRIORIDADE 3ª PRIORIDADE S/PRIORIDADE AM 47 83 50 AMPEDV 91 31 45 BM 156 BP 136 13 DOURO 40 143 NORD 8 206 151 163 TAM 160 33 14 56 TOTAL 638 509 367 615 43 60 33 48 93 228 327 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 1 2 Figura 4 Prioridades da função Proteção nas sub-regiões homogéneas. Quadro 5 Distribuição das prioridades da função Proteção, por região PROF. PROTEÇÃO (103ha) PROF 1ª PRIORIDADE 2ª PRIORIDADE 3ª PRIORIDADE S/PRIORIDADE AM 132 19 71 AMPEDV 53 62 32 BM 60 61 BP 48 76 81 85 DOURO 143 120 111 37 NORD 174 171 TAM 133 61 118 50 TOTAL 643 570 413 503 20 128 183 328 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 1 2 Figura 5 Prioridades da função Conservação nas sub-regiões homogéneas. Quadro 6 Distribuição das prioridades da função Conservação, por região PROF. CONSERVAÇÃO (103ha) PROF AM 1ª PRIORIDADE 2ª PRIORIDADE 3ª PRIORIDADE S/PRIORIDADE 43 179 AMPEDV 168 BM 33 BP 21 DOURO 27 215 NORD TAM TOTAL 216 72 196 7 91 286 76 206 31 60 398 202 83 396 1278 329 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 1 2 Figura 6 Prioridades da função Silvopastoricia, Caça e Pesca nas sub-regiões homogéneas. Quadro 7 Distribuição das prioridades da função Silvopastoricia, Caça e Pesca, por região PROF. SILVOPASTORÍCIA / CAÇA / PESCA (103ha) PROF 1ª PRIORIDADE AM 2ª PRIORIDADE 79 AMPEDV BM 184 BP 85 107 DOURO 90 141 NORD 131 75 TAM TOTAL 306 3ª PRIORIDADE S/PRIORIDADE 97 46 90 77 15 50 97 48 133 322 40 52 170 626 302 895 330 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 1 2 Figura 7 Prioridades da função Recreio e enquadramento da paisagem nas sub-regiões homogéneas. Quadro 8 Distribuição das prioridades da função Recreio e enquadramento da paisagem, por região PROF. RECREIO/PAISAGEM (103ha) PROF 1ª PRIORIDADE 41 AM AMPEDV 2ª PRIORIDADE 23 3ª PRIORIDADE 5 74 S/PRIORIDADE 176 70 BM 4 174 71 BP 93 89 107 160 139 171 357 DOURO 111 NORD TAM TOTAL 9 128 79 46 144 341 677 966 É identificável uma maior concentração das primeiras prioridades da função de Produção na faixa de maior influência atlântica, estendendo-se para Leste, pelas áreas de maior dispersão de pinheiro bravo e castanheiro. As áreas prioritárias de Proteção surgem maioritariamente coincidentes com zonas de maior incidência de fogos florestais, de relevo mais acidentado e na orla costeira. Os espaços prioritários de Conservação apresentam-se, naturalmente, nas áreas de maior expressão da Rede Nacional de Áreas Protegidas e da Rede Natura 2000. 331 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 1 2 A função geral de Silvopastorícia, caça e pesca em águas interiores concentra-se nas zonas interfluviais e fluviais de maior tradição de pecuária extensiva e prática de caça e pesca, em consonância com denominações de origem de raças pecuárias. Finalmente, a função geral de Recreio e enquadramento da paisagem surge nas periferias urbanas de maior dimensão, ao longo do percurso do Douro e em áreas de referência na envolvente da Peneda Gerês. 7. Considerações Finais A concretização das preferências enunciadas para a afetação de cada função a uma dada região, será possível através da implementação duma série numerosa e diversificada de iniciativas / projetos. De forma programática essas iniciativas enquadram-se em programas relacionados com as seguintes áreas estratégicas: - Arborização e reabilitação de áreas florestais; - Beneficiação de áreas florestais arborizadas; - Prevenção e vigilância de fogos florestais; - Consolidação da atividade florestal; - Atividades associadas. A título exemplificativo enumeram-se, de seguida, os programas integrados em cada uma dessas áreas estratégicas. Arborização e reabilitação de áreas florestais: - Arborização de terras agrícolas; - Arborização de espaços florestais de coberto arbustivo; - Restauração de ecossistemas degradados; - Condução da regeneração natural de folhosas autóctones. Beneficiação de áreas florestais arborizadas: - Beneficiação de superfícies florestais arborizadas; - Recuperação após fogo; - Fogo controlado; - Acessibilidade/Compartimentação; - Manutenção e adensamento da cortina ripária; - Controlo de invasoras lenhosas; - Proteção florestal de combate e controlo da sanidade florestal. Vigilância e prevenção de fogos florestais: - Adensamento e relocalização de infraestruturas; - Avaliação/Constituição de Brigadas de Sapadores Florestais. Consolidação da actividade florestal: - Certificação florestal; - Expansão da subericultura; 332 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 1 2 - Relançamento da cultura do castanheiro; - Consolidação do movimento associativo. Atividades associadas: - Atividades de natureza em espaço florestal; - Ordenamento cinegético; - Dinamização e ordenamento aquícola; - Regularização e beneficiação silvopastoril. Dentro da primeira área estratégica, assumem especial importância os programas relativos à “Restauração de ecossistemas degradados” e “Condução da regeneração natural de folhosas autóctones”, traduzindo um esforço no sentido da inversão duma tendência de degradação da vegetação natural em processos eminentes de desertificação, com abandono das manchas de folhosas autóctones, em simultâneo com o alargamento e expansão de áreas de monocultura intensiva de eucalipto e pinheiro bravo. As iniciativas de arborização extreme, independentemente das situações em que ocorrem, tendo constituído o essencial da mobilização de recursos e investimentos ao longo de décadas, não deverão ser consideradas como prioritárias no atual momento, apenas sendo defensáveis em situações muito particulares. Dentro da Beneficiação de áreas florestais arborizadas, salienta-se a importância que assumem os programas de “Compartimentação/Acessibilidades”, “Fogo controlado” e “Proteção florestal de combate e controlo da sanidade florestal”. No primeiro, concentram-se os esforços no sentido da introdução duma estrutura eficiente de compartimentação e criação de descontinuidades em amplas manchas florestais, condição indispensável à contenção da extensão dos fogos florestais na região. Por seu turno, o programa do “Fogo controlado” surge na sequência do anterior, como forma de contrariar a apetência das áreas florestais ao desenvolvimento do fogo, estando também intimamente relacionado com o programa da formação e instalação de sapadores florestais. Com a “Proteção florestal de combate e controlo da sanidade florestal”, tenta-se duma forma dirigida debelar algumas pragas mais frequentes na região com consequências inevitáveis na produtividade das matas, além de se reconhecer a imprescindibilidade de acompanhamento e monitorização do estado sanitário das formações florestais, progressivamente com maiores suscetibilidades à incidência de agentes bióticos de consequências alarmantes. Finalmente, interessará referir a importância que apresentam as iniciativas de “Controlo de invasoras lenhosas”, a concretizar de forma persistente e continuada, conhecida que é a extensão da manifestação dessas ocorrências, principalmente na sequência dos desequilíbrios e alteração de composição dos habitats naturais, uma vez mais por efeito da incidência anormal de fogos florestais. A Vigilância e prevenção de fogos florestais interfere com um conjunto alargado de agentes e instituições, administrativa e hierarquicamente dependentes doutros núcleos de decisão exteriores ao setor primário das florestas, mais diretamente relacionadas com a coordenação e combate dos fogos florestais, onde se deverão igualmente realizar de forma continuada programas de modernização e melhoria da sua eficiência. No entanto, a responsabilidade pela prevenção, vigilância e primeira intervenção deverá mobilizar as iniciativas locais, na pro- 333 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 1 2 ximidade dos produtores e proprietários florestais organizados nas suas associações, bem como dos Municípios, Zonas de Intervenção Florestal e Agrupamentos de Baldios, garantindo uma presença e intervenção no território que proporcionem uma diminuição efetiva do risco de incêndio. Neste esforço é reconhecida, de forma generalizada, a indispensabilidade de alargamento e organização das equipas de sapadores florestais. Os programas relacionados com a Consolidação da atividade florestal referem-se, por um lado, a fileiras específicas com importância regional como eucalipto, pinheiro, sobreiro e castanheiro, onde, por via da certificação florestal ou pela implementação de procedimentos de delimitação geográfica de produção, se deverão introduzir mecanismos de controlo de eficiência e de boas práticas florestais; por outro lado, deverão traduzir-se igualmente no próprio reforço das formas de organização dos produtores florestais, condição indispensável ao desenvolvimento do setor. Os programas integrados na Área Estratégica Atividades associadas aglutinam um conjunto de iniciativas consideradas indispensáveis ao reforço das valências presentes nos espaços florestais e que vêm ganhando, progressivamente, uma importância crescente na região. Em particular são reconhecidas as dificuldades, de longa data, de compatibilização entre atividades de pastoreio e produção florestal, o que torna indispensável um entendimento local entre os diferentes agentes e protagonistas, quanto à afetação do uso do solo. Pretende-se que estes programas contribuam para a harmonização do setor, proporcionando o usufruto do espaço florestal por um conjunto cada vez mais alargado de utilizadores, possibilitando a materialização do caráter público dos recursos florestais. 334 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 1 2 Referências · Adua M. (1999). The sweet chestnut throughout history from the miocene to the third millennium. Acta Horticulturae, 494: 29-36. · Carvalho J., Santos J., Reimão D. (2007b). Utilizações do Carvalho-roble. Os Carvalhais – O Carvalho-roble: 203-210. FLAD – LPN. Lisboa. · AFN (2010). Inventário Florestal Nacional, Portugal Continental, 2005-2006. 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Resumo: As características próprias dos espaços florestais, juntamente com a crescente preocupação com os aspetos ambientais e de conservação da biodiversidade a eles associados, bem como as suas apetências para a multifuncionalidade, obrigam à existência de uma gestão planeada dos espaços florestais, o que constitui a melhor forma de garantir a sua conservação, exploração sustentável e continuidade. O trabalho que se apresenta neste capítulo consistiu na elaboração de propostas de intervenção silvícola e de defesa da floresta contra incêndios para os Planos de Utilização dos Baldios existentes na Zona de Caça Nacional da Lombada, seguindo e adaptando um protocolo criado pela Direcção-Geral dos Recursos Florestais para o efeito. Pretendeu-se apresentar uma proposta de gestão para as Unidades de Baldio que fossem ao encontro das exigências dos vários intervenientes e permitam uma exploração sustentada, rentável e integrada da área baldia da Zona de Caça Nacional da Lombada. TOWARDS SUSTAINABLE FOREST MANAGEMENT IN MOUNTAIN AREAS: THE LOMBADA NATIONAL GAME ZONE Abstract: Forest management planning considers the forest areas characteristics, multifunctionality, the environment and the biodiversity and also local populations. This work concerns the development of forest management plans for the baldios (commons) at the Lombada National Game Zone (ZCNL), located in the eastern of Montesinho Natural Park. More specifically, the main objetives were to produce a forest management plan for each one of the baldios (commons) areas at the Lombada National Game Zone by identifying each one of the baldios and characterize legal and administrative elements as well as their physical boundaries; characterize land use/land cover of each common area, to produce several thematic maps in order to better characterize the study area, and produce forest management plans and forest wildfires defense proposals, as well as the ones concerning infrastructure recovery, providing tools for a sustainable management of the existing resources, planning the conservational and economical aspects in articulation with the resident populations. 1 InBio / CIBIO-Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos, Universidade do Porto. 2 AFN – Unidade de Gestão Florestal do Nordeste Transmontano, Autoridade Florestal Nacional, Parque Florestal, 5300 Bragança, Portugal. 3 CIMO/IPB - Centro de Investigação de Montanha e Instituto Politécnico de Bragança, Campus de Santa Apolónia, Apartado 1172, 5301-855 Bragança, Portugal. 4 Sociedade Portuguesa de Ciências Florestais, Instituto Superior de Agronomia, Universidade Técnica de Lisboa, Tapada da Ajuda, 1349017 Lisboa, Portugal. 5 InBio / CEABN-Centro de Ecologia Aplicada Baeta Neves, Universidade Técnica de Lisboa. 338 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 2 1. Introdução As características próprias dos espaços florestais, juntamente com a crescente preocupação com os aspetos ambientais e de conservação da biodiversidade a eles associados, bem como as suas apetências para a multifuncionalidade, obrigam à existência de uma gestão planeada dos espaços florestais, constituindo a melhor forma de garantir a sua conservação, exploração sustentável e continuidade. Podem ser considerados dois aspetos fundamentais no processo de planeamento para o ordenamento florestal: a constituição da base de informação, que apoia o processo de planeamento, e a forma de otimizar o uso que se pode fazer dos seus níveis de informação para apoio à decisão. No âmbito da constituição da base de informação, o conhecimento que efetivamente existe é, por vezes, um fator limitante, sendo a gestão dos diferentes níveis de informação facilitada pelos Sistemas de Informação, que permitem uma melhor compreensão das inter-relações entre os níveis de informação e facilitam o processo de tomada de decisão em planeamento, ordenamento e gestão dos recursos naturais. Os Planos de Utilização dos Baldios têm como principal objetivo a programação da utilização racional dos recursos efetivos e potenciais dos baldios com sujeição a critérios de coordenação e valia socioeconómica e ambiental, a nível local, regional e nacional (artigo7º da Lei n.º 68/93, de 4 de setembro). Neste contexto, torna-se premente implementar sistemas de gestão destes espaços que, articulados com as populações residentes, permitam manter e potenciar tanto a vertente económica como a de conservação. O delineamento de uma estratégia de utilização de recursos implica, pelas características subjacentes a estes territórios (designadamente a elevada sensibilidade ecológica e paisagística, uma forte procura social de uma grande diversidade de bens e serviços florestais e uma frequente conflituosidade entre diferentes usos e atividades), uma estruturação territorial das principais funções/ usos/atividades. Verifica-se assim, a necessidade de estruturar territorialmente a Unidade de Gestão segundo as funções/objetivos dominantes de cada parcela, garantindo-se, simultaneamente, a aplicação do conceito de uso múltiplo florestal (DGRF 2007). Existindo uma enorme diversidade dos espaços a gerir, é fundamental a existência de critérios e procedimentos que deem consistência e uniformidade ao trabalho desenvolvido. Estabeleceram-se, assim, por parte da Autoridade Florestal Nacional (entidade cogestora dos baldios submetidos a regime florestal parcial), linhas metodológicas orientadoras, visando o delineamento da estrutura dos Planos de Utilização dos Baldios para as Matas Nacionais e Perímetros Florestais (terrenos baldios e terrenos autárquicos), que foram utilizadas no trabalho que agora se apresenta. O Decreto-Lei nº 205/99, de 1 de junho regula o processo de elaboração, execução e alteração dos Planos de Gestão Florestais e dos Planos de Utilização dos Baldios, a aplicar nos espaços florestais, estabelecendo os elementos mínimos e as peças que neles deverão constar. Balizados por essas referências, bem como pelos critérios de sustentabilidade, tornou-se necessário efetuar alguns procedimentos prévios: (i) Recolha de toda a informação de base, em formato digital e/ou papel sobre a área de estudo; (ii) Estabelecimento de um Sistema de Informação Geográfica (SIG) associado a uma Base de Dados Relacional para integração global da informação. 339 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 2 A zona sobre a qual incidiu este trabalho constitui uma área de grande riqueza em termos faunísticos, ecológicos, silvícolas e recursos complementares (cogumelos, plantas aromáticas e medicinais de que são exemplo a carqueja e a esteva, mel, etc.), constituindo igualmente uma zona de grande interesse turístico, nomeadamente no que se prende com o turismo de natureza. Assim sendo, este trabalho adotou como objetivos principais a identificação, caracterização e apresentação de propostas de gestão para a área baldia abrangida pela Zona de Caça Nacional da Lombada (ZCNL), através da inventariação da sua ocupação atual, com a construção de cartografia temática adequada, e a apresentação de um Plano de Utilização para cada uma das Unidades de Baldio consideradas, adequados às características únicas desta zona. Foram consideradas as Unidades de Baldio (UB) que integram o Perímetro Florestal de Deilão bem como as que, embora não se encontrem sob regime florestal parcial, fazem parte da área que compõe a ZCNL. Pretendeu-se apresentar uma proposta de gestão para cada uma das Unidades de Baldio que fossem ao encontro das exigências dos vários intervenientes e permitam uma exploração sustentada, rentável e integrada da área baldia da Zona de Caça Nacional da Lombada. Esta zona apresenta uma dinâmica muito própria, e embora seja constituída por várias Unidades de Baldio, funciona como um conjunto articulado que, na nossa opinião, deverá ser olhado como um todo composto por várias especificidades. 1.1. A floresta portuguesa Breve caracterização histórica da floresta em Portugal Durante muitos séculos as matas geridas pela administração pública e únicas submetidas a intervenção técnica florestal, situavam-se no litoral e estavam ligadas às necessidades de abastecimento em madeiras da construção civil e naval, fortemente concentradas nessa faixa (DGRF 2007). No culminar de um longo processo histórico de desarborização, apesar das múltiplas e sistemáticas medidas de proteção e fomento da nossa monarquia, o País atingiu no século XVIII a sua máxima desarborização, coincidindo com o fomento da cultura da vinha e dos cereais e o recurso a madeiras do além-mar. Esta situação é bem evidenciada pelo Relatório Acerca da Arborização Geral do País de Carlos Ribeiro e Nery Delgado, publicado em 1868, pelo Instituto Geográfico (DGRF 2006). A Carta Agrícola e Florestal do País, do princípio do século XX, confirma as grandes possibilidades de expansão da área florestal, com base na enorme área de incultos do País (DGRF 2007). Com a criação, em 1824, da Administração Geral das Matas do Reino, no âmbito do Ministério da Marinha, dá-se início ao Portugal Florestal Moderno. Esta é uma época áurea do desenvolvimento florestal no nosso país: legislação, proteção, fomento, introdução da técnica no ordenamento e gestão das matas, organização dos serviços, publicação de trabalhos de vulto e a criação do Ensino Superior Florestal (1865) (DGRF 2006). 340 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 2 O século XIX caracterizou-se pelo início dos trabalhos de fixação e arborização das dunas do litoral, pelos primeiros trabalhos de arborização das serras do interior e pelo aumento sensível da área florestal, num quadro de desarborização de folhosas a norte do Tejo com progressão do pinheiro-bravo e, ainda, pela regeneração do sobreiro e valorização dos montados. A criação dos Serviços Florestais em 1886, no âmbito da Direção-Geral da Agricultura, marca igualmente uma viragem estratégica da administração pública florestal, vocacionada até então para as matas do litoral, para o fomento florestal no interior montanhoso do país (DGRF 2006). O Regime Florestal foi instituído no princípio do século XX, com os decretos de 1901, 1903 e 1905, e procurou responder às necessidades de arborização de grandes extensões de incultos, obviar à degradação acelerada dos recursos florestais e aos graves fenómenos erosivos provocados por uma utilização predatória e indisciplinada nos baldios serranos e acudir às necessidades crescentes do desenvolvimento industrial em produtos florestais. Este mesmo quadro, que veio justificar a implementação do Regime Florestal, verificou-se nos países vizinhos, nomeadamente em Espanha e França, que o introduziram com muitas décadas de avanço, servindo assim de orientação e experiência para o caso português (DGRF 2007). Por Regime Florestal entende-se o conjunto de disposições destinadas não só à criação, exploração e conservação da riqueza silvícola, sob o ponto de vista da economia nacional, mas também o revestimento florestal dos terrenos cuja arborização seja de utilidade pública, e conveniente ou necessária para o bom regime das águas e defesa das várzeas, para a valorização das planícies áridas e benefício do clima, ou para a fixação e conservação do solo, nas montanhas, e das areias no litoral marítimo (parte IV, artigo 25º, do Decreto de 24 de dezembro de 1901). O Regime Florestal considera-se Parcial quando aplicado a terrenos baldios, a terrenos das autarquias ou a terrenos de particulares, subordinando a existência de floresta a determinados fins de utilidade pública, permite que na sua exploração sejam atendidos os interesses imediatos do seu possuidor (parte IV, artigos 26.º e 27º, do Decreto de 24 de dezembro de 1901). O Regime Florestal constituiu assim um importante instrumento jurídico que permitiu a intervenção do Estado, em larga escala e à luz do interesse público, no fomento florestal do País e na gestão florestal de áreas do próprio Estado, em baldios e terrenos particulares encravados e ainda em terrenos particulares cujos proprietários solicitassem expressamente a submissão dos mesmos (DGRF 2007). A submissão de terrenos ao Regime Florestal, quer Total quer Parcial, foi-se processando com regularidade desde a sua criação no princípio do século mas foi com o Plano de Povoamento Florestal de 1938 que se implementou em larga escala e em ritmo mais intenso e impondo um forte crescimento e autonomia dos Serviços Florestais do Estado, cuja rede de serviços regionais se concentrou preferencialmente nas regiões de maior área baldia (DGRF 2007). O tempo, a correção dos excessos e os benefícios da arborização entretanto sentidos pacificaram as relações e ficou a obra: o complementar do revestimento das dunas e a submissão ao Regime Florestal de 350 000 ha de baldios, na sua maior parte arborizados pelo Plano de Povoamento (AFN 2008). 341 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 2 Em 1945, com a criação do Fundo do Fomento Florestal e Aquícola, inicia-se o apoio da Administração Pública Florestal à floresta privada (DGRF 2006). O século XX, em termos florestais, pode caracterizar-se, após a consolidação orgânica da administração pública florestal e a institucionalização do Regime Florestal no início do século, por um aumento significativo da área florestal em resultado de uma ação sistemática de arborização: as arborizações nas serras e dunas do início do século; o Plano de Povoamento Florestal de 1938; a criação do Fundo de Fomento Florestal para a arborização de terrenos privados; o Programa de Fomento Suberícola; o Projeto Florestal Português/Banco Mundial e os diversos programas com apoio da Comunidade Europeia à arborização, rearborização e reconversão de agricultura em floresta (DGRF 2006). Na Figura 1 destacam-se as sucessivas fontes de subvenção que foram sendo disponibilizadas desde 1923, assim como a sua concretização quanto à área total, aprovada, de arborização e de beneficiação. 342 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 2 Figura 1 Instrumentos financeiros de apoio à floresta desde 1938 (retirado de Estratégia Nacional para as Florestas 2007). O Plano de Povoamento Florestal teve como objetivo principal a arborização das áreas públicas e comunitárias do Norte e Centro de Portugal. Já através do Fundo de Fomento Florestal, além de se visar fornecer assistência aos proprietários da floresta privada, procurava-se, igualmente, promover a arborização de áreas privadas com vocação florestal. O Projeto Florestal Português, cofinanciado pelo Banco Mundial, resultou de acordos estabelecidos com o Fundo Monetário Internacional no sentido de promover a recuperação económica de Portugal, a qual enfrentava graves dificuldades no período que se seguiu à revolução de 25 de Abril de 1974. Este Projeto apoiou fundamentalmente investimentos na arborização de áreas privadas no Norte e Centro de Portugal, com eucalipto e espécies produtoras de madeira para fornecimento da indústria de serração e mobiliário (DGRF 2006). 343 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 2 Com a adesão de Portugal à Comunidade Europeia, em 1986, os apoios estatais passaram a ter uma forte componente dos fundos comunitários (75% na maioria das situações). Apenas em 2004 com a criação do Fundo Florestal Permanente, financiado principalmente por uma imposição fiscal sobre o consumo de produtos petrolíferos, voltou a existir uma fonte de apoio com verbas exclusivamente nacionais. É de registar que, para além da arborização de áreas agrícolas marginais, os apoios à arborização de espaços florestais incidiram em grande parte em áreas ocupadas por matos, do que resulta um aumento considerável das áreas ocupadas por floresta (DGRF 2006). Valor económico da floresta portuguesa e seu contributo para a redução das emissões de carbono A floresta portuguesa gera produtos e serviços multivariados. Segundo o último inventário florestal nacional (AFN 2010) a floresta ocupa cerca de 3,4 milhões de hectares, sendo a existência da madeira em pé, das principais espécies abastecedoras da indústria, avaliada em 67 milhões de m3 de madeira de pinho, e 41 milhões de m3 de eucalipto. Ainda segundo a mesma fonte, o montado de sobro produz 70 847 toneladas de cortiça de reprodução anualmente. O comércio dos produtos florestais português é um setor essencialmente exportador, o que é evidenciado pelos significativos saldos da balança comercial, pelo que não pode ser desenquadrado da situação do mercado ao nível global. Em termos estruturais o mercado português do comércio internacional de produtos florestais é essencialmente exportador de cortiça e de papel (papéis gráficos-não couchê e de cobertura “kraft”) e importador de madeira e de papel (couchê, para embalagens e, usos domésticos e sanitários) (DGRF 2007). Em 2005, a exportação de produtos florestais, representou 1,99% do PIB nacional o que representou 9,58%, das exportações nacionais. O setor do comércio externo florestal representa assim cerca de 10% das exportações totais portuguesas (DGRF 2007). Uma estimativa relativa a 2001 apontava o valor de 1,3 mil milhões de euros como sendo a produção económica total efetiva da floresta no continente, incluindo não apenas a sua realização comercial, mas também os serviços ambientais e sociais que presta, e não descontando as externalidades negativas (Mendes 2005). A floresta tem sido a base de um setor da economia que gera cerca de 113 mil empregos diretos, ou seja 2% da população ativa. Enquanto a fileira da pasta e papel contribui para cerca de 4000 empregos diretos, a fileira da cortiça gera mais de 12 mil empregos diretos, representando uma importante fração no comércio externo nacional, com cerca de um terço do total de exportações. Paralelamente à caça, que tem vindo a ser progressivamente organizada em zonas ordenadas, valorizando a atividade de forma muito acentuada, também a pesca nas águas interiores tem sofrido um grande incremento nos últimos anos, tendo o número de pescadores triplicado desde 1980 (DGRF 2007). De igual forma, tem-se assistido a um incremento no associativismo florestal, peça chave na dinamização da pequena e média propriedade florestal, com 137 associações em 2004, o dobro das que existiam em 1998 (DGRF 2007). 344 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 2 A floresta portuguesa apresenta assim características de um setor competitivo tanto no mercado interno como externo e uma flexibilidade que lhe tem permitido ajustar-se a choques externos. A floresta é ainda um suporte importante para a criação de emprego e apresenta diversificação de atividades, algumas das quais importantes em regiões economicamente desfavorecidas (DGRF 2007). A Estratégia Nacional para as Florestas, que incide sobre os espaços florestais, incluindo também as áreas de matos e pastagens, realça a valorização que o conjunto da sociedade atribui ao seu conjunto, de modo a maximizar o seu valor. Essa valorização pode ser efetuada de forma global considerando não só os valores de uso direto (comercial) dos produtos tradicionais da floresta como a madeira, a cortiça e a resina, como também outros menos vezes contabilizados. Estão neste caso valores de uso direto referentes a produtos não lenhosos (mel, frutos, cogumelos, plantas aromáticas) mas também ao pastoreio, à caça, à pesca, e ao recreio, e a valores de uso indireto, como os referentes à proteção do solo e dos recursos hídricos, ao sequestro de carbono, e à proteção da paisagem e da biodiversidade. De facto, segundo o mesmo documento, Portugal extrai mais riqueza de um hectare de terra florestal do Continente (344 euros/ha/ano) do que qualquer outro país do Mediterrâneo e esta comparação inclui países como a França (292 euros/ha/ano) e a Espanha (90 euros/ha/ano). Conclui-se, por isso, que a contribuição anual das florestas para o bem-estar público é muito superior em Portugal comparativamente a outros países do Mediterrâneo, o que demonstra uma taxa de utilização da terra florestal eficiente. Desta análise também se conclui que o elevado valor económico total da floresta não se refere apenas à sua realização comercial, mas também aos serviços ambientais e sociais que presta. Segundo o Programa Nacional para as Alterações Climáticas (2006), estima-se que a área de novos povoamentos florestais em Portugal tenha aumentado desde 1990 em cerca de 360 mil hectares. Este crescimento da ocupação florestal no nosso país assume uma grande importância, uma vez que a floresta produz muitos outros bens e serviços, como o da sua função como sumidouro de carbono, sendo o crescimento lenhoso um fator de mitigação do efeito de estufa pela correspondente absorção de CO2. De facto, segundo o Programa Nacional para as Alterações Climáticas (2006), a componente Emissão/Remoção de CO2e (dióxido de carbono equivalente) resultante das atividades de Florestação, Reflorestação e Desflorestação, nos termos do n.º 3 do artigo 3.º do Protocolo de Quioto, de contabilização obrigatória, representa um sequestro de 3.355 GgCO2e (Giga gramas de dióxido de carbono equivalente) em 2010, o balanço nacional líquido de emissões de gases com efeito de estufa em 2010 é estimado em 84.608 GgCO2e. Este valor, comparado com a quantidade atribuída (QA=77.194 GgCO2e/ano), configura uma distância de cerca de 7.414 Gg CO2e/ ano relativamente ao objetivo do primeiro período de cumprimento de Quioto. Os transportes, a oferta de energia e a indústria são os setores de atividade que mais contribuem para o balanço nacional de emissões de gases com efeito de estufa. O potencial de redução de emissões de gases com efeito de estufa decorrente de um conjunto de políticas e medidas adicionais (incluindo as atividades de Gestão Florestal, de Gestão Agrícola e de Gestão de Pastagens, nos termos do n.º 4 do artigo 3.º do Protocolo de Quioto, a que Portugal decidiu recorrer) é avaliado em 3.687 GgCO2e, o que coloca Portugal em situação de aproximação da quantidade atribuída, continuando, no entanto, 5% acima desse valor. Apura-se assim, 345 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 2 um défice de emissões de gases com efeito de estufa para cumprimento de 3.727 GgCO2e/ ano. O crescimento da floresta portuguesa é assim quantificado e contabilizado nos acordos internacionais a que Portugal aderiu, e pode representar uma ajuda para compensar as emissões de outras atividades, nomeadamente da indústria e dos transportes. 1.2 A floresta do Norte de Portugal Segundo o último inventário florestal nacional (AFN 2010), a floresta do norte de Portugal é constituída na sua maioria por pinheiro-bravo (aproximadamente 45% da área florestal), seguido do eucalipto (que representa cerca de 22%) e dos carvalhos (que ocupam praticamente 16% da região). A restante superfície de floresta encontra-se distribuída pelo castanheiro, sobreiro, azinheira, pinheiro-manso, acácia e outras folhosas e resinosas. Esta dominância do pinheiro-bravo na paisagem florestal da região está intimamente relacionada com as políticas florestais de ordenamento do território que foram já descritas neste capítulo, sendo que o eucalipto apresenta uma tendência crescente em termos de área ocupada na região relativamente ao inventário florestal anterior. Da perspetiva da produção florestal, a floresta que hoje existe no Norte do país é maioritariamente orientada para a produção de madeira e pasta de papel, duas das principais fileiras florestais do país, com o consequente peso no PIB e nas exportações nacionais. A nível regional os povoamentos de pinheiro-bravo, pela sua natureza marcadamente comunitária, apresentam um valor significativo para as populações locais, quer pelo retorno financeiro da sua exploração, quer pelo caráter marcante que têm na paisagem. 2. Estudo de caso: gestão florestal integrada das unidades de baldio da zona de caça nacional da lombada (perímetro florestal de deilão) 2.1 A Zona de Caça Nacional da Lombada Localização da área de estudo O trabalho que se apresenta incidiu sobre as Unidades de Baldio que integram a Zona de Caça Nacional da Lombada (ZCNL). Esta Zona de Caça Nacional (processo nº 357 – DGRF), criada em 1991 pelo Decreto-Lei n.º 45/91 de 24 de janeiro, posteriormente revista pelo Decreto-Lei n.º 278/95, de 25 de outubro, localiza-se no extremo nordeste de Portugal Continental, no distrito e concelho de Bragança, sendo limitada e Norte e a Este pela fronteira nacional (Figura 2). A ZCNL ocupa 20 830 ha, distribuídos por 6 freguesias: Aveleda, Rio de Onor, Babe, Deilão, São Julião de Palácios e Quintanilha. 346 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 2 Figura 2 Localização da Zona de Caça Nacional da Lombada na região NUTS-II (Norte) de Portugal continental. Esta área insere-se ainda, na sua quase totalidade (mais de 90%), no Parque Natural de Montesinho, bem como nas duas áreas classificadas da Rede Natura 2000, designadas por «Sítio PTCON0002 – Montesinho/Nogueira» e «Zona de Proteção Especial PTZPE0003 – Serras de Montesinho e da Nogueira». No que se refere ao ordenamento cinegético propriamente dito, a Zona de Caça Nacional da Lombada enquadra-se na 1ª Região Cinegética, está envolvida a norte e a leste pela Reserva Regional de Caza de La Sierra de La Culebra (província de Zamora, Espanha) e, a sul e a oeste, por cinco Zonas de Caça Associativa (ZCAs) e duas Zonas de Caça Municipais (ZCMs) (AFN 2009). Abrange igualmente o Perímetro Florestal de Deilão, área submetida a regime florestal parcial sob a tutela da Autoridade Florestal Nacional. A ZCNL ocupa cerca de 39% do regime ordenado e cerca de 25% da área do Parque Natural de Montesinho. As características de natureza física e biológica, das quais se destacam a agricultura tradicional e a presença de espécies de fauna portuguesa ausentes ou raras noutras regiões do País, justificam uma responsabilidade exclusiva do estado na gestão cinegética deste espaço. À data de realização dos trabalhos, a gestão era assegurada pela Autoridade Florestal Nacional, tendo também já sido gerida conjuntamente pelos serviços regionais do Ministério da Agricultura e o Instituto de Conservação da Natureza. 347 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 2 Figura 3 Aspetos de pormenor e paisagem característica da Zona de Caça Nacional da Lombada (Fotografias: Ana Teresa Pinto e Rui Dias). Enquadramento nos instrumentos de ordenamento do território e de planeamento florestal A área abrangida pela ZCNL congrega vários instrumentos legais de ordenamento de território e de planeamento florestal, que definem objetivos e regulamentos importantes para a gestão da região e que se sobrepõem, estruturados segundo a respetiva hierarquia. São particularmente relevantes a Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ENCNB); a Lei de Bases da Política Florestal (Lei n.º 33/96, de 17 de agosto, aprovada por unanimidade na Assembleia da República); o Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios; a Estratégia Nacional para as Florestas; o Plano Regional de Ordenamento Florestal do Nordeste (Sub-região homogénea Coroa-Montesinho); o Plano Municipal de Defesa da Floresta Contra Incêndios; o Plano de Ordenamento do Parque Natural de Montesinho; o Regime Cinegético Especial, o Regime Florestal Parcial e, finalmente, os normativos legais relativos aos Planos de Gestão Florestal (PGF) e Planos de Utilização dos Baldios (PUB). De entre os mais significativos, destaca-se a Lei n.º 68/93, de 4 de setembro – Lei dos Baldios – que determina que são baldios os terrenos possuídos e geridos por comunidades locais constituídas pelos compartes. Determina ainda que são compartes os moradores de uma ou mais freguesias ou parte delas que, segundo os usos e costumes, têm direito ao uso e fruição do baldio. 348 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 2 A forma de gestão destas áreas comunitárias, sofreu ao longo dos anos um processo organizativo, em resultado de um processo cívico promovido pelo Decreto-Lei n.º 39/76. Este Decreto-Lei veio alterar a forma de gestão dos baldios, referindo, concretamente que: “…são devolvidos ao uso, fruição e administração dos respetivos compartes…os baldios submetidos a regime florestal…”. Assim, a administração única, por parte dos Serviços Florestais, dos terrenos baldios que se verificou até 1976, com base no conceito de Regime Florestal estabelecido através de Decretos de 1901 e de 1903 (Germano 2004), foi transformada em administração em regime de associação entre os compartes e /ou autarquias e o Estado (regime de cogestão) ou em administração exclusiva pelos compartes e/ou autarquias. Em 2005, das 931 unidades de baldios existentes, 20% eram administrados exclusivamente pelos compartes e 80% em regime de associação entre os compartes e o Estado (25% das unidades eram representadas pela Junta de Freguesia e 75% por Conselho Diretivo). Em 1993, houve, novamente, lugar à alteração do quadro legislativo relativo aos baldios (DGRF 2006). Por unanimidade, foi aprovada na Assembleia de República, em 1993, a Lei dos Baldios. Esta Lei introduz o conceito de “Plano de utilização dos recursos dos baldios e respetivos projetos - Planos-tipo de utilização”, os quais têm como objetivo a programação da utilização racional dos recursos efetivos e potenciais dos baldios. Ao nível das comunidades locais que detêm o uso e fruição das áreas baldias é também de destacar o aparecimento, desde 1976, de formas organizativas, que atualmente se agregam em 4 secretariados e uma associação. Os secretariados dos baldios estão, por seu turno, agregados na BALADI – Federação Nacional de Baldios (DGRF 2006). Na Estratégia Nacional para as Florestas (2007) é recomendada a revisão dos modelos organizativos dos baldios (cogestão ou gestão única) de modo a aumentar a sua flexibilidade, criando novas formas de parceria entre o Estado e os órgãos de gestão dos baldios e suas associações de forma a garantir a sustentabilidade económica da gestão. De facto, a proficuidade de normativos de ordenamento do território e de planeamento florestal que aqui se sobrepõem coloca desafios acrescidos a uma gestão florestal cada vez mais sustentável, articulada com as politicas de conservação da natureza uma vez que, para além da enorme riqueza ecológica desta zona, existe um considerável valor económico associado às atividades cinegéticas, silvícolas e de aproveitamento de outros recursos florestais. Caracterização da área de estudo Segundo Albuquerque (1984), a área baldia da ZCNL insere-se na sua maior parte na zona ecológica Ibero-Subatlântica (I.SA), andar Montano, a qual é indicada para o castanheiro (Castanea sativa), o carvalho negral (Quercus pyrenaica), a azinheira (Quercus rotundifolia), a bétula (Betula celtiberica) e o teixo (Taxus baccata). Insere-se também nas zonas ecológicas Subatlântica/Oroatlântica (SA.OA) e Subatlântica/Submediterrânea/Ibero-mediterrânea (SA. SM.IM), que correspondem aos andares Altimontano e Submontano, respetivamente. Assim, o pinheiro bravo (Pinus pinaster) e o carvalho lusitano (Quercus faginea) estão também indicados para esta região. Relativamente à hipsometria, a grande maioria da área ocupada pela ZCNL está situada entre as cotas 700 e 1000. Quanto à litologia presente, a quase 349 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 2 totalidade da ZCNL é constituída por xistos grauvaques, existindo umas pequenas manchas com quartzitos e uma mancha pequena com areias, calhaus rolados, arenitos pouco consolidados e argilas. Os tipos de solo presentes são na sua maioria leptossolos úmbricos e leptossolos dístricos órticos, existindo umas pequenas áreas com cambissolos úmbricos crómicos e fluvissolos dístricos órticos. A precipitação total varia entre os 800 e os 1000 mm, distribuídos por 75 a 100 dias de precipitação (IA 2007). No Nordeste Transmontano tipicamente a precipitação é maior nos meses de outono. As temperaturas apresentam normalmente um comportamento regular, com Verãos muito quentes e Invernos com temperaturas que podem atingir valores bastante baixos. Em 2001, a população total residente na área da ZCN da Lombada era de 1449 habitantes (INE 2002), distribuídos por 6 freguesias e 14 aldeias. Nas últimas décadas, tem-se verificado uma diminuição da população residente, que em 1989 era de 2676 habitantes e em 1999 de apenas 1819 habitantes, pelo que a densidade populacional nestas freguesias é baixa, variando entre 6 e 15 habitantes por km2. As principais atividades económicas são, essencialmente, a agricultura, a floresta e a pecuária. 2.2. Metodologia Caracterização dos Elementos Jurídico-administrativos Fez-se um levantamento exaustivo do caráter jurídico-administrativo das Unidades de Baldio da Zona de Caça Nacional da Lombada recorrendo à informação disponibilizada pelo Núcleo Florestal do Nordeste, responsável à data dos trabalhos pela gestão desta Zona de Caça e do Perímetro Florestal de Deilão. Além disto, os vários responsáveis pelas Unidades de Baldio tiveram um papel imprescindível na compilação desta informação, uma vez que eram cumulativamente os Presidentes das Juntas de Freguesia das freguesias de Aveleda, Rio de Onor, Babe, Deilão, São Julião de Palácios e Quintanilha. Pudemos assim, de acordo com as informações recebidas, identificar as Unidades de Baldio existentes e classificá-las quanto ao tipo de gestão e administração que possuíam. Levantamento dos limites de cada Unidade de Baldio Efetuou-se no campo o levantamento perimetral de cada Unidade de Baldio com a colaboração dos Presidentes das Juntas de Freguesia da ZCNL ou seus representantes. A informação foi registada no campo em fotografia aérea corrigida, em papel. Posteriormente, a informação recolhida foi transposta para uma base de dados, com o auxílio do SIG. Foram identificados os baldios que confrontam com cada U.B. nos quatro quadrantes, caso existissem, e averiguada a existência de algum tipo de litígio (limites, receitas ou outros) e/ou processos judiciais atuais e anteriores. Levantamento da Ocupação do Solo Levantados os limites das Unidades de Baldio, interessava agora caracterizar cada uma dessas Unidades no que respeita à ocupação do solo. Para isso, efetuou-se uma reclassificação 350 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 2 da legenda da Rede Nacional de Matas Nacionais e Perímetros Florestais (RNDMNPF) e da Carta de Ocupação do Solo de 1990, obtendo nova legenda reclassificada de acordo com as recomendações da AFN. Foram ainda feitas algumas correções ao levantamento da ocupação do solo para cada baldio recorrendo a técnicas de fotointerpretação para delimitação das parcelas com ocupações distintas. A fotografia aérea utilizada foi fornecida pela Direção-Geral dos Recursos Florestais e data do fim de 2006. Para a aferição das classes de idade presentes, recorreu-se, para a parte dos baldios inserida no Perímetro Florestal de Deilão, à informação existente no Núcleo Florestal do Nordeste acerca das datas das plantações. Para a parte das Unidades de Baldio que não pertenciam ao PF Deilão, foi feita verificação direta no campo. Para caracterizar a ocupação do solo consideraram-se as classes “Área Florestal Arborizada”, “Área Florestal Não Arborizada”, “Vegetação Arbustiva”, “Herbáceas”, “Outros Usos” e “Improdutivos”. Todas as parcelas individualizadas foram classificadas de acordo com o identificador da cartografia digital, de modo a permitir a sua identificação num contexto futuro de gestão integrada do território. Fez-se ainda uma breve descrição do historial da evolução da ocupação do solo na área de estudo. Área Florestal Arborizada Individualizaram-se todas as parcelas com ocupação florestal proveniente de plantação ou sementeira (classes de idade 1 e seguintes – ver Tabela 1) ou regeneração natural após fogo ou corte (classes de idade 2 e seguintes). Posteriormente, foram consideradas duas classes de ocupação do solo no que respeita à área florestal arborizada, distinguindo entre as parcelas com dimensão superior ou inferior a 1 hectare, para se poder ter uma noção do nível de compartimentação da paisagem. No que respeita à sua composição, classificaram-se os povoamentos como Puros (P), nos casos em que uma só espécie ocupava mais de 75% do coberto florestal, ou Mistos (M), nos casos em que coexistissem na mesma parcela indivíduos pertencentes a mais que uma espécie florestal, sendo a percentagem máxima do grau do ocupação do coberto correspondente à espécie dominante da consociação de 75% (Louro et al. 2000). Quanto à estrutura dos ditos povoamentos, classificaram-se como Regulares (R), quando as árvores da parcela pertenciam a uma mesma classe de idade, ou Irregulares (I), quando coexistiam árvores pertencentes a diferentes classes de idade (Alves 1988). Sempre que os povoamentos apresentassem uma estrutura irregular, foi considerada a classe de idade 0. Na definição das classes de idade usou-se a classificação exposta na Tabela 1. 351 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 2 Tabela 1 Terminologia usada para a classificação das idades. CLASSE IDADE (ANOS) 0 Povoamentos irregulares 1 [0-5[ 2 [5-10[ 3 [10-20[ 4 [20-25[ 5 [25-30[ 6 [30-35[ 7 [35-40[ 8 [40-45[ 9 [45-50[ 10 [50-55[ 11 ≥ 55 Avaliou-se a densidade dos povoamentos nas parcelas com esta ocupação, classificando--os como sublotados, normais e sobrelotados. Considerou-se densidade normal quando havia continuidade do coberto sem interseção mútua de copas. Povoamentos jovens ainda sem desenvolvimento suficiente foram classificados de acordo com as densidades iniciais aconselháveis (1000-2000 árvores por hectare). Caracterizaram-se as parcelas arborizadas quanto ao seu nível de adaptação e/ou vigor e avaliou-se a sanidade das manchas de floresta. Caracterizou-se ainda o sub-bosque presente e o fitovolume respetivo. Área Florestal Não Arborizada Consideraram-se como áreas florestais não arborizadas as parcelas que apresentavam ocupação florestal decorrente de regeneração natural, resultante de corte cultural ou da ocorrência de um incêndio e que não ultrapassavam os 5 anos de idade. Fez-se o levantamento das espécies principais que constituíam cada parcela, e aferiu-se se a regeneração natural resultava de corte ou fogo e o respetivo ano de ocorrência. Analisou-se a densidade das regenerações arbórea e arbustiva, classificando-a como escassa, normal ou abundante. Vegetação Arbustiva, Herbácea, Improdutivos e Outros Usos Classificou-se o uso atual das restantes parcelas nas classes “Vegetação Arbustiva”, onde foram englobadas as parcelas ocupadas maioritariamente por matos; “Herbáceas”, referente às parcelas com ocupação maioritária de espécies herbáceas; “Outros Usos”, que compreendia as parcelas com outros usos do solo, como por exemplo agricultura ou infraestruturas (redes viária e divisional, e edificações existentes na área baldia como por ex. Casas de Guarda Florestais ou antigas instalações de viveiros); e “Improdutivos”, que engloba parcelas cuja ocupação era considerada improdutiva, como por exemplo afloramentos rochosos. 352 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 2 Caracterizou-se também o fitovolume, bem como a aptidão destas parcelas para folhosas, resinosas e pastagem, atribuindo classificações de alta, média, marginal e nula. Infraestruturas A compartimentação de áreas florestais foi classificada como ausente, presente ou pontual, registando-se a presença de rede viária e/ou rede divisional. Averiguou-se também se a compartimentação natural era feita por outras espécies, por linhas de água ou por outros elementos. Outro dos objetivos foi verificar se a infraestrutura da rede viária se encontrava regularmente distribuída, bem como o seu nível de conservação, atribuindo as categorias deficiente, aceitável e boa, expressas em percentagem. Caracterizou-se a rede de pontos de água existente, categorizando-os quanto ao seu estado em aceitável, bom e/ou deficiente, bem como o tipo de serventia que apresentavam (se secavam ou não, e se serviam meios aéreos, terrestres e/ou mistos). Registou-se o número total de Casas de Guarda Florestais existentes nas Unidades de Baldio. A avaliação do seu estado de conservação foi distribuída pelas categorias bom, aceitável e deficiente. Registaram-se também quaisquer outros tipos de infraestruturas existentes, utilizando o mesmo critério de avaliação. Outros Usos do Baldio e Aptidão Geral Caracterizaram-se outros usos do baldio, complementares à atividade de produção de madeira, como a atividade cinegética, pastoreio e apicultura. As atividades piscatórias, de recreação ou lazer e de recolha de cogumelos foram igualmente contempladas, classificando-se como esporádicas ou frequentes. Registaram-se informações complementares de interesse, como as espécies mais frequentes, por exemplo, e outras particularidades relevantes. Averiguou-se a existência de pedreiras, torres eólicas, estruturas de comunicações, licenças de cultura e/ou casos de arrendamento agrícola e/ou florestal. A área ocupada pelas Unidades de Baldio foi caracterizada quanto à sua aptidão geral, numa escala hierarquizada de 1 a 5 em função do disposto no Plano Regional de Ordenamento Florestal do Nordeste. Poderá ser considerada com tendo aptidão geral para produção caso esteja vocacionada para a produção de lenho, resina, frutos, sementes e outros produtos com valor comercial; como tendo aptidão geral para proteção caso apresente vocação para a preservação dos valores do solo e da água e estabilidade de encostas; como tendo aptidão geral para conservação se estiver vocacionada para a manutenção de espécies e habitats pouco frequentes; como tendo aptidão geral para suporte à silvopastorícia, caça e pesca nas águas interiores; e poderá ainda ser considerada como tendo aptidão geral para recreio, enquadramento e estética da paisagem. 353 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 2 Intervenções sílvicolas e de defesa da floresta contra incêndios Foram elaboradas propostas de intervenções silvícolas, de defesa da floresta contra incêndios, silvopastorícia e/ou outras consideradas adequadas a cada um dos baldios. Nas situações em que se considerou que as intervenções propostas já deveriam ter sido executadas, estas foram consideradas emergentes; se se encontravam no momento oportuno de intervenção foram consideradas prioritárias; se se considerou que poderiam ser realizadas no horizonte de 10 anos foram consideradas intervenções a prazo. A escolha do modelo de silvicultura a propor foi fundamentada na ótica do Plano Regional de Ordenamento Florestal do Nordeste, que define modelos de silvicultura como normas genéricas de intervenção nos espaços florestais. A sub-região homogénea Coroa-Montesinho apresenta como 1ª, 2ª e 3ª prioridades as funções de Conservação; Silvopastorícia, caça e pesca; e Produção. Ressalvar, no entanto, que a área abrangida pelo PF de Deilão apresenta uma outra hierarquia: as funções de Produção; Silvopastorícia, caça e pesca; e Proteção apresentam-se como de 1ª, 2ª e 3ª prioridades, respetivamente. O mesmo documento recomenda a utilização de espécies classificadas como prioritárias, relevantes, alternativas e secundárias. As prioritárias correspondem ao conjunto das espécies que conseguem bom desempenho nas três prioridades definidas para a sub-região em causa. São as espécies que mais interesse têm para a sub-região, pois a sua aplicabilidade é ampla e permite que cumpra as três prioridades. As relevantes correspondem ao conjunto das espécies que conseguem bom desempenho em duas das três prioridades definidas para a sub-região em causa. Embora menos importantes que as primeiras, pois são de aplicação menos ampla, são de importância considerável, uma vez que permitem aumentar o lote das espécies a considerar por prioridade. Fez-se uma primeira seleção das parcelas passíveis de arborização e/ou manutenção de vegetação arbustiva existente, considerando para as arborizações as espécies prioritárias para esta zona. Numa ótica de apoio à decisão das espécies a escolher, determinaram-se as condições adequadas a cada uma das espécies a utilizar nas arborizações, em termos do tipo de solo, da altitude e da exposição existentes. Isto permitiu a seleção de uma espécie, uma consociação ou a alternativa da manutenção da vegetação arbustiva existente. Apresentam-se também propostas de utilização para as infraestruturas existentes. 2.3. Resultados Caracterização dos Elementos Jurídico-administrativos A Zona de Caça Nacional da Lombada abrange 14 Unidades de Baldio nos seus 20 830 hectares, todas elas pertencentes ao concelho de Bragança e distribuídas pelas 6 freguesias que integram esta zona de caça nacional: Baldios da Aveleda e Varge da Freguesia da Aveleda, Baldios de Rio de Onor e Guadramil da Freguesia de Rio de Onor, Baldio de Labiados da Freguesia de Babe, Baldios de Deilão, Petisqueira e Vila Meã da Freguesia de Deilão, Baldios de São Julião, Palácios e Caravela da Freguesia de São Julião de Palácios, Baldios de Quintanilha, Réfega e Veigas da Freguesia de Quintanilha. 354 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 2 Relativamente ao modo de gestão e administração, importa realçar que, das 14 Unidades de Baldio mencionadas, 11 são parte integrante do Perímetro Florestal de Deilão, encontrandose portanto sob regime florestal parcial. Quanto aos órgãos executivos existentes, constatámos que 8 das Unidades de Baldio (UB) possuem Conselho Diretivo enquanto as restantes 6 UB são geridas pelas Juntas de Freguesia respetivas. Na Tabela 2 apresenta-se a relação do que foi descrito, por Unidade de Baldio. Tabela 2 Órgãos de Gestão dos Baldios da Zona de Caça Nacional da Lombada. PERÍMETRO UNIDADES DE BALDIO CONCELHO FREGUESIA ÓRGÃO EXECUTIVO Aveleda Bragança Aveleda Conselho Diretivo Sim Varge Bragança Aveleda Conselho Diretivo Sim Rio de Onor Bragança Rio de Onor Conselho Diretivo Sim Guadramil Bragança Rio de Onor Conselho Diretivo Sim Labiados Bragança Babe Conselho Diretivo Sim Deilão Bragança Deilão Conselho Diretivo Sim Vila Meã Bragança Deilão Conselho Diretivo Sim Petisqueira Bragança Deilão Conselho Diretivo Sim São Julião Bragança São Julião de Palácios Conselho Diretivo Sim Palácios Bragança São Julião de Palácios Junta de Freguesia Não Caravela Bragança São Julião de Palácios Junta de Freguesia Sim Quintanilha Bragança Quintanilha Junta de Freguesia Sim Veigas Bragança Quintanilha Junta de Freguesia Não Réfega Bragança Quintanilha Junta de Freguesia Não FLORESTAL DE DEILÃO Observando a Tabela 3, vemos que as Assembleias de Compartes foram constituídas entre 1976 e 1979. Nas UB em que foi possível aferir o número de compartes inicial e atual, é evidente o decréscimo do número de compartes desde a criação das Assembleias até aos dias de hoje. As Unidades de Baldio apresentam um baixo investimento próprio na floresta, tendo as receitas dos últimos 5 anos (à data de realização dos trabalhos) sido aplicadas em eventos como atividades culturais (festa da aldeia) ou na recuperação das igrejas. Efetuaram-se, no entanto algumas candidaturas à realização de beneficiações (essencialmente limpezas de matos) e rearborizações, nomeadamente ao abrigo da Medida 3.1 do Programa AGRO. 355 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 2 Tabela 3 Caracterização das Assembleias de Compartes das Unidades de Baldio da Zona de Caça Nacional da Lombada. DATA DA ÚLTIMA UNIDADES DE DATA DE Nº DE COMPARTES Nº DE COMPARTES DATA DA ELEIÇÃO BALDIO CONSTITUIÇÃO INICIAL ATUAL ANTERIOR Labiados 07/11/1976 * 31 03/05/1998 * Vila Meã Entre 1976 e * 22 05/03/2005 24/03/2007 96 48 24/04/2005 29/04/2007 183 132 23/02/1986 10/03/2002 110 35 * 16/06/2001 43 * 03/02/1980 09/01/2004 59 23 03/03/1985 17/03/2001 ASSEMBLEIA ELEITORAL 1979 ** Varge Entre 1976 e 1979 ** São Julião de Entre 1976 e Palácios 1979 ** Rio de Onor Entre 1976 e 1979 ** Petisqueira Entre 1976 e 1979 ** Guadramil Entre 1976 e 1979 ** *A informação disponível não permitiu averiguar estes dados. **Não foi possível obter dados exatos acerca deste item por falta de informação disponível. Levantamento dos limites de cada Unidade de Baldio As Unidades de Baldio encontram-se distribuídas por toda a Zona de Caça Nacional da Lombada. Verifica-se, no entanto, uma clara concentração da área baldia na parte norte do território considerado. De facto, se traçarmos uma linha imaginária sensivelmente a meio da ZCNL verificamos que os baldios de Aveleda, Rio de Onor, Guadramil, Varge, Labiados e Deilão se apresentam concentrados na parte superior, formando uma área baldia praticamente contígua, enquanto os baldios de Vila Meã, Petisqueira, São Julião, Caravela, Palácios, Quintanilha, Refega e Veigas se situam na parte inferior, menos expressiva em termos de área baldia ocupada. De realçar que as Unidades de Baldio de Vila Meã e de S. Julião apresentam dimensões muito superiores às restantes Unidades de Baldio que se encontram nesta zona inferior da ZCNL. Na Tabela 4 apresentam-se as áreas ocupadas por cada Unidade de Baldio (UB), bem como as respetivas confrontações. Como se pode observar, onze das catorze UB em estudo são confinantes, os baldios de Guadramil e da Aveleda são os que apresentam maior dimensão, ao passo que os mais pequenos em termos de área ocupada são os baldios da Refega, Veigas e Palácios. No seu conjunto, as catorze UB perfazem 12 968 hectares, sendo que cerca de 75% desta área integra o Perímetro Florestal de Deilão. As UB da ZCNL dividem-se claramente em dois grupos no que se refere à área que apresentam. Assim, os baldios de Guadramil, Aveleda, Varge, Labiados, Deilão, Rio de Onor, Vila Meã e São Julião compõem o grupo dos baldios com maiores dimensões. Estas UB ocupam, respetivamente, 17,7%, 16,3%, 13,5%, 11,7%, 11,2%, 11,%, 7,7% e 7,2% da área baldia da Zona de Caça Nacional da Lombada, perfazendo no seu conjunto 96,2% da área de estudo. Os baldios da Petisqueira, Caravela, Quintanilha, Refega, Veigas e Palácios 356 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 2 constituem o grupo de baldios com menor expressão em termos de área ocupada. Estas Unidades de Baldio representam, respetivamente, 1,2%, 0,8%, 0,8%, 0,6%, 0,3%, 0,1% da área em estudo, perfazendo no seu conjunto 3,8% da área baldia da ZCNL. Tabela 4 Áreas e confrontações das Unidades de Baldio da Zona de Caça Nacional da Lombada. UNIDADE DE BALDIO ÁREA OCUPADA (HA) UNIDADES DE BALDIO CONFINANTES Guadramil 2293,58 Rio de Onor, Varge, Labiados e Deilão Aveleda 2107,61 Rio de Onor e Varge Varge 1753,08 Aveleda, Rio de Onor, Guadramil e Labiados Deilão 1515,84 Guadramil, Labiados, Vila Meã e Petisqueira Rio de Onor 1448,75 Guadramil, Aveleda e Varge Labiados 1423,99 Varge, Guadramil, Deilão, Vila Meã e Caravela Vila Meã 1007,24 Deilão, Petisqueira, Caravela e São Julião São Julião 934,04 Vila Meã e Quintanilha Petisqueira 155,70 Deilão e Vila Meã Caravela 100,81 Labiados e Vila Meã Quintanilha 98,90 São Julião Réfega 72,27 Veigas Veigas 40,47 Réfega Palácios 15,31 --------------------- Total 12 968 Ocupação do Solo Os trabalhos relativos ao levantamento da ocupação do solo da área de estudo constituíram uma base indispensável para a elaboração dos Planos de Utilização dos Baldios. Foi produzida uma Carta de Referência para cada Unidade de Baldio, um documento indispensável para a primeira localização e referenciação das parcelas pertencentes às Unidades de Baldio (Figura 4). Os antecedentes das formas de uso e ocupação das Unidades de Baldio são semelhantes aos atuais, que se mantêm constantes desde a época das grandes plantações florestais realizadas na década de 70. Pela análise da Figura 5, podemos concluir que a classe de ocupação do solo com maior significado em termos de área ocupada na área baldia da ZCNL é a que respeita à área florestal arborizada estruturada em parcelas com dimensão superior a 1 hectare, que representa aproximadamente 36% da área. A vegetação arbustiva distribuída por parcelas com dimensão superior a 2 hectares, apresenta uma percentagem de ocupação do solo de aproximadamente 33%; a área florestal não arborizada representa cerca de 21%, enquanto as parcelas com 357 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 2 Figura 4 Carta de referência para as Unidades de Baldio da Aveleda (à esquerda) e de Guadramil (à direita). Figura 5 Ocupação do Solo no conjunto das Unidades de Baldio da Zona de Caça Nacional da Lombada : (A.F.A.>1ha): Área Florestal Arborizada em parcelas de dimensão superior a 1 hectare; (V.A.>2ha): Vegetação Arbustiva em parcelas de dimensão superior a 2 hectares; (A.F.N.A.): Área Florestal Não Arborizada; (O.U.>1ha): Outros Usos em parcelas de dimensão superior a 1 hectare; (O.U.<1ha): Outros Usos em parcelas de dimensão inferior a 1 hectare; (V.A.<2ha): Vegetação Arbustiva em parcelas de dimensão inferior a 2 hectares; (A.F.A.<1ha): Área Florestal Arborizada em parcelas de dimensão inferior a 1 hectare; (Imp.): Improdutivos. dimensão superior a 1 hectare que apresentam outros usos do solo constituem cerca de 9% desta área baldia. As parcelas com dimensão inferior a 1 hectare que apresentam outros usos do solo, a área florestal arborizada em parcelas de dimensão inferior a 1hectare, a vegetação arbustiva em parcelas com dimensão inferior a 2 hectares e os improdutivos representam respetivamente, 0,38%, 0,36%, 0,31% e 0,12% da área baldia total. De realçar que as classes Área Florestal Arborizada (>1 ha), Vegetação Arbustiva (>2 ha), Área Florestal Não Arborizada e Outros Usos (>1ha) representam cerca de 99% da área de estudo. Foram individualizadas 358 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 2 2045 parcelas no total, correspondentes aos 12 968 hectares da área baldia da ZCNL (Figuras 6 e 7). Figura 6 Carta de ocupação do solo da área baldia da Zona de Caça Nacional da Lombada. 359 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 2 Figura 7 Diferentes tipos de ocupação do solo na Zona de Caça Nacional da Lombada (Fotografias: Ana Teresa Pinto e Rui Dias). 360 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 2 Área florestal arborizada em parcelas de dimensão superior a um hectare A Figura 8 caracteriza a classe de ocupação do solo “Área Florestal Arborizada em parcelas de dimensão superior a um hectare”. Nela, classificam-se as parcelas quanto às espécies presentes, à composição e estrutura que apresentam. Esta classe é constituída por várias espécies florestais, que apresentam diferentes consociações entre si. Consideraram-se como Of e Or outras espécies presentes, quer de folhosas quer de resinosas, além das acima mencionadas, e nos casos em que o número de espécies consociadas presente é superior a 4. Quando em presença de povoamentos mistos, a referência às espécies presentes faz-se organizando-as da esquerda para a direita de acordo com a sua representatividade na parcela. Por exemplo, a referência SbCsCvOf significa que, na mesma parcela, encontramos sobreiros, castanheiros, carvalhos e outras folhosas, sendo que a espécie com maior representatividade dentro da parcela é o sobreiro e as menos representativas serão as outras folhosas. O pinheiro bravo é a espécie mais representativa, em composições puras ou mistas, abrangendo praticamente 50% da área florestal arborizada em parcelas de dimensão superior a 1 hectare (Figura 8). A área ocupada por povoamentos puros regulares desta espécie destacase claramente das restantes, ocupando 29% por si só, enquanto os irregulares ocupam 11% desta área florestal. O pinheiro bravo apresenta na ZCNL consociações com várias espécies florestais, que constituem cerca de 9% da área ocupada por esta classe. As composições mistas de outras resinosas e outras folhosas representam aproximadamente 20% e 9% desta classe, respetivamente. De realçar o facto dos povoamentos regulares das espécies de outras resinosas constituírem cerca de 15% dos 20% deste tipo de ocupação do solo. A azinheira, o castanheiro, o pinheiro negro, o pinheiro silvestre, os carvalhos e a pseudotsuga têm uma presença relevante, embora bastante menos significativa que as espécies já mencionadas. Verificou-se também a existência de uma presença preocupante de acácia (cerca de 8 hectares). A bétula, o sobreiro e o eucalipto têm presenças pontuais na área baldia da ZCNL, nomeadamente em parcelas com área florestal arborizada de dimensão superior a 1 hectare. Figura 8 Área Florestal Arborizada em parcelas de dimensão superior a 1 hectare na área baldia da Zona de Caça Nacional da Lombada: Espécies: (Pb) Pinheiro bravo; (Or) Outras resinosas; (Of) Outras folhosas; (Az) Azinheira; (Cs) Castanheiro; (Pr) Pinheiro negro; (Ps) Pinheiro silvestre; (Cv) Carvalho; (Pt) Pseudotsuga; (Ac) Acácia; (Bt) Bétula; (Sb) Sobreiro; (Ec) Eucalipto. Composição: (P) Puro; (M) Misto. Estrutura: (R) Regular; (I) Irregular. 361 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 2 Figura 9 Classes de Idade da Área Florestal Arborizada em parcelas com área superior a 1 hectare: Espécies: (Pb) Pinheiro bravo; (Or) Outras resinosas; (Of) Outras folhosas; (Az) Azinheira; (Cs) Castanheiro; (Pr) Pinheiro negro; (Ps) Pinheiro silvestre; (Cv) Carvalho; (Pt) Pseudotsuga; (Ac) Acácia; (Bt) Bétula; (Sb) Sobreiro; (Ec) Eucalipto. Composição: (P) Puro; (M) Misto. Estrutura: (R) Regular; (I) Irregular. Relativamente às classes de idade presentes, o pinheiro bravo apresenta na sua maioria uma estrutura regular (Figura 9). Sendo a espécie florestal mais representativa, está distribuído por 216 parcelas sendo que, destas, 108 correspondem a povoamentos puros regulares de classe de idade 3. Apresenta ainda 32 hectares constituídos por povoamentos regulares de classe de idade 5, a mais alta classe de idades encontrada na área de estudo. As outras espécies de resinosas presentes estão, na sua maioria, distribuídas por povoamentos mistos regulares de classe de idade 3, enquanto as outras espécies de folhosas constituem 130 parcelas de povoamentos mistos irregulares. Das restantes espécies presentes, o pinheiro negro, o pinheiro silvestre e a pseudotsuga constituem os povoamentos de idade superior. De um modo geral, o sub-bosque existente na área florestal arborizada, independentemente da dimensão das parcelas, é constituído por comunidades de urzes, que encontram aqui boas condições para o seu desenvolvimento, pelo efeito acidificante provocado pela forte presença de resinosas. De referir, no entanto, que existe uma regeneração natural de sobreiro e azinheira (principalmente em zonas de sub-bosque de pinhais menos densos) que começa a ser significativa. O fitovolume do sub-bosque apresenta uma altura média entre 40 a 100 cm, ocupando em média entre 20% a 50% do coberto. Os povoamentos da área de estudo encontram-se bem adaptados, não apresentando no geral sintomas ou sinais de adaptação condicionada. Relativamente à sanidade, não verificámos sintomatologia apreciável em termos de pragas ou doenças. No que se refere à densidade, as parcelas com área florestal apresentam-se na generalidade sobrelotadas, à exceção das parcelas que sofreram cortes culturais ao longo dos anos, que apresentam densidades normais, sem interseção das copas. Área florestal arborizada em parcelas de dimensão inferior a um hectare Na Figura 10 podemos observar as espécies, composição e estrutura presentes na classe de ocupação do solo “Área Florestal Arborizada em parcelas de dimensão inferior a 1 hectare”. Também aqui verificamos uma presença significativa do pinheiro bravo (ocupa cerca de 28% da área desta classe, entre povoamentos puros e mistos), só ultrapassada por outras folhosas estruturadas em povoamentos mistos irregulares que representam 30% destas par- 362 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 2 celas de menor dimensão. Como seria de esperar, as espécies presentes nas parcelas de área florestal arborizada com menor dimensão coincidem com as verificadas nas parcelas de maiores dimensões e com o mesmo tipo de ocupação, à exceção do sobreiro, que não está aqui representado. Figura 10 Área Florestal Arborizada em parcelas de dimensão inferior a 1 hectare na área baldia da Zona de Caça Nacional da Lombada: Espécies: (Pb) Pinheiro bravo; (Of) Outras folhosas; (Or) Outras resinosas; (Cs) Castanheiro; (Az) Azinheira; (Ec) Eucalipto; (Pt) Pseudotsuga; (Cv) Carvalho; (Bt) Bétula; (Ps) Pinheiro silvestre; (Ac) Acácia; (Pr) Pinheiro negro. Composição: (P) Puro; (M) Misto. Estrutura: (R) Regular; (I) Irregular. Como se conclui pela análise da Figura 11, o pinheiro bravo distribui-se por 59 parcelas, na sua maioria pertencentes à classe de idade 3. As outras espécies de folhosas presentes formam povoamentos irregulares ao longo de 46 parcelas. As outras espécies de resinosas e a pseudotsuga apresentam estruturas regulares de classe de idade 3 e 5. As restantes espécies presentes apresentam-se na sua maioria em povoamentos puros ou mistos irregulares. Figura 11 Classes de idade da Área Florestal Arborizada em parcelas de dimensão inferior a 1 hectare: Espécies: (Pb) Pinheiro bravo; (Of) Outras folhosas; (Or) Outras resinosas; (Cs) Castanheiro; (Az) Azinheira; (Ec) Eucalipto; (Pt) Pseudotsuga; (Cv) Carvalho; (Bt) Bétula; (Ps) Pinheiro silvestre; (Ac) Acácia; (Pr) Pinheiro negro. Composição: (P) Puro; (M) Misto. Estrutura: (R) Regular; (I) Irregular. 363 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 2 Área Florestal Não Arborizada Analisando a Figura 12, verificamos que a área florestal não arborizada da área baldia da ZCNL é constituída na sua maioria por outras folhosas, que ocupam cerca de 762 hectares distribuídos por 68 parcelas. O pinheiro bravo assume um papel destacado, surgindo em composições puras ou mistas, aparecendo em praticamente todas as consociações presentes. As outras espécies de resinosas ocupam também uma área relevante, bem como as outras espécies de folhosas presentes. De registar ainda a presença de azinheira, sobreiro, carvalho e castanheiro nesta classe de ocupação do solo. Relativamente à densidade apresentada pelas regenerações arbórea e arbustiva, pela análise da Figura 13, verificamos que cerca de 60% da regeneração arbórea existente apresenta densidade abundante, enquanto os restantes 40% apresentam densidade normal. Pelo contrário, cerca de 37% da regeneração arbustiva presente apresenta densidade abundante, 60% de densidade normal e cerca de 3% de densidade escassa. Figura 12 Área Florestal Não Arborizada no conjunto das 14 Unidades de Baldio da Zona de Caça Nacional da Lombada: Espécies: (Of) Outras folhosas; (PbAzSb): Pinheiro bravo, Azinheira e Sobreiro; (PbOf) Pinheiro bravo e Outras folhosas; (OfOr) Outras Folhosas e Outras resinosas; (Pb) Pinheiro bravo; (Or) Outras resinosas; (PbOfCv) Pinheiro bravo, Outras folhosas e carvalho; (Cv) Carvalho; (CvOf) Carvalho e Outras folhosas; (OrOf) Outras resinosas e Outras folhosas; (CsPb) Castanheiro e Pinheiro bravo. Figura 13 Densidade das regenerações arbórea e arbustiva da Área Florestal Não Arborizada no conjunto das 14 Unidades de Baldio da Zona de Caça Nacional da Lombada. 364 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 2 A regeneração arbustiva é constituída por giesta-branca (Cytisus multiflorus), urze (Erica australis) e esteva (Cistus ladanifer). Os giestais são comunidades pioneiras que colonizam áreas abandonadas pela agricultura que, nas cotas mais baixas, são normalmente enriquecidos com a arçã (Lavandula sp.). Instalam-se em solos mais fundos que os urzais, mas em solos menos fundos e evoluídos que a giesta de flor amarela. A urze aparece quase sempre associada a carqueja (Pterospartum tridentatum) e ao sargaço (Halimium alyssoides), constituindo matos heliófilos de substituição de carvalhais. É este o tipo de matos mais abundante na zona da Lombada. A esteva aparece nas zonas mais termófilas e com solos mais esqueléticos e degradados. A regeneração natural existente nas parcelas de área florestal não arborizada decorre essencialmente da ocorrência de incêndios. De acordo com os dados de ocorrência de incêndios na região (AFN 2010), os fogos de maior envergadura ocorridos nesta zona desde 1990 concentraram-se nos Baldios da Aveleda em 1998 e 2003, da Petisqueira e de Deilão em 2005, de São Julião de Palácios em 2000 e 2002 e de Rio de Onor em 2003. O Baldio da Aveleda foi o principal afetado, com uma área ardida entre os dois incêndios de 1289 hectares; o incêndio que atingiu os Baldios da Petisqueira e de Deilão em 2005 destruiu 93 hectares e 310 hectares, respetivamente; em Rio de Onor arderam 140 hectares em 2003 e em São Julião arderam 409 hectares em 2002. Estas ocorrências mais significativas atingiram, por si só, 2241 ha nos últimos 10 anos. A área ardida total na ZCNL entre 1990 e 2005 foi de 3029 hectares. De acordo com a mesma fonte, não se verificaram incêndios nesta zona nos anos de 2006 e 2007. No que se refere à vegetação arbustiva, esta está estruturada na sua maioria em parcelas de maior dimensão, superiores a 2 hectares. Como se pode concluir pela Figura 14 esta classe de ocupação do solo ocupa cerca de 3455 hectares da área de estudo, distribuídos ao longo de 149 parcelas. Os outros usos do solo estão presentes em 1063 hectares, ao longo de 214 parcelas. Como facilmente se percebe, as restantes classes de menor dimensão apresentam uma grande dispersão espacial relativamente ao tamanho que possuem, representando cerca de 96 hectares distribuídos por 333 parcelas. Figura 14 Classes de ocupação do solo “Vegetação Arbustiva”, “Outros Usos” e “Improdutivos” no conjunto das 14 Unidades de Baldio da Zona de Caça Nacional da Lombada: (V.A.>2ha): Vegetação Arbustiva em parcelas de dimensão superior a 2 hectares; (O.U.>1ha): Outros Usos em parcelas de dimensão superior a 1 hectare; (O.U.<1ha): Outros Usos em parcelas de dimensão inferior a 1 hectare; (V.A.<2ha): Vegetação Arbustiva em parcelas de dimensão inferior a 2 hectares; (Imp.): Improdutivos. 365 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 2 Figura 15 Aptidão das classes “Vegetação Arbustiva” e “Outros usos” no conjunto das 14 Unidades de Baldio da Zona de Caça Nacional da Lombada. A Figura 15 ilustra a aptidão das áreas ocupadas por vegetação arbustiva e outros usos relativamente a folhosas, resinosas e pastagem. Como se pode observar pela análise da mesma figura, cerca de 78% da área apresenta aptidão alta para resinosas, média para folhosas e marginal para pastagem. Cerca de 16% da área apresenta aptidão alta para folhosas e pastagem e média para resinosas. Os restantes 6% apresentam aptidão nula para as três finalidades consideradas. O fitovolume apresenta, na classe “Vegetação Arbustiva”, uma percentagem média de ocupação do coberto superior a 50%, apresentando alturas superiores a 40 centímetros, ultrapassando muitas vezes os 100 centímetros. Definição das arborizações e da manutenção da vegetação arbustiva A seleção das espécies é, porventura, um dos passos mais interessantes e ao mesmo tempo difícil com que se depara a atividade florestal. A escolha das espécies é uma tarefa que depende obviamente da análise integrada de várias condições, edafo-climáticas, económicas, sociais e ambientais, etc (ver cap. III.1). O Modelo Geral de Silvicultura definido para esta sub-região classifica como espécies prioritárias o Castanheiro (Castanea sativa), a Cerejeira (Prunus avium), o Carvalho negral (Quercus pyrenaica) e o Sobreiro (Quercus suber), espécies a utilizar nas arborizações propostas neste trabalho. As arborizações foram definidas de acordo com as condições propícias ao desenvolvimento das espécies consideradas (Alves 1988, Monteiro 1997). Pudemos assim adequar a utilização da cada espécie (pura ou consociada) às condições existentes na área de estudo, determinando as áreas a arborizar, quando caso disso, e as áreas em que a escolha adequada seria a da manutenção da vegetação arbustiva existente. Outros usos das Unidades de Baldio: Caça, cogumelos, pastoreio e apicultura A área abrangida pelas Unidades de Baldio da ZCNL constitui uma área de grande riqueza em termos faunísticos, ecológicos, silvícolas, recursos complementares (cogumelos, plantas aromáticas e medicinais de que são exemplo a carqueja e a esteva, mel, etc.), constituindo igualmente uma zona de grande interesse turístico, nomeadamente no que se prende com o turismo de natureza. Para além da enorme riqueza ecológica desta zona, existe um conside- 366 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 2 rável valor económico associado às atividades cinegéticas e silvícolas (ICN 2007). Os dados apresentados nas Tabelas 5 a 9, bem como as descrições do processo cinegético da ZCNL e da venda de madeira dentro do PF Deilão, resultam de recolha pessoal junto do organismo da DGRF sedeado em Bragança, o Núcleo Florestal do Nordeste responsável, à data de recolha da informação, pela gestão e exploração cinegética da ZCNL. Constatou-se ainda a inexistência de pedreiras, torres eólicas ou estruturas de comunicações na área de estudo. De acordo com informação recolhida junto do Núcleo Florestal do Nordeste, não existiam à data de realização dos trabalhos licenças de cultura e/ou casos de arrendamento agrícola e/ou florestal na área baldia da ZCNL. Caça A área ocupada pelas 14 Unidades de Baldio da ZCNL regista uma forte atividade cinegética. Na Tabela 5 apresentam-se os dados relativos a esta atividade para o ano de 2006. Tabela 5 Valores relativos à atividade cinegética em 2006 na Zona de Caça Nacional da Lombada. LICENÇAS RECEITA (€) DESPESA (€) Caça menor Residentes 7.199 0 (coelho, perdiz e lebre) Residentes no concelho 3.780 0 Residentes no país 1.900 0 Veado 9.735,57 0 Javali 6.825 5.685 29 440 5.685 Caça maior Total Como se pode observar na Tabela 5, a caça menor (coelho, a perdiz e lebre), é procurada por caçadores residentes nas várias freguesias da ZCNL, residentes no concelho de Bragança e residentes no restante território nacional. Os preços destas licenças de caça variam consoante a residência do caçador, sendo que os caçadores residentes nas freguesias da ZCNL pagam os menores valores praticados, enquanto os residentes no restante território nacional pagam os valores mais altos destas licenças. O conjunto das receitas da caça menor totalizou, em 2006, 12.879 €. Relativamente à caça maior, ela é feita na ZCNL ao veado e ao javali. A caça ao veado é feita por processo de aproximação, em que cada caçador dispõe de uma janela de três dias e apenas é permitida a caça de um exemplar por caçador. Os exemplares a abater são previamente selecionados pela DGRF e todas as aproximações são acompanhadas por funcionários deste organismo. O número de exemplares a abater resulta de decisão conjunta da DGRF (Núcleo Florestal do Nordeste) e do ICNB (Parque Natural de Montesinho). As receitas obtidas em 2006 na caça ao veado totalizaram 9.735,57 € e referem-se à caça de 5 exemplares. A caça ao javali é feita através da realização de montarias. É o único tipo de caça que apresenta despesas, que se prendem com a logística da própria montaria, que é normalmente organizada nas freguesias onde se realiza. Assim, a caça ao javali gerou, em 2006, 6825 € de receita e 5685 € de despesa. Globalmente, o lucro da caça na ZCNL em 2006 foi de 23.755 €. 