Lockhartia lunifera

Inspirado por maravilhosas fotos enviadas por minha amiga Roseane Cosenza, de um par de exemplares com exuberantes e abundantes florações, hoje vou falar sobre uma planta extraordinária. Uma planta pertencente a um gênero cujas espécies apresentam um inconfundível formato e cujas flores, simpáticas e de cor predominantemente amarela, cativam e seduzem ao primeiro olhar… estou me referindo à Lockhartia lunifera…

… uma verdadeira obra-prima brasileira

Lockhartia (abreviatura: Lhta.), é um gênero botânico pertencente à família Orchidaceae, proposto em 1827 por William Jackson Hooker (1785 – 1865).

Hooker foi um brilhante botânico inglês, especializado em micologia e criptogâmicas (plantas que possuem os órgãos sexuais ocultos ou pouco aparentes).

William Jackson Hooker

Imagem retirada da internet – Site:
https://en.wikipedia.org/wiki/William_Jackson_Hooker

Hooker se celebrizou como diretor dos Reais Jardins Botânicos de Kew, localizados na periferia sudoeste de Londres, os quais dirigiu de 1841 até a data de seu falecimento. A ele se deve a construção da famosa Palm House, que durante muitas décadas foi a maior estufa do Mundo.

Palm House – Royal Botanic Gardens, Kew

Foto retirada da internet – Site:
https://en.wikipedia.org/wiki/Palm_house

Por mais de 20 anos Hooker foi Professor Regius de Botânica na Universidade de Glasgow, na Escócia, e ficou mundialmente conhecido por suas inúmeras obras de relevante valor científico.

Por suas importantes contribuições para a ciência, em 1836 foi condecorado com o título honorífico britânico de Cavaleiro, passando a ser chamado de sir William Hooker.

A planta considerada “tipo” para este gênero é atualmente conhecida como Lockhartia biserra, descrita pelo próprio Hooker quando criou o gênero, na ocasião com o nome de Lockhartia elegans.

Trata-se de um fantástico gênero composto por algo em torno de 30 espécies distribuídas pela extensa faixa que se estende desde a região sul do México até a região sul do Brasil, onde vegetam em florestas quentes, úmidas e sombrias, em alturas normalmente inferiores a mil metros.

Lockhartia – Ocorrência

Imagem retirada da internet – Site:
http://enlaescuelapublica.blogspot.com.br/2014/03/mapa-de-america-latina-con-todos-sus.html

O nome deste gênero é uma homenagem a Sir David Lockhart (1786 – 1845), que teve seu nome latinizado para David Lockhartius, botânico britânico que durante o século XVIII foi jardineiro dos Reais Jardins Botânicos de Kew, na Inglaterra, e posteriormente superintendente do Jardim Botânico Imperial de Trindade e Tobago.

Abaixo mostro tabela que elaborei com as espécies deste gênero. Informo que a quantidade de exemplares pode variar de autor para autor. Alguns afirmam que este gênero possui apenas 23 espécies e outros chegam a 35 ou até mais. Isto ocorre porque algumas destas plantas são consideradas como sinônimos para alguns, e como plantas diferentes para outros.

Das espécies acima citadas, quatro foram descobertas recentemente e descritas apenas 6 anos atrás, em 2014. São elas:

– Lockhartia compacta, oriunda da Bolívia.

– Lockhartia endresiana, oriunda da Costa Rica.

– Lockhartia rugosifolia, oriunda do Peru.

– Lockhartia tenuiflora, oriunda do Equador e Colômbia.

O formato das plantas deste gênero é inconfundível e muito fácil de distinguir. O difícil, e muito, é saber identificar a espécie correta. São todas plantas muito parecidas entre si.

Abaixo listo algumas características distintivas das espécies deste gênero:

São todas plantas de hábito predominantemente epífita.
São desprovidas de pseudobulbos. Possuem finos e achatados caules foliáceos que se originam do rizoma.
Suas folham apresentam formato triangular, são dísticas (1*), complanadas (2*) e imbricantes (3*).
Suas hastes florais se originam das axilas das folhas e suas inflorescências normalmente são racemosas (4*).
A antera (5*) de suas flores apresentam apenas 2 polínias.
As flores das espécies deste gênero normalmente são amarelas, densamente pintalgadas com tons que variam entre o marrom e o vermelho.
As flores têm sépalas e pétalas livres.