367 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 2 Estas espécies cinegéticas são, no entanto, igualmente responsáveis por prejuízos causados nas parcelas de terreno de proprietários locais. Nestes casos, a AFN atribui o pagamento de indemnizações por prejuízos na agricultura aos proprietários afetados. Os dados relativos a este tipo de indemnizações, pagas nos anos de 2004 a 2007 pela DGRF, apresentam-se na Tabela 6. Tabela 6 Valores das indemnizações por prejuízos na agricultura por espécies cinegéticas na ZCNL (2004 e 2007). ANO Nº DE PROPRIETÁRIOS AFETADOS Nº DE PARCELAS AFETADAS VALOR ATRIBUÍDO (€) 2004 99 203 11 057 2005 79 150 12 779,5 2006 48 85 7 663 2007 45 76 9 166 Pelo exposto na Tabela 6, concluímos que o valor das indemnizações pago entre 2004 e 2007, apresenta flutuações de ano para ano. O número de parcelas afetadas e o respetivo número de proprietários tem vindo a diminuir, mas o valor dos prejuízos não acompanha necessariamente essa diminuição. De facto, em 2007 foram afetados 45 proprietários (o valor mais baixo desde 2004), mas o valor pago foi superior à quantia paga em 2006. As freguesias que compõem a ZCNL, e que são simultaneamente as freguesias a que pertencem as 14 Unidades de Baldio, recebem uma renda anual pelo facto de integrarem uma Zona de Caça Nacional. O valor pago anualmente a cada uma dessas freguesias (Tabela 7), resulta do pagamento de 0,50 € por cada hectare de terreno ocupado por cada freguesia na ZCNL. Este valor não sofre atualizações há vários anos, sendo uma das maiores reivindicações por parte dos autarcas e das populações locais, no sentido de atualizar as rendas pagas. Assim, são pagos anualmente 10.390,01 € ao conjunto das 6 freguesias. Tabela 7 Valores por freguesia das rendas anuais dos terrenos inseridos na Zona de Caça Nacional da Lombada. CONCELHO FREGUESIA RENDAS ANUAIS (€) Bragança Aveleda 2.267,05 Bragança Rio de Onor 2.104,94 Bragança Babe 970,16 Bragança Deilão 2.000,19 Bragança São Julião de Palácios 1.636,07 Bragança Quintanilha 1.411,60 Total 10.390,01 Cogumelos No Nordeste Transmontano os cogumelos silvestres assumem-se hoje como um recurso florestal complementar incontornável. A apanha de cogumelos é uma prática com origens ancestrais, ainda hoje bem enraizada no imaginário coletivo. A vertente comercial da apanha deste recurso constitui hoje uma mais-valia para a economia familiar das populações residentes nas freguesias da Zona de Caça Nacional da Lombada. 368 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 2 No âmbito do Projeto AGRO 689, em estudos levados a cabo no Parque Natural de Montesinho nos três ecossistemas mais representados, carvalhais, pinhais e soutos, foram inventariadas 66 espécies no habitat de carvalho negral (Quercus pyrenaica), 10 espécies para o habitat de pinheiro bravo (Pinus pinaster) e 27 espécies no habitat de castanheiro (Castanea sativa). Do ponto de vista do interesse ecológico os fungos têm um papel fundamental no ecossistema, seja qual for o seu grupo trófico. A título de exemplo os fungos micorrízicos, que criam associações com as espécies lenhosas e originam povoamentos mais resistentes e melhor adaptados às condições edafo-climáticas da região em que estão inseridos. Figura 16 Aviso de interdição de apanha de recursos florestais (à esquerda) e exemplo de cogumelos frequentes na área de estudo, comestíveis e com valor comercial (Lactarius deliciosus) (Fotografias: Ana Teresa Pinto e Rui Dias). Segundo conclusões do mesmo estudo, um hectare de carvalhal produzirá, em média 44 kg de cogumelos comestíveis por ano, um hectare de pinhal 35 kg de cogumelos comestíveis por ano e um hectare de souto produz cerca de 17 kg por ano. Estes valores apresentam um valor monetário associado considerável. Um estudo de Garcia et al., em 2004, dava conta de alguns preços praticados ao coletor no ano de 2003, de que destacamos algumas espécies: Cantharellus cibarius que variava entre 2,5 €/kg e 15 €/kg; Cantharellus cinereus, a variar entre 1 €/kg e os 7,5 €/kg; Hydnum repandum, a 4 €/kg; Lactarius deliciosus, pago entre 1 e 6 €/kg; ou o Tricholoma portentosum, a variar entre os 0,5 e os 3 €/kg. De realçar que todas estas espécies estão presentes na área de estudo. Os preços praticados pelos angariadores sofrem grandes flutuações, já que tudo está dependente das quantidades que chegam ao mercado. Nos anos em que não abunda a produção de cogumelos silvestres os preços sobem e o contrário também se verifica. De qualquer forma, existe sempre associado um valor económico considerável a este recurso, quando pensamos que cada coletor pode colher entre 5 a 15 kg/dia (Garcia et al. 2004). A utilização deste recurso em Portugal está limitada pela falta de legislação que regulamente a colheita e a comercialização de cogumelos silvestres, o que leva a que a gestão efetiva deste recurso se torne complexa. A este problema acresce o da propriedade do recurso micológico por não ser claro se prevalece o direito de propriedade do terreno ou, se o recurso se considera público e como tal de livre acesso aos coletores. Por outro lado, a inexistência de uma gestão adequada do recurso, e de organização e concertação eficazes entre coletores e proprietários contribui para a especulação levada a cabo pelos intermediários ou anga- 369 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 2 riadores do recurso micológico, tornando difícil o estabelecimento de preços justos, mais em consonância com o valor real do produto quando chega ao consumidor final. Pastoreio e Apicultura Aproximadamente 10% da área baldia da ZCNL apresenta uso agrícola do solo, distribuído pelas 14 Unidades de Baldio. O baldio de Deilão destaca-se claramente dos restantes, com 31% da área reservada a atividades agrícolas, seguido do baldio de Labiados, que possui 20% da área agrícola existente na área baldia da ZCNL. Os baldios de Varge, Vila Meã e Rio de Onor representam 12%, 10% e 9%, respetivamente, da área agrícola da área de estudo. Estes terrenos são usados na sua grande parte na atividade pecuária, nomeadamente na criação de gado bovino, ovino e caprino. De acordo com a Figura 17, o número de gado bovino (Figura 18) diminuiu em todas as freguesias da ZCNL,à exceção da freguesia de França que regista um aumento do efetivo animal na última década. De realçar, no entanto, a demarcação da freguesia de Deilão relativamente às restantes que, apesar de apresentar uma diminuição do número de animais ao longo dos últimos anos, continua a registar os valores mais elevados no que se refere à exploração de gado bovino. Figura 17 Evolução do número de animais de gado bovino nas freguesias da Zona de Caça Nacional da Lombada entre 1989, 1999 e 2009 (INE 2011). 370 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 2 Figura 18 Gado bovino em lameiro localizado na freguesia de Deilão (Fotografia: Rui Dias). Relativamente ao gado ovino (Figura 19), verificou-se uma diminuição clara do número de explorações em praticamente todas as freguesias da ZCNL, à exceção da freguesia de Aveleda. Figura 19 Evolução do número de animais de gado ovino nas freguesias da Zona de Caça Nacional da Lombada entre 1989, 1999 e 2009 (INE 2011). 371 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 2 O efetivo caprino da região (Figura 20) tem decrescido substancialmente nos últimos 20 anos na região, refletindo a falta de investimento das populações locais neste tipo de exploração animal. Figura 20 Evolução do número animais de gado caprino nas freguesias da Zona de Caça Nacional da Lombada entre 1989, 1999 e 2009 (INE 2011). A atividade apícola é também um outro uso importante da área baldia, na medida em que a produção de mel constitui um importante recurso económico para as populações locais. De acordo com a Figura 21, o número de colmeias e cortiços povoados diminuiu em todas as freguesias da ZCNL, com exceção de Aveleda e Quintanilha que registam na última década um claro aumento no número de colmeias e cortiços. Figura 21 Evolução do número de colmeias e cortiços povoados nas freguesias da Zona de Caça Nacional da Lombada entre 1989, 1999 e 2009 (INE 2011). 372 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 2 Plantas aromáticas e medicinais O recurso a espécies nativas da flora constituiu desde sempre um dos expoentes máximos da relação das populações rurais com a sua envolvente. Quando se pensa a gestão de uma zona como a área baldia da Zona de Caça Nacional da Lombada, principamente quando aí existe uma área considerável de flora arbustiva nativa, é essencial considerar para além da exploração florestal outros recursos interessantes, como as plantas aromáticas e medicinais. Pertencem ao catálogo etnobotânico do Parque Natural de Montesinho 364 taxones de plantas vasculares, 199 desses taxones correspondentes a espécies silvestres e os restantes a espécies cultivadas. O maior número de taxones catalogados (46%) são empregues como medicinais e destes a maioria são plantas silvestres (Carvalho, 2006). Existem na área de estudo várias espécies que cabem em um ou mais usos tradicionais e/ ou industriais (Figura 22). Figura 22 Plantas aromáticas que ocorrem naturalmente na Zona de Caça Nacional da Lombada: à esquerda: esteva (Cistus ladanifer) e à direita: rosmaninho (Lavandula stoechas) (Fotografias: Ana Teresa Pinto e Rui Dias). Como exemplo temos: a esteva (Cistus ladanifer), com várias aplicações desde industrial e artesanal como combustível, carvão, colmeias, medicinal para o aparelho respiratório, tosses e constipações, servindo como também como planta melífera; a arçã ou rosmaninho (Lavandula stoechas), utilizada na alimentação humana como condimento, ou a nível medicinal para afeções do aparelho respiratório ou do aparelho digestivo; a giesta branca (Citisus multiflorus), que tem uso medicinal para a diabetes, tensão arterial ou colesterol, ou para fazer vassouras; ou, por fim, a carqueja (Pterospartum tridentatum) que se utiliza a nível medicinal para afeções do aparelho digestivo, do aparelho respiratório, da diabetes, da hipertensão entre outras, servindo também para fins culinários como condimento e para confecionar arroz (Carvalho, 2006). Estes são apenas alguns exemplos de espécies presentes na área, sendo que, obviamente o seu número e descrição exaustiva ultrapassam largamente o âmbito deste trabalho. Entendese, no entanto, que será de todo o interesse fazer uma gestão orientada para a conservação e exploração sustentada destes recursos. 373 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 2 Valor económico da exploração silvícola A principal fonte de receita no Perímetro Florestal de Deilão é a madeira, cuja venda é processada pela AFN através da abertura de concurso público para apresentação de propostas de compra para cada um dos lotes de madeira a concurso. Estas propostas são apresentadas em carta fechada, e abertas na presença dos concorrentes, ganhando a maior oferta apresentada para cada um dos lotes. As receitas resultantes deste processo são repartidas entre o Estado e as Unidades de Baldio que o compõem, sendo que o Estado recebe 40% destas receitas e as Unidades de Baldio os restantes 60%. As Unidades de Baldio reservam, no entanto, o direito de recusar a venda da madeira caso não concordem com o valor de venda proposto. Neste caso, o concurso público fica sem efeito e procede-se a novo concurso público. Figura 23 Povoamentos de pinheiro bravo (à esquerda) e pinheiro silvestre (à direita). (Fotografias: Ana Teresa Pinto e Rui Dias). A Tabela 8 representa os valores obtidos pela venda de lotes de madeira no PF Deilão, no período compreendido entre 2001 e 2006. Tabela 8 Valores da venda de lotes de madeira no PF de Deilão (2001 a 2006). ANO QUANTIDADE (M3) RECEITA TOTAL (€) RECEITA ESTADO (€) RECEITA UNIDADE DE BALDIO (€) 2006 12 874 12 609 5 044 7 565 2004 3 210 24 555 9 822 14 733 2003 6 267 18 860 7 544 11 316 2001 2 245 40 180 16 072 24 108 Totais 24 595 96 204 38 482 57 723 Pela análise da Tabela 8, verifica-se que entre 2001 e 2006 as Unidades de baldio tiveram um rendimento de 57.722,62 €, correspondentes à venda de 24.595 m3 de madeira produzida no Perímetro Florestal de Deilão. Os lotes vendidos referem-se a resinosas, na sua maioria pinheiro bravo. A madeira vendida em 2006 foi comercializada a um preço bastante inferior ao praticado nos anos anteriores, por se tratarem de lotes de madeira ardida resultantes do incêndio que afetou a zona em 2005. O facto desta madeira ter sido vendida um ano após a ocorrência do incêndio justificou o baixo valor a que foi comercializada. Não contemplando 374 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 2 este valor, a madeira foi comercializada neste período a aproximadamente 7 €/ m3. De realçar que o material lenhoso que constitui estes lotes resulta de desbaste seletivo e não de corte final, pelo que as suas dimensões não permitiriam obter, nesta fase do seu desenvolvimento, um valor comercial mais elevado. De acordo com os dados disponibilizados pelo Sistema de Informação de Cotações de Produtos Florestais na Produção (SICOP) da AFN, nos anos em questão a média nacional para os preços mínimos de venda de madeira de pinheiro bravo foi de 3,26 €, o que indica que a madeira produzida no PF de Deilão foi comercializada acima da média nacional nesse período no país. 2.4. Intervenções propostas Procurando ir ao encontro duma gestão multifuncional e sustentável, apresentam-se propostas de intervenção a nível silvícola e de defesa da floresta contra incêndios. Na Figura 24 podemos observar a preconização proposta para cada uma dessas intervenções, por área e número de parcelas afetadas. Figura 24 Intervenções silvícolas e de defesa da floresta contra incêndios propostas: Intervenções Silvícolas: (Arb.) Arborizações; (Reg.) Regeneração natural; (Desr.) Desramações; (Desb.) Desbastes; (M.Veg.Arb.) Manutenção da Vegetação Arbustiva; (Limp.) Limpezas de Povoamento; (Adens.) Adensamento; (C.I.) Controlo de Invasoras. DFCI (Defesa da Floresta Contra Incêndios): (Limp. Mt.) Limpezas de Matos; (M.R.V.) Manutenção da Rede Viária; (M.R.D.) Manutenção da Rede Divisional; (M.P.A.) Manutenção de Pontos de Água. 2.4.1. Intervenções silvícolas propostas As operações silvícolas devem ser executadas, sempre que possível, fora da época de nidificação das espécies cinegéticas autóctones e migratórias. O modelo de silvicultura proposto para as espécies resinosas é o seguido pela Direcção-Geral dos Recursos Florestais, referente a uma silvicultura média e de classe de qualidade média, concebido para povoamentos oriundos de plantação. Arborizações De acordo com o exposto na Figura 25, recomenda-se prioritariamente a arborização de 2721 hectares com povoamentos puros de carvalho negral, 690 hectares com consociação de carvalho negral e sobreiro, 147 hectares com povoamentos puros de sobreiro, 73 hectares com consociação de cerejeira e carvalho negral, 47 hectares de castanheiro e cerca de 30 hectares com carvalho negral, cerejeira e sobreiro consociados. 375 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 2 Figura 25 Relação entre espécies florestais arbóreas e a manutenção da vegetação arbustiva a utilizar nas arborizações: (Cv) Carvalho; (CvSb) Carvalho e Sobreiro; (M. Veg. Arb.) Manutenção da Vegetação Arbustiva; (Sb) Sobreiro; (CjCv) Cerejeira e Carvalho; (Cs) Castanheiro; (CvCjSb): Carvalho, Cerejeira e Sobreiro. Da área selecionada para possíveis arborizações, verificou-se a existência de algumas parcelas que não preenchiam os requisitos adequados à instalação e desenvolvimento destas quatro espécies florestais. Assim, nestas zonas propõe-se a manutenção da ocupação existente (vegetação arbustiva), privilegiando espécies arbustivas (medronheiro, lentisco, ou pilriteiro) que poderão servir de alimento à fauna local. A ZCNL é parte integrante da rota do lobo ibérico (Canis lupus), que entra aqui vindo de Espanha pela Serra da Culebra, constituindo uma das mais importantes populações de lobo-ibérico na região fronteiriça de Bragança/ Zamora. De acordo com o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal, o lobo ibérico é classificado como “em perigo”, sendo que os principais fatores de ameaça são a perseguição direta do Homem, a fragmentação do habitat e a diminuição das populações de ungulados. O valor faunístico desta região prende-se, também, com a presença de uma diversidade biológica dificilmente igualável que, por exemplo, é observável nas mais de 130 espécies de aves nidificantes que ocorrem no Parque Natural de Montesinho (onde a ZCNL se insere). Em relação aos mamíferos terrestres é possível observar, nesta mesma área, 70% das espécies ocorrentes em Portugal Continental e no grupo dos répteis e anfíbios encontram-se presentes 50% dos endemismos Ibéricos existentes em Portugal Continental. Esta opção deverá ser seguida sempre que tal não signifique um aumento substancial do risco de incêndio, de modo a assegurar uma maior proteção do solo, maiores taxas de retenção de água de escorrimento, teores mais altos de matéria orgânica no solo, maior proteção das árvores, melhor defesa contra agentes bióticos nocivos e uma menor possibilidade de crescimento de outras comunidades vegetais, por vezes mais difíceis de controlar. Nestas arborizações devem ser respeitadas as medidas de silvicultura preventiva, de acordo com a legislação em vigor, que criem descontinuidades de inflamabilidade e combustibilidade (ver cap. II.4 e III.1). Aproveitamento da regeneração natural Consideraram-se como áreas degradadas as áreas ardidas existentes, de acordo com o definido no PROF NE. De acordo com o mesmo documento, deverá ser garantida a rearborização dos espaços arborizados ardidos, com recurso a técnicas de regeneração natural ou 376 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 2 Figura 26 Regeneração natural de pinheiro bravo após incêndio (à esquerda) e de sobreiro em sob-coberto de povoamento de pinheiro bravo (à direita) (Fotografias: Ana Teresa Pinto e Rui Dias). artificial (com exceção dos terrenos destinados a outra ocupação silvestre (matos, pastagens espontâneas, afloramentos rochosos ou massas hídricas). No caso concreto, as parcelas afetadas pela ocorrência de incêndios apresentam regeneração natural, pelo que se propõe o aproveitamento e condução desse tipo de repovoamento florestal. O aproveitamento da regeneração natural constitui uma modalidade pouco onerosa e de fácil execução para assegurar a perpetuação dum determinado povoamento. A sua execução não envolve o recurso a mobilizações intensas do solo, e as novas plantas provêm de indivíduos ou populações bem adaptadas ao local. É o processo que mais se aproxima do modo de regeneração das florestas naturais, atingindo-se rápida e facilmente composições mistas adaptadas a variações pedológicas e fisiográficas locais (Louro et al. 2000). São também recomendadas para esta zona várias espécies relevantes, das quais destacamos o freixo (Fraxinus angustifolia), a bétula (Betula alba), o amieiro (Alnus glutinosa), a azinheira (Quercus faginea), o choupo (Populus nigra), o medronheiro (Arbutus unedo), várias espécies de salgueiros (Salix atrocinerea, Salix purpurea, Salix salviifolia) e tramazeira (Sorbus aucuparia). Todas estas espécies ocorrem espontaneamente na zona de estudo, classificadas para o efeito deste exercício como “Outras Folhosas”, constituindo naturalmente povoamentos mistos. Nas parcelas com esta ocupação, bem como as decorrentes de áreas degradadas, propõem-se medidas de silvicultura adequadas ao aproveitamento da regeneração natural existente, consideradas em momento prioritário de intervenção. Pretende-se com esta medida promover respetivamente, estruturas jardinadas e estruturas irregulares, uma vez que são os sistemas de condução de povoamentos que têm menos impactos negativos para diversidade faunística, que ao serem constituídos por árvores de diversas idades apresentam uma maior variedade de nichos face aos povoamentos regulares (Pinheiro 2004). Desta forma, para a área baldia da ZCNL propõe-se o aproveitamento de 2658 hectares de regeneração natural, distribuídos por 309 parcelas (ver Figura 24). 377 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 2 Desramações e desbastes A operação de desramação tem por finalidade a melhoria da qualidade do material lenhoso, devendo reservar-se a sua aplicação apenas às árvores de melhores características (Alves 1988). Assim, propõe-se desramação e desbastes, com caráter prioritário, em cerca de 2258 hectares, distribuídos por 365 parcelas de classe de idade 3. Não se deverão cortar ramos com mais de 2 a 3 centímetros de diâmetro na base, para garantir uma rápida cicatrização. Ter também em atenção que os ramos mortos se poderão retirar em qualquer altura do ano, enquanto os ramos vivos deverão ser retirados apenas entre agosto e janeiro (Oliveira et al. 2000). Relativamente aos desbastes, estes deverão ser conduzidos como forma de beneficiação do povoamento principal. A madeira resultante desta operação representa um rendimento para as UB antes do corte de exploração e o aumento do diâmetro médio valoriza bastante o povoamento, aumentando a receita do corte final (Oliveira 1999). A Direção-Geral dos Recursos Florestais aplica nesta zona o tipo de desbaste seletivo, no qual a seleção das árvores a retirar é feita árvore a árvore, selecionando árvores que, apesar de poderem apresentar grandes dimensões contêm defeitos graves (bifurcadas, excessivamente ramificadas, mal conformadas, etc)., Esta prática apresenta no entanto algumas contrariedades, uma vez que é frequente os madeireiros reduzirem o valor proposto para a compra do lote, alegando maiores dificuldades na remoção das árvores e, consequentemente, maiores custos associados à operação. Além disso, no processo de remoção das árvores selecionadas é frequente a danificação das árvores de futuro, apesar da aplicação de coimas legalmente prevista nestas situações. Apesar de não terem sido estimados parâmetros dendrométricos dos povoamentos, é claramente percetível o elevado coeficiente de adelgaçamento dos indivíduos de um número significativo das parcelas de classe de idade 3 (essencialmente resinosas), provavelmente pelo facto de não terem sido alvo de nenhum tipo de limpeza ou desbaste (Figura 27). O adelgaçamento é a taxa de diminuição do diâmetro do tronco de uma árvore, desde a sua base até ao topo, e o seu coeficiente resulta de uma relação direta entre alturas e diâmetros dos indivíduos (Marques et al. 2000). Assim, quanto maior o coeficiente de adelgaçamento, mais altas e finas serão as árvores do povoamento, e menor será a resistência que apresentam ao vento. Assim, propõe-se que nestas parcelas sejam aplicados desbastes sistemáticos do tipo mecânico, por faixas, removendo todas as árvores situadas dentro da faixa de desbaste definida. Comparativamente à aplicação de desbastes seletivos, este acaba por facilitar os trabalhos de remoção do material lenhoso e impede que as árvores que restam no povoamento após desbaste tombem. É também de grande relevância o facto do PROF NE não prever como de utilização prioritária ou relevante para novas plantações nenhuma das espécies resinosas presente atualmente nesta área baldia, pelo que se recomenda o aproveitamento da sua regeneração natural, facilitado pelas faixas criadas no desbaste proposto, que deverão ter entre 30 a 50 metros de largura (Oliveira et al. 2000). Nas restantes parcelas onde se preconizam desbastes, nomeadamente as que apresentem valores normais de coeficiente de adelgaçamento e/ou de classes de idade 5, que tenham já sido alvo de um primeiro desbaste, recomenda-se a utilização de desbaste seletivo. 378 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 2 Figura 27 Povoamento de pinheiro bravo com elevado coe- Figura 28 Parcela de povoamento jovem de pseudotsuga ficiente de adelgaçamento e consequente queda (Pseudotsuga menziesii) (Fotografia: Ana Tere- por ação do vento (Fotografia: Ana Teresa Pinto). sa Pinto). Limpezas do povoamento e adensamento As limpezas de povoamento têm por finalidade o acerto da densidade do povoamento e a remoção dos indivíduos que, pela sua má conformação ou defeitos de qualquer outro tipo, não interessam no povoamento futuro (Oliveira et al. 2000). Desta forma, propõe-se a realização de limpezas de povoamentos nas parcelas de floresta arborizada de classe de idade 2, em aproximadamente 531 hectares distribuídos por 87 parcelas. Entendeu-se também ser pertinente a realização de adensamento em cerca de 181 hectares, distribuídos ao longo de 19 parcelas, que correspondem a uma arborização relativamente recente (final de 2006) com povoamentos mistos de azinheira, cerejeira, sobreiro e carvalho negral na Unidade de Baldio de São Julião. A densidade arbórea nestas parcelas é baixa, verificando-se elevado nível de mortalidade da cerejeira, do sobreiro e do carvalho. Assim, propõe-se o adensamento da restante área das parcelas com azinheira, evidentemente bem adaptada às condições locais. Estas operações foram consideradas prioritárias. Controlo de Invasoras Verificou-se a existência de 8,25 hectares ocupados por acácias, distribuídos por 3 parcelas. Apesar de, considerando a dimensão total da área baldia da ZCNL, a ocupação da acácia possa parecer pouco significativa, entende-se pertinente a aplicação imediata de medidas de controlo, uma vez que a invasão biológica por espécies exóticas é considerada a segunda maior causa para a perda da biodiversidade a nível global, sendo apenas ultrapassada pela destruição direta dos habitats (Marchante et al. 2005) (ver cap. III.3). Esta é considerada uma operação silvícola emergente, uma vez que o adiamento da aplicação de medidas de controlo conduz ao agravamento da situação e, por vezes, a perdas irreversíveis com consequente aumento exponencial dos custos envolvidos, quer na sua implementação quer na mitigação dos prejuízos causados (Marchante et al. 2005). Segundo os mesmos autores, quanto mais cedo forem implementadas medidas de controlo de invasoras, menores serão os custos implicados e maiores os benefícios em termos dos impactos que se evitam. 2.4.2 Intervenções de Defesa da Floresta Contra Incêndios propostas Existe a necessidade de organizar os espaços florestais de forma a facilitar a circulação no seu interior, exercer as atividades de exploração e proporcionar a sua defesa contra o fogo. 379 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 2 As estruturas que levam a cabo estes objetivos, denominadas de infraestruturas florestais, são classificadas segundo a função a desempenhar. Assim, distinguimos as mais importantes infraestruturas florestais em rede viária, rede divisional e rede de pontos de água. Depreende-se pela designação que a organização de cada uma delas no espaço forma uma malha que pretende assegurar a passagem, compartimentação e defesa dos espaços florestais contra os incêndios. As limpezas de matos constituem outra operação importante na defesa da floresta contra incêndios. Manutenção das Redes Viária e Divisional A rede viária constitui a malha que pretende facultar o acesso, passagem ou combate contra os fogos dentro da mata. Podemo-la dividir em caminhos florestais, que facultam passagem durante todo o ano a todo o tipo de veículos, e em estradões florestais, de circulação limitada (veículos todo-o-terreno), funcionando como meio às operações na mata e de compartimentação florestal. Recomenda-se a manutenção das redes viária e divisional existentes, que estão regularmente distribuídas, apresentando cerca de 80% em bom estado de conservação e 20% em estado de conservação aceitável. Além disto, as redes viária e divisional foram alvo de beneficiação em 2008, em zonas mais degradadas, por parte do organismo público responsável por esta zona (à data de realização dos trabalhos), o Núcleo Florestal do Nordeste da Circunscrição Florestal do Norte, da Direcção-Geral dos Recursos Florestais, de acordo com o disposto na Tabela 9. Estas ações foram levadas a cabo ao abrigo do programa AGRIS. Figura 29 Exemplos de redes viária e divisional na área de estudo (Fotografias: Ana Teresa Pinto e Rui Dias). 380 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 2 Tabela 9 Beneficiações das Redes Viária e Divisional no Perímetro Florestal de Deilão em 2008. Rede viária (km) Rede divisional (km) Total 18,1 12,4 30,5 Manutenção de Pontos de Água Os pontos de água assumem um significado de grande relevância uma vez que constituem uma base de apoio importante no combate aos fogos florestais. A rede de pontos de água é constituída por um conjunto de estruturas de armazenamento de água, de planos de água acessíveis e de pontos de tomada de água. A área baldia da ZCNL possui uma boa rede de pontos de água, com distribuição regular e que apresentam na sua maioria serventia mista (meios aéreos e terrestres). Limpezas de Matos As limpezas de matos propõem-se essencialmente nas parcelas com composição mista e estrutura irregular, tendo como principal finalidade a criação e manutenção de descontinuidades verticais e horizontais entre os diferentes níveis de combustíveis no próprio povoamento. As estruturas regulares existentes estão numa fase de desenvolvimento em que já não se justifica a aplicação desta operação. Figura 30 Povoamento de pinheiro bravo com elevada densidade de matos em sob-coberto (Fotografia: Rui Dias). 381 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 2 Intervenções em outras infraestruturas A área baldia da Zona de Caça Nacional da Lombada está inserida num espaço com enormes potencialidades turísticas, não só em termos paisagísticos, como também pelo valor da fauna e da flora existentes, que constituem um atrativo para um tipo de turismo cada vez mais voltado para a proximidade com o mundo natural. A própria existência da Zona de Caça Nacional representa um fluxo de visitantes significativo, praticantes das atividades venatórias. Existem variadíssimas potencialidades de atividades relacionadas com o meio natural, como percursos de interpretação da natureza, desportos ao ar livre, ou até o acompanhamento de atividades agrícolas e tradicionais, que constituem ainda práticas culturais frequentes na área de estudo. Das 12 Casas de Guarda Florestal existentes, a maior parte encontrava-se em estado de conservação aceitável, mas caso não sejam implementadas medidas de recuperação a curto prazo, muito provavelmente atingirão um estado de conservação deficiente. Propõe-se a recuperação e reutilização destas infraestruturas numa ótica de exploração turística sustentada (turismo de habitação associado a turismo de natureza), constituindo assim um excelente meio de apoio ao turismo. Figura 31 Exemplos de casas de guarda-florestal na Zona de Caça Nacional da Lombada: Lagonota (à esquerda) e Rebolal (à direita) (Fotografias: Ana Teresa Pinto e Rui Dias). 3. Rumo a uma gestão florestal sustentável A área baldia da Zona de Caça Nacional da Lombada (ZCNL), composta por 14 unidades de Baldio, pertence na sua quase totalidade ao Perímetro Florestal de Deilão, constituindo uma mancha florestal praticamente contínua de 12.968 hectares. Para além da enorme riqueza ecológica desta zona, existe um considerável valor económico associado às atividades cinegéticas, silvícolas e de aproveitamento de outros recursos florestais. Aproximadamente 80% da área de floresta arborizada existente na área baldia da ZCNL corresponde a povoamentos de resinosas, na sua maioria pinheiro bravo, decorrentes na sua maior parte de plantações que tiveram lugar no final da década de 70 e início da década de 382 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 2 80 do século passado, ao abrigo do Regime Florestal Parcial. Os povoamentos mistos irregulares de folhosas representam os restantes 20% da área florestal arborizada e resultam, na generalidade, de regeneração natural de espécies autóctones. As arborizações propostas vão ao encontro do definido pelo PROF NE, numa perspetiva de aumento da área florestal arborizada desta sub-região de 31% para 45% em 2025. Com a proposta de aumento substancial da área ocupada por carvalho negral, contribui-se para outro dos objetivos do PROF NE, o aumento de 25% para 38% da área ocupada por esta espécie na sub-região homogénea Coroa-Montesinho, no mesmo período. Ao mesmo tempo, as propostas de gestão silvícola e de defesa da floresta contra incêndios apresentadas, bem como as de recuperação de infraestruturas, além de procurarem corresponder aos objetivos definidos no Plano de Ordenamento do Parque Natural de Montesinho, visam contribuir para uma gestão sustentada dos recursos existentes que, em articulação com as populações residentes, permitam manter e potenciar tanto a vertente económica como a de conservação. A gestão da Área Baldia da Zona de Caça Nacional da Lombada deverá assim ser encarada de uma perspetiva global, pesando todas as especificidades quer da região quer dos interlocutores locais, numa lógica de produzir conservando. Hoje em dia a abordagem das questões florestais é feita, cada vez mais, numa perspetiva global e planetária, face à internacionalização do comércio, à integração num espaço comum europeu e à dimensão das ameaças ambientais. As florestas, como elemento determinante dos equilíbrios do planeta, estão no centro das preocupações científicas e políticas dos países e organizações internacionais, constituindo-se como elemento importante do nosso debate nacional pela sua importância estratégica no nosso desenvolvimento sustentável, pelo seu importante potencial de crescimento, pelos seus reflexos na Agricultura, na Indústria, no Desenvolvimento Regional, no Turismo e no Ambiente. A floresta assume, também, numa sociedade progressivamente mais urbana e menos rural, um significado crescente de espaço de recreio e lazer, paisagístico, ambiental e cultural. Os desafios do século XXI para o desenvolvimento sustentável do setor florestal são imensos (DGRF 2006). 383 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 2 Referências · Albuquerque J.P.M. (1984). Portugal, Atlas do Ambiente, Carta Ecológica. Comissao Nacional do Ambiente. Escala 1:1000000. Lisboa. · Alves A.A.M. (1988). Técnicas de produção florestal. Instituto Nacional de Investigacao Cientifica. 2o Edicao. Lisboa. · AFN (2010). Inventário Florestal Nacional, Portugal Continental, 2005-2006. Autoridade Florestal Nacional. Lisboa. · Autoridade Florestal Nacional (2008). Acedido em julho de 2011 em http://www.dgrf.min-agricultura.pt/portal. · Carvalho A.M. (2006). Etnobotánica del Parque Natural de Montesinho. Plantas, tradición y saber popular en un territorio del nordeste de Portugal. Madrid: Universidad Autonoma de Madrid. p. 456. 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O desafio atual e futuro da gestão das espécies exóticas invasoras nos espaços florestais do norte de portugal. In Tereso JP, Honrado JP, Pinto AT, Rego FC (Eds.) Florestas do Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão. InBio - Rede de Investigação em Biodiversidade e Biologia Evolutiva. Porto. ISBN: 978-989-97418-1-2. Pp 386-418. Resumo: As invasões biológicas e as consequentes alterações nos ecossistemas constituem sérias ameaças à biodiversidade, à provisão de serviços pelos ecossistemas e ao próprio bem-estar humano. Os modelos ecológicos constituem ferramentas importantes na determinação dos fatores que condicionam a distribuição das espécies, incluindo as invasoras, fornecendo igualmente projeções espacialmente explícitas da distribuição das espécies, bem como previsões de dinâmicas futuras perante cenários de alterações ambientais. No Norte de Portugal, três espécies do género Acacia – a mimosa (Acacia delbata), a austrália (Acacia melanoxylon) e a acácia-de-espigas (Acacia longifolia) – apresentam comportamento invasor expresso na colonização agressiva de espaços florestais sujeitos a perturbações. Neste contexto, o presente capítulo avalia a distribuição potencial destas três espécies na região, na atualidade e no futuro (com base em cenários de mudanças climáticas e de uso do solo). O conflito espacial entre estas espécies invasoras e os perímetros florestais geridos em regime florestal parcial pela Autoridade Florestal Nacional na região é também avaliado. Os resultados do presente estudo apontam no sentido do desenvolvimento urgente de estratégias preventivas da invasão em áreas ainda não invadidas, e da implementação de ações de combate e erradicação espacialmente coincidentes para as três espécies, o que contribuirá para o aumento da eficácia e da eficiência dessas ações. A gestão eficaz dos processos de invasão biológica e de outros processos degradativos dos espaços florestais deve ser precedida da quantificação dos efeitos desses fenómenos sobre um conjunto de parâmetros ou indicadores de qualidade ou integridade dos povoamentos e das paisagens florestais, tendo em vista uma gestão adaptativa suportada por sistemas de avaliação e monitorização. THE CURRENT AND FUTURE CHALLENGE OF MANAGING ALIEN INVASIVE SPECIES IN FOREST AREAS OF NORTHERN PORTUGAL Abstract: Biological invasions and the resulting changes in ecosystems are serious threats to biodiversity, to the provision of ecosystem services, and to human well-being. Ecological models are important tools to determine the factors that drive the distribution of species, including invasive species, also providing spatially-explicit projections of species distributions and forecasts of future dynamics under scenarios of environmental change. In the North of Portugal, three species of genus Acacia – A. deal1 InBio / CIBIO-Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos, Universidade do Porto. 2 Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, Porto. 3 Instituto Politécnico de Viana do Castelo, Viana do Castelo. 4 Centro de Ecologia Funcional, Departamento de Ciências da Vida, Universidade de Coimbra. 5 Departamento de Ambiente, Escola Superior Agrária de Coimbra, Instituto Politécnico de Coimbra. 387 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 3 2 bata, A. melanoxylon and A. longifolia – exhibit invasive behaviour which is expressed in the aggressive colonization of forest areas submitted to disturbances. In this context, this chapter evaluates the potential distribution of these species in the region, both under current and future conditions of climate and land use. The spatial conflict between these invasive species and the forest perimeters comanaged by the National Forest Authority in the region is also evaluated. The results of this study highlight the urgent need to develop strategies to prevent invasion in areas that are still not invaded and to implement control and eradication measures. These may be spatially coincident for the three species, contributing to increase the effectiveness and efficiency of those actions. The effective management of biological invasions and of other degradation processes in forest areas should be anticipated by the quantification of the effects of such phenomena on a set of parameters or indicators of quality or integrity of forest stands and landscapes, towards adaptive management supported by evaluation and monitoring systems. 388 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 3 2 1. O problema 1.1 O problema das plantas exóticas invasoras As invasões biológicas são atualmente reconhecidas como uma das principais causas da perda de biodiversidade a nível mundial. O reconhecimento do problema advém não apenas do meio científico, mas também do meio político e de diversas organizações de índole global (Ministério do Ambiente 1999, Millennium Ecosystem Assessment 2005, SCBD 2006, Commission of the European Communities 2008, ISSG 2008, Richardson et al. 2008, Pyšek e Richardson 2010, TEEB 2010, Vilà et al. 2010) os quais concordam que as espécies invasoras além de ameaçarem a biodiversidade põem em risco vários serviços dos ecossistemas e o próprio bem-estar humano. O fenómeno das invasões biológicas resulta da expansão geográfica, não controlada, de uma dada espécie numa área onde previamente estava ausente (i.e., uma espécie exótica, introduzida, não-nativa ou não-indígena; Vermeij 1996, Richardson et al. 2000) acarretando elevadíssimos custos económicos e ecológicos, resultado da homogeneização biológica e do declínio da biodiversidade que causa, e também dos prejuízos a nível de produtividade agrícola e florestal e dos serviços dos ecossistemas (Richardson et al. 1999, Myers e Knoll 2001, Culliney 2005, SCBD 2006, Binimelis et al. 2007, Theoharides e Dukes 2007, ESA 2008). Algumas das espécies introduzidas pelo Homem originam, ao fim de um tempo, que pode ser muito variável, novas populações capazes de se manterem viáveis autonomamente passando a denominar-se espécies naturalizadas. As populações de espécies naturalizadas podem permanecer estáveis ou, em determinadas condições e/ou mediante determinados estímulos, aumentar a sua área de distribuição significativamente e sem a intervenção do Homem, comportando-se então como espécies invasoras (ver Richardson et al. 2000, Marchante et al. 2008a). No entanto, é importante referir que muitas das espécies exóticas não chegam a desenvolver comportamento invasor, nem chegam a naturalizar-se, desempenhando em muitos casos funções fundamentais na vida quotidiana como hoje a conhecemos (e.g., espécies usadas na alimentação, como matéria prima para construção e vestuário ou como espécies ornamentais). As espécies invasoras incluem todo o tipo de organismos, desde plantas (e.g., a mimosa, o chorão-das-praias ou o jacinto-de-água) a animais (e.g., o nemátode-do-pinheiro, o lagostim-vermelho ou o escaravelho-das-palmeiras), passando por microorganismos (e.g., fungo-da-ferrugem). O acréscimo da mobilidade humana, decorrente da globalização, tem vindo a ser referido como um fator essencial nos processos de invasão biológica, uma vez que é reconhecido como facilitador da movimentação de espécies entre regiões geográficas onde estas estavam previamente ausentes/limitadas; de realçar que as vias de introdução de espécies exóticas derivam, de forma direta ou indireta, de atividades humanas às escalas local, regional e continental (Dessimoz 2006, Chytrý et al. 2008, ESA 2010, SPEA 2011). A invasão dos ecossistemas naturais e seminaturais por espécies exóticas catalisa transformações na composição, estrutura e função dos mesmos (Thuiller et al. 2007, Marchante et al. 2008b, Marchante 2011) que se podem refletir negativamente quer sob o ponto de vista da conservação da biodiversidade nativa (e.g., através da substituição de comunidades nativas com elevada biodiversidade por comunidades menos diversas), quer no que diz respeito aos serviços dos ecossistemas essenciais para a sobrevivência do Homem 389 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 3 2 (Vitousek 1990, Higgins e Richardson 1994, Marchante et al. 2003, Le Maitre et al. 2004, Dessimoz 2006, Marchante 2008, Marchante 2011). Os serviços dos ecossistemas afetados pelas espécies invasoras podem incluir serviços de suporte (e.g., alteração dos padrões de sucessão das espécies e dos ciclos de nutrientes), de produção (e.g., ameaça a espécies nativas, alteração dos recursos genéticos), de regulação (e.g., mudanças nos serviços desempenhados por polinizadores, alteração dos regimes de fogo) e mesmo serviços culturais (e.g., efeitos no ecoturismo, alterações na perceção das paisagens; Millennium Ecosystem Assessment 2005, Vilá et al. 2010, Le Maitre et al. 2011). Alguns dos impactes negativos mais severos provocados pelas invasões biológicas estão relacionados com fenómenos de competição direta com as espécies nativas, uma vez que frequentemente a espécie invasora é capaz de dominar o novo ambiente, o que pode conduzir, eventualmente, à substituição de determinadas espécies nativas (McKinney e Lockwood 1999, Pauchard e Shea 2006) com papéis chave no ecossistema em que estavam integradas. Apesar de todos os ecossistemas poderem ser, potencialmente, invadidos há alguns que são intrinsecamente mais vulneráveis à invasão. Entre todos, aqueles que sofrem regularmente perturbações de natureza antrópica são os mais propensos aos fenómenos de invasão biológica (SCBD 2006, Pyšek et al. 2010a). Acrescem-se ainda outras situações particulares que podem catalisar as invasões biológicas, como é o caso da existência de habitats nãoocupados, resultado frequente de fenómenos de perturbação, a introdução de novos agentes dispersores no local ou a ausência de predadores/outros inimigos ou competidores naturais das espécies invasoras introduzidas (Keane e Crawley 2002). As razões pelas quais umas espécies se tornam invasoras e outras não, assim como todas as consequências dos fenómenos de invasão biológica ainda não são totalmente conhecidas; contudo, assume-se que estes tópicos dependam, em vasta medida, dos atributos funcionais das espécies que são introduzidas, da pressão de propágulos dessas mesmas espécies e das próprias características dos ecossistemas onde se dão as introduções (Perrings et al. 2010, Pyšek et al. 2010b), afetando de forma distinta os serviços ecossistémicos. De forma a preservar a biodiversidade dos efeitos reconhecidamente nefastos das invasões biológicas, os esforços de investigação e gestão devem considerar como componente fundamental o apoio ao desenvolvimento de estratégias que favoreçam a antecipação destes fenómenos (sem prejuízo da conceção e implementação de estratégias de gestão adaptativa da paisagem e dos ecossistemas face a processos de invasão em curso), bem como na proteção das espécies nativas que assumidamente têm maior risco de extinção e apresentam maior vulnerabilidade às invasões biológicas. Antecipar as invasões biológicas, com base no conhecimento dos seus determinantes biológicos e sócio-ecológicos, constitui assim uma tarefa essencial na biologia da conservação, pois é crucial prever, de forma robusta, e espacialmente explícita que expansões ou potenciais invasões ocorrerão nos territórios (Theoharides e Dukes 2007). Em Portugal existem mais de 820 espécies exóticas (excluindo espécies cuja distribuição atual se limita apenas a locais onde foram diretamente introduzidas pelo Homem), incluindo plantas, animais (terrestres e aquáticos) e fungos; as plantas terrestres e os insectos são os mais numerosos (Marchante 2011). De entre estas espécies exóticas, uma percentagem relativamente elevada (e.g., ca. 10 % das 550 plantas exóticas; Marchante et al. 2008b) têm comportamento invasor reconhecido causando impactes económicos (Scalera e Zaghi 2004) e 390 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 3 2 ecológicos diversos (Anastácio et al. 2005, Aguiar et al. 2006, Marchante et al. 2008b, Sousa et al. 2008, Hellmann et al. 2010). Neste contexto, foram já realizados diversos esforços a nível nacional no âmbito da problemática das espécies exóticas invasoras, destacando-se, por exemplo, o Decreto-Lei nº565/99 de 21 de Dezembro, que regula a introdução na natureza de espécies não-indígenas (i.e., exóticas) e o Despacho n.º 20194/2009 (relativo ao Decreto-Lei n.º 16/2009 de 14 de Janeiro, que se refere ao regime jurídico dos planos de ordenamento, de gestão e de intervenção de âmbito florestal) que inclui nos Planos Específicos de Intervenção Florestal (PEIF) diretrizes específicas para o controlo de espécies invasoras. No que diz respeito a investigação, controlo e monitorização de espécies exóticas invasoras destacamse alguns dos trabalhos/projetos realizados no nosso país: (i) o projeto LIFE99 NAT/P/00643 (Restauração dos habitats naturais do vale do Gerês), coordenado pelo Instituto da Conservação da Natureza (ICN) – Parque Nacional da Peneda Gerês, de referir como um dos primeiros projetos de controlo de plantas invasoras (nomeadamente Acacia dealbata) a nível Nacional; (ii) o projeto LIFE+ Laurissilva Sustentável, coordenado pela Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), em que um dos principais objectivos é o desenvolvimento de ações de controlo de diversas espécies de plantas invasoras e posterior recuperação das áreas intervencionadas na Ilha de S. Miguel, Açores (SPEA 2009, SPEA 2011); (iii) a inclusão da problemática das espécies invasoras na Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e da Biodiversidade, do Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNB 2009); (iv) mais de uma década de atividades de investigação e divulgação ambiental sob o tema (e.g., projetos INVADER), pelo Centro de Ecologia Funcional da UC (e.g., Marchante et al. 2009, 2010, 2011a, b, Rodríguez-Echeverría et al. 2007, www.uc.pt/invasoras); (v) o programa de Gestão de Habitats invadidos por Acacia dealbata na Área de Paisagem Protegida da Serra do Açor, de referir pela aposta na continuidade dos trabalhos que tem conduzido aos bons resultados obtidos; e (vi) cada vez mais ações por parte de Municípios, Associações Florestais e outras entidades com vista ao controlo de espécies invasoras. 1.2 Importância da floresta e espécies invasoras: o problema específico das acácias no Norte de Portugal Os habitats florestais são mundialmente reconhecidos como essenciais na manutenção da diversidade biológica, e no desempenho de importantes funções ecológicas a diversas escalas espaciais (e.g., influência sobre os processos de transferência de massa e energia, na regulação dos ciclos biogeoquímicos, em particular sobre os processos climáticos e preservação da biodiversidade). As florestas encontram-se entre os habitats mais biodiversos, albergando elevada diversidade de praticamente todos os grandes grupos de organismos, sendo a vasta maioria dos recursos biológicos reconhecidamente incapaz de ocupar outros habitats, o que reafirma a sua importância (Pearce e Pearce 2001). Alguns serviços dos ecossistemas florestais têm sido economicamente valorizados, ainda que haja serviços extremamente importantes por eles providos que raramente são quantificados. Entre estes serviços encontram-se o sequestro de carbono e a proteção hidrológica, que representam potencialmente valores mais elevados do que os produtos florestais (Nasi et al. 2002). A percepção pública da importância da floresta, nomeadamente no que respeita à provisão de produtos lenhosos e não lenhosos, e à conservação da natureza e da biodiversidade, aumentou significativamente na última década. Isto é evidente nas discussões cada vez mais 391 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 3 2 frequentes sobre sustentabilidade, áreas florestais protegidas, sistemas de produção florestal sustentável e certificação florestal (Parviainen et al. 2000). No entanto, nestes últimos anos, tem-se vindo a verificar virtualmente em todos os tipos de ecossistemas, e de uma forma particularmente acentuada nos ecossistemas florestais, uma redução da biodiversidade sem precedentes, a nível mundial. A sua manutenção tornou-se assim uma preocupação (FAO 2007, Klenner et al. 2009) sendo essencial manter os níveis de biodiversidade em espaços florestais (sujeitos ou não a gestão ativa), de forma a manter estes espaços como reservatórios de diversidade biológica, para que possam continuar a fornecer os diversos serviços ambientais que os caracterizam (Chapin et al. 2000, Matthews et al. 2000). As florestas providenciam inúmeros produtos, atuam na regulação do clima local, regional e global, funcionam como tampão em eventos meteorológicos, regularizam o ciclo hidrológico, protegem bacias hidrográficas e respectiva vegetação, protegem os solos e albergam um vasto pool genético (Nasi et al. 2002). Estes espaços oferecem condições à subsistência de inúmeras espécies animais, plantas, fungos e microrganismos. A perda de biodiversidade observada deriva, direta ou indiretamente e, em grande parte, de atividades humanas como a desflorestação, fragmentação, degradação e destruição de habitats florestais, por exemplo através da construção de estradas ou introdução de espécies exóticas que se revelam invasoras (Matthews et al. 2000, Dirzo e Raven 2003, Forman et al. 2003, Brockerhoff et al. 2008). Nos últimos anos tem sido dada muita atenção aos impactes das espécies exóticas invasoras nas florestas devido à sua importância na economia (De Wit et al. 2001). A título de exemplo, na África do Sul, Acacia mearnsii De Wild, uma das espécies com carácter invasor mais acentuado, espalhou-se por uma área de 2,5 milhões de hectares neste país, afetando negativamente os recursos hídricos, a biodiversidade e a estabilidade e integridade dos ecossistemas (De Wit et al. 2001). Devido à sua capacidade de fixar azoto atmosférico, as espécies de Acacia australianas podem alterar significativamente o ciclo de nutrientes em ecossistemas pobres em azoto (De Wit et al. 2001). Os ecossistemas florestais, ambientes extremamente ricos em diversidade nativa, enquanto no seu estado natural estão particularmente ameaçados pelas invasões biológicas, pelas alterações ambientais e pela perturbação resultante das atividades humanas. Desta forma, urge determinar de que forma as invasões biológicas, em particular de espécies invasoras lenhosas, de forma isolada ou sinérgica com alterações ambientais e perturbação humana, podem ameaçar a persistência e a estabilidade dos ecossistemas florestais. No Norte de Portugal, três espécies arbóreas exóticas (neófitas) revelam um comportamento invasor particularmente evidente, colonizando de forma agressiva os numerosos espaços florestais alterados pelos incêndios e outros processos degradativos. Trata-se, concretamente, de três espécies do género Acacia: A. dealbata (acácia-mimosa), A. melanoxylon (austrália) e A. longifolia (acácia-de-espigas). Estas espécies possuem características que as tornam extremamente agressivas, inclusivamente para os habitats florestais, tais como: (i) a produção de grandes quantidades de sementes, cuja germinação é estimulada pelo fogo; e (ii) o estabelecimento rápido de populações muito densas, após as perturbações, que impedem a regeneração da vegetação nativa devido à ocupação do seu habitat natural e, pelo menos para algumas das espécies, devido à capacidade alelopática que possuem (Carballeira e Reigosa 392 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 3 2 1999, Marchante et al. 2005). Devido a estas e outras características funcionais particulares, estas três espécies revelam-se particularmente resilientes às diversas técnicas usadas para controlo e erradicação. Com distribuição atual em vastas áreas do território nacional (em particular no caso da acáciamimosa), as plantas lenhosas atrás referidas têm como habitat preferencial os espaços florestais com sinais mais ou menos evidentes de degradação, e ocorrem com grande frequência e abundância em grande parte do Norte de Portugal. Assim, atendendo ao facto de que as invasões biológicas constituem um dos maiores promotores da perda de biodiversidade às escalas do habitat individual e da paisagem (Levine 2000, Theoharides e Dukes 2007), estudos realizados com a finalidade de melhorar a eficiência e relação custo-benefício de medidas de controlo e erradicação assumem um carácter crucial na gestão dos processos de invasão. 1.3 Invasão biológica futura, padrões espaciais e modelação ecológica Fatores ambientais, históricos e humanos determinam conjuntamente a forma e a extensão da distribuição geográfica das espécies, incluindo espécies de plantas (Brown et al. 1996). Com base no conhecimento dos fatores ambientais que condicionam uma dada espécie, podem ser criados modelos que relacionam a resposta da espécie (variável resposta) às condições ambientais (variáveis ambientais ou preditores). Estes modelos podem ser utilizados para desenvolver previsões espacialmente explícitas da ocorrência/abundância da espécie num dado local (Guisan e Zimmermann 2000, Guisan e Thuiller 2005). Ao utilizar valores das variáveis ambientais, como resultado de cenários de alterações climáticas e/ou de uso do solo, é possível projetar putativas mudanças ambientais, possibilitando também a previsão das alterações na distribuição geográfica da espécie segundo essas mesmas simulações (Accad et al. 2008). A criação e desenvolvimento de previsões espaciais fiáveis para espécies exóticas invasoras requerem um conhecimento profundo dos processos ecológicos promotores de fenómenos de invasão biológica, a colheita e análise de informação relevante, e por fim o desenvolvimento de ferramentas estatísticas robustas para descrever os padrões das espécies como função matemática das condições ambientais, quantificando, de forma numérica as relações espécie(s)-ambiente (Guisan e Thuiller 2005). Neste contexto, os modelos ecológicos de distribuição de espécies (a partir daqui denominados como MDEs), têm sido muito utilizados para estudar questões ecológicas fundamentais, como é o caso dos impactos ecológicos de alterações de clima e de uso do solo, biogeografia, evolução, biologia da conservação, ou de invasões biológicas (Guisan e Zimmermann 2000, Parmesan e Yohe 2003, Guisan e Thuiller 2005, Broennimann et al. 2006, Heikkinen et al. 2007). Os MDEs são também usados para estudar relações entre parâmetros ambientais e a riqueza específica, as características e configuração espacial dos habitats que permitem a persistência de espécies em paisagens, o potencial invasivo de espécies exóticas, a distribuição de espécies em climas passados e/ou futuros e a diferenciação ecológica e geográfica da distribuição de espécies estreitamente relacionadas (Elith et al. 2006). Os MDEs incorporam informação espacialmente explícita de habitats e de paisagens, sendo ferramentas úteis para prever a invasibilidade dos ecossistemas, testando e quantificando as relações entre a presença/ausência das espécies com as várias características dos habitats 393 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 3 2 e/ou das paisagens. Diferentes habitats e paisagens possuem diferente potencial de invasão, sendo as características que condicionam essa diferente susceptibilidade passível de previsão e, consequentemente, também os riscos das mesmas antecipados (Chytrý et al. 2008). A modelação, com vista ao incremento do conhecimento relativo às invasões biológicas e que possibilita a antecipação destas, pode ser realizada sob duas perspectivas, dependendo se o foco for nas características das espécies que permitem que elas invadam um dado habitat (potencial invasor), ou nas características das comunidades, habitats ou paisagens que as vão receber e permitem a invasão (invasibilidade; Richardson e Pyšek 2006). Uma possível abordagem para determinar o controlo das invasões biológicas através do ambiente (i.e., invasibilidade) é calibrar modelos que relacionem a distribuição das espécies exóticas invasoras, com variáveis ambientais que se espera que controlem a invasibilidade (e.g., Thuiller et al. 2005). A utilização destes modelos empíricos estatísticos tem vindo a aumentar em ecologia nas últimas duas décadas como forma de prever a distribuição geográfica de taxa e biodiversidade (Guisan e Zimmermann 2000) ou para testar hipóteses de quais variáveis ambientais controlam essas distribuições (Guisan e Thuiller 2005, Austin 2007). O desenvolvimento de medidas de conservação e identificação de habitats naturais com maior risco de invasão implica o conhecimento da distribuição atual das espécies invasoras e a previsão da sua distribuição futura com base em cenários de alterações ambientais. Uma vez que os padrões de invasão, bem como os processos ecológicos que estão na sua origem, são multi-escalares (Pauchard e Shea 2006), considerar múltiplas escalas de análise permite uma melhor percepção dos mecanismos que levam às invasões biológicas e sustenta medidas de gestão a implementar nas áreas potencialmente afetadas (Pauchard e Shea 2006). As variáveis ambientais mais comuns para modelar espécies de plantas exóticas invasoras à escala regional são: topografia, clima e geologia (Holmes et al. 2005, Pino et al. 2005). No entanto, a perturbação humana também tem um efeito fundamental como determinante das invasões biológicas devido à introdução e dispersão de novos propágulos. Isto pode refletir-se através das distâncias a zonas urbanas ou infraestruturas, bem como a regimes de perturbação, que atuam através da composição da paisagem, regimes de fogos e fragmentação da paisagem (Le Maitre et al. 2004). As alterações climáticas são um reconhecido promotor da perda da biodiversidade e atuam sinergicamente nas invasões biológicas. Alterações nas condições ambientais podem catalisar mudanças na distribuição geográfica das espécies, motivadas por alterações dos padrões normais de temperatura e humidade que delimitam os limites de distribuição das espécies (Myers e Knoll 2001, SCBD 2006, Thuiller 2007, ESA 2008). No que diz respeito à ocupação do solo, os dados sobre as suas mudanças na Europa a partir do período de 20002006 demonstram um aumento das áreas construídas e terrenos florestais de produção, o que leva a uma perda contínua das terras agrícolas. Por sua vez, mudanças económicas e ambientais globais, influenciam cada vez mais a forma como os europeus utilizam a terra (por exemplo, como se trabalha para mitigar e se adaptar às mudanças climáticas; EEA 2010). As atuais práticas de uso do solo, dominadas pela concentração e especialização, e do abandono das terras, resultam muitas vezes numa redução na diversidade da paisagem e sua multifuncionalidade - a sua capacidade para suportar múltiplos usos. Os solos utilizados para culturas intensivas, só são estáveis num conjunto restrito de condições e podem-se tornar 394 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 3 2 mais vulneráveis a doenças, condições climáticas extremas e às espécies invasoras (EEA 2010). As modificações do clima e da paisagem podem ativar ou aperfeiçoar mecanismos que favoreçam a proliferação das invasoras e alterar a distribuição das espécies, possibilitando às invasoras invadir novas áreas e reduzir a resistência à invasão por parte das comunidades naturais (Thuiller et al. 2007), através da potencialização da sua capacidade reprodutiva, da sua sobrevivência e das suas características competitivas contra a flora nativa (Thuiller 2007). Isto faz com que a capacidade de sobrevivência e adaptabilidade das espécies nativas dependa do modo como estas respondem às alterações verificadas nos locais onde ocorrem (Thuiller 2007). Como reflexo da multi-escalaridade dos padrões de distribuição de biodiversidade, por vezes uma só técnica de modelação não é suficiente para abordar várias questões ecológicas, devido às especificidades e pressupostos das técnicas. Uma previsão multimodelo (Araújo e New 2007), obtida através da conjugação de previsões de vários MDEs calibrados com várias técnicas de modelação, representa uma melhoria muito significativa relativamente aos MDEs calibrados com apenas uma técnica (Thuiller et al. 2009). Este aspecto metodológico é muito importante, já que diferentes técnicas de modelação calibradas com a mesma informação podem resultar em diferentes previsões (Thuiller 2004, Broennimann et al. 2007). Isto pode ser conseguido com recurso ao software BIOMOD (Thuiller et al. 2009), que funciona na plataforma informática “R”, ao permitir: i) a utilização de uma série de modelos estatísticos (nove técnicas diferentes); ii) a disponibilização da utilização de modelos com uma larga variedade de abordagens; iii) a projeção de distribuições de espécies em diferentes condições; e, iv) o teste da força das interações das espécies com as variáveis preditivas. 2. Caso de estudo: distribuição de três espécies de Acacia no Norte de Portugal e seus conflitos atuais e futuros com perímetros florestais 2.1 Área em análise A área em análise encontra-se localizada no Noroeste da Península Ibérica, especificamente no Norte de Portugal Continental (Figura 1), correspondendo a uma área de 21.515km2. Apresenta-se como um território muito complexo pois situa-se entre duas regiões biogeográficas (Euro-siberiana e Mediterrânica; Rívas-Martínez et al. 2004a,b), e possui elevada heterogeneidade topográfica (planícies costeiras, zonas montanhosas, com variações entre os 500 e os 1500m; Roucoux et al. 2005) daí resultando diversas condições ambientais, muito distintas, coexistindo em apenas alguns quilómetros de distância (Sobrino et al. 2007). Esta complexidade ambiental determina que a vegetação presente na área em análise seja muito diversa (Roucoux et al. 2005), resultando numa enorme variedade de usos do solo (e.g. agricultura anual, florestas, pastos, vinhas, olivais; Caetano et al. 2009) bem como numa extensa rede de áreas protegidas. Geomorfologicamente, destacam-se três zonas na área em análise: a linha de costa e os territórios sub-litorais do Minho e Douro Litoral; uma série de montanhas orientadas de norte para sul, dividindo a região Noroeste da Nordeste; e o planalto do Nordeste Transmontano, ocasionalmente interrompido por intervalos de montanhas menores ou vales (Honrado et al. 2001). Geologicamente, a área é dominada por rochas ácidas ígneas e metamórficas (granitos e xistos), que formam solos ácidos, com afloramentos locais de rochas básicas na parte oriental (Honrado et al. 2001, Roucoux et al. 2005). O clima na área 395 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 3 2 de estudo apresenta também enorme variabilidade, desde um clima altamente oceânico nas zonas costeiras e sub-litorais de clima temperado, a um clima mais continental na zona oriental (Honrado et al. 2001). Figura 1 Área em análise no caso de estudo localizada no Norte de Portugal Continental. 2.2 Objetivos e abordagem conceptual Neste caso de estudo avalia-se o impacto da distribuição espacial das três espécies de plantas lenhosas e invasoras mais problemáticas nos ecossistemas florestais no Norte de Portugal: a mimosa (Acacia dealbata), a austrália (Acacia melanoxylon) e a acácia-de-espigas (Acacia longifolia). Mais especificamente, com recurso a MDEs pretende-se identificar áreas atuais (Figura 2 - Passo 1) e futuras (com base em alterações climáticas e de uso do solo; Figura 2 - Passo 2) de distribuição potencial das três espécies no Norte de Portugal. Posteriormente, o conflito entre as espécies invasoras e os perímetros florestais classificados pela Autoridade Florestal Nacional no Norte de Portugal (AFN 2011) é espacialmente determinado (Figura 2 Passo 3). 396 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 3 2 Figura 2 Abordagem conceptual do caso de estudo para obtenção de: mapas da distribuição atual e futura das três espécies invasoras lenhosas (Passo 1); mapas de dinâmica para cada uma das três espécies modeladas, com base em alterações climáticas e de uso do solo (Passo 2) e; finalmente, dos conflitos atuais e futuros, espacialmente explícitos das espécies invasoras com os perímetros florestais (PF= Perímetro Florestal) presentes na área em análise (Passo 3). 397 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 3 2 2.3 Espécies alvo, perímetros florestais, variáveis ambientais atuais e futuras (cenários climáticos e de uso do solo) Espécies alvo As três espécies exóticas (neófitas) invasoras lenhosas A. dealbata, A. melanoxylon e A. longifolia apresentam algumas características semelhantes, que lhes conferem um comportamento invasor agressivo em habitats florestais, como é o caso da produção de grandes quantidades de sementes, cuja germinação é estimulada pelo fogo, e de possuírem populações muito densas, que eliminam a vegetação nativa, impedindo a sua regeneração devido à ocupação do habitat natural das espécies e à capacidade alelopática (A. dealbata e A. melanoxylon) que possuem. Estas três espécies possuem também características morfológicas distintas que as caracterizam e particularizam, que se apresentam descritas na tabela 1. Tabela 1 Características gerais e morfológicas das três espécies estudadas (Franco 1971, Marchante et al. 2005; fotografias: Joana Vicente). Nomenclatura Acacia dealbata Link Características · Nativa do Sudeste da Austrália e Tasmânia; · Meso/megafanerófito perene, árvore até 30m altura; · Prefere solos húmidos e tolera solos mais secos e vento forte; · Casca lisa, verde acinzentada a quase preta; · Folhas verdes acinzentadas bipinuladas e segmentadas; · Ráquis central da folha com glândulas apenas na inserção das pinas; · Flores amarelas brilhantes reunidas em capítulos formando panículas grandes; · Vagem comprimida, castanho-avermelhada, pruinosa e ligeiramente contraída entre as sementes; · Sementes longitudinais, pretas brilhantes, com funículo curto. Acacia melanoxylon R.Br. · Nativa do Sudeste da Austrália e Tasmânia; · Meso/megafanerófito perene, árvore entre 10-45m de altura; · Prefere terrenos graníticos e não se desenvolve facilmente em solos calcários; · Tolera a seca e temperaturas extremas; · Casca dura, fissurada e escamosa; · Folhas jovens bipinuladas; adultas reduzidas a filódios laminares, ligeiramente falciformes; · Flores amarelas pálidas, reunidas em capítulos; · Vagem comprimida, contorcida, castanho-avermelhada; · Sementes longitudinais, brilhantes e pretas, rodeadas por funículo alaranjado numa dobra dupla. Acacia longifolia (Andrews) Willd · Nativa do Sudeste da Austrália; · Microfanerófito perene; arbusto a pequena árvore até 8m; · Presente nas zonas costeiras, cursos de água, argila, solos húmidos, ao longo das estradas; · Casca suave ou finamente fissurada e acinzentada; · Folhas reduzidas a filódios laminares, oblongo-lanceoladas; · Flores amarelas brilhantes reunidas em espigas axilares com pedúnculos desprovidos de pelos; · Vagem cilíndrica, contorcida na maturação · Sementes longitudinais, pretas brilhantes, com funículo curto, esbranquiçado, dobrado e espessado num grande arilo. 398 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 3 2 Perímetros Florestais Um dos principais objetivos deste trabalho é a identificação da possibilidade e capacidade de invasão, por espécies exóticas, nos Perímetros Florestais, enquanto espaços de elevado património ou potencial para a produção florestal. Os Perímetros Florestais são áreas florestais constituídas por terrenos baldios, autárquicos ou particulares, submetidos ao Regime Florestal Parcial (AFN 2011). O Regime Florestal constitui um conjunto de planos destinados a assegurar a criação, exploração e conservação da riqueza silvícola e também a garantir o revestimento florestal dos terrenos cuja arborização seja de utilidade pública, sendo Parcial quando é aplicado a terrenos baldios, a terrenos das autarquias ou de particulares com utilidade pública (AFN 2011). Variáveis atuais As variáveis atuais foram selecionadas através de uma análise criteriosa de um conjunto inicial de 47 variáveis que atuam como determinantes da ecologia e distribuição das espécies alvo, de acordo com conhecimento especializado e informações recolhidas em literatura científica. Por motivos relacionados com pressupostos subjacentes às técnicas de modelação, do conjunto inicial de 47 variáveis selecionaram-se as variáveis menos correlacionadas (utilizando o coeficiente de correlação de Spearman, no software SPSS®; SPSS 2007, resultando um conjunto final de seis variáveis. Essas seis variáveis apresentam-se como representativas de diferentes blocos ambientais, relatados como importantes para a explicação da distribuição potencial das espécies alvo: temperatura mínima do mês mais frio e precipitação anual (clima); percentagem de rochas eruptivas plutónicas (geologia); densidade de rede viária e densidade de rede hidrográfica (corredores de dispersão), e classes de uso do solo (composição de paisagem). Cenários futuros de clima e de uso do solo O Relatório Especial sobre Cenários de Emissões (SRES), preparado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), foi publicado no ano 2000. Neste relatório estão descritos cenários de emissões de gases com efeito de estufa que têm vindo a ser usados para criar projeções de possíveis alterações climáticas que ocorrerão no futuro. Podem distinguir-se quatro grandes grupos de cenários climáticos: A1, B1, A2 e B2 (IPCC 2007). No cenário A1 estão projetados os maiores requisitos energéticos enquanto o cenário B1 é aquele com menores requisitos energéticos. O cenário A2 possui grandes requisitos energéticos, mas menores emissões que as projetadas para o cenário A1, enquanto o cenário B2 tem menores requisitos energéticos mas maiores emissões que os projetados para o cenário B1 (ver tabela 2 para mais detalhes acerca dos cenários; IPCC SRES 2000, IPCC 2007). 399 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 3 2 Tabela 2 As quatro famílias dos cenários SRES do Relatório de Avaliação vs. aquecimento médio (ºC) global projetado para a superfície do Planeta até 2100. Foco mais económico Foco mais ambiental Globalização A1 Rápido crescimento económico (grupos: A1T; A1; A1Fl) 1.4 - 6.4 °C B1 Sustentabilidade ambiental global 1.1 - 2.9 °C Regionalização A2 Desenvolvimento ambiental regionalmente orientado 2.0 - 5.4 °C B2 Sustentabilidade ambiental local 1.4 - 3.8 °C Os cenários de alteração do uso do solo foram gentilmente cedidos pelo investigador Peter Verburg (Universidade de Amesterdão) e calculados através do software CLUE (Verburg e Overmars 2009) para os cenários A1 e B2. O software CLUE permite simular alterações do uso do solo utilizando relações empiricamente quantificadas entre o uso do solo e os seus promotores em combinação com uma modelação dinâmica da competição entre os diferentes tipos de uso do solo (Verburg e Overmars 2009). 2.4 Resultados Robustez dos modelos Após a calibração de modelos de distribuição de espécies, estes devem ser minuciosamente avaliados para se estimar a sua utilidade e robustez. O AUC é um algoritmo amplamente utilizado como medida de utilidade e robustez de um modelo. O valor de AUC pode variar entre 0.5 e 1, correspondendo a diferentes níveis da robustez dos modelos. Exemplificando, um valor de AUC perto de 0.5 corresponde a um modelo sem robustez e sem qualquer utilidade, enquanto valores de AUC entre 0.9 e 1 correspondem a modelos com robustez e utilidade excelentes (ver tabela 3; Thuiller et al. 2009). Neste trabalho, todos os modelos obtiveram valores de AUC superiores a 0.8 (ver tabela 4). Tabela 3 Índice para a classificação da precisão dos modelos previstos. Utilidade do modelo Precisão AUC Ótimo Excelente ou elevado 0.9-1.0 Bom Bom 0.8-0.9 Útil Razoável 0.7-0.8 Inútil Mau 0.6-0.7 Inútil Nulo 0.5-0.6 400 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 3 2 Tabela 4 Valores de AUC correspondente a cada modelo para cada uma das espécies estudadas. Modelos Espécies Acacia dealbata Acacia melanoxylon Acacia longifolia ANN 0.82 0.92 0.92 CTA 0.89 0.93 0.93 GAM 0.86 0.97 0.98 GBM 0.87 0.97 0.98 GLM 0.86 0.97 0.98 FDA 0.86 0.96 0.96 RF 0.86 0.97 0.98 Distribuição potencial das espécies no ano 2000 Partindo dos modelos de distribuição potencial das três espécies de acácias presentes na totalidade da área em análise (ver figura 3; ano 2000) é possível verificar que a espécie que possui um maior número de presenças potenciais é a espécie A. dealbata (10472 km2 – 48.7% da área total), seguida pela espécie A. melanoxylon (7454 km2 – 34.6% da área total) e finalmente pela espécie A. longifolia (3490 km2 – 16.2% da área total). Quando se consideram os perímetros florestais para o estudo da distribuição das espécies é possível verificar igual tendência com: A. dealbata (1447 km2 – 29.6% da área de perímetro florestal), seguida por A. melanoxylon (1059 km2 – 21.7% da área de perímetro florestal) e finalmente por A. longifolia (468 km2 – 9.6% da área de perímetro florestal). Os resultados dos modelos de distribuição potencial das três espécies de acácias para o ano de 2000 permitem concluir que a presença destas espécies exóticas com carácter invasor ocorre com maior prevalência e probabilidade fora dos perímetros florestais. Isto pode dever-se a dois motivos principais: em primeiro lugar, os perímetros florestais são espaços geridos, daí ser mais complicada a entrada de espécies exóticas invasoras; em segundo lugar, os perímetros florestais apresentam, na sua maioria, povoamentos adultos, de copa fechada, com alto grau de ensombramento o que faz com que novas plantas de espécies invasoras tenham maior dificuldade em crescer. Relativamente às variáveis ambientais mais importantes para a explicação deste padrão de distribuição para as três espécies alvo, a temperatura mínima do mês mais frio foi a variável que apresentou maior importância para as três espécies, a precipitação total anual apresentou-se como segunda variável mais importante para as espécies A. dealbata e A. melanoxylon e em terceiro lugar para a espécie A. longifolia. A espécie A. longifolia apresentou como segunda variável mais importante à sua distribuição a composição da paisagem. Corredores de dispersão como é o caso da densidade de rede viária demonstraram-se importantes para as espécies A. dealbata e A. melanoxylon. Os resultados da leitura da importância das variáveis ambientais sugerem que as espécies A. dealbata e A. melanoxylon se encontram mais dependentes de condições regionais climáticas (temperatura e precipitação) e, só posteriormente, de corredores de dispersão, enquanto a espécie A. longifolia, apesar de dependente da temperatura, se encontra mais relacionada com condições locais de disponibilidade de habitat. 401 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 3 2 Distribuição futura das espécies (2020-2050) Considerando a totalidade da área em análise, os modelos futuros preveem resultados de distribuição diferentes dependendo dos cenários climáticos e do uso do solo selecionados (ver figuras 3 e 4; ano 2020 e 2050). Contudo, a tendência para as três espécies é de aumento da área de distribuição ao longo do tempo, em todos os cenários. O cenário A1, mais extremo em termos de alterações, traduz-se também em resultados mais extremos em termos de invasão pelas três espécies de acácias. No caso da espécie A. dealbata há uma previsão de aumento da sua distribuição tanto para 2020 (13119 km2 – 61% da área total) como para 2050 (14720 km2 – 68% da área total) segundo o cenário A1 (figura 3). Considerando o cenário B2 (figura 4), com menos alterações previstas, é previsto também um aumento da distribuição da espécie para 2020 (11769 km2 – 54.7% da área total) e para 2050 (13825 km2 – 64.3% da área total), embora não tão abrupto quando comparado com o do cenário A1, mas mais linear. No caso da espécie A. melanoxylon é previsto que a sua distribuição aumente no território, considerando ambos os anos e os cenários de alteração (ver figuras 3 e 4), embora esse aumento seja mais ligeiro no cenário B2 (55.4% em 2050 para o cenário A1 - figura 3 e 47.4% em 2050 para o cenário B2 (figura 4). Finalmente, a espécie A. longifolia possui um comportamento semelhante às anteriores, pois considerando os dois cenários, está previsto um aumento da sua área de distribuição para os dois anos estudados (2020 e 2050). As tendências verificadas na totalidade da área são iguais em termos de sinal mas mais intensas em termos de percentagem, nas análises da distribuição das espécies para o interior dos perímetros florestais para as três espécies estudadas. Através dessas tendências verifica-se que os perímetros florestais podem vir a ser gravemente invadidos, principalmente quando analisadas as previsões do cenário A1. Figura 3 Distribuição potencial das espécies invasoras A. dealbata, A. melanoxylon e A. longifolia, para o cenário de alterações climáticas A1 e para os anos de 2000, 2020 e 2050, prevista através dos modelos de distribuição das espécies. 402 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 3 2 Figura 4 Distribuição potencial das espécies invasoras A. dealbata, A. melanoxylon e A. longifolia, para o cenário de alterações climáticas B2 e para os anos de 2000, 2020 e 2050, prevista através dos modelos de distribuição das espécies. Dinâmicas da distribuição das espécies Considerando a totalidade da área em análise e as dinâmicas da distribuição das espécies para os períodos 2000-2020, 2000-2050 e 2020-2050 (ver figura 5 e 6) é possível verificar que, para as três espécies, para todos os períodos, a manutenção de condições (i.e., as presenças mantêm-se presenças e as ausências mantêm-se ausências) prevalece sobre as dinâmicas de colonização e extinção, embora existam períodos, principalmente o período 2000-2050 do cenário A1, em que se verifica uma considerável dinâmica de colonização, para a área total (A. dealbata com 4866km2 – 22.6% da área total, A. melanoxylon com 4746km2 – 22.10% da área total e A. longifolia com 3490 km2 – 16.2% da área total). Para A. dealbata verifica-se que exceto para o período 2000-2050 nos dois cenários (onde a dinâmica de colonização é considerável), a manutenção das condições é predominante (sempre superior a 74% da área total). A. melanoxylon segue o mesmo comportamento em termos de dinâmicas que A. dealbata (com manutenção sempre superior a 76% da área total). No que diz respeito a A. longifolia, prevê-se que a manutenção também seja a predominante (superior a 60% da área total), embora esteja previsto que para o período de 2000-2050 do cenário A1 a dinâmica de extinção seja relevante (22.6% da área total). Quando considerada apenas a área de perímetro florestal (ver figura 5 e 6) verifica-se que existe, principalmente para A. longifolia, uma predominância na manutenção das condições em ambos os cenários (superior a 83% da área dos perímetros) bem como para A. melanoxylon no cenário B2. Em determinados períodos a dinâmica de colonização é considerável para 403 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 3 2 A. dealbata (48% da área dos perímetros no período 2000-2050 e 24.1% em 2020-2050 no cenário A1; 24.7% da área dos perímetros para o período 2000-2050 no cenário B2) e para A. melanoxylon no cenário A1 (47.7% da área dos perímetros no período 2000-2050 e 33.9% no período 2020-2050). As dinâmicas para a espécie A. dealbata traduzem colonização sempre superior a extinção e todas as dinâmicas são mais acentuadas no cenário A1. No período 2000-2050 do cenário A1, a dinâmica de manutenção das condições reduz drasticamente acompanhando o elevado aumento da dinâmica de colonização. Do mesmo modo, as dinâmicas para a espécie A. melanoxylon traduzem-se essencialmente numa colonização superior à extinção, neste caso, os resultados dos dois cenários são muito semelhantes, exceto para o período 2000-2050 do cenário A1 onde as áreas previstas para a manutenção das condições e as de colonização são praticamente as mesmas (52% e 47.7% da área dos perímetros respectivamente). A espécie A. longifolia apresenta resultados muito semelhantes em todos os períodos e em ambos os cenários, uma vez que se verifica uma predominância na manutenção das condições (embora com valores da dinâmica de colonização superiores no cenário A1 (superiores a 10% da área dos perímetros) e uma ausência de extinções. Figura 5 Dinâmica potencial da distribuição das espécies invasoras A. dealbata, A. melanoxylon e A. longifolia, para o cenário de alterações climáticas A1 e para os períodos/transições 2000-2020, 2000-2050 e 2020-2050, prevista através dos modelos de distribuição das espécies. 404 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 3 2 Figura 6 Dinâmica potencial da distribuição das espécies invasoras A. dealbata, A. melanoxylon e A. longifolia, para o cenário de alterações climáticas B2 e para os períodos/transições 2000-2020, 2000-2050 e 2020-2050, prevista através dos modelos de distribuição das espécies. Conflitos da presença atual e futura das espécies com os perímetros florestais Partindo dos modelos de distribuição das espécies que analisam os conflitos entre as espécies invasoras e os perímetros florestais (ver figura 7 e 8) verifica-se que as áreas afetadas em 2000 correspondem principalmente às áreas situadas a Noroeste da área em análise. Para todas as espécies alvo verifica-se uma maior intensidade de invasão no cenário A1 em relação ao B2. Na região Noroeste verifica-se também que a A. melanoxylon pode apresentar maior ocupação dos perímetros florestais dessa zona. Nas regiões centrais da área em análise predomina a ocupação de A. dealbata nos perímetros florestais, com a A. melanoxylon a ocupar a parte oeste dos perímetros situados no centro da área em análise. Verifica-se também uma ausência de conflitos na região central por parte da A. longifolia assim como uma ausência de conflitos nos perímetros florestais da região Nordeste. No que diz respeito aos modelos correspondentes ao ano de 2020 (ver figura 7 e 8) prevêse um aumento de intensidade (mais acentuado no cenário A1) dos conflitos nos perímetros florestais já invadidos, mantendo-se em 2050. Em 2020 assiste-se também ao aumento da invasão nos perímetros florestais do centro por A. dealbata. Prevê-se que A. melanoxylon também intensifique os conflitos com os perímetros florestais, dispersando-se em direção a 405 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 3 2 Este da área em análise. Prevê-se também que em 2020 se assista ao começo de invasão por parte da A. longifolia dos perímetros florestais centrais (principalmente no cenário A1). Em 2050 prevê-se uma continuação da invasão por parte das três espécies das áreas anteriormente invadidas e para ambos os cenários (ver figura 7 e 8). A. dealbata aumenta ainda mais a sua área de invasão no centro e nos perímetros florestais no Sul da área em análise, assim como A. melanoxylon. Acacia longifolia também aumenta a sua área de invasão nessas regiões, embora com menor intensidade. Finalmente, prevê-se um começo de invasão por parte de A. dealbata nos perímetros florestais do Noroeste, principalmente no cenário A1. Figura 7 Potenciais conflitos ocorrentes entre a distribuição das espécies invasoras A. dealbata, A. melanoxylon e A. longifolia e os perímetros florestais, para o cenário de alterações climáticas A1 e para os anos de 2000, 2020 e 2050, prevista através dos modelos de distribuição das espécies (PF= Perímetro Florestal). 406 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 3 2 Figura 8 Potenciais conflitos ocorrentes entre a distribuição das espécies invasoras A. dealbata, A. melanoxylon e A. longifolia e os perímetros florestais, para o cenário de alterações climáticas B2 e para os anos de 2000, 2020 e 2050, prevista através dos modelos de distribuição das espécies (PF= Perímetro Florestal). 3. Desafios e implicações para o planeamento e a gestão florestais 3.1. Os padrões regionais de invasão e o planeamento florestal A problemática da invasão por espécies exóticas de plantas na região Norte é um assunto relevante que necessita de uma melhor compreensão ao nível regional. Assim, a identificação de padrões regionais atuais e futuros de invasão poderá contribuir para o aperfeiçoamento de estratégias e medidas de gestão em áreas mais problemáticas. No que diz respeito à atualidade, verifica-se que existe um padrão semelhante às três espécies quando analisada a sua presença na região litoral da área em análise. Verifica-se também que A. dealbata é, das três invasoras, a que se encontra mais amplamente distribuída pela área em análise, podendo invadir áreas que vão desde o litoral até à parte ocidental do distrito de Bragança, enquanto a invasão por A. melanoxylon se encontra mais concentrada no Entre-Douro-e-Minho. Já a invasão potencial atual (coincidente com a invasão real atual) por A. longifolia encontra-se maioritariamente localizada na região litoral. Quando se analisam os padrões regionais de invasão para os anos futuros (2020 e 2050), o que se verifica é que as regiões anteriormente ocupadas permanecem maioritariamente invadidas, notando-se um crescente aumento da distribuição das três espécies em direção à parte interior da área em análise. Como acontece nos modelos correspondentes à atualidade, A. dealbata é a espécie com maior distribuição potencial, podendo estar em 2050 presente 407 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 3 2 na maior parte da área em análise, exceto na parte mais oriental da área em análise (junto à fronteira com Espanha). Espera-se também uma presença acentuada de Acacia melanoxylon na região central da área em análise (distrito de Vila Real), não invadindo no entanto a parte oriental. Já A. longifolia poderá começar a invadir o interior da área em análise, muito provavelmente ao longo dos principais rios (Douro, Tâmega). É também importante analisar os padrões regionais de invasão no que diz respeito aos potenciais conflitos com os perímetros florestais, de modo a perceber quais e com que severidade esses perímetros podem vir a ser invadidos. Quando se analisam os padrões de conflitos na atualidade, nota-se que o padrão comum às três espécies é o conflito com os perímetros da metade ocidental da área em análise. A. dealbata poderá ainda invadir os perímetros da parte central da região, assim como A. melanoxylon (embora de forma mais pontual). Analisando os padrões de conflito futuros, nota-se um crescente aumento da invasão dos perímetros situados na parte central da região, principalmente por A. dealbata. De notar ainda que não se prevê que os perímetros florestais situados na parte oriental da área em análise sejam invadidos pelas espécies estudadas. Considerando a invasão nas áreas correspondentes aos Planos Regionais de Ordenamento Florestal (PROFs) pelas três espécies estudadas (Figura 9), é possível concluir que os espaços dos PROFs atualmente com mais área potencialmente afetada pela invasão (por pelo menos uma espécie) são o PROF da “Área Metropolitana do Porto e Entre-Douro-e-Vouga” e o PROF do “Baixo Minho”. As áreas potencialmente menos invadidas correspondem aos PROFs do “Nordeste Transmontano” e do “Barroso e Padrela”. Considerando a distribuição futura total das três espécies invasoras (apenas apresentado para o cenário A1, já que o cenário B2 apresenta resultados semelhantes), os espaços PROFs potencialmente mais afetados continuam a ser o da “Área Metropolitana do Porto e Entre-Douro-e-Vouga” e o do “Baixo Minho”. Estes resultados apresentam relevância para a gestão florestal no contexto regional e certamente a considerar num futuro processo de revisão destes Planos. Considerando as dinâmicas temporais da distribuição das três espécies (anos 2020 e 2050, cenários A1 e B2, sendo representado na figura 10 apenas o ano 2050, para o cenário A1), verifica-se que as várias espécies apresentarão dinâmicas semelhantes. Assim, os PROFs cujas áreas serão potencialmente mais afetadas pela invasão serão o da “Área Metropolitana do Porto e Entre-Douro e Vouga”, o do “Baixo Minho” e o do “Tâmega”, enquanto que o PROF do “Nordeste Transmontano” incluirá as áreas menos afetadas. Estes resultados parecem suportar o estabelecimento de estratégias e medidas de combate e erradicação espacialmente coincidentes para as três espécies, o que poderá contribuir para incrementar a eficácia e a eficiência dessas estratégias e medidas. 408 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 3 2 Figura 9 Percentagem das áreas correspondentes aos PROFs presentes no Norte de Portugal, potencialmente invadidas por pelo menos uma das três espécies de acácias (A. dealbata, A. melanoxylon e A. longifolia) nos anos 2000, 2020 e 2050, para os cenários de alterações climáticas e de uso do solo A1. Figura 10 Percentagem das áreas correspondentes aos PROFs presentes no Norte de Portugal, potencialmente invadidas pelas três espécies de acácias discriminadas (A. dealbata, A. melanoxylon e A. longifolia) no ano 2000 (em cima) e no ano de 2050 (segundo os cenários climático e de uso do solo A1; em baixo). 409 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 3 2 3.2. Os padrões locais de invasão e a gestão florestal Com base no estudo realizado e estudos prévios feitos na área em análise é possível perceber que a distribuição das espécies invasoras na região pode ser explicada tendo em conta determinados fatores ambientais e antrópicos. Alguns desses fatores, tal como o clima, são importantes para explicar a distribuição das espécies exóticas invasoras a uma escala regional (Vicente et al. 2011). Outros fatores, como o uso do solo, litologia e solos, são mais determinantes a uma escala mais local (Vicente et al. 2011). Entre os fatores determinantes para a distribuição as espécies invasoras, é essencial também realçar a importância da composição da paisagem (classes que compõem determinada paisagem), topografia, regime de fogos (Vicente et al. 2010) e a densidade da rede hidrográfica na área de estudo. O uso do solo é um dos fatores locais mais determinantes para a distribuição das espécies invasoras, uma vez que afeta diretamente o processo de invasão, pois modifica regimes de perturbação e condições ambientais (Pauchard e Alaback 2004). As mudanças no uso do solo podem também afetar o processo de invasão criando fontes de propagação na paisagem, pois áreas com intervenção humana (paisagens urbanas e agrícolas) servem de fonte para a invasão de ambientes mais pristinos (Pauchard e Alaback 2004). A importância das alterações do uso do solo também foi comprovada por Vicente et al. (2010), que considerou esse fator como um importante determinante da invasão das paisagens. Um pouco por todo o planeta, as paisagens florestais têm sofrido alterações substanciais em consequência de atividades antropogénicas como a agricultura e o desenvolvimento urbano (Forman 1995, Dale et al. 2000, Jongmman e Pungetti 2004, Lindenmayer e Fisher 2006, Newton et al. 2009), o que resultou numa perda generalizada de coberto florestal autóctone e num aumento da fragmentação dos habitats florestais na paisagem (e.g. Saunders et al. 1991, Reed et al. 1996, Newton 2007). A perda de habitats por fragmentação dos ecossistemas florestais constitui uma ameaça para a biodiversidade (Wilcox e Murphy 1985, Stork 1997). As alterações a nível microambiental causadas pela criação de orlas florestais levam muitas vezes a mudanças na composição das espécies que ocorrem nas margens das florestas (Ranney et al. 1981, Lovejoy et al. 1986). Estes fatores microambientais incluem alterações na disponibilidade de luz, velocidade do vento, humidade relativa, e temperatura e humidade do solo entre as orlas e o interior das parcelas de floresta fragmentada (Groom e Schumaker 1993). Apesar da fragmentação e do aumento do efeito de orla poder levar ao aumento da diversidade total de espécies, isto não é necessariamente indicador de uma comunidade autóctone rica, antes sendo mais provável a presença de várias espécies exóticas (ou mesmo invasoras) com baixo valor para conservação (Hobbs e Huenneke 1992). A prevenção e o controle de espécies invasoras tem recebido nos últimos anos uma atenção considerável devido aos seus impactes ecológicos (Wilcove et al. 1998, Levine et al. 2003) e económicos (Pimentel et al. 2005), potenciais ou efetivos. No entanto, a nossa capacidade em gerir efetivamente a invasão biológica por espécies exóticas está limitada pela eficácia das ferramentas de gestão disponíveis e pelas limitações a nível económico e político (Hobbs e Humphries 1995). 410 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 3 2 No planeamento e gestão florestais, a diversificação constitui um conceito chave no planeamento de riscos ambientais que lhes estão associados, uma vez que permite a ampliação da escolha no que se refere ao material genético disponível, consociando diferentes espécies arbóreas nos povoamentos florestais, bem como a diferenciação dos sistemas de gestão e dos tempos de intervenção nas operações florestais, recorrendo a modelos de silvicultura de baixo impacto (Ray 2008) que favorecem uma maior resiliência dos povoamentos a perturbações bióticas e abióticas. O ordenamento dos habitats em áreas florestadas efetua-se principalmente através da manipulação das características de cada povoamento (idade, dimensões e densidade das árvores do povoamento) e do mosaico composto pela área florestada (dimensões e arranjo espacial dos povoamentos na floresta). A exploração florestal pode assim ser utilizada para criar heterogeneidade espacial, sendo que, para manter um elevado nível de diversidade biológica, é preferível orientar o ordenamento para a manutenção de uma grande diversidade de habitats, promovendo composições mistas e estruturas irregulares, com menos impactos negativos para a diversidade florística e faunística silvestre, e que apresentam uma maior variedade de nichos face aos povoamentos puros regulares. As abordagens atuais ao controlo de espécies invasoras baseiam-se numa aproximação individual ao combate das diferentes espécies exóticas invasoras. Idealmente, as medidas de controlo deveriam ser implementadas nos ecossistemas e paisagens, tornando-os mais resistentes à invasão. Os métodos individuais de controlo podem classificar-se em físicos (na maioria mecânicos, como o corte, desenraizamento e fogo controlado), químico (herbicidas) ou biológico (utilização de predadores/agentes patogénicos que controlem o crescimento das plantas invasoras). No entanto, todas as opções disponíveis para o controlo de plantas invasoras possuem riscos associados. Na maior parte dos casos as medidas de combate só são ativadas quando o nível de invasão é já muito extenso, o que dificulta a erradicação. Assim sendo, é manifestamente importante a necessidade de gestão das paisagens e ecossistemas para controlar ou mesmo prevenir a invasão desses espaços por espécies invasoras. 3.3. Monitorização e gestão adaptativa A gestão eficaz da invasão biológica e de outros processos degradativos dos espaços florestais deverá ser suportada por uma avaliação quantitativa dos efeitos desses fenómenos sobre um conjunto de parâmetros ou indicadores de qualidade ou integridade dos povoamentos e das paisagens florestais. Para este efeito, os sistemas de avaliação e monitorização constituem importantes ferramentas no apoio ao acompanhamento da evolução dos espaços florestais submetidos a determinadas pressões ou práticas de gestão. De igual modo, estas opções e práticas de gestão poderão também ser avaliadas, no que se refere à sua eficácia, através de sistemas de monitorização. Numa abordagem adaptativa, os resultados obtidos por tais sistemas de monitorização podem ser usados para avaliar, de forma expedita, os efeitos das opções ou práticas de gestão, assim como para os melhorar caso não estejam a produzir os resultados desejados (Lindenmayer e Likens 2009). A monitorização dirigida à avaliação de pressões (como a invasão biológica) e/ou de respostas de gestão concretas poderá ser alvo de processos de otimização, assumindo a exis- 411 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 3 2 tência de restrições ao nível dos recursos disponíveis para a prática da monitorização. Essa otimização pode incidir sobre os protocolos e processos de recolha de informação e sobre o desenho das redes de amostragem. Neste último caso, a utilização de modelos preditivos e o estabelecimento de cenários realistas e precisos de evolução ambiental ou de gestão poderá permitir uma melhoria substancial do desempenho dos sistemas de avaliação e monitorização no que se refere à sua relação custo-benefício. De facto, através da quantificação das relações entre o sucesso das espécies invasoras e as várias condições ambientais/de gestão, será possível prever a dinâmica dessas espécies sob cenários alternativos de evolução ambiental, dos povoamentos florestais e da paisagem (e.g. Vicente et al. 2011). Estes cenários permitirão suportar hipóteses concretas de avaliação/monitorização, bem como operacionalizar essas hipóteses sob a forma de redes otimizadas de amostragem. Assim, uma visão adaptativa da gestão das pressões sobre os espaços florestais e da avaliação da eficácia das respostas de gestão requererá uma alteração de paradigma e uma aposta na conceção e implementação de sistemas de avaliação e monitorização eficazes. Por serem dirigidos à avaliação de questões específicas, tais sistemas poderão ser alvo de processos de otimização espacial e de simplificação de procedimentos, podendo inclusivamente ter uma existência dinâmica ou efémera em virtude da sua filiação a um processo concreto. No caso específico da gestão dos processos de invasão, tais sistemas poderão contribuir para uma verdadeira gestão adaptativa deste processo degradativo nos espaços e paisagens florestais, apoiada em informação fiável e atualizada e em ferramentas científicotécnicas de elevado valor explicativo e preditivo no suporte à mitigação dos efeitos das pressões e à otimização dos modelos e práticas de gestão. 4. Agradecimentos Os autores deste capítulo agradecem: Ao Investigador Peter Verburg (http://www.lad.wur.nl/UK/Staff/Verburg/), por toda a ajuda prestada na modelação das alterações do uso do solo do Norte de Portugal. À Engenheira Graça Barreira, gestora da Unidade de Gestão Florestal do Nordeste Transmontano da Autoridade Florestal Nacional (AFN), pela informação geográfica cedida relativa aos limites dos perímetros florestais do Norte de Portugal. 412 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 2 Referências · Accad A., van Strien M., Heitkönig I. (2008). Are The Vegetation Communities Of Southeast Queensland Adequately Protected? Spatial Sciences Institute Queensland 2008 Meeting “Global Warning”. 17-19 July 2008, Surfers Paradise Queensland Australia. · Araújo M.B., New M. (2007). Ensemble forecasting of species distributions. Trends in Ecology & Evolution 22, 42-47. · Aguiar F., Ferreira M., Albuquerque A.N. (2006). Patterns of exotic and native plant species richness and cover along a semi-arid Iberian river and across its floodplain. Plant Ecology, 184, 189-202. · Anastácio P.M., Parente V.S., Correia A.M. (2005). 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A primeira dessas partes descreve a evolução dos Inventários Florestais Nacionais, instrumentos centrais na avaliação e monitorização das florestas portuguesas. São sumariamente descritos o âmbito, os objetivos, as metodologias e as ferramentas dos diversos Inventários, no quadro da sua evolução desde 1963-1966 até 2005-2006. Na segunda parte do capítulo apresentam-se os pressupostos e os objetivos da monitorização ecológica dos ecossistemas florestais e da sua biodiversidade no quadro das políticas e estratégias de conservação da natureza. São apresentados exemplos de investigação ecológica aplicada no contexto regional, e são finalmente discutidas as perspetivas de integração dos diversos instrumentos de avaliação e monitorização das florestas regionais e nacionais. CHALLENGES AND MODELS FOR THE MONITORING OF FORESTS IN THE NORTH OF PORTUGAL Abstract:Monitoring is an essential tool to support forest management and policy in their several scales and levels of decision and action. This chapter is divided in two major parts. The first of those parts describes the evolution of the National Forest Inventories, which are key instruments in the evaluation and monitoring of the Portuguese forests. The scope, goals, methodologies and tools are described for the several Inventories, in the context of their evolution from 1963-1966 to 2005-2006. The second part of the chapter presents the rationale and objectives of ecological monitoring of forests and of their biodiversity in the context of nature conservation policies and strategies. Examples of applied ecological research are presented for the region, and finally a discussion is made on the perspectives for integration of the several instruments for assessment and monitoring of regional and national forests. 1 InBio / CEABN-Centro de Ecologia Aplicada Baeta Neves, Universidade Técnica de Lisboa. 2 InBio / CIBIO-Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos, Universidade do Porto. 3 Departamento de Biologia, Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. 420 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 4 2 1. O início da quantificação das áreas A monitorização das florestas tem sido uma preocupação permanente de todos quantos utilizam os recursos que elas proporcionam. A quantificação do recurso Floresta começa de forma muito incipiente com as primeiras indicações sobre o uso do solo do continente português, com a referência de Domingos Vandelli de que, no final do século XVIII, dois terços do país estavam “incultos”, sendo a estimativa de Avelar Brotero, no início do século XIX, de que essa proporção seria de metade, incluindo quase todas as serras do Reino, com muito poucas árvores. Na primeira tentativa mais rigorosa de estimar as áreas do país com vista à sua “arborização geral” (Figura 1), Ribeiro e Delgado indicam, em 1868, que mais de 5 milhões de hectares de terrenos eram “incultos” (Castro Rego 2001). Figura 1. “Relatório àcerca da Arborisação Geral do Paiz” (Ribeiro e Delgado 1868). 421 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 4 2 No início do século XX, as estatísticas sobre a floresta começam a ter algum detalhe, com a indicação da espécie florestal dominante. São particularmente significativos os trabalhos de Mendes de Almeida sobre o “Portugal Florestal” de 1902 e “Portugal – a sua riqueza silvícola” de 1929. Em 1956, publica-se o relatório do Serviço de Reconhecimento e Ordenamento Agrário, em que se verifica que nesta primeira metade do século XX houve um aumento da área de pinhais, de 1,0 para 1,3 milhões de hectares, e de montados de sobro e azinho, de 0,8 para 1,3 milhões de hectares, sendo que outras florestas como carvalhais e formações de castanheiros se mantinham entre os 100 e os 200 mil hectares, e o eucalipto marcava o início da sua progressão. 2. O início dos inventários florestais nacionais: volumes e produções A segunda metade do século XX foi a do desenvolvimento dos processos de realização dos inventários florestais nacionais. O primeiro inventário florestal do continente, referente ao período 1963-1966, foi realizado com base em fotografia aérea na escala 1:15 000 (Figura 2). O trabalho foi dividido em duas partes, separadas pelo rio Tejo. No inventário a Norte do Tejo participaram, para além dos serviços florestais do Estado (a Direcção Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas), as empresas de celulose. Pela primeira vez, constavam nas publicações decorrentes destes inventários (1966-1971) tabelas e estimativas de volumes e produções. Figura 2 Fotografia aérea e resultados do inventário florestal 1963-1966. A primeira revisão do inventário florestal nacional (1968-1980) foi inteiramente desenvolvida pelos serviços florestais do Estado, começando a Sul do Tejo em 1968 e continuando a Norte do Tejo a partir de 1974, tendo sido produzidas cartas de inventário florestal à escala 1:25 000 até 1980. Infelizmente, muita da produção cartográfica realizada ficou em papel até aos dias de hoje, o que limitou em muito a sua utilização. No entanto, o atual projeto Fireland, apoiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) e coordenado pelo Centro de Ecologia Aplicada Baeta Neves (CEABN), com a colaboração do Instituto Geográfico Português (IGP) e a Autoridade Florestal Nacional (AFN), irá permitir que fique brevemente disponível a cartografia correspondente a esse inventário. 422 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 4 2 A segunda revisão do inventário florestal nacional (1980-1989) efetua um inventário específico para o sobreiro e um inventário expedito para estimativa de áreas e volumes de pinheiro bravo e eucalipto. Também este inventário contou com a colaboração das empresas de pasta e papel. Depois de dois intervalos de cerca de 10 anos, a terceira revisão do inventário inicia-se numa primeira fase com a realização de fotografia aérea em 1990, agora incluindo também na parceria o Centro Nacional de Informação Geográfica (CNIG). Os trabalhos de campo realizamse para povoamentos de pinheiro bravo e eucalipto entre 1991 e 1992, e as publicações correspondentes começam a surgir em 1993, com informação já discriminada por distritos, seguida de estimativas de áreas e volumes para pinheiro e eucalipto entre 1993 e 1994. 3. Os inventários florestais começam a interessar-se pela biodiversidade A segunda fase da terceira revisão do inventário florestal nacional inicia-se com a obtenção de nova cobertura aero-fotográfica em 1995, interpretada entre 1996 e 1997, para depois se realizarem os trabalhos de campo, com medições em 2211 parcelas de inventário entre 1997 e 1998, processamento de dados até 2000, e desenvolvimento do sistema de informação em 2001, ano em que se publicam os resultados finais, referidos como sendo resultantes da 3ª revisão do inventário (1995-1998) (Figura 3). Figura 3 O Inventário Florestal Nacional de 1995-1998 e a folha do manual de campo (DGF 1999) mostrando o registo da estrutura vertical dos povoamentos. O trabalho de campo do inventário florestal nacional de 1995-1998 marca, no entanto, uma significativa diferença em relação aos anteriores. Pela primeira vez são incluídas nos trabalhos de inventário medições que não são unicamente destinadas a determinar as áreas e os 423 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 4 2 volumes de madeira das nossas florestas. Em junho de 1993, tinha decorrido em Helsínquia a Conferência Ministerial para a Proteção das Florestas da Europa (MCPFE 1993) e Portugal iria organizar em Lisboa, em 1998, a Terceira Conferência dessa sequência. Estudavam-se diversos indicadores de sustentabilidade das florestas e a questão da biodiversidade tomava então um lugar muito relevante nas discussões internacionais sobre as florestas. Nesta sequência, como responsável nacional pelo acompanhamento da resolução de Helsínquia sobre biodiversidade nas florestas, o primeiro autor teve a oportunidade de discutir estas matérias com o responsável pelo processo do inventário florestal, Lucílio Martins, que, compreendendo facilmente o potencial alcance destas matérias, acordou em integrar no manual de campo do inventário alguns procedimentos associados à avaliação indireta da biodiversidade. Foi assim possível, pela primeira vez, avaliar através do inventário florestal nacional a diversidade da estrutura vertical dos povoamentos florestais, variável que tão importante se revela para a diversidade da avifauna (veja-se MacArthur, 1972 ou Puumalainen, 2001 sobre aspetos estruturais, composicionais e funcionais da biodiversidade florestal na Europa; Figura 4). Figura 4 Relação entre a diversidade da estrutura vertical da folhagem das árvores (F.H.D. - eixo dos x) e a diversidade de espécies de aves (B.S.D. – eixo dos y) para a Austrália (triângulos) e para a América do Norte (círculos), segundo MacArthur (1972). Este inventário de 1995-1998 permitiu também, pela primeira vez, a avaliação da continuidade horizontal dos povoamentos florestais, variável de grande importância para a biodiversidade (veja-se por exemplo o estudo de Santos e Telleria em 1998 sobre os efeitos da fragmentação das florestas sobre os vertebrados nas mesetas ibéricas; Figura 5). Foram igualmente avaliadas nesse inventário as espécies arbustivas existentes no sob-coberto, a existência de musgos ou líquenes no tronco, o coberto e espessura da manta morta, o número de espécies arbóreas presentes, num conjunto de características importantes para a avaliação indireta da biodiversidade. 424 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 4 2 Diversos trabalhos posteriores, como os desenvolvidos por Paulo Godinho-Ferreira e Anamaria Azevedo, da Estação Florestal Nacional – EFN, demonstraram a importância destas medições para a avaliação da alteração da diversidade (ver por exemplo Ferreira et al. 2010). Figura 5 Relação entre dimensão do habitat de azinheira e o número de espécies de aves em estudos na meseta ibérica (Santos e Telleria 1998). 4. O novo ciclo iniciado no século XXI: pontos e parcelas permanentes e a avaliação do carbono nas florestas O inventário florestal nacional de 2005-2006 marcaria uma mudança significativa em relação aos inventários anteriores. Em primeiro lugar, pelo recurso a tecnologias que permitiam a obtenção de imagens de melhor resolução (pixel de 0,5 m) e de fotografia digital com quatro bandas, três no espectro visível e uma no infravermelho, decisão tomada em 2004 por António Macedo, então diretor-geral das Florestas. O tratamento posterior das imagens permitiu que as estimativas de área fossem baseadas em mais de 360 mil pontos de amostragem, contra os cerca de 130 mil pontos no inventário de 1995-1998. De modo a que o processo fosse mais rápido, o primeiro autor teve a oportunidade de decidir, com a subdiretora-geral das Florestas, Maria do Loreto Monteiro, que o trabalho de campo pudesse decorrer simultaneamente com a interpretação da fotografia. Entra agora também a informação obtida com imagens de satélite. Com essa base estabeleceu-se para todo o continente uma grelha de 2km x 2km (cerca de 22 000 pontos de amostragem), dos quais cerca de 12 000 foram classificados como espaços florestais (floresta ou matos), de entre os quais cerca de 11 000 foram visitados e deram origem a medições (contra pouco mais de 2000 pontos em 1995-1998). O desenvolvimento simultâneo da interpretação de fotografia aérea (com o grande apoio das empresas de pasta e papel – CELPA, e do seu responsável, Luis Leal) e do trabalho de campo (coordenado pela Direcção Geral dos Recursos Florestais - DGRF), com processamento e integração de dados apenas no final, fez com que os primeiros resultados globais pudessem ser apresentados logo no início de 2007 (Figura 6). 425 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 4 2 Figura 6 Fotografia aérea digital para o inventário florestal nacional 2005-2006, e capa da primeira apresentação dos resultados do inventário em fevereiro de 2007. Apesar de concluído em 2007, o documento oficial final só foi publicado em 2011. Deste documento se pode concluir, como aliás já se poderia concluir do inventário anterior, que as espécies dominantes no País são o Pinheiro bravo (com 27% da área florestal) e o Eucalipto (23%), com uma representação importante do Sobreiro (23%), da Azinheira (13%), dos Carvalhos (5%) ou do Pinheiro manso (4%), havendo, no entanto, acentuadas diferenças regionais. Para além das habituais estimativas de áreas, volumes, densidades, diâmetros, idades, e dos aspetos associados à diversidade estrutural dos povoamentos, que se apresentaram já no inventário de 1995-1998, foram também calculados pela primeira vez neste último inventário os valores associados à biomassa e ao carbono sequestrado pelas florestas. É mais uma vez o processo de inventário a tentar responder às questões que os seus “clientes” querem ver respondidas. E estas questões vão desde a disponibilidade de madeira para a indústria às questões da biodiversidade, passando pela biomassa e pelo sequestro de carbono. O processo atual para o 6º Inventário Florestal Nacional (2010-2012), coordenado por José Sousa Uva, consolida a mesma abordagem, utilizando os mesmos 360 mil fotopontos da grelha de 500 m x 500 m do inventário anterior e as mesmas 12 mil parcelas de campo da grelha de 2 km x 2 km do mesmo inventário, o que permitirá uma comparação muito mais fina e rigorosa das tendências. Também a questão dos utilizadores está equacionada no processo atual, considerando-se que, para além dos utilizadores nacionais, o inventário deverá igualmente dar respostas às necessidades gerais de informação da Europa (EUROSTAT), mas também dar resposta à Conferência Interministerial para a Proteção das Florestas da Europa (MCPFE 2003), que avalia o estado das florestas da Europa de acordo com 6 critérios gerais: (i) Recursos florestais e sua contribuição para os ciclos globais de carbono, (ii) Condição sanitária e vitalidade dos ecossistemas florestais, (iii) Funções produtivas das florestas, (iv) Diversidade biológica dos ecossistemas florestais, (v) Funções de proteção na gestão florestal, e (vi) Outras funções e condições socioeconómicas. Foi, por outro lado, igualmente reconhecida a necessidade de dar resposta às grandes Convenções das Nações Unidas sobre o Ambiente e que tiveram a sua origem na Conferência do 426 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 4 2 Rio: as Convenções das Alterações Climáticas, da Diversidade Biológica e a da Desertificação. Correspondendo às necessidades dos diversos interessados estabeleceram-se parcerias entre a Autoridade Florestal Nacional (entidade de coordenação), de novo a CELPA (partilha de meios de execução), o IFAP (cobertura aerofotográfica de 2010) e o Fundo Português de Carbono (que cofinancia). É de registar que a utilização de fotografias aéreas deste e dos outros inventários mais recentes (e a recuperação da cartografia associada ao inventário dos anos 1970 com o projecto Fireland) permitirá a análise multitemporal do uso/ocupação do solo nas últimas quatro décadas. A entrada do Fundo Português de Carbono na parceria do inventário justificou e tornou possível que se desenvolvesse a área da avaliação do carbono no solo, outra novidade deste novo inventário. 5. A rapidez das alterações da floresta conduz à necessidade de um sistema permanente de inventário A floresta nacional tem sofrido nas últimas décadas mudanças muito significativas. A constatação de que a área florestal do país terá aumentado em cerca de 22% em 40 anos, e de que arderam na década 2001-2010, em média, cerca de 150 mil hectares por ano, faz com que se sinta a necessidade de um sistema de monitorização anual para a floresta portuguesa. A evidência da importância da monitorização anual dos incêndios florestais como ferramenta para a avaliação das alterações da floresta portuguesa fez com que Portugal tivesse sido um dos países pioneiros na utilização de imagens de satélite para identificação das áreas queimadas (Cardoso Pereira e Santos 2003). Esta informação está agora em condições de ser “cruzada” com o inventário florestal nacional, permitindo uma melhor interpretação da dinâmica da paisagem florestal em relação com os incêndios, como pretende o projeto Fireland. Figura 7 A Estratégia Nacional para as Florestas aponta para a necessidade de um sistema permanente de inventário florestal. 427 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 4 2 Também a Estratégia Nacional para as Florestas (2007) aponta para a importância dos incêndios florestais (que reduziam a riqueza produzida pelas florestas portuguesas em cerca de um terço) mas também das pragas e doenças (numa altura em que o nemátodo ainda não tinha a dispersão que hoje tem). Em consequência destas rápidas alterações nas florestas, a Estratégia indica a importância de que se faça uma publicação trianual sobre o estado das florestas portuguesas e de que se implemente em conformidade um sistema permanente de inventário florestal nacional com atualização de três em três anos (Figura 7). 6. As diferenças regionais e a rapidez da mudança As florestas do Continente apresentam importantes diferenças regionais. Na Região Norte (NUTS-II), o Pinheiro bravo acentua a sua dominância (45%), o Eucalipto conserva a segunda posição (22%), os Carvalhos ascendem à terceira posição (16%), seguidos das Folhosas Diversas (6%) e do Castanheiro (5%) (Figura 8). Figura 8 Comparação da distribuição percentual das espécies florestais dominantes no total do Continente (à esquerda) e na Região Norte (NUT II; à direita) a partir do inventário florestal nacional de 2005-2006. Pela sua relevância, valerá a pena olhar com mais atenção para as duas espécies dominantes mais frequentes na Região Norte e verificar a evolução, nesta região, entre os dois últimos inventários, da sua distribuição por tipo de povoamento e classe de idade. Para o Pinheiro bravo, o tipo de povoamento dominante continua a ser o regular, apesar de alguma variação de 1995-1998 para 2005-2006, período em que a percentagem de povoamentos regulares decresce ligeiramente, dos 61% para os 57%. No entanto, quanto à distribuição por classes de idade nos povoamentos regulares, verifica-se uma clara distorção em relação aos padrões “normais”, com uma maior representação das classes de idades menores e um quase desaparecimento em 2005-2006 das classes de idade mais elevadas, possivelmente pela grande incidência dos incêndios florestais (Figura 9). Também para o Eucalipto se regista uma variação, neste caso bem mais significativa, entre 1995-1998 e 2005-2006, passando os povoamentos regulares de cerca de 55% para apenas 37%. A tendência para uma maior percentagem de povoamentos irregulares, indiciando uma menor pressão para o corte raso final, está de acordo com o observado na distribuição de idades dos povoamentos regulares (Figura 10), uma vez que as classes de idade a partir dos 12 anos (altura em que se procede normalmente ao abate) se encontram cada vez mais representadas. 428 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 4 2 Figura 9 Alteração na distribuição de classes de idade em povoamentos regulares de Pinheiro bravo entre 1995-1998 e 2005-2006. Figura 10 Alteração na distribuição de classes de idade em povoamentos regulares de Eucalipto entre 1995-1998 e 2005-2006. 7. Perspetivas atuais para a monitorização das florestas Nas primeiras secções do presente capítulo abordámos o início da quantificação e dos inventários florestais, e como eles se tornaram cada vez mais abrangentes, permitindo responder simultaneamente a setores aparentemente tão diversos como a indústria e a conservação da natureza. Descrevemos as melhorias das metodologias que, baseadas em pontos e parcelas permanentes, permitem uma melhor avaliação da dinâmica da floresta, que pode ser complementada pela informação de um dos fatores mais responsáveis por essa dinâmica: os incêndios. E vimos também uma diversidade regional dos tipos de floresta, sendo o Norte do país uma região onde espécies como o pinheiro bravo, o eucalipto, os carvalhos, o castanheiro e folhosas diversas adquirem maior importância. Podemos então concluir que as exigências de monitorização florestal para as florestas do Norte do país deverão assentar: (i) numa grelha permanente de pontos e parcelas (idealmente as da grelha do inventário florestal nacional para evitar duplicações desnecessárias); (ii) numa recolha de informação em fotopontos, pelo menos trianual, com trabalho de inventário de campo correspondente; (iii) numa utilização da cartografia dos incêndios que ajude a inter- 429 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 4 2 pretar a dinâmica da paisagem florestal por estabelecimento de relações com a informação dos fotopontos; (iv) numa utilização das parcelas de amostragem para recolha da informação florestal tradicional, agora estendida às questões da biomassa e do carbono (incluindo o do solo); e (v) numa utilização das parcelas de amostragem para avaliação de características associadas à biodiversidade ou a componentes dessa mesma biodiversidade. Neste âmbito, o InBio, Laboratório Associado para a área da Biodiversidade, poderia ser o parceiro ideal para, a nível regional (e também a nível nacional), coordenar as ações de avaliação da biodiversidade nas florestas portuguesas, tendo já por base a informação do inventário florestal nacional. Utilizando a boa cobertura geográfica dos seus elementos (do CIBIO e do CEABN), a complementaridade das suas competências e a sua vocação estatutária, o InBio propõe-se ser a entidade que pode acrescentar ao processo do inventário florestal nacional um novo nível de informação (a da avaliação direta da biodiversidade), tão importante para as florestas e cujo conhecimento é cada vez mais solicitado nacional e internacionalmente. O exemplo recente das atividades de investigação aplicada, desenvolvidas pelo CIBIO, no domínio da conceção de um modelo para a monitorização regional dos habitats e da biodiversidade pode ilustrar algumas destas questões e contribuir para uma discussão em torno das perspetivas de integração das diversas iniciativas de monitorização já promovidas e a promover pela Administração. 8. Monitorização ecológica e da biodiversidade das florestas no Norte de Portugal Devido à sua ecologia particular e à sua diversidade no contexto regional (ver capítulo II.1 do presente livro), as florestas encontram-se entre os ecossistemas mais importantes para a conservação da natureza e da biodiversidade na região Norte (Figura 11). O capítulo II.2 descreve, em detalhe, a importância nas florestas para a conservação da biodiversidade e dos habitats no contexto regional. No capítulo II.1 são referidos alguns fatores particularmente importantes para a biodiversidade das florestas regionais (Proença et al. 2010, Lomba et al. 2011). De igual modo, as florestas constituem um ecossistema de elevado valor potencial para a provisão de uma grande diversidade de serviços ecossistémicos na região, conforme detalhado no capítulo II.3. De facto, os ecossistemas e a biodiversidade constituem cada vez mais um fator de identidade e competitividade dos territórios, em domínios tão diversos como o turismo, a exploração sustentável de recursos naturais, ou a gestão de riscos. Esta importância dos ecossistemas, e em particular dos ecossistemas florestais, assinala a importância estratégica de investir na recolha regular de informação padronizada acerca do estado ecológico das florestas regionais (ou seja, na monitorização ecológica). Assim, a par da realização de inventários detalhados do património florestal regional, a avaliação regular da sua condição ecológica deverá constituir uma prioridade estratégica de investimento no setor, visando uma gestão sustentável dos espaços florestais suportada por informação atualizada e de qualidade. 430 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 4 2 a) b) c) d) Figura 11 As florestas e a conservação da natureza na região Norte: (a) carvalhais galaico-portugueses (habitat 9230); (b) Woodwardia radicans, feto reliquial ligado a carvalhais de solos mesotróficos e galerias lauróides no Norte de Portugal; (c) florestas-galeria de margens de cursos de água (habitat 91E0*); (d) Narcissus cyclamineus, endemismo ibérico com ocorrência frequente em galerias ripícolas. Neste contexto, foi desenvolvido entre 2008 e 2010 o projeto SIMBioN – Sistema de Informação e Monitorização da Biodiversidade do Norte de Portugal (cofinanciado pelo QREN/ ON2), que teve como entidade promotora o ICNB – Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade, através do seu Departamento de Gestão de Áreas Classificadas do Norte (DGAC-N). A parceria inicial foi constituída pelo ICNB (DGAC-N), na qualidade de promotor e tomador final do sistema, e pelo CIBIO-Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (Universidade do Porto), que teve a seu cargo a conceção do modelo de monitorização e o desenvolvimento das metodologias e ferramentas de recolha e gestão de dados. O SIMBioN teve como principal objetivo a conceção de um modelo de monitorização da biodiversidade regional que servisse as necessidades de recolha, gestão e análise de informação necessária: (i) ao ICNB, para o cumprimento das suas obrigações legais em matéria de conservação e gestão da biodiversidade e das áreas classificadas; e (ii) ao CIBIO-UP, para o desenvolvimento de atividades de investigação e formação avançada de recursos humanos nos seus domínios científicos. O Instituto Politécnico de Viana do Castelo e a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro associaram-se posteriormente à parceria para objetivos específicos. O SIMBioN surgiu da convergência de motivações e necessidades de informação, por parte da Administração e da Academia, no que se refere à condição e às tendências atuais e futu- 431 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 4 2 ras da biodiversidade e dos ecossistemas, e numa altura em que se desenvolvem iniciativas globais e europeias de harmonização e integração de metodologias e ferramentas de recolha, gestão, partilha e análise de dados relativos à condição do património e dos recursos naturais. A informação gerada será potencialmente útil a um leque alargado de utilizadores, desde outros departamentos da Administração, universidades, institutos politécnicos e centros de investigação até empresas e públicos com diversos graus de especialização. Foi definido como âmbito geográfico do projeto o território sob jurisdição do DGAC-N do ICNB, que inclui a NUTS-II “Norte” prolongada para sul pelos limites das áreas protegidas (Figura 12). a) b) Figura 12 (a) A área geográfica de incidência do projeto SIMBioN, e sua relação com a floresta na NUTS-II Norte. (b) Os espaços protegidos (RNAP e RN2000) na área do projeto. 432 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 4 2 9. O modelo de monitorização do SIMBioN O modelo de monitorização preconizado pelo SIMBioN baseia-se na colheita periódica de dados por amostragem e posterior inferência para a totalidade do território ou para unidades de agregação territorial previamente definidas (“estratos”). Os dados serão recolhidos através de prospeções no terreno, com recurso a protocolos padronizados, específicos de cada grupo taxonómico ou de cada tipo de habitat, em locais e momentos previamente estabelecidos. Os dados recolhidos serão geridos num sistema de informação geográfica e posteriormente utilizados para o cálculo do valor dos indicadores selecionados, relativamente a cada campanha de amostragem, sendo os valores das sucessivas amostragens analisados para a deteção de diferenças e tendências estatisticamente significativas. A recolha de informação será prioritária para a instrução dos indicadores relacionados com a avaliação da condição dos valores biológicos e ecológicos listados nas Diretivas “Habitats” e “Aves”, sendo a instrução de outros indicadores assumida como complementar. O SIMBioN estará também atento aos fatores de pressão que a priori mais afetarão a condição e as tendências dos vários indicadores ecológicos e de biodiversidade, nomeadamente no que se refere às alterações climáticas, às alterações do uso do solo e às dinâmicas territoriais, à expansão de espécies vegetais e animais exóticas com caráter invasor, à expansão urbana, à construção de grandes infraestruturas e às alterações na dinâmica costeira. A organização proposta para o SIMBioN preconiza a existência de um conjunto de programas de monitorização definidos taxonomicamente e unidos por um conjunto de elementos transversais. Quando implementado, cada um destes programas possuirá: um âmbito geográfico, taxonómico, temático e temporal próprio; uma estrutura de coordenação institucional, científica e operacional; uma rede de colaboradores; um conjunto de redes de amostragem específicas (Figura 13); e um ou mais protocolos de amostragem específicos. Os programas taxonómicos incluem, por sua vez, módulos definidos tematicamente ou em função de objetivos concretos. Foram propostos quatro tipos de módulos temáticos para os diversos programas do SIMBioN: (i) monitorização de vigilância dirigida a espécies ou habitats individuais; (ii) monitorização de vigilância dirigida a indicadores de diversidade taxonómica; (iii) monitorização orientada a hipóteses, dirigida a espécies ou habitats individuais; e (iv) monitorização orientada a hipóteses, dirigida a indicadores de diversidade taxonómica. O desenvolvimento das redes de monitorização no contexto do SIMBioN será distinto conforme se trate de monitorização de vigilância (redes fundamentais, para identificação de tendências) ou de monitorização orientada ao teste de hipóteses pré-estabelecidas. No caso da monitorização de vigilância, as redes de amostragem serão desenhadas considerando o interesse em distribuir as observações no espaço por forma a cobrir a diversidade de condições ambientais e situações ecológicas em que ocorre cada espécie ou tipo de habitat no território. Neste caso, as redes de amostragem baseiam-se numa seleção estratificada aleatória de locais de amostragem, apoiada por modelos ecológicos preditivos na definição do universo amostral (Figura 13). Já no contexto da monitorização orientada ao teste de hipóteses, as redes de amostragem (complementares) serão construídas com recurso a cenários e gradientes, em função das hipóteses de monitorização que se pretenda testar em cada caso. 433 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 4 2 a) b) Figura 13 Desenho de redes de amostragem para monitorização ecológica e de biodiversidade no contexto do projeto SIMBioN (exemplo: habitat 91E0* - florestas ripícolas ou paludícolas de amieiro, salgueiro-negro e/ou bidoeiro). (a) Distribuição potencial do habitat 91E0* na região, previsto por um modelo ecológico (Maxent). (b) Geração de rede de amostragem por combinação das previsões do modelo preditivo e da estratificação climática regional, considerando os requisitos estatísticos para inferência. 434 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 4 2 Os protocolos de amostragem do SIMBioN, desenvolvidos para os vários tipos de habitats e grupos taxonómicos, terão como função padronizar a recolha de informação no terreno, e serão distintos em função do tipo de monitorização e do grupo taxonómico ou tipo de habitat a ser avaliado. A aplicação dos diversos protocolos será precedida por formação específica e apoiada no terreno por manuais de interpretação. Esta recolha de informação no terreno será alvo de um sistema de controlo de qualidade. 10. Perspetivas de implementação e de integração no contexto regional O projeto SIMBioN permitiu dotar a região Norte de dois instrumentos pioneiros e fundamentais para o conhecimento da evolução do património natural do território: um modelo conceptual e metodológico para a monitorização da biodiversidade e uma plataforma informática para a gestão de dados. Estas ferramentas, embora especialmente dirigidas para instrumento de trabalho de entidades da Administração com competência na conservação e gestão dos valores naturais e no ordenamento do território, poderão ser utilizadas de forma transversal por diferentes utilizadores. Uma vez implementado, o SIMBioN contribuirá de forma muito significativa para diversos domínios do desenvolvimento e da promoção territoriais, desde a conservação e valorização do património e dos recursos endógenos até ao estabelecimento de redes colaborativas de trabalho, através do envolvimento de um leque alargado de parceiros institucionais em objetivos comuns relacionados com a produção de conhecimento e sua aplicação em prol do desenvolvimento da região. O projeto SIMBioN contribuiu ainda para o desenvolvimento e implementação de boas práticas de gestão adaptativa e monitorização do património e dos recursos naturais, ao nível: (i) da valorização dos ecossistemas e dos seus serviços, no quadro da gestão sustentável dos recursos naturais da região; (ii) da gestão de áreas classificadas, contribuindo para a avaliação da eficácia das políticas e medidas implementadas; (iii) do relato internacional em diversos domínios (conservação da natureza, políticas agrárias e florestais, gestão de recursos hídricos, etc.); (iv) da integração em redes internacionais de monitorização e investigação; (v) do fomento da participação da população em processos socialmente relevantes e em novos modelos de gestão e governação do território; e (vi) da promoção da cooperação institucional entre entidades, contribuindo para o desenvolvimento regional numa dimensão colaborativa que permita potenciar os resultados e promover a eficácia e eficiência das iniciativas conjuntas. De facto, para além dos indicadores relacionados estritamente com a conservação da natureza e da biodiversidade, o SIMBioN poderá contribuir de forma significativa para a informação regular de um conjunto de indicadores relacionados com outras políticas setoriais no domínio da gestão de recursos naturais, ao nível das políticas agrárias, da gestão dos recursos hídricos e das políticas florestais. Uma integração mais profunda às escalas regional e nacional, e transversal às políticas setoriais (agricultura, floresta, conservação da natureza e da biodiversidade, recursos hídricos, sustentabilidade), dos diversos esforços de monitorização ecológica permitirá certamente um aumento da eficácia e da eficiência das políticas públicas no quadro da preservação e valorização do património e dos recursos naturais, com destaque para os espaços florestais, a sua biodiversidade e os processos ecológicos de suporte à provisão de serviços ecossistémicos. 435 Florestas no Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão Secção 3 1 Capítulo 4 2 Referências · Cardoso Pereira J.M., Santos M.T.N. (2003). Áreas Queimadas e Risco de Incêndio em Portugal. Direcção-Geral das Florestas. Lisboa. · MCPFE (1993). Ministerial Conference on the Protection of Forests in Europe. 16-17 Junho de 1993 em Helsinki. Documentos. Helsinki. · Castro Rego F. (2001). Florestas Públicas. 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