(1*) Folhas dísticas: quando os pares de folhas estão no mesmo plano

(2*) Folhas complanadas: folhas niveladas, folhas planas.

(3*) Folhas imbricantes: folhas que se sobrepõem como as telhas de um telhado.

(4*) Inflorescência racemosa: termo botânico utilizado para descrever inflorescências cujos pedicelos se originam diretamente da haste floral.

(5*) Antera: parte masculina da flor de uma orquídea. Órgão da flor onde estão acomodadas as polínias.

Entrando na área de hibridação, abaixo mostro alguns dos tantos híbridos intergenéricos que podem ser obtidos utilizando orquídeas do gênero Lockhartia. E esta lista de nomes seria ainda maior se utilizássemos os nomes dos gêneros desmembrados de Oncidium, tais como Alatiglossum, Ampliglossum, Brasilidium, Carenidium, Copensia, Grandiphyllum e Rhinocidium:

Como exemplo cito a Otohartia Sueño Amarillo, cuja tradução do espanhol é “Otohartia Sonho Amarelo”, um lindo híbrido primário registrado em 2008 pela Ecuagenera:

E para aqueles que desejam se aventurar na arte da hibridação, informo abaixo alguns dos tantos gêneros pertencentes à subtribo Oncidiinae, à qual pertence Lockhartia: Ada, Alatiglossum, Ampliglossum, Aspasia, Baptistonia, Brachtia, Brasilidium, Brassia, Capanemia, Carenidium, Caucaea, Cischweinfia, Cochlioda, Comparettia, Coppensia, Cuitlauzina, Cyrtochiloides, Cyrtochilum, Diadenium, Erycina, Fernandezia, Gomesa, Grandiphyllum, Ionopsis, Leochilus, Lockhartia, Macradenia, Macroclinium, Mesospinidium, Miltonia, Miltoniopsis, Odontoglossum, Oncidium, Ornithophora, Ornithocephalus, Osmoglossum, Otoglossum, Phymatidium, Psychopsiella, Psychopsis, Rhinocidium , Rodriguezia, Rodrigueziella, Rodrigueziopsis, Rossioglossum, Rhynchostele, Scelochilus, Sigmatostalix, Solenidiopsis, Solenidium, Symphyglossum, Telipogon, Tolumnia, Trichocentrum, Trichoceros, Trichopilia, Trizeuxis, Warmingia, Zelenkoa, Zygostates e seus híbridos.

E agora a orquídea do dia, a fabulosa Lockhartia lunifera, descrita em 1831 pelo botânico inglês John Lindley (1799 – 1865), na ocasião com o nome de Fernandezia lunifera.

Como já citado inúmeras vezes, Lindley provavelmente foi o mais renomado de todos orquidólogos. Descreveu centenas de gêneros e espécies, publicou muitos artigos e livros científicos, participou na fundação da revista Gardener’s Chronicle, e em 1857 foi agraciado com a Medalha Real, homenagem da Real Sociedade de Londres para pessoas com importantes contribuições para o avanço do conhecimento da Natureza.

John Lindley

Imagem retirada da internet – Site:
https://www.britannica.com/biography/John-Lindley

Entre suas obras destacam-se os seguintes trabalhos:

An Outline of the First Principle of Horticulture – 1832,
An Outline of the Structure and Physiology of Plants – 1832,
Nixus Plantarum – 1833,
A Natural System Botany – 1836,
Flora Medica – 1838,
Theory oh Horticulture – 1840,
The Vegetable Kingdom – 1846,
Folia Orchidaceae – 1852 e
Descriptive Botany –

Vinte e um anos depois, em 1852, o renomado botânico e orquidólogo alemão Heinrich Gustav Reichenbach (1823 – 1889), transferiu esta orquídea do gênero Fernandezia para o gênero Lockhartia, sob o nome de Lockhartia lunifera.

Heinrich Gustav Reichenbach

Imagem retirada da internet – Site:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Heinrich_Gustav_Reichenbach

Muitos acreditam ser Reichenbach o botânico mais importante para a orquidologia, atrás apenas de John Lindley.

Reichenbach identificou, descreveu e classificou mais de mil espécies de orquídeas e, durante sua brilhante carreira, chegou a ser diretor do Jardim Botânico da Universidade de Hamburgo, na Alemanha.

Jardim Botânico de Hamburgo

Foto retirada da internet – Site:
https://en.wikipedia.org/wiki/Alter_Botanischer_Garten_Hamburg

É comum confundir seu trabalho com o de seu pai, que também foi um renomado botânico. Para facilitar a correta interpretação, em taxonomia geralmente aparece referenciado como Rchb. f., onde f = filius (filho), enquanto que os trabalhos de seu pai aparecem abreviados como Rchb.

Entrando na área de taxonomia, abaixo mostro a classificação completa desta orquídea:

Sinonímia: Fernandezia lunifera e Fernandezia robusta.

O nome desta espécie, lunifera, é uma palavra composta do latim: luna, que significa “lua”, e fero, que significa “levar”, “carregar”. Juntos o significado seria “carregando uma lua”, em uma óbvia referência aos apêndices do labelo que formam a figura de uma meia lua.

Lockhartia lunifera – Detalhe do labelo

Planta de minha coleção

Créditos fotográficos: Juan Pablo Heller (Curitiba – PR)

Esta planta é exclusivamente brasileira, sendo originária de duas grandes áreas. A primeira que abrange os estados de Amazonas, Pará, Tocantins e Rondônia, na região norte do país, além de Maranhão, no nordeste, e do Mato Grosso, na região centro-oeste. A segunda área engloba a extensa faixa que se estende desde o estado de Pernambuco, na região nordeste, até o Rio Grande do Sul, na região sul do Brasil.

Lockhartia lunifera – Ocorrência

Imagem retirada da internet – Site:
https://multarte.com.br/mapa-do-brasil-com-estados-capitais-e-regioes/mapa-do-brasil-regioes/

Trata-se de uma planta muito resistente e que se adapta bem a diferentes condições climáticas, podendo ser encontrada em florestas deciduais, florestas semideciduais, florestas ombrófilas, e até no bioma Cerrado, mas normalmente próximo a rios, lagos ou pequenos córregos de água.

A orquídea do dia é uma planta de pequeno porte, crescimento simpodial e que forma lindas touceiras. Possui rizoma ramificado com raízes cobertas de tecido velame. Esta, assim como acontece com todas as espécies do gênero, é desprovida de pseudobulbos. Do rizoma se originam finos e imperceptíveis caules foliáceos achatados, eretos e pendentes que podem passar de 30cm de comprimento.

Toda a extensão destes caules é forrada com folhas dispostas de forma alternada sobre o mesmo. Estas folhas são coriáceas (6*) e apresentam formato triangular, são complanadas, dísticas e imbricantes. Em termos dimensionais estas folhas possuem, em média, 0,7cm de comprimento por 0,5cm de largura.

(6*) Folha coriácea: o termo coriáceo significa “semelhante ao couro”. Em termos botânicos aplica-se a folhas grossas e rígidas que quebram com facilidade.

Lockhartia lunifera – Detalhes das folhas

Planta de minha coleção

Créditos fotográficos: Juan Pablo Heller (Curitiba – PR)

As inflorescências são do tipo racemosa. Curtas, finas e delicadas hastes florais cujo comprimento é inferior a meio centímetro. Estas se originam da região axilar das folhas, normalmente próximo ao ápice dos caules, suportando entre 1 e 3 pequenas flores de aproximadamente 1,5cm de diâmetro.

Na figura abaixo mostro as estruturas comentadas nos parágrafos anteriores:

Lockhartia lunifera – Estruturas da planta

Planta de minha coleção

Créditos fotográficos: Juan Pablo Heller (Curitiba – PR)

As flores são estupendas. Apresentam um formato encantador e exótico muito difícil de descrever. Em todo caso vamos lá… possuem sépalas de formato oval e de aproximadamente 0,5cm de comprimento. A sépala dorsal normalmente se apresenta ereta enquanto que as sépalas laterais normalmente estão voltadas para trás. O formato das pétalas é similar ao das sépalas, mas possuem contorno levemente ondulado. Em termos de cores um lindo e forte amarelo cobre todas as estruturas citadas.

O labelo é encantador. É trilobado, muito vistoso e mede pouco menos de 1,0cm. Os lobos laterais são estreitos e curvados em forma de meia-lua, e o lobo central apresenta pilosidades muito interessantes. Em termos de cores os três lobos apesentam máculas de cor marrom-avermelhado sobre o mesmo amarelo já citado. Um verdadeiro espetáculo.

Lockhartia lunifera – Estruturas florais

Planta de minha coleção

Créditos fotográficos: Juan Pablo Heller (Curitiba – PR)

Por ser originária de uma pequena região geográfica, e pela ação predatória do homem, com a coleta irregular de exemplares para fins ornamentais e comerciais, Lockhartia lunifera é uma das tantas orquídeas pertencentes ao temido rol das plantas com risco de extinção (Apêndice II). Esta lista é gerada pela CITES (inglês: Convention on International Trade in Endangered Species of Wild Fauna and Flora – português: Convenção sobre Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção).

CITES – Logotipo

Imagem retirada da internet – Site:
https://mondodeirettili.blogspot.com/2012/04/cites-che-cose.html

Abaixo relaciono algumas orientações para quem tiver ou quiser adquirir esta planta:

A maior parte dos orquidófilos cultiva as plantas deste gênero em vasos rasos de barro. Muito bom porque este material retém umidade e não deixa o substrato encharcado. Porém, eu não recomendo o uso destes vasos, porque os mesmos filtram a água e retém os sais que, com o tempo, prejudicam a planta e dificultam novas floradas.
Minha recomendação é para cultivo em cascas ou troncos de árvores, ou ainda em vasos de plástico ou caixetas de madeira. Para os dois últimos casos sugiro que sejam preferencialmente rasos.
Em termos de substrato recomendo uma mistura de partes iguais de casca de pinus, carvão vegetal e esfagno.
Vale destacar que a grande maioria das espécies de Lockhartia aprecia uma boa umidade ambiente. Por este fato é que sugeri no item anterior a inclusão de esfagno no substrato.
Procure cultivar esta orquídea em local com boa ventilação e com sombreamento entre 50 e 60%.
Ainda falando sobre ventilação, que é fundamental para o sucesso no cultivo, enfatizo que é muito importante uma boa circulação de ar. Ambientes fechados e abafados representam um irrecusável convite para pragas como ácaros, cochonilhas, pulgões e percevejos, que perfuram as diversas estruturas da planta abrindo passagem para a entrada de fungos, bactérias e vírus.
Sugiro cultivo com temperaturas entre 10 e 35 graus. Proteja esta planta nos dias mais rigorosos do inverno.
Pode ser dividida como quase todas as orquídeas de crescimento simpodial, cortando o rizoma e deixando pelo menos 3 ou 4 caules em cada parte da divisão.
Uma boa adubação orgânica e inorgânica também é indispensável. Faça isto periodicamente, respeitando as orientações dos fabricantes.

Aqui no sul do Brasil floresce normalmente em pleno verão, e sua floração dura em média 15 dias. Recomendo.

A seguir relaciono algumas fotos ilustrativas, começando com algumas enviadas por minha querida amiga Roseane, aqui de Curitiba, talentosa e simpática orquidófila que muito admiro.

Lockhartia lunifera

Propriedade e créditos fotográficos: Roseane M. Cosenza Moraes (Curitiba – PR)

Lockhartia lunifera

Propriedade e créditos fotográficos: Roseane M. Cosenza Moraes (Curitiba – PR)

Lockhartia lunifera

Propriedade e créditos fotográficos: Roseane M. Cosenza Moraes (Curitiba – PR)

Lockhartia lunifera

Propriedade e créditos fotográficos: Roseane M. Cosenza Moraes (Curitiba – PR)

Lockhartia lunifera

Propriedade e créditos fotográficos: Roseane M. Cosenza Moraes (Curitiba – PR)

E agora, para finalizar, algumas imagens dos exemplares de minha coleção, cultivados de diferentes formas, em troncos de árvore, em “leque” confeccionado com madeira e em vaso plástico